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Possibilidade de indenização por dano moral para policiais vítimas de calúnia e denunciação caluniosa

Agenda 23/07/2023 às 10:36

Se um laudo pericial constatar que não houve violação à integridade física e psíquica do preso, é possível processá-lo por dano moral ou crime?

INTRODUÇÃO

Não são raras as notícias de policiais militares que são acusados de terem agredido, lesionado, torturado presos, durante as ocorrências. Entretanto, se após o Laudo de Exame de Lesão Corporal (ad cautelam) UMA PROVA PERICIAL, TÉCNICA, realizado durante o procedimento flagrancial, ficar constatada a inexistência de qualquer tipo de violação à integridade física e psíquica do preso, posso processá-lo por dano moral? E por crime?

Lembramos que o presente esboço se aplica também aos profissionais da segurança de outras instituições, mas o foco será em relação aos policiais militares.

Imaginemos o seguinte caso fictício:

Policiais militares são chamados para atender a uma ocorrência de tráfico de entorpecentes. Chegando ao local, realmente visualizam um homem exatamente no momento de mais uma negociação ilícita e este não esboça qualquer reação e é preso em flagrante delito (flagrante próprio – art. 302, I, do CPP), por tráfico de entorpecentes (art. 33, da Lei nº 11.343/06).

Apresentado na Delegacia, todo o auto de prisão em flagrante é lavrado (oitivas, apreensões, interrogatório, exame de corpo de delito, exame ad cautelam) e o preso recolhido à cela.

Realizada a Audiência de Custódia (art. 310, do CPP), em seu depoimento, o preso informa que foi agredido pelos policiais militares responsáveis pela sua prisão, com murros, chutes nos órgãos genitais, cassetadas, etc.

Diante dos fatos, o judiciário, com parecer favorável do Ministério Público, determina a remessa da ata da Audiência de Custódia para o Comando da instituição para conhecimento e tomada das providências cabíveis.

Tomado conhecimento dos fatos, é instaurada uma Sindicância contra os policiais militares. Estes são submetidos a rigorosa investigação. Após todo o procedimento, este é arquivado, uma vez que o resultado do Laudo Pericial ad cautelam deu negativo para qualquer tipo de atentado à integridade física e psíquica do preso.

E agora, como deve proceder o policial vítima?


PONTOS IMPORTANTES

  1. Geralmente, o preso alega ter sido vítima de agressões, lesionado, torturado e essas acusações são feitas durante o interrogatório na delegacia, ou em seu depoimento na Audiência de Custódia.

  2. Os autos são remetidos à autoridade competente para fins de conhecimento e providências legais cabíveis. No caso das polícias militares, via de regra, ao Comando da Corporação.

  3. Não raro, Procedimentos Administrativos Disciplinares (Sindicâncias, por exemplo) são instaurados tendo como fundamento as afirmações feitas pelo preso.

  4. Além disso, Inquéritos Policiais Militares também são instaurados levando em consideração somente e tão somente as palavras do preso, para se verificar a prática de crime militar por parte dos policiais envolvidos;

  5. Ocorre que, durante uma prisão em flagrante delito, por exemplo, é realizado o exame de Lesão Corporal em Situação de Flagrante (ad cautelam) para se verificar a integridade física da pessoa do preso, por conta dessa prisão (algo muito importante para os policiais envolvidos na prisão).

  6. O resultado deste exame é crucial para se aferir se realmente essas agressões foram perpetradas pelos policiais, no desenrolar da prisão, uma vez que se constitui em prova pericial, realizado, via de regra, por Perito Oficial, em órgão constituído para tal finalidade.

E se o exame de lesão corporal tiver resultado negativo em seus quesitos, configurando que não houve qualquer tipo de lesão praticada pelos policiais?


RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL DO PRESO

Denunciação Caluniosa (art. 339, do CP)

Não raro, durante as ocorrências policiais é comum que os infratores presos, de forma a tentar prejudicar de uma maneira ou outra a vida profissional do policial militar, afirmam terem sido vítimas de agressões, sido lesionados ou até torturados.

Nestes casos, como já relatado inexorável a realização de exame pericial para se verificar tecnicamente a verdade dos fatos alegados. Caso o exame comprove que não houve violação à incolumidade física e psíquica do preso, teremos, em tese, a prática de crime de Denunciação Caluniosa.

O crime de Denunciação Caluniosa está previsto no Código Penal onde, por exemplo, o preso, em uma Audiência de Custódia ou Interrogatório Policial, com o intuito (leia-se dolo, mesmo que eventual, no nosso entendimento) de dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar contra policiais militares, imputa-lhes crime (lesões, agressões, tortura) ou infração ético-disciplinar sabendo que estes policiais militares são inocentes.

