6. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS
Adentrando, agora, ao cerne do presente estudo, passa-se à análise particular da responsabilidade civil dos médicos, caracterizada, conforme visto como um tipo de responsabilidade profissional. É evidente a formação de um autêntico contrato entre o cliente e o médico, quando este o atende, e, portanto, a aplicação da responsabilidade civil subjetiva aos danos oriundos de condutas médicas.
Diniz (2012) reafirma o caráter contratual do exercício da medicina, ressaltando que apenas excepcionalmente terá natureza delitual, quando o médico cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares da profissão. Traz a autora alguns casos de responsabilidade extracontratual aplicável aos médicos (2012, p. 334):
O médico, p. ex., responderá extracontratualmente quando: a) fornecer atestado falso (art. 80 do Código de Ética Médica); b) consentir, podendo impedir, que pessoa não habilitada exerça a medicina (CEM, art. 2º); c) permitir a circulação de obra por ele escrita com erros de revisão relativos à dosagem de medicamentos, o que vem a ocasionar acidente ou mortes, pois deve zelar, se autor da publicação científica, pela veracidade, clareza e imparcialidade das informações nela apresentadas (CEM, art. 109); d) não ordenar a imediata remoção do ferido para um hospital, sabendo que não será possível sua melhora nas condições em que o cliente está sendo tratado; e) operar sem estar habilitado para tal; f) lançar mão de tratamento cientificamente condenado, causando deformação no paciente (RT, 180:178).
A responsabilidade civil médica é prevista no artigo 951 do Código Civil, a seguir transcrito:
O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho.3
Segundo Dias (1997, p. 296), “o fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que possa parecer, o resultado de presumir a culpa”. Isto porque o dispositivo transcrito afirma a necessidade de comprovação deste elemento subjetivo através da verificação da negligência, imprudência ou imperícia. Portanto, para o cliente é limitada a vantagem da concepção contratual da responsabilidade médica, pois o fato de não obter a cura do paciente não significa que o profissional foi inadimplente, tendo em vista que assumem obrigações de meio, conforme visto.
Aduz Diniz (2012) que se o paciente vier a falecer, sem que tenha havido negligência, imprudência ou imperícia na atividade do profissional da saúde, não haverá inadimplemento contratual, pois o médico não assumiu o dever de curá-lo, mas de tratá-lo adequadamente. Segundo a autora, não haverá presunção de culpa para haver condenação do médico, cabendo a este provar que não houve inexecução culposa de sua obrigação profissional. O médico responde não só por fato próprio, mas também por fato danoso praticado por terceiros sob suas ordens. Neste caso, a sua culpa é presumida quando manda, por exemplo, enfermeira aplicar determinada injeção que causou paralisia no braço do cliente.
Gonçalves (2011) explica que, embora o contrato médico integre o gênero “contrato de prestação de serviços”, o seu conteúdo atende à especialidade própria a esse campo da atividade humana. Por isso, concorrem elementos e fatores que distinguem a culpa dos médicos da exigida para responsabilizar integrantes de outras profissões. A obrigação principal consiste no atendimento adequado do paciente e na observação de inúmeros deveres específicos. O dever geral de cautela e o saber profissional próprios do médico caracterizam o dever geral de bom atendimento, exigindo-se um empenho superior ao de outros profissionais.
Diniz (2012) faz alusão a três deveres específicos contidos nos contratos médicos. O primeiro deles consiste no dever de informação, devendo estar atento aos avanços científicos e sobre as propriedades das técnicas que emprega e das drogas que administra. Também deve informar ao paciente sobre os efeitos favoráveis e adversos do tratamento utilizado e orientá-lo a respeito de eventuais riscos existentes. Assim, o médico será responsabilizado por violação do dever de aconselhar se não instruir seu cliente no que concerne ao diagnóstico, ao prognóstico, aos riscos e objetivos do tratamento, às pesquisas e às precauções exigidas pelo seu estado.
