O IPI, além de imposto seletivo, em função da essencialidade do produto, é não-cumulativo, "compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores" (art. 153, § 3º, I e II da CF).
A não-cumulatividade do imposto obtém-se por meio de duas conhecidas modalidades: pela incidência monofásica, elegendo-se determinada fase de circulação da mercadoria ou produto, ou pela técnica de incidência plurifásica, seguida de compensação do que foi cobrado nas operações anteriores.
O IPI adotou a segunda modalidade, a exemplo do ICMS, porém, sem a flexibilização permitida em relação ao imposto estadual.
De fato, no ICMS, o princípio da não-cumulatividade do imposto não é absoluto. A Constituição deixou a critério da legislação infraconstitucional a manutenção do crédito ou sua anulação nas hipóteses de isenção ou não-incidência do imposto (art. 155, § 2º, II, a e b da CF). No IPI, esse princípio é absoluto.
E há uma razão para não flexibilizar esse princípio em matéria de IPI. É que este imposto não se submete ao princípio da legalidade tributária no que tange à alteração de alíquotas (art. 153, § 1º, IV da CF). Em princípio, o Chefe do Poder Executivo poderá obter idêntico resultado de uma isenção, sempre dependente de lei, por meio de um decreto reduzindo a alíquota do IPI a ZERO.
Em esperado julgamento, o STF decidiu pela constitucionalidade da vedação do crédito do IPI nas hipóteses de alíquota ZERO, em fevereiro deste ano. E, em junho passado, seguindo o voto do Min. Eros Grau a Corte Suprema afastou a modulação dos efeitos daquela decisão, restando proclamado o efeito ex tunc, contra voto do Min. Ricardo Lewandowski (RE nº 353.657-5/PR).
Realmente, não havendo proclamação de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, não era cabível o efeito prospectivo pretendido pelos contribuintes.
O grande problema é o que poderá acontecer em termos de política tributária com base no pronunciamento do Plenário da Corte Suprema. O governo, que sempre esteve e está à procura de meios cada vez mais eficazes e fala-se até em ilegalidade eficaz, talvez para compensar a falta de eficiência no direcionamento dos gastos públicos, poderá utilizar-se, indevidamente, da faculdade de ZERAR as alíquotas do IPI com o objetivo de aumentar a arrecadação desse imposto, sem o concurso do Poder Legislativo.
Nessa hipótese, de duas uma: ou se concede um crédito presumido, ou o valor do produto que teve a alíquota ZERADA deve ser abatido da base de cálculo do produto final, sob pena de afrontar o princípio da não-cumulatividade do IPI.
Exemplifiquemos para maior compreensão. Se uma peça componente de um automóvel, por exemplo, um câmbio, no valor de 3 mil reais, sofrer a redução para alíquota ZERO, ou se permite um crédito presumido, ou aquele valor de 3 mil reais deve ser deduzido do valor total do automóvel, digamos, de 30 mil reais, para efeito de cálculo do IPI incidente sobre o produto final. Do contrário, haverá tributação cumulativa em relação a 3 mil reais, correspondente ao câmbio tributado pela alíquota ZERO.
Por isso, a decisão tomada pelo Pretório Excelso Nacional poderá conduzir o governo federal a uma prática nociva aos contribuintes e à própria ordem constitucional. Poderá estimular o mau uso da faculdade de alterar as alíquotas por decreto, até mesmo para fazer face às dificuldades momentâneas de caixa.
É claro que tal procedimento, além de ilegítimo, seria inconstitucional por implicar desvio de finalidade. A faculdade conferida ao Executivo diz respeito ao exercício da extrafiscalidade não tendo qualquer fim arrecadatório.
Porém, se já é bem difícil detectar o desvio de finalidade em casos de majoração de impostos de exportação e de importação, típicos impostos regulatórios do comércio exterior, o que não dizer do IPI?