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Vejamos a tipificação penal:

Denunciação caluniosa

Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito o civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa. [grifo nosso]

Calúnia (art. 138, do CP)

Há situações que acontecem em outros contextos, como por exemplo, quando alguém acusa o policial militar de ter cometido um fato definido como crime, não sendo com a intenção de dar causa à instauração de uma investigação.

Neste caso, temos o crime de calúnia, onde alguém imputa a prática de fato tipificado como crime ao policial militar, pouco importando que seja ou não instaurada uma investigação em face do mesmo, podendo ocorrer em qualquer situação, como por exemplo, quando, em uma pequena cidade do interior, um vizinho de um policial acusa o mesmo de estar recebendo dinheiro para deixar “rolar o jogo” do bicho na cidade (Corrupção passiva – art. 317, §1º do CP). Eis o crime de calúnia:

Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. [grifo nosso]


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO PRESO POR DANO MORAL

Tema interessante, seria a possibilidade de o policial militar ingressar com uma ação por dano moral contra aquele que praticou o crime de denunciação caluniosa ou de calúnia, contra a sua pessoa.

Quem é policial militar e trabalha na rua, atendendo cotidianamente ocorrências, sabe que a qualquer momento pode ser vítima de tais infortúnios e falsas acusações. Entretanto, jamais deve deixar que isso vire uma rotina, sendo fundamental que conheça seus direitos na seara cível, para que as acusações falsas contra sua pessoa sejam devidamente apuradas e, caso seja configurado o dano moral, a indenização é a medida reparatória cabível.

Dentre tais infortúnios, a depender da legislação de cada ente federativo, o policial militar pode ser afastado das funções, deixar de participar de cursos, ficar impedido de tirar hora extra, ficar impedido de concorrer à promoção pelo fato de estar respondendo a investigação, seja na esfera criminal ou disciplinar. Essa situação, por si só, já gera um dano no psicológico no policial militar.

E o que falar da reputação do mesmo perante seus colegas de profissão e diante de sua família?

Nestas situações, sua honra é maculada por uma falsa acusação e as consequências profissionais e pessoais são inevitáveis, fazendo-se necessária a reparação pelo dano moral sofrido.

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Aspectos constitucionais e infraconstitucionais

A honra é um direito de personalidade e tem status constitucional, como direito fundamental, insculpido no artigo 5º, inciso X, a saber:

Art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [grifo nosso]

No campo infraconstitucional, o Código Civil estabelece, que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186). Além disso, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Portanto, e com fundamento nos dispositivos constitucionais e legais apresentados, observa-se que, em caso da falsa acusação contra policial militar, seja pelo crime de denunciação caluniosa, seja pela prática de calúnia, há a possibilidade de reparação cível pelo dano moral sofrido.

E se o policial foi acusado por um menor de idade?

Não raro, os policiais militares também se envolvem em ocorrências com menores infratores, onde estes são apreendidos pela prática de ato infracional o qual consiste em uma conduta descrita como crime ou contravenção penal (art. 103, do ECA).

Durante sua oitiva na Delegacia, ou na Audiência de Custódia, por exemplo, um menor apreendido pode afirmar ter sido agredido pelos policiais militares responsáveis por sua apreensão.

Mais uma vez, imprescindível a realização de exame pericial para comprovação, ou não, das alegações do menor. Se tais acusações forem falsas e os policiais militares passarem à condição de investigados em inquérito policial militar, ou investigação disciplinar, em decorrência das afirmações do menor apreendido, bem como o resultado do exame seja negativo, entendemos, assim como ocorre com os penalmente imputáveis (maiores de 18 anos), haver a possibilidade de reparação por dano moral a favor dos policiais militares.

Ocorre que nesta situação, via de regra, devem ser responsabilizados os pais ou tutores (em caso de pais falecidos, por exemplo) do menor infrator, nos exatos moldes do art. 932, I, do Código Civil, quando trata da responsabilidade civil, aos estabelecer o seguinte:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; [grifo nosso]

Neste sentido, perfeitamente possível a responsabilização dos pais ou tutores, pelos atos de seu filho menor, ou do menor sob sua responsabilidade.


PONTOS IMPORTANTES

Como consigo o Laudo Pericial?

A Constituição de 1988 assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade.