O segundo dever consiste em médicos a tratar o cliente com zelo, utilizando-se dos recursos adequados, prestando cuidados atenciosos, conscienciosos, de acordo com as aquisições da ciência e empregando a melhor técnica disponível. Neste sentido, a prova da negligência médica constitui, na prática, tormento para as vítimas, que não dispõem de conhecimentos técnicos, razão pela qual o artigo 6º, inciso VIII, do Código Civil permite a inversão do ônus da prova4, cabendo ao profissional demonstrar que sua conduta foi totalmente zelosa. De acordo com este dever, o médico responderá se não der assistência ao seu cliente ou se negligenciar as visitas, abandonando-o. Lembra a autora que o exercício da medicina é livre, podendo o médico negar-se a atender chamado de um doente, salvo se for seu cliente. Apesar desta liberdade, não poderá deixar de atender paciente que procure os seus cuidados profissionais em caso de urgência ou emergência, quando não houver outro médico em condições de fazê-lo. Ainda, é vedado ao médico afastar-se de sua atividade profissional, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave. Haverá, também, abandono se na substituição o médico assistente procede negligentemente, enviando o doente que requer cuidado especial a médico de pouca prática ou menos hábil. Neste caso, o profissional substituído responderá por culpa in eligendo.
Como terceiro dever aponta-se a abstenção de abuso ou desvio de poder, pois o médico não terá o direito de tentar pesquisas e experiências médicas sobre o corpo humano, salvo se imprescindíveis para enfrentar o problema, sempre respeitando normas éticas e protegendo a vulnerabilidade do paciente. Apesar disso, tal dever não pode ser considerado com rigor absoluto, sob pena de entravar a liberdade do profissional e o avanço da ciência. Segundo Gonçalves (2011), o retardamento de cuidados médicos, desde que provoque dano ao paciente, pode importar em responsabilidade pela perda de uma chance. Consiste esta na interrupção, por um determinado fato antijurídico, de um processo que propiciaria a uma pessoa a possibilidade de vir a obter, no futuro, algo benéfico, e que, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. A perda de uma chance, em si mesma, caracteriza um dano. Sobre a perda de uma chance, manifestam-se os Tribunais Pátrios5:
Responsabilidade civil. Erro médico Hospital e plano de saúde que respondem uma vez evidenciada a culpa dos médicos que atenderam o apelado Cerceamento de defesa afastado Existência de sólida prova documental suficiente para o julgamento da lide Prescrição afastada Demonstrada a inadequação do tratamento ao qual foi submetido o apelado, uma vez que os médicos negligenciaram diagnóstico anterior indicando problemas no quadril. Perda de tempo considerável em ministrar o tratamento adequado que agravou o estado clínico do apelado, com mascaramento do quadro. Existência, ainda, de condenação de um dos médicos pelo Conselho Regional de Medicina Pequena possibilidade de que o tratamento precoce não fosse eficaz não afasta a responsabilidade do médico. Perda de uma chance. Danos morais. Ocorrência. Decisão mantida. Recursos improvidos.
(APL 01169640420088260000 SP, Rel. Eduardo Sá Pinto Sandeville, 18.02.2013).
