1. INTRODUÇÃO
A história do homem é um passado de conflitos armados. Todas as grandes civilizações da Terra, Assíria, Egito, Babilônia, Medo-Persa, Grécia e Roma foram marcadas por conquistas, massacres, escravidão e dominação por séculos. A lei era aquela provida pelo império dominante o qual subjugava os conquistados. Porém, foi somente com o avanço da tecnologia e o emprego de armas cada vez mais mortais é que as mortes nos campos de batalha subiram exponencialmente. Somado a poder bélico dos exércitos, não raras às vezes, seguiam mentes perturbadas as quais não estavam só ambicionando empreender guerras de conquista para ampliar seus domínios e incrementar seu comércio, mas sim aniquilar seres humanos. Dentre os principais assassinos da civilização contemporânea podemos elencar: Joseph Stálin, Adolf Hitler, Mao Tsé-Tung, Pol Pot, Saddam Hussein, Benito Mussolini, Slobodan Milosevic, dentre outros. Com o ímpeto de conter massacres e outros crimes contra a humanidade, é que foi instituído o Tribunal Penal Internacional, em 2002. Apesar da lista de chefes de Estado que cometeram crimes contra a humanidade e que são tidos como genocidas ser distinta, neste estudo analisaremos dois personagens apenas, dadas suas semelhanças étnicas, culturais e criminosa, onde houve a atuação do TPI, Slobodan Milosevic da ex-Iugoslávia e Vladimir Putin, da Rússia.
2. BREVE HISTÓRICO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
O Tribunal Penal Internacional (TPI), tem como antecedentes históricos, o Tribunal de Nuremberg, criado ad hoc pelos aliados em 1945, para julgar os crimes de guerra post factum, cometidos pelos nazistas, e o Tribunal de Tóquio, em 1946, responsável por julgar os crimes cometidos pelo então Império Japonês.
Críticos afirmam que ambos os tribunais não eram legítimos, pois foram constituídos pelo aliados após os fatos ocorridos para julgar crimes posteriores à instituição destes tribunais, para julgar ações que, perante os Estados derrotados, eram perfeitamente legais. Porém, perante a opinião pública mundial e consoante à ética e moral inerentes aos seres humanos, os governos alemão e japonês, cometeram todos os níveis de crueldade cometidos contra os seres humanos.
Dentre estes crimes, podemos citar os crimes de genocídio (art. 6º), crimes contra a humanidade (art. 7º), crimes de guerra (Convenção de Genebra, 1949) e crimes de agressão, sendo todos estes crimes imprescritíveis.
De forma a justificarmos nosso pensamento punitivo e afastando a hipótese da ultima ratio, explicaremos cada uma dessas categorias de crimes previstos no Direito Penal Internacional.
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Crime de Genocídio, é caracterizado por aqueles atos praticados com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal.
Crimes contra a Humanidade, são ações praticadas através de um ataque, generalizado ou sistemática, contra qualquer população civil, onde podem ocorrer crimes distintos, como homicídio, extermínio, escravidão, deportação ou transferência forçada de uma população, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, tortura, agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável, perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, desaparecimento forçado de pessoas; crime de apartheid, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
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Crimes de Guerra, são aqueles cometidos por violações ao direito humanitário internacional, ou através das violações ao direito internacional da guerra, assim compreendido como a forma adequada da condução das hostilidades. Dentre suas principais características, não se permite a tortura do prisioneiro de guerra, nem o ataque contra as instalações de entidades humanitárias, como hospitais, escolas e Cruz Vermelha, proibição de determinados tipos de armas, projetos, mísseis, minas terrestres com finalidade de mutilação.
Crimes de Agressão, são caracterizados pelo ataque, sem conhecimento, do país invadido, ou seja, invasão seguida de ataques sem a formalização de declaração de guerra, ou aviso prévio para que o governo possa evacuar sua população civil da área que será atacada.
De modo a tentar evitar tais agressões, sobretudo em agressões assimétricas e, principalmente, sobre o diapasão do jus puniendi, é que em 1998, foi criado o Tribunal Penal Internacional, através do Estatuto de Roma, instruído oficialmente em 2002.
O TPI, possui sua sede em Haia (Holanda - Países Baixos), sendo uma instituição permanente, com jurisdição sobre indivíduos responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional e complementar às jurisdições penais nacionais, cabendo ao Tribunal Internacional de Justiça, julgar aqueles crimes cometidos por Estados.
Em que pese a jurisdição do TPI se dar tão somente naqueles países signatários do Estatuto de Roma, atualmente somente 60 Estados o ratificaram após sua criação, dentre eles o Brasil, o qual internacionalizou a norma em 2002, através do Decreto nº 4.388/2002. Dentre aqueles que não ratificaram o tratado encontram-se Estados Unidos, Rússia, China e Israel, sendo que os três primeiros são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Desde a sua criação, pesam contra o TPI críticas por ter sua participação reduzida em seu papel perante os crimes cometidos por indivíduos e Estados no cenário internacional, pois durante este lapso temporal, só foram instaurados dois tribunais para julgamentos de crimes, conforme classificados nas quatro categorias anteriores, quais sejam: o Tribunal para a Antiga Iugoslávia, em 19934 e o Tribunal para Ruanda, em 1993.
