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A nova intervenção de terceiros prevista no art. 1.698 do Código Civil

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Agenda 05/10/2007 às 00:00

Nossa posição

Sempre com a vênia necessária, em respeito aos renomados autores citados acima, ousamos discordar em parte de alguns deles, pois entendemos, como já dito, que a inovação do Diploma Civil foi criada no interesse exclusivo do autor, de modo que somente ele poderia fazer uso do direito de "chamar" outros potenciais réus ao processo.

Partindo desta premissa, acreditamos, como faz Fredie Didier, que a regra do art. 1.698 se assemelha muito a um litisconsórcio facultativo ulterior, o qual somente poderia ser manejado pela parte ativa da demanda, no caso o credor dos alimentos.

Seguindo nosso raciocínio, o réu demandado na ação de alimentos não tem interesse processual em chamar outro parente para integrar a lide no pólo passivo, pois a ele somente será imposta a obrigação alimentícia nos limites de suas condições financeiras. Em razão da ausência de solidariedade da obrigação alimentícia, falta justa causa para que o réu demandado sozinho alegue em sua defesa a existência de outros parentes com condições financeiras de prestar alimentos à parte autora. O alimentante é quem assume o risco de demandar apenas o parente de grau mais próximo e deixar de chamar ao processo o de grau mais remoto. O único prejudicado com a não intervenção do outro parente é o autor, motivo pelo qual somente a ele cabe redirecionar ou não a demanda.

Segundo este entendimento, a nova intervenção de terceiros não se ajusta a nenhuma daquelas previstas no Código de Processo Civil. Na verdade é uma nova espécie de intervenção, sem precedente, com aplicação muito restrita e específica, identificando-se muito com o instituto jurídico do litisconsórcio.

Ao que tudo indica, os terceiros ingressariam nos autos na qualidade de litisconsortes daquele que já figurava no pólo passivo da demanda. Estaríamos então perante um litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples, como bem definiu Fredie Didier Jr. [14]

Trata-se de litisconsórcio facultativo que se amolda ao disposto no inciso I do artigo 46 do Código de Processo Civil, já que estaremos diante da comunhão de obrigações, em que várias são as pessoas obrigadas pela mesma dívida, ainda que não exista solidariedade entre elas.

É ulterior, porque se forma após o ajuizamento da demanda, e simples, porque não é necessário que a decisão seja proferida de maneira uniforme para todos os litigantes, ou seja, cada qual será condenado a arcar com o montante que suportar, afastando-se eventual identidade ou distribuição igualitária de quotas entre os potenciais devedores.

Didier defende que o autor poderá, desde logo, ingressar com a demanda contra todas aquelas pessoas que julgue serem devedoras da obrigação alimentar; porém, se em graus iguais, o juiz definirá quanto cada um deles deve e, caso em graus distintos, estaremos diante de uma litisconsórcio facultativo eventual, onde existirá uma análise sucessiva e subsidiária por parte do magistrado com relação à capacidade que cada devedor tem de suportar a obrigação alimentar a ele direcionada.

O citado litisconsórcio facultativo ulterior foi apenas citado anteriormente, sendo que merece algumas palavras para ser devidamente compreendido.

O processualista Cássio Scarpinella, citado várias vezes neste trabalho, faz uma comparação interessante para explicar o que vem a ser o litisconsórcio facultativo eventual. Ele traça um paralelo entre a classificação dos pedidos e a classificação de novas espécies de litisconsórcio. Diz que do mesmo modo que existem pedidos sucessivos, alternativos e eventuais, nada impediria a existência de litisconsórcio sucessivo, alternativo e eventual, sendo que o raciocínio é o mesmo para as duas classificações, porém no caso dos pedidos apreciamos o aspecto objetivo da relação jurídica processual e no caso do litisconsórcio prostramos nossa atenção para o aspecto subjetivo da relação jurídica processual. [15]

O autor diz que esta classificação deve ser levada em consideração e melhor estudada em razão de novas situações trazidas pelo Novo Código Civil, sendo que cita como exemplo a regra do artigo 50 do Estatuto Civilista, a qual trata da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, em certas circunstâncias expressamente previstas.