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. DIAGNÓSTICO EQUIVOCADO. AUSÊNCIA DE MEDIDAS PRECONIZADAS PARA AVALIAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DA CAUSA DOS SINTOMAS DO PACIENTE. PERDA DE UMA CHANCE. CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. Na hipótese dos autos, restou provado que os profissionais de medicina da Clínica ré foram negligentes na investigação clínica do quadro que apresentava o paciente, ignorando a evolução da sintomatologia e do quadro clínico que apresentava o paciente. Ainda, restou desconsiderado no segundo atendimento os sintomas apresentados pelo paciente, que recomendavam o aprofundamento diagnóstico, com realização de exames, para tentar identificar a origem das persistentes dores lombares do paciente (apesar da inicial ter referido que a queixa era de dores abdominais, todo o prontuário médico refere persistentemente que a queixa era de dores nas costas - na altura dos arcos costais). Conduta imprudente, negligente e imperita da equipe médica da Clínica ré, que ignorou a sintomatologia apresentada pelo paciente, que demandava uma investigação diagnóstica mais acurada e tratamento mais agressivo para o quadro apresentado. Erro de diagnóstico configurado. Aplicação da teoria da chance perdida, porquanto o erro de diagnóstico tolheu eventuais chances de cura ou melhora do estado de saúde do paciente, contribuindo para a evolução do quadro, que culminou no seu óbito por infecção generalizada. O tumor de que padecia a vítima era raro e agressivo e mesmo que o diagnóstico fosse antecipado isso provavelmente não teria alterado o infeliz desdobramento do episódio, fato é que se tratava de pessoa jovem e portadora, quanto ao mais, de boa saúde. Tais pessoas reagem melhor a tratamentos. Além disso, é sabido que cada organismo é único e apresenta reações diferenciadas tanto às patologias que o acometem quanto ao tratamento adotado para combatê-las. Considerando a carência de elementos concretos nos autos, a partir do senso comum envolvendo casos de tumores, estima-se em 10% a chance perdida pelo filho e irmão das autoras de ter tido uma evolução positiva de sua doença, que era grave, insidiosa e agressiva. Configurada a responsabilidade da Clínica ré devido à evidente falha no atendimento médico-hospitalar ao de cujus, bem como o nexo de causalidade entre o ato e o evento danoso, deve ser reconhecido o dever de indenizar.
DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. Inegável a ocorrência do dano moral, que é in re ipsa, porquanto decorrente do próprio fato, em virtude da falha no serviço prestado pela Clínica ré que culminou no óbito do filho e irmão das litigantes. Valor da condenação mitigado em razão da aplicação da teoria da chance perdida.
DANO MATERIAL. PENSIONAMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. Em relação ao pensionamento, não houve impugnação específica dos termos da sentença por parte da Clínica ré, razão pela qual não restou atendido o pressuposto legal previsto no art. 514, inciso II, do CPC, impondo-se a confirmação da sentença, no particular, por ausência de impugnação específica da decisão hostilizada.
POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.
(Apelação Cível Nº 70055821367, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 25/09/2013).
Direito Civil e Direito Administrativo. Responsabilidade Civil do Estado. Atendimento em hospital público. UTI. Prescrição médica. Omissão. Ordem judicial. Negligência no cumprimento. Teoria da Perda de uma Chance. Dano moral configurado. Pensionamento indevido.
I. As pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos causados por ação ou omissão de seus agentes, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
II. A responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público funda-se no risco administrativo e não no risco integral, motivo por que dispensa apenas a prova da culpa do agente público, porém não elide a necessidade de demonstração de todos os demais pressupostos da responsabilidade civil: ação ou omissão, dano e relação de causalidade.
III. A omissão cuja ocorrência deflagra a responsabilidade objetiva do ente estatal é aquela que a doutrina denomina de omissão específica ou omissão concreta, isto é, caracterizada pelo descumprimento de um dever previamente estabelecido, na medida em que a omissão genérica traz embutida o vazio obrigacional.
IV. Evidenciado pelo conjunto probatório que a falta de internação do paciente em leito de UTI, conforme prescrito pelo medico que o atendeu, suprimiu a possibilidade de que, uma vez assistido adequadamente, tivesse a chance de superar ou abrandar o problema de saúde, não há como ocultar a responsabilidade do ente estatal responsável pela prestação do serviço público omitido.
V. Aplica-se a teoria da Perda de uma Chance, surgida no direito francês justamente no contexto da prestação de serviços médicos, quando as provas dos autos denotam que a prestação do serviço médico-hospitalar adequado oportunizaria a convalescença, a melhoria ou a estabilização do estado de saúde do paciente.
VI. Caracteriza dano moral a aflição, a angústia e a indignação, com indiscutível sobrecarga emocional, resultante do quadro traumático da falta de atendimento médico ao ente querido gravemente enfermo que terminou por frustrar qualquer possibilidade da continuidade da vida e do convívio familiar.
