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O papel do Judiciário na concretização dos direitos sociais prestacionais.

Problemática conducente à escassez de recursos

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Agenda 18/10/2007 às 00:00

Embora os direitos positivos a prestações estatais não sejam desprovidos de eficácia, estes estão sujeitos a limitações tanto materiais quanto legislativas do Estado.

Sumário: 1. Considerações introdutórias; 2. Efetividade vs. Eficácia; 3. Da Eficácia e da Efetividade dos Direitos Fundamentais; 4. Do Papel Interpretativo do Juiz; 5. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; Referências bibliográficas.

Palavras-chaves: Direitos sociais; eficácia e efetividade; direitos sociais prestacionais; atuação do Judiciário; escassez de recursos; custo dos direitos; reserva do possível.


1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Sabe-se que a partir da segunda metade do século XX, especialmente no período que se seguiu ao término da Segunda Guerra Mundial, os chamados direitos fundamentais de segunda dimensão ganharam uma relevância ascendente, sendo contemplados no corpo das inúmeras Constituições promulgadas a partir de então.

Impulsionados pelo afã de promover a tão desejada justiça social, as Cartas Constitucionais passaram a contar com uma pletora de direitos sociais alcunhados de prestacionais, que assim se denominam porquanto pressupõem uma ação positiva (prestacional) do Estado.

Dito "ativismo" constitucional, no entanto, passou a ensejar acalorados debates, tanto no meio político como no jurídico. Tal controvérsia prende-se precipuamente à acomodação do vasto catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais ante a inarredável escassez de recursos públicos para fomentá-los.

Referido debate ganha relevância em países periféricos como o Brasil, onde a falta de condições materiais para a concretização de um rol extremamente analítico de garantias e direitos fundamentais sociais se verifica de maneira mais acentuada.

Em meio a essas questões, exsurge a figura do Poder Judiciário, que recentemente vem atuando ativamente no processo de concretização dos direitos constitucionais sociais.

O presente ensaio tem por escopo trilhar pela problemática conducente à eficácia e efetividade do elenco constitucional de direitos sociais, econômicos e culturais, bem assim esquadrinhar o papel do Judiciário como partícipe do processo de concretização dos aventados direitos.

É sabido que o tema proposto é por demais rico, fecundo e propicia um sem-número de interessantes discussões. Antecipa-se desde já que o vertente artigo não tem pretensões de exaurir a temática em foco. Antes disso, busca-se, sobretudo, situar o leitor no contexto das discussões mais hodiernas, trazendo algumas contribuições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito.


2. EFETIVIDADE vs. EFICÁCIA

Não obstante significativa parcela da doutrina não dispensar qualquer diferenciação material entre as expressões eficácia e efetividade, usando-as de modo indistinto, há doutrinadores de peso que atribuem uma relevante discrepância semântica entre elas.

Antoine Jeammaud, exempli gratia, enaltece a utilidade da distinção entre efetividade e eficácia, aduzindo que a efetividade jurídica estaria situada no plano da aplicação real e efetiva de regras vigentes em casos concretos: "É conveniente reservar o uso da palavra eficácia para apontar o êxito efetivo dos resultados buscados por quem as legislou" [01].

Jeammaud estrutura suas idéias a partir de uma bifurcação verificável no plano da validade normativa, onde haveria uma validade social e outra meramente jurídica ou formal. A validade social tem uma feição sociológica e visa a aferir se uma norma abstrata encontra aplicação no mundo fático, ao passo que a validade formal limita-se a perscrutar se uma norma foi inserida validade no ordenamento e se é compatível materialmente com o sistema.

Noutro giro, Marcelo Neves realça a distinção entre a eficácia em sentido técnico-jurídico e em sentido sociológico. O sentido técnico-jurídico atém-se às noções de aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, perpassando pelo exame do preenchimento das condições intra-sistêmicas aptas à produção de efeitos jurídicos específicos. Já o sentido sociológico, real ou empírico da eficácia diz com a conformação das condutas às normas, vale dizer, o cumprimento das normas no cotidiano social [02].