A citada regra seria um exemplo do que chama de litisconsórcio facultativo eventual. Especificamente sobre esta espécie de litisconsórcio, entendemos relevante transcrever trecho da obra já citada, vazado nos seguintes termos:

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Por fim, tem-se cúmulo eventual quando uma ação é proposta para o evento de que a outra seja rejeitada. O autor formula duas demandas, tendo preferência pela primeira, mas pedindo ao juiz que conheça e acolha a segunda (que por isso mesmo se considera subsidiária) no caso de não poder a primeira ser atendida. [16]

Por questões de economia processual e atendendo-se ao princípio da instrumentalidade das formas, acreditamos que nenhum empecilho haveria no caso da parte autora demandar, desde o início, mais de um parente, ainda que estes se encontrarem em graus distintos de parentesco. Neste caso o parente de grau mais remoto poderia exigir, antes de ser obrigado a pagar algo a título de alimentos, que ficasse provado o esgotamento das forças patrimoniais do parente de grau mais próximo. Seria uma espécie de benefício de ordem, embora não exista solidariedade. Isso ocorre em razão da obrigação do parente de grau mais remoto ser subsidiária em relação ao de grau mais próximo. É justamente neste caso que Fredie Didier diz haver o citado "litisconsórcio facultativo eventual", com o que concordamos plenamente..

Prosseguindo, Yussef Cahali também afirma que o litisconsórcio que surgiria da existência de mais de um dos co-obrigados no pólo passivo seria de natureza simples, pois a natureza da obrigação conjunta, ou seja, suportada por várias pessoas, existe em benefício do credor dos alimentos, não dos devedores. [17] Sendo assim, a decisão poderá ser distinta em relação a cada um dos devedores, pois a dívida não é comum e perante o credor a responsabilidade de cada devedor, existindo mais de um, é autônoma. Cahali entende que o litisconsórcio pode ser formado pelo réu, embora reconheça que o instituto foi criado para beneficiar o credor dos alimentos.

Como já dissemos, por questões ligadas ao interesse processual, espécie de condição da ação, entendemos que somente o credor dos alimentos poderia provocar o chamamento ao processo de possíveis devedores que não tenham sido demandados desde o início.

Fredie Didier expõe esta questão da iniciativa de forma interessante. O autor questiona que caso se permitisse que o réu convocasse terceiro não demandado pela parte ativa, acabaria ele agindo como um inexplicável substituto processual do autor, pois estaria aditando a petição inicial, mesmo contra a vontade da parte ativa, já que nada impede esta não ter interesse, por questões diversas, de demandar contra determinado parente, de forma que seria um absurdo obrigá-la a assim proceder, contra a sua vontade. [18]

Em razão dos argumentos expostos, acreditamos que a posição mais sensata é a por nós advogada, pois ao mesmo tempo resguarda os interesses da parte ativa e da parte ré, prezando pela obediência à regra do interesse processual.

Como já dito, o terceiro ingressaria no processo na qualidade de um litisconsorte simples. Esta a sua natureza jurídica. Seria parte, co-demandado, em conjunto com aquele parente que originalmente constava no pólo passivo da demanda.

Sobre o momento processual para o ingresso do litisconsorte, entendemos que o limite temporal seria o do despacho saneador, pois a partir daí a relação jurídica processual estaria definitivamente estabilizada, ficando vedado o ingresso de terceiros, alteração do pedido ou mesmo da causa de pedir, sob pena de se permitir instabilidade processual, prejudicando todo o andamento do feito e a própria decisão futura, a qual não atenderia ao mínimo de segurança jurídica que se espera de um provimento jurisdicional.

Entendemos que não é necessária a concordância da parte ré para o ingresso de outro parente no pólo passivo da demanda, pois como já afirmamos a previsão de "chamamento" (grifo nosso) existe em benefício exclusivo do autor, de modo que somente ele tem interesse processual em convocar ou não outro parente para compor a lide no pólo passivo.

Com relação ao papel e poder do julgador neste tipo de demanda, pensamos que não pode o magistrado determinar de ofício o ingresso de outros parentes não demandados originalmente, pelo mesmo motivo segundo o qual entendemos que o réu não pode fazê-lo, ou seja, estaria sendo invadida a esfera pessoal do autor da ação, chegando-se ao absurdo de determinar ingresso de pessoas na demanda contra a vontade da parte ativa, o que somente poderia ocorrer se a natureza da relação jurídica assim exigisse ou por expressa previsão de lei, casos em que estaríamos diante de um litisconsórcio necessário. Ressaltamos ainda que o julgador é imparcial e inerte, sendo que caso agisse de ofício poderia quebrar sua imparcialidade e inércia, maculando todo o processo e a eventual decisão que viesse a proferir.