VII. Não havendo como estabelecer o nexo de causalidade direto entre a omissão estatal e a morte do paciente, ao Distrito Federal não pode ser imputado o dever de indenizar prescrito no artigo 940 do Código Civil que tem como fundamento exatamente a responsabilidade pela supressão ilícita da vida.
VIII. Apelações conhecidas e desprovidas.
(TJ-DF - APC: 20090111819504 DF 0168401-75.2009.8.07.0001, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Data de Julgamento: 19/03/2014, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/03/2014 . Pág.: 225).
Outro ponto importante do tema reside no direito da personalidade previsto no artigo 15 do Código Civil, in verbis: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Tal regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar ao tratamento, a fim de proteger a inviolabilidade do corpo humano. Na impossibilidade de o doente manifestar a sua vontade, deve o profissional obter autorização escrita de qualquer parente maior, da linha reta ou colateral até o segundo grau, ou do cônjuge. Não havendo tempo hábil para tais providências, por tratar-se de emergência que exige pronta intervenção, terá o profissional a obrigação de realizar o procedimento médico, eximindo-se de qualquer responsabilidade por não tê-la obtido. Neste sentido, Gonçalves (2011, p. 261) relata um curioso caso:
O Tribunal de Justiça de São Paulo teve a oportunidade de apreciar o caso de uma jovem que dera entrada no hospital inconsciente e necessitando de aparelhos para respirar, encontrando-se sob iminente risco de morte, em estado comatoso, quando lhe foram aplicadas as transfusões de sangue. Por questões religiosas, afirmou ela em juízo, na ação de reparação por danos morais movida contra o hospital e o médico que a salvou, que preferia a morte a receber a transfusão de sangue que poderia evitar a eliminação física. Outra pessoa havia apresentado ao médico, no momento da internação, um documento que vedava a terapia da transfusão, previamente assinado pela referida jovem e que permanecia com o portador, para eventual emergência. Entendeu o Tribunal, ao confirmar a sentença de improcedência da ação, que à apelante, embora o direito de culto que lhe é assegurado pela Lei Maior, não era dado dispor da própria vida, de preferir a morte a receber a transfusão de sangue, “a risco de que se ponha em xeque direito dessa ordem, que é intangível e interessa também ao Estado, e sem o qual os demais, como é intuitivo, não têm como subsistir”.
Revela-se, assim, que, em regra, o médico está obrigado a obter prévia autorização do paciente ou, na impossibilidade deste, de familiares para a realização de tratamento de risco, em razão da inviolabilidade do corpo humano. Porém, quando este direito personalíssimo é cotejado com o direito à vida, este deve prevalecer, estando o médico autorizado a realizar o procedimento independentemente de autorização, pois não é dado ao paciente dispor de sua própria vida por motivos religiosos ou por quaisquer outras razões.
6.1. As Obrigações de Resultado na Atividade Médica
Conforme visto, a atividade médica é, em regra, uma obrigação de meio. Porém, há situações que são tidas como obrigações de resultado, como é o caso de cirurgiões-plásticos e dermatologistas que cuidam da estética, cuja atuação não se limita ao acompanhamento do paciente e do emprego de todas as técnicas e diligências necessárias, obrigando-se, também, à obtenção de um resultado previamente determinado.
A cirurgia-plástica, bem como os tratamentos estéticos realizados por médicos especialistas, em regra, visa à correção de defeitos ou melhoramentos estéticos. O cliente não se encontra doente. Se este, ao final do procedimento, fica com aspecto pior do que o original, não se alcançando o resultado, cabe-lhe o direito à pretensão ressarcitória. Da cirurgia mal-sucedida surge a obrigação de reparar o dano, abrangendo todas as despesas efetuadas, os prejuízos morais e a verba que será despendida para a realização de novos tratamentos e novas cirurgias.