A efetividade, por sua vez, finca raízes no campo finalístico, consubstanciando um "programa finalístico" e não condicional (eficácia). Ao invés de ser compreendida como mera conformidade dos comportamentos capitulados na norma (caso da eficácia), a efetividade prende-se aos fins do legislador ou da lei. Noutras palavras, será efetiva a norma que satisfizer o desiderato para o qual foi concebida, isto é, que concretizar o que o Prof. Neves chama de "vínculo meio-fim".

Neves destaca ainda que não raro uma norma pode ser dotada de eficácia, mas carente de efetividade e vice-versa. Quando o grau de ineficácia e/ou inefetividade for elevado, fala-se em carência de normatividade do texto legal, conduzindo à falta de vigência social [03].

Descortinadas estas noções preliminares, passa-se a adentrar no estudo da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais.


3. DA EFICÁCIA E DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No campo da eficácia dos direitos fundamentais, podem-se encontrar ricas pesquisas lideradas por doutrinadores brasileiros. Um estudo que se destaca e que será alvo de especial análise na espécie cuida-se da obra do Professor Ingo Sarlet [04].

Preambularmente, deve-se reconhecer que qualquer análise concernente à eficácia ou efetividade dos direitos fundamentais pátrios passa pelo prévio esquadrinhamento do art. 5º, §1º, da Lei Maior. Como consabido, o indigitado art. 5º, §1º, da Carta Magna, prescreve que os direitos fundamentais são dotados de eficácia e aplicabilidade imediatas.

Ao se debruçar sobre o aventado art. 5º, §1º, Ingo Sarlet sugere dois questionamentos que auxiliariam na tarefa de investigar a amplitude do referido comando constitucional. O primeiro busca responder se a eficácia do prefalado art. 5º, §1º estaria circunscrita ao catálogo de direitos elencados no art. 5º. Sarlet conclui que basta uma interpretação meramente literal do aludido diploma para se afirmar que dito dispositivo abarca todo o conjunto constitucional de direitos fundamentais e não só o art. 5º [05].

Com efeito, qualquer direito fundamental presente no corpo da Carta Cidadã encontra-se dotado de eficácia plena, a teor do art. 5º, §1º, da CF/88. Contudo, consoante articulado mais à frente, o próprio Ingo Sarlet reconhece que esta "plena" eficácia dos direitos fundamentais comporta temperamentos, máxime no tocante aos direitos sociais prestacionais.

A segunda indagação posta por Sarlet cinge-se aos efeitos e alcance do art. 5º, §1º. Nesse particular, há os que apregoam uma eficácia mais tímida, assinalando que dita norma conquanto constitucional não deva atentar contra a natureza das coisas, estando inexoravelmente tolhida pelos contornos delineados em lei. Noutro extremo, despontam aqueles que advogam que mesmo os direitos fundamentais de feição programática assumem roupagem de direitos subjetivos individuais (cogentes), por força do art. 5º, §1º [06].

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Decerto, não se pode perder de vista que alguns direitos fundamentais, tal como positivados na Constituição, ressentem de uma estruturação e normatividade hábil a gerar efeitos plenos ab initio. Estes dependem irremediavelmente de uma concretização por parte do legislador. Nestes casos, a despeito do previsto no art. 5º, §1º, deve-se admitir que tais normas não constituiriam direitos subjetivos [07].

Não há como olvidar que o constituinte de 1988 introduziu na Carta Fundamental, propositalmente, um grupo de direitos com baixa densidade normativa, outorgando ao legislador derivado o papel de conformar tais dispositivos. Tanto assim que teve o cuidado de munir os titulares daqueles direitos de remédios processuais manejáveis na eventualidade de mora legislativa. São eles, v. g., o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Celso Bastos sustenta que apesar de a plena eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais ser a regra, há duas situações em que esta experimenta ressalvas, a saber: a) quando o próprio constituinte exige a prévia intervenção legisladora (direitos de eficácia limitada) ou b) quando a norma efetivamente não dispuser de normatividade mínima para sua aplicação, caso no qual a atuação judicial pressuporia uma assunção da função legislativa [08].