Por fim, sobre a possibilidade do Ministério Público pleitear o ingresso de outro parente na demanda, entendemos que isso seria possível, porém somente em situações excepcionais, nas quais ficasse evidentemente comprovado que o alimentado estaria sendo prejudicado pela recusa do seu representante legal em demandar determinado parente. Isso decorre da natureza da Instituição e da função relevante que exerce, como custos legis, de modo que comprovado o prejuízo ao alimentado incapaz, nada impediria o Ministério Público ingressar com pedido de redirecionamento da demanda, com o único objetivo de evitar prejuízos ao credor dos alimentos. Saliento que caso o alimentado estivesse atuando sem representação ou assistência, por conta própria, jamais o Ministério Público poderia contrariar a sua vontade, pelos fundamentos expostos logo acima, ou seja, por questões de interesse processual.


Conclusões

Em conclusão, entendemos que a nova regra do art. 1698 do Código Civil foi criada no interesse exclusivo do credor, de modo que somente ele poderia provocar o ingresso de terceiros na demanda, desde que o faça antes do despacho saneador. Esta forma de intervenção de terceiros seria distinta das previstas no Código de Processo Civil, assemelhando-se a uma espécie de Litisconsórcio Facultativo Ulterior. O terceiro ingressaria na qualidade de litisconsorte da parte ré. O momento limite para a convocação do terceiro seria o despacho saneador, não sendo necessária a concordância da parte passiva. O Ministério Público poderia, em situações excepcionais, pedir o redirecionamento da demanda contra outro parente. O juiz jamais poderia, de ofício, provocar o chamamento, pois estaria quebrando a regra da imparcialidade e inércia, bem como atentando contra o interesse processual da parte autora.


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Notas

01 Pronunciamento do Dr. Miguel Reale na sessão de 29 de novembro de 2001, como membro da Academia Paulista de Letras – APL, reconstituído pelo autor e publicado pela mesma Academia. Extraído da Obra Novo Código Civil Brasileiro, Estudo Comparativo com o Código Civil de 1916, Constituição Federal, Legislação Codificada e Extravagante, RT, 3.ª ed, p. 09/19.

02 DIDIER JUNIOR, Didier. Regras Processuais no Novo Código Civil. São Paulo : Saraiva, 2004.

03Dos Alimentos. 4.ª ed. RT, p. 143/144.

04 Ob. Cit., p. 144.

05 BUENO, Cássio Scarpinella. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro. 2.ª ed. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 329.

06 Ob. cit., p. 331.

07 Ob. Cit., p. 333.

08 Ob. Cit., p 336.

09 Ob.cit., p. 340.

10 DIDIER JUNIOR, Fredie, MAZZEI, Rodrigo (coords.). Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador : PODIVM, 2006, pp. 139-141.

11 DIDIER JUNIOR, Fredie, MAZZEI, Rodrigo (coords.). Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador : PODIVM, 2006, pp. 140/141.

12 DIDIER JUNIOR, Fredie. Regras Processuais no Novo Código Civil: Aspectos da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual. São Paulo : Saraiva, 2004, pp. 124-125.

13 PELUSO, César (coord). Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo : Manole, 2007, p. 1668.

14 DIDIER JUNIOR, Fredie. Regras Processuais no Novo Código Civil: Aspectos da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual. São Paulo : Saraiva, 2004., p. 125.

15 Ob. cit., p. 98-101.

16 BUENO, Cássio Scarpinella. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro. 2.ª ed. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 100.

17 Ob. cit., p. 145.

18 DIDIER JUNIOR, Fredie. Regras Processuais no Novo Código Civil: Aspectos da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual. São Paulo : Saraiva, 2004, p. 127

Sobre o autor
Cássio Roberto dos Santos

juiz de Direito, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Unisul/SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Cássio Roberto. A nova intervenção de terceiros prevista no art. 1.698 do Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1556, 5 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10496. Acesso em: 22 nov. 2024.

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