Há opiniões doutrinárias no sentido de que o cirurgião-plástico assume obrigação de meio, tendo em vista que a álea está presente em toda intervenção cirúrgica, sendo imprevisíveis as reações de cada organismo. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, em regra, trata-se a questão de obrigação de resultado, conforme julgado a seguir transcrito:
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. JULGAMENTO EM SINTONIA COM OS PRECEDENTES DESTA CORTE. CULPA DO PROFISSIONAL. FUNDAMENTO INATACADO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). RAZOABILIDADE. I - A jurisprudência desta Corte orienta que a obrigação é de resultado em procedimentos cirúrgicos para fins estéticos. II - Esta Corte só conhece de valores fixados a título de danos morais que destoam razoabilidade, o que não ocorreu no presente caso. III - O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. Agravo Regimental improvido
(AgRg no Ag 1132743 RS, Min. Sidnei Beneti, 25.06.2009).6
O profissional deve ter em mente, ainda, a necessidade do procedimento buscado pelo cliente, pois, não havendo esta necessidade e sendo aquele realizado pelo cirurgião, causando danos estéticos ou não obtendo o resultado esperado, o profissional será responsabilizado, independentemente se informou o cliente sobre os risco e se este consentiu. Neste sentido, explica Dias (1997, p. 324-325):
Embora reconhecida a necessidade da operação, deve o médico recusar-se a ela, se o perigo da intervenção é maior que a vantagem que poderia trazer ao paciente. Sempre e em todos os casos, compete ao médico a prova de que existia esse estado de necessidade e de que a operação, normalmente encarada, não oferecia riscos desproporcionados ao fim colimado. Não vale, para nenhum efeito, neste particular, a prova do consentimento do cliente. Na matéria, em que predomina o princípio da integridade do corpo humano, norma de ordem pública, não vale a máxima volenti non fit injuria. Mas, ainda que não corresponda ao sucesso esperado, a operação estética pode bem deixar de acarretar a responsabilidade do profissional, desde que: a) seja razoavelmente necessária; b) o risco a correr seja menor que a vantagem procurada; c) seja praticada de acordo com as normas da profissão.
É de se ressaltar que, em caso de cirurgia-plástica reparadora, em que o paciente sofreu danos estéticos decorrentes de queimadura ou acidente, por exemplo, a obrigação é de meio. Neste sentido, a jurisprudência nacional7:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CIRURGIA DE RECONSTRUÇÃO DE MAMA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AGRAVO RETIDO. PERÍCIA TÉCNICA. É possível a inversão do ônus da prova em situações como a dos autos. Precedentes do STJ e deste Tribunal. A responsabilidade de médico contratado para cirurgia estética reparadora é indubitavelmente subjetiva, a teor do disposto no art. 951 do Código Civil e do art. 14, § 4º, do CDC. Independentemente da divergência sobre ser de meios ou de resultado a cirurgia plástica puramente estética ou embelezadora - e ainda que amplamente predominante a segunda posição - fato é que é induvidoso que as cirurgias estéticas reparadoras ou restauradoras engendram obrigações de meios. No caso em tela, a perícia técnica comprovou que o réu utilizou técnica adequada para o caso, não tendo, em momento algum, cometido qualquer falha que pudesse ensejar a sua condenação. O resultado final só não foi melhor porque a própria autora recusou-se a colocar prótese, vindo a abandonar o tratamento após a cirurgia. Ausentes os pressupostos da responsabilização civil, a improcedência do pedido é medida que se impõe. Sentença reformada. APELO PROVIDO.
(Apelação Cível Nº 70058158718, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 26/03/2014).
Gagliano e Pamplona Filho (2010) entendem que também é caracterizada como obrigação de resultado a atividade dos anestesistas, tendo em vista que sua finalidade é possibilitar a atividade cirúrgica. Sebastião (2000) entende a referida atividade como uma obrigação de meio.
Gonçalves (2011) destaca, no que tange à atividade do anestesista, que existe a responsabilidade autônoma deste profissional no pré e pós-operatório, ainda havendo divergência quanto à responsabilidade durante o procedimento cirúrgico, podendo ser dividida entre o este e o cirurgião. Em casos em que este escolhe o anestesista, incorrerá em culpa in eligendo, sendo solidária entre ambos a obrigação de reparar o dano. Sustenta, ainda, que o anestesista assume obrigação de resultado, desde que tenha tido a oportunidade de avaliar o paciente antes da intervenção e concluir pela existência de condições para a anestesia, assumindo o dever de sedá-lo e recuperá-lo.