A par de toda controvérsia instaurada em torno do art. 5º, §1º, não há como se desprezar seu caráter vinculante e dirigente. O art. 5º, §1º ostenta uma relevante função como bússola para que o Estado, aí compreendidos todos os seus Poderes (legislativo, executivo e judiciário), procure maximizar a eficácia (e efetividade) dos direitos fundamentais.

Sarlet aponta a existência de corrente doutrinária para a qual o mencionado caráter dirigente do art. 5º, §1º impõe a sua aplicação, inclusive pelo Judiciário, devendo-se procurar sempre a máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, ainda quando carentes de total concretização. A carência de concretização deve ser superada, inclusive, com fulcro no art. 4º da Lei de introdução ao Código Civil, que fornece ao magistrado a alternativa de suprir a omissão no caso concreto com base na analogia, costumes e princípios gerais do direito [09].

Depois de expor vários pontos de vista, Sarlet arremata se filiando a uma posição por ele denominada de intermediária, segundo a qual a melhor exegese a ser extraída do art. 5º, §1º seria a de que este contém natureza principiológica, constituindo um verdadeiro mandado de otimização (ou maximização), propiciando com que os órgãos estatais busquem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais. Tal teoria é encampada também por nomes como Canotilho e Flávia Piovesan [10].

Na qualidade de princípio, o art. 5º, §1º comportaria uma casuística que não se verificaria acaso fosse considerado como uma regra de conduta. Assim sendo, sua aplicação depende de uma analise do quadro fático in concreto e do(s) direito(s) fundamental(is) em jogo [11].

Prosseguindo no tema da eficácia dos direitos fundamentais, Sarlet destaca que a eficácia de um direito fundamental depende em grande medida da função por este assumida, assim como do modo em que este foi positivado [12].

Ele aponta uma pluralidade de funções dos direitos fundamentais - fenômeno da multifuncionalidade dos direitos fundamentais -, funções estas que repercutem no plano da eficácia. À guisa de ilustração, pode-se mencionar o art. 5º, XXXII (proteção do consumidor), chamado de norma-objetivo, que se caracteriza por definir objetivos e fins a serem perseguidos pelos destinatários da norma. Vale realçar que a norma-objetivo não se confunde com a norma de cunho programático, haja vista que esta última não encerra objetivos concretos, mas sim valores, princípios e programas. Como norma programática Sarlet enquadra o direito à educação, insculpido no art. 205, caput, consignando que o fato de o art. 205 ser encaixado como norma programática não esvazia sua carga de eficácia [13].

Faz-se conveniente destacar que as normas programáticas ostentam algumas notas distintivas entre si. Assim, com base nas indigitadas particularidades, pode-se classificá-las didaticamente em três grupos: a) as que dependem de intervenção legislativa; b) as que apresentam baixa densidade normativa ou normatividade insuficiente para produzir eficácia plena; e c) aquelas que contêm programas, finalidades e tarefas a serem atendidos pelo Estado [14].

De outra banda, há ainda as normas que equivalem a autênticas ordens concretas de legislar, tais como o art. 7º, XI da CF (distribuição de lucros das empresas para os funcionários) e aquelas que correspondem a garantias institucionais, como o art. 5º, XXXVIII (garantia ao Tribunal do Júri) [15].

A depender da função desempenhada pelo direito fundamental, a doutrina divide-os em dois grandes grupos: os direitos de defesa (negativos) e os direitos a prestações (positivos).

No que concerne aos direitos de defesa, prepondera o consenso de que estes constituem direitos subjetivos dotados de plena eficácia. Destarte, estes seriam plenamente exigíveis, independentemente de qualquer prestação anterior.

O mesmo, porém, não se pode dizer com relação aos direitos prestacionais, cujas vicissitudes levam alguns doutrinadores a negar-lhes plena eficácia.