Além disso, nossa Carta Cidadã estabelece que é direito de todo cidadão o acesso a informações de seu interesse, conforme dispositivo abaixo apresentado:

Art. 5º, XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;  

Recomenda-se ao policial militar que deseje ingressar com a ação por dano moral, que solicite junto aos órgãos periciais o Laudo de Exame de Lesão Corporal (ou equivalente).

Qual o prazo para pedir indenização por dano moral (reparação civil)?

O marco inicial da contagem da prescrição do direito de o policial militar ingressar com a ação inicia-se somente quando este toma conhecimento do fato e da extensão das suas consequências (princípio da "actio nata").

Portanto, em 3 anos (art. 206, §3º, V, do CC).


DANO MORAL PRESUMIDO (in re ipsa)

O dano moral presumido é aquele em que a simples existência do fato que causa a lesão já é suficiente por si só para a reparação civil do dano sofrido.

Via de regra, policial militar, na ação de indenização por danos morais deve provar a violação de sua honra, o prejuízo sofrido.

Ocorre que quando se fala em dano moral in re ipsa (da própria coisa), também conhecido como dano moral presumido, o fato que gerou a lesão inexoravelmente independe de comprovação, não sendo necessário o exame a respeito do objetivo do agente violador já que o dano está presente na própria violação, assim, bastando que o autor prove que houve a prática do ato ilícito.

No caso da denunciação caluniosa, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu favoravelmente a um policial militar, reconhecendo o DANO MORAL PRESUMIDO no caso de denunciação caluniosa. Vejamos a decisão:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. COMUNICAÇÃO DE ABUSO DE AUTORIDADE, AMEAÇA E AGRESSÃO FÍSICA DURANTE ABORDAGEM. INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA PELA BRIGADA MILITAR. DECLARAÇÕES PRESTADAS DE FORMA INTENCIONALMENTE FALSAS. DANOS MORAIS IN RE IPSA CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. QUANTUM MANTIDO.

1) Trata-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de denunciação caluniosa realizada pelo primeiro réu em desfavor do autor pela prática de crime de conduta irregular durante abordagem policial, o que resultou na instauração de sindicância pela Brigada Militar, julgada procedente na origem. [...]

4) Tanto a prova produzida na esfera administrativa, por ocasião da sindicância instaurada em desfavor do policial militar, ora autor, quanto à prova oral produzida no presente feito, são suficientes para comprovar que não houve excessos na atuação do servidor, tampouco agressão física, sendo as declarações prestadas pelo réu João totalmente falsas. [...]

6) Mister ressaltar que o autor sofreu sindicância por motivo despropositado e irresponsável, sendo acusado, indevidamente, pela prática de abuso de autoridade, ameaça e agressão física, o que evidencia ofensa à honra profissional e pessoal do policial militar, configurando danos morais in re ipsa, os quais decorrem do próprio fato.

7) Valorando-se as peculiaridades da hipótese concreta e os parâmetros adotados normalmente pela jurisprudência para a fixação de indenização, em hipóteses símiles, o valor de R$ 5.000,00 (...) arbitrado na sentença está adequado, pois de acordo com os critérios da razoabilidade e proporcionalidade.

(Apelação Cível nº 70080678386. Sexta Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Relator: Niwton Carpes da Silva. Julgado em 23/05/19)


CONCLUSÃO

De tudo exposto, percebe-se que nos casos de cometimento de denunciação caluniosa, bem como calúnia, praticados contra policial militar, além da responsabilização criminal, é possível a reparação civil por dano moral em favor do mesmo.

Esperamos que o presente texto sirva para auxiliar os profissionais da segurança pública, especialmente os policiais militares, no sentido de se responsabilizar criminalmente e civilmente as pessoas que de forma intencional atribuem falsamente a prática de crime contra estas autoridades que são responsáveis pela preservação da ordem pública.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 19/07/23.

BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acesso em: 19/07/23.

BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Acesso em: 19/07/23.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 19/07/23.

ROTA JURÍDICA. Justiça determina pagamento de indenização a PM que foi alvo de sindicância por crime que não cometeu. 3 de março de 2023. Disponível em: https://www.rotajuridica.com.br/justica-determina-pagamento-de-indenizacao-a-pm-que-foi-alvo-de-sindicancia-por-crime-que-nao-cometeu/ Acesso em: 19/07/23.

Sobre o autor
João Edson Souza Araujo

Oficial da Polícia Militar do Ceará. Historiador. Bacharel em Direito (UFC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, João Edson Souza. Possibilidade de indenização por dano moral para policiais vítimas de calúnia e denunciação caluniosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7326, 23 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105195. Acesso em: 22 dez. 2024.

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