Sobre a atividade do anestesista, Diniz (2012) afirma que este profissional deverá observar as seguintes normas: a) o risco da anestesia nunca deverá ser maior que o da intervenção cirúrgica, isto é, em operações de menor importância não se deve aplicar anestesia geral; b) não deve anestesiar sem a anuência do paciente ou de seus familiares; c) aplicar a anestesia na presença de testemunhas; d) examinar previamente as condições fisiopsíquicas do enfermo; e) não deve proporcionar anestesia a operação ilícita ou fraudulenta, como aborto criminoso, por exemplo; f) não usar entorpecentes senão nas condições necessárias para aliviar a dor. A violação destas normas indica imperícia, negligência, imprudência ou torpeza.
Importa ressaltar que, excepcionalmente, atividades que denotam uma obrigação de meio podem se converter em uma obrigação de resultado, a depender da forma como se deu a pactuação com o consumidor dos serviços médicos. Gagliano e Pamplona Filho (2010) trazem um interessante caso neste sentido, em que dois médicos paulistas tiveram de pagar indenização a uma paciente por terem dado a ela falsas esperanças de cura, realizando uma cirurgia inócua, motivo pelo qual a vítima perdeu a visão. A paciente chegou a vender imóveis e veículos para custear as despesas do tratamento.
6.2. O Erro Médico
O erro médico é a falha profissional imputada ao exercente da medicina. Na sua caracterização atua o elemento anímico da culpa, especialmente sob as facetas da imperícia e da negligência. De acordo com Dias (1997), o erro de técnica é apreciado com prudente reserva pelos Tribunais. Com efeito, o julgador não deve nem pode entrar em apreciações de ordem técnica quanto aos métodos científicos que, por sua natureza, sejam passíveis de dúvidas e discussões. Assim, não se tem considerado como culpável o erro profissional advindo da incerteza da arte médica, sendo ainda objeto de controvérsias científicas, pois a imperfeição da ciência é uma realidade.
Segundo Gonçalves (2011), também não acarreta a responsabilidade civil do médico a chamada iatrogenia, expressão utilizada para indicar o dano causado pelo médico em pessoas sadias ou doentes, cujos transtornos são imprevisíveis ou inesperados. Resulta da imperfeição dos conhecimentos científicos, escusável o erro em razão da falibilidade médica. Neste sentido, exemplos da jurisprudência nacional:
Indenização - Danos Morais - Erro Médico - Iatrogenia - Erro Escusável - Responsabilidade do Médico e do Hospital Afastada - Prequestionamento - Cumprimento da Exigência. Sentença reformada.
1) Por ser a medicina uma ciência de meios e não de resultados, não há que se falar em erro médico quando há simplesmente escolha inadequada entre os tratamentos possíveis ao caso, caracterizando hipótese de iatrogenia.
2) Se a responsabilidade do médico é afastada, deve ser afastada também a responsabilidade do hospital, já que os serviços da casa de saúde foram executados em conformidade com o resultado e os riscos que razoavelmente se esperam da atividade médica.
3) O prequestionamento que se exige, possibilitador do oferecimento de recursos extraordinário e especial, é ter sido a matéria que permitiria a apresentação dos recursos lembrada, ventilada pelas partes, ou por uma delas, não sendo exigência, para que ela se faça presente, manifestação explícita do órgão julgador sobre o tema. 4) - Recursos conhecidos e providos.