Ingo Sarlet lembra que inúmeros direitos prestacionais foram positivados ora sob o rótulo de direitos programáticos, ora como normas-objetivo e ora como imposições legiferantes. Estes careceriam de uma anterior conformação legislativa antes de alcançarem uma eficácia e aplicabilidade total (normatividade constitucional insuficiente ou baixa densidade normativa). Como bem se percebe, a análise acerca da eficácia do direito fundamental passa necessariamente pelo exame de sua função e forma de positivação no Texto Constitucional [16].

Independentemente da corrente à qual se filie, o que se observa é que o art. 5º, §1º vincula os entes estatais, dentre eles o Judiciário, a ponto de que estes devam extrair o máximo de eficácia e efetividade do direito fundamental porventura reclamado, recorrendo, se juridicamente viável, a todos os remédios legítimos e disponíveis, inclusive ao art. 4º da LICC. Obviamente, conforme será deduzido mais avante, não é dado ao Judiciário arvorar das funções nítida e tipicamente legislativas.

A dificuldade encontrada no âmbito da eficácia dos direitos sociais prestacionais, dificuldade esta que levou muitos a negarem o seu caráter de direito subjetivo, repousa na indissociável necessidade de dispêndios públicos, para a concretização daqueles.

Em suma, embora não se possa dizer que os direitos positivos a prestações seriam desprovidos de eficácia, o que seguramente iria ao encontro do que preconizado pelos preceitos norteadores da Carta Federal de 1988, há de se admitir que estes estão sujeitos a limitações tanto materiais quanto legislativas do Estado, que terminam por mitigar enormemente o teor de efetividade daqueles.

Deixando-se de lado as apontadas dificuldades de materialização dos direitos sociais a prestações, cumpre asseverar a posição de relevo que estes assumem no campo principiológico e hermenêutico. Esta característica, se bem explorada, é de grande valia na busca pela efetividade e eficácia dos direitos sociais.

A problemática atinente à eficácia e efetividade dos direitos sociais brasileiros tem despertado grande interesse no seio da comunidade jurídica e em particular da magistratura nacional. É o que ora se passa a examinar.


4. DO PAPEL INTERPRETATIVO DO JUIZ

Como antedito, a Lei Maior brasileira congregou um amplo leque de direitos sociais, sendo que a concretização de muitos deles requerem uma atuação positiva do Estado, acompanhada da realização de desembolsos.

Tem-se observado um recrudescente movimento por parte de membros do Poder Judiciário, no sentido de atuar como genuínos protagonistas na promoção da concretização dos direitos sociais.

Oportunas, a esse propósito, as palavras de Jean Cruet:

O juiz, esse ente inanimado, de que falava Montesquieu, tem sido na realidade a alma do progresso jurídico, o artífice laborioso do Direito novo contra as fórmulas caducas do Direito tradicional. Esta participação do juiz da renovação do Direito é, em certo grau, um fenômeno constante, podia-se dizer uma lei natural da evolução jurídica: nascido da jurisprudência, o Direito vive pela jurisprudência, e é pela jurisprudência que vemos muitas vezes o Direito evoluir sob uma legislação imóvel. É fácil dar a demonstração experimental deste acerto, por exemplos tirados das épocas mais diversas e dos países mais variados [17].

A louvável iniciativa encampada pelos doutos Juízes brasileiros, no entanto, não permaneceu imune a críticas.

Deveras, há quem afirme que a atuação do Judiciário consubstancia usurpação do poder e funções conferidas constitucionalmente ao Executivo e Legislativo, o que atentaria ao cânone basilar da separação de poderes. O Judiciário estaria, pois, adentrando numa esfera de escolhas nitidamente políticas, alheia às suas atribuições.

No que concerne à indevida atividade política do Judiciário, Ana Paula de Barcellos lembra que a Constituição imputou o Poder político nacional não só ao Legislativo e ao Executivo, mas também ao Judiciário. Isto significa que seria equivocada a leitura de que ao Judiciário não é dado qualquer juízo quanto às escolhas políticas atinentes à alocação de recursos [18].