(AP 200410920068070001, TJDF, Rel. Luciano Moreira Vasconcelos, 01.06.2012).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INFECÇÃO HOSPITALAR DECORRENTE DE SURTO EPIDÊMICO. INOCORRÊNCIA DE ERRO OU NEGLIGÊNCIA NO TRATAMENTO MÉDICO PRESTADO. DANO IATROGÊNICO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. Caso em que a autora, após ser submetida a uma cirurgia de colecistectomia por videoparoscopia no Hospital Geral de Bonsucesso, contraiu infecção hospitalar e foi submetida a intenso e longo tratamento (inclusive com outras cirurgias) para a recuperação de sua saúde. Demonstrado nos autos que o quadro infeccioso não decorreu de erro, assepsia ou negligência no serviço médico prestado, mas sim de surto imprevisível (segundo as atuais técnicas da medicina) de diferente microbactéria, não pode ser imputada responsabilidade à União Federal. Não seria razoável que o atendimento gratuito, realizado segundo a boa técnica, possa gerar para a coletividade o ônus de pagar pelos problemas que são riscos próprios do procedimento, realizado sem intuito de lucro. Portanto, ainda que se queira trabalhar com a responsabilidade objetiva, configura-se fortuito que exclui a responsabilidade. Raciocínio outro afirmaria o Poder Público segurador geral de males oriundos de causas as mais diversas, que não gerou, e quando os recursos devem ser destinados à melhoria do sistema. Remessa e apelo da União providos. Sentença modificada
(REEX 200851010124235, TRF 2 Des. Rel. Guilherme Couto, 28.02.2011).
Da mesma forma, tem-se consignado que o erro de diagnóstico, aquele que consiste na determinação da doença do paciente e de suas causas, não gera responsabilidade quando escusável em face do estado atual da ciência médica e não lhe tenha acarretado danos. Diferente, porém, a situação quando o profissional se mostra imperito e desconhecedor da arte médica, ou demonstra falta de diligência ou de prudência em relação ao que se podia esperar de um bom profissional. Neste caso, exsurge a responsabilidade civil decorrente da violação consciente de um dever ou de uma falta objetiva do dever de cuidado, impondo ao médico a obrigação de reparar o dano.
6.3. A Responsabilidade Civil dos Hospitais e das Empresas de Plano de Saúde
É importante ressaltar, através do presente subtópico, que, embora a responsabilidade civil do profissional médico permaneça subjetiva, a responsabilidade do hospital em que presta serviços se caracteriza como objetiva. De acordo com o artigo 932, inciso III, do Código Civil, o empregador é responsável pelos atos de seus empregados; portanto, os hospitais ou clínicas são responsáveis pelos danos gerados por seus profissionais.
Se o médico integra o quadro pessoal permanente do hospital, a responsabilidade desta última é manifesta. A dúvida existe quando o médico utiliza apenas eventualmente a estrutura física do hospital para realizar seus procedimentos. Para Gagliano e Pamplona Filho (2010), ainda neste caso subsiste a responsabilidade objetiva do hospital, pois há um liame jurídico entre este e o médico, sem prejuízo do exercício do direito de regresso. Ademais, seria extremamente dificultoso para a vítima delimitar e diferenciar, no caso concreto, a participação do médico desidioso ou a falta de estrutura ou de higiene do hospital para a ocorrência do dano.
Gonçalves (2011) diverge deste entendimento, afirmando que se o profissional apenas utiliza o hospital para internar os seus pacientes particulares, responde com exclusividade pelos seus erros, afastada a responsabilidade do estabelecimento. Afirma o autor que também estão sujeitos à responsabilidade objetiva, a partir de uma obrigação de resultado, os laboratórios de análises clínicas, bancos de sangue e centros de exames radiológicos, como prestadores de serviços. Cumpre observar que o hospital responde pelos danos produzidos pelas coisas, instrumentos e aparelhos utilizados na prestação dos seus serviços. Além disso, responde pelos atos do seu quadro de pessoal.
No que tange às empresas mantenedoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, tem-se que a sua responsabilidade tem sido reconhecida pela jurisprudência nacional. Isto porque os contratos celebrados com tais instituições são tipicamente de adesão e suas cláusulas, muitas vezes, conflitam com o princípio da boa-fé e com as regras consumeristas protetivas, como, por exemplo, a limitação do período de internação de seus segurados. Esta cláusula, inclusive, já foi declarada como abusiva pelo Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 302.