Ana Paula Barcellos é forte defensora de que o ordenamento brasileiro contém um núcleo essencial (mínimo existencial), formado por um plexo de direitos subjetivos, que podem ser exigidos e aplicados pelo Judiciário sem se cogitar de qualquer transgressão à tripartição de poderes. Estes direitos seriam indispensáveis à dignidade da pessoa humana e, num exercício de sopesamento de princípios, sobrepujariam outros preceitos, como aqueles de índole orçamentária [19]. Tendo em vista a fecundidade do tema (mínimo existencial), este ensaio não adentrará numa análise mais aprofundada da matéria.

José Afonso da Silva, ao seu turno, arrola três características fundamentais do poder político, a saber: a unidade, a indivisibilidade e a indelegabilidade. Aduz ser imprópria a "divisão" e "delegação" de poderes, pois para ele o poder político não se divide; o que se desdobram são as funções inerentes ao assestado poder político [20].

Ele afirma que hodiernamente não se constata a rigidez de outrora em relação à separação dos poderes (justificável quando concebida), sendo mais apropriadas as noções de colaboração, harmonia e independência orgânica dos poderes. Ao se referir à tripartição de poderes, a Constituição não pretendeu fracionar o poder político, mas destinar a diferentes órgãos (chamados estes de poder) as funções estatais [21].

Não obstante se tratar de um dos pilares dos Estados Modernos e estar positivado como alicerce das Constituições mais recentes, o princípio da separação de poderes contempla peculiaridades imanentes a cada país, de modo que não há um modelo global uníssono.

Gustavo Amaral preceitua que o Brasil optou por filiar-se ao sistema norte-americano, mais conhecido como "freios e contrapesos" ou "check and balances", cuja tônica não é um rompimento rígido entre os "poderes" do Estado. Ao revés, o que se almeja é uma harmonização e um controle (ou fiscalização) recíproco entre os atores estatais, Executivo, Legislativo e Judiciário [22].

Já o sistema francês de separação de poderes finca seus alicerces na severa distinção de funções públicas. Estas variações no modelo de tripartição de poderes, verificadas nos diversos sistemas jurídicos, tem como fio condutor o processo evolutivo histórico de cada ordenamento. O Brasil não passou despercebido deste contexto histórico e terminou enveredando pelo regime norte-americano.

Carlos Maximiniano pondera que muito embora a divisão dos poderes tenda a extinguir o papel criador do Direito, atribuído à jurisprudência; o dever de decidir os litígios, adaptando-se e superando as deficiências da lei escrita, força a magistratura a reivindicar, em parte, a sua velha competência e assim tornar-se, de fato, uma dilatadora e aperfeiçoadora das normas rígidas [23].

Robert Alexy afirma que os direitos sociais mínimos têm inexoráveis efeitos financeiros, o que, por si só, não justifica inferir a não-existência desses direitos. "A força do princípio da competência privativa do legislador não é ilimitada. Não é um princípio absoluto. Direitos individuais podem ter mais pesos que as razões da política financeira." [24].

De outra banda, Gustavo Amaral defende que não cabe ao Juiz propriamente suprir a mora do Poder Público, porém controlar as escolhas efetuadas pelo Legislativo e Executivo. Incumbe ao magistrado, pois, perquirir a pretensão individual levada a Juízo, cotejando-a com as opções realizadas pelo Poder Público. Gustavo Amaral sustenta que devem ser averiguados o grau de essencialidade da medida, bem como seu nível de excepcionalidade [25]. Para ele, não basta que o direito postulado seja de cunho essencial, mas que se trate de medida excepcional [26]:

(...) a decisão judicial para o indivíduo deve ser sempre circunstancial, respeitando, assim, a pluralidade de opções alocativas existentes, a heterogeneidade da sociedade e seu reflexo necessário sobre as concepções que tem sobre suas necessidades e a deficiência na coleta de informações que é inerente ao procedimento judicial. Com decisões para o caso concreto e não para a generalidade dos casos, como se tem visto nas decisões relacionadas à saúde, mantém-se a flexibilidade para o futuro, o que é uma virtude notável no que diz respeito à saúde, onde a evolução dos tratamentos torna o quadro sempre mutante [27]

Gustavo Amaral fala muito em "controle das escolhas alocativas". Ele prega que o Judiciário não deve fazer o controle fato-norma, mas controlar as escolhas feitas pelos demais "poderes". Tratar-se-ia de um exame lógico entre variáveis como escassez de recursos, essencialidade da medida reclamada (mínimo existencial), bem como sua excepcionalidade [28].