Assim, enquanto titulares de uma relação jurídica, decorrente da exploração de uma atividade econômica disciplinada como relação de consumo, devem tais empresas responder solidariamente pelos danos causados por seus profissionais e estabelecimentos hospitalares credenciados. Vários são os exemplos dessa responsabilização advindos da jurisprudência nacional:
Contrato de plano de saúde. Nulidade da sentença. Ausência de violação ao direito à prova. Sentença extra petita. Não caracterização do vício. Juntada de documentos tardivamente. Possibilidade, desde que assegurado o contraditório e ausente a má-fé da parte que os produziu. Responsabilidade da empresa de plano de saúde pelo custeio das despesas com o tratamento médico do consumidor. Dano moral não caracterizado. Apelação provida em parte.
(AC 66525224 PR, Albino Jacomel Gueiros, 30.09.2010).
Civil e processual civil - Agravo legal. Responsabilidade civil. Empresa de plano de saúde. Aplicação do CDC. Contratos de autogestão. Possibilidade. Exclusão de cobertura. Recusa indevida da cobertura. Dano moral configurado. Indenização devida. Decisão agravada mantida à unanimidade.
1. É plenamente aplicável o CDC nos contratos de autogestão, possuindo os segurados a condição de consumidores, e devendo ser ressarcidos integralmente dos custos inerentes ao procedimento médico necessário.
2. É cabível indenização por dano moral diante da negativa de cobertura de tratamento médico. Afinal, os abalos à honra sofridos diante de uma negativa de tratamento de tal porte superam, em muito, os efeitos nocivos de um mero aborrecimento cotidiano.
3. Os juros de mora devidos nos casos de responsabilidade extracontratual correm a partir da data do evento danoso, conforme comando da súmula 54 do STJ. (...)
6. Dano moral arbitrado em R$ 10.000,00.
7. Recurso de agravo a que se nega provimento à unanimidade, para manter a decisão agravada
(AGV 1860586 PE, Francisco Gonçalves Setorio Canto, 03.02.2011).
Agravo interno - Agravo de instrumento – Recurso especial - Responsabilidade civil - Erro médico - Empresa prestadora do plano de assistência à saúde legitimidade passiva.
A empresa prestadora do plano de assistência à saúde é parte legitimada passivamente para ação indenizatória proposta por associado em decorrência de erro médico por profissional por ela credenciado. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 682875 RJ, STJ, Paulo Furtado, 15.10.2009).
Apelação cível. Responsabilidade civil. Plano de saúde. Ausência de repasse do contrato firmado com a autora pela corretora preposta da empresa ré. Negativa de atendimento. Dano moral configurado. Sentença que condenou a ré a efetuar a migração do plano da autora para o plano Assim Saúde Básico efetivamente contratado no ato da proposta. Apelo da ré pugnando pela extinção do feito ante a ilegitimidade passiva e no mérito, alega impossibilidade de cumprir a obrigação de fazer imposta, por não ser mais o plano básico, comercializado.
1 - A empresa ré é responsável pelos atos de seus prepostos, ainda que terceirizados, devendo responder perante o consumidor por eventual lesão que causar.
2 - A apelante não trouxe aos autos qualquer prova de que lhe fosse impossível cumprir a obrigação de fazer. Limita-se a alegar não mais comercializar o plano básico anteriormente contratado.
3 - Plano básico que permanece ativo para os comercializados anteriormente. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, ART. 557, CAPUT, DO CPC
(AC03958863320098190001 RJ, Antonio Carlos dos Santos Bitencourt, 31.03.2014).
Observa-se, assim, que as empresas mantenedoras dos serviços de plano de saúde, na condição de maiores beneficiados financeiramente com as atividades desenvolvidas, devem também responder pelos eventuais danos que seus associados venham a sofrer. A partir do momento que credenciam sujeitos para a prestação de serviços que lhe incumbe, o plano assume a responsabilidade pelos atos destes, pelas regras de responsabilidade por ato de terceiro, incorrendo em culpa in eligendo e in vigilando.