A teoria desenvolvida por Gustavo Amaral remete, na verdade, às idéias de proporcionalidade e razoabilidade. Dito de outra maneira, o Judiciário poderia controlar posturas ou escolhas do Administrador, lançando mão dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

Sabe-se que afora algumas amarras de natureza orçamentária e legal, o Administrador possui, em regra, ampla discricionariedade política para o emprego dos recursos por este geridos.

Assim sendo, as "escolhas" por este (Administrador) realizadas embutem-se no chamado mérito administrativo. No que tange ao controle judicial dos atos administrativos, a Jurisprudência firmou o posicionamento no sentido de não ser facultado ao Judiciário reexaminar o mérito administrativo, exceto a partir do prisma da legalidade.

Noutro lado, consolidou-se o entendimento de que os atos administrativos e legislativos podem ser controlados sob o ângulo da proporcionalidade e razoabilidade.

Pode-se dizer que atualmente prepondera a compreensão de que o princípio da proporcionalidade pode servir de mecanismo para avaliação da constitucionalidade tanto de atos administrativos quanto legislativos.

Há, todavia, abalizados nomes que demonstram preocupação no que tange a uma participação "criativa" por parte do Judiciário.

Karl Larenz assinala que não raro o juiz vê-se na tentação de extrair sua resolução diretamente de seu "arbítrio" judicial, de seu sentimento de justiça, ainda que ao arrepio da lei, no intuito de proferir uma decisão justa e eqüitativa [29].

Larenz pondera que apesar do laudável escopo perseguido pelo magistrado, tal postura não se reputa legítima, "pois não toma a lei como bitola de achatamento da resolução e comporta o perigo de manipulação da lei" [30]. Para ele, o juiz deve, sim, buscar resoluções justas e eqüitativas, desde que mantendo uma fidelidade à lei.

O autor tedesco narra casos em que a lei privilegia a segurança jurídica, a conveniência e a praticabilidade em "detrimento" da justiça no caso concreto. Nestes casos não cabe ao juiz sobrepor-se à vontade legislativa, ainda que imbuído de um admirável senso de justiça. A justiça não deve ser encarada como método de interpretação, mas apenas como auxílio das regras interpretativas postas [31].

Fazendo remissão a J. Miranda (Manual IV, p. 283-4), Ingo Sarlet reitera que os juízes e Tribunais estão obrigados, seja pela aplicação, interpretação ou integração, a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia "possível" dentro do sistema jurídico (função positiva do Judiciário) [32].

Sarlet acentua a dificuldade de o Judiciário implementar em concreto normas de normatividade insuficiente, como seriam, em regra, as normas constitutivas de direitos prestacionais. Nada obstante, o Judiciário conta com algumas ferramentas, tais como o controle da inconstitucionalidade por omissão.

Ademais, consoante evidenciado no tópico antecedente, os direitos fundamentais desempenham uma função hermenêutica relevante para o Judiciário. O magistrado deve usar de suas prerrogativas como hermeneuta para colher a máxima eficácia dos direitos sociais [33].

À vista do quanto deduzido, pode-se assentar que a melhor contribuição a ser dada pelo Poder Judiciário, no plano da concretização dos direitos sociais, prende-se à sua função interpretativa e integradora da legislação posta, com vistas a extrair um maior grau de eficácia e efetividade dos direitos sociais e, por via transversa, continuar partícipe da promoção da tão premente Justiça social.

Sobre o autor
Rodrigo Albuquerque de Victor

mestrando em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário pelo IDP, professor-tutor da UnB e ESAF, advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICTOR, Rodrigo Albuquerque. O papel do Judiciário na concretização dos direitos sociais prestacionais.: Problemática conducente à escassez de recursos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1569, 18 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10521. Acesso em: 24 dez. 2024.

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