Cabe ainda registrar que, apesar dos inúmeros líderes mundiais acusados de crimes diversos em âmbito internacional, somente cinco destes tiveram mandados de prisão emitidos pelo TPI, sendo estes:
Slobodan Milošević, ex-Presidente da ex-Iugoslávia (1999).
Charles Taylor, ex-Presidente da Libéria (2003),
Omar Al Bashir, ex-Presidente do Sudão (2009-2010),
Muammar Gaddafi, líder da Líbia (2011) e,
Vladimir Putin, atual Presidente da Rússia (2023).
Destes cinco líderes os quais tiveram seus mandados de prisão decretados pelo TPI, Taylor, Al Bashir e Putin seguem livres e impunes.
De forma a nos concentrarmos no propósito deste artigo, passaremos doravante a concentrarmos nossa análise nas figuram de Milošević e Putin, para levantarmos semelhanças nas ações criminosas entre ambos e comprovarmos a desproporcionalidade das ações dos organismos internacionais competentes no sentido de trazê-los à justiça pelos seus crimes cometidos.
Slobodan Milošević (1941 a 2006), foi um advogado, executivo e político sérvio, socialista, o qual fez carreira na Liga Comunista da Iugoslávia, tendo sido presidente da Sérvia entre 1989 a 1997 e Presidente da Iugoslávia entre 1997 a 2000.
Durante o período em que esteve no poder, seu governo foi marcado por importantes reformas na política e na economia, reformar estas que, aliadas à queda do Muro de Berlim em 1989 e a desintegração da União Soviética em 1991, contribuíram para a dissolução das Repúblicas Iugoslavas a partir de 1991 e para uma sangrenta guerra civil, a qual perdurou entre 1991 e 1999.
Contra Milošević, pesaram os crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos na Croácia (1991 a 1995), Bósnia (1992 a 1995) e Kosovo (1998 a 1999), onde resultaram cerca de 30 mil mortos e 10 mil feridos.
Em 2001, o TPI emitiu mandado de prisão contra Milošević, que havia sido deposto recentemente de seu governo, foi detido pelas forças de segurança da Iugoslávia e entregue para a Força de Estabilização (SFOR), da OTAN, na Bósnia.
Apesar de ter sido indiciado em 1999, seu julgamento só iniciou em 2002, por motivos de aumento das acusações contra ele, análise de evidências dos crimes e oitiva das testemunhas de acusação, tendo ele sido condenado pelo TPI.
Mesmo que Milošević tenha sido condenado pelo TPI, ele jamais cumpriu a sentença, pois foi encontrado morto em sua sela na detenção, em 11 de março de 2006, após o tribunal ter negado tratamento médico especializado em uma clínica de cardiologia.
QUADRO 1: COMPARAÇÃO ENTRE MILOSEVIC E PUTIN
FONTE: ELABORADO PELO AUTOR A PARTIR DE PESQUISA.
Vladimir Putin (1952), tem por formação a advocacia e por profissão agente da “extinta” KGB, o serviço secreto russo. Após sua graduação universitária, ingressou no Partido Comunista da União Soviética e, posteriormente, na KGB, onde atuou de 1975 a 1991 e de 1997 a 1999, tendo servido na ex-Alemanha Oriental e chegando ao posto de Coronel.
Com a dissolução da União Soviética em 1991, voltou para sua cidade natal, São Petersburgo, deixando a KGB para ingressar na política em 1995. Em 1996, muda-se para Moscou, para tornar-se assessor de Boris Yeltsin, então presidente da Rússia. Em 1999, Yeltsin convida Putin para assumir o cargo de Primeiro Ministro, apontando-o para a população, como seu provável sucessor, posição esta que Putin jamais deixaria desde então.
Desde que assumiu o governo em 1999, vem se alternando no poder entre os cargos de Primeiro Ministro (1999 a 2000) e 2008 a 2012) e de Presidente (2000 a 2008 e 2012 a atualidade), tendo promovido grandes reformas políticas, econômicas e militares, tendo destaque para a estabilização da economia após a dissolução da URSS e da Crise Financeira de 1999, processo de privatizações, expansão de commodities, principalmente de petróleo e gás natural e reestruturação das Forças Armadas.
No cenário internacional, destacam-se negativamente os conflitos armados e intervenções territoriais nas ex-repúblicas soviéticas, tais como: Chechênia (1994 a 1997 e 1999 a 2000), Geórgia (2008), Crimeia (2014) e Ucrânia, desde 2022.
Contra Putin, pensam os crimes de de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos na Ucrânia desde a anexação da Crimeia em 2014 e invasão do leste da Ucrânia em 2022.
Em 2023, o TPI emitiu mandado de prisão contra Putin, pelos crimes de deportação ou deportação ilegal de crianças de territórios ocupados na Ucrânia pela Rússia, fato este inédito tomado por qualquer organismo internacional contra uma nação tida como potência.
Há que se mencionar que a Rússia é o maior país do mundo em extensão territorial, figura entre as 10 maiores economias do mundo, segundo maior produtor mundial de petróleo e gás natural, segundo maior exército do mundo e, sobretudo, membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Como considerações a ponderar, podemos evidenciar o fato de como e quem vai efetivar o mandado de prisão contra Putin, pelos seus crimes cometidos contra a humanidade.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme pudemos demonstrar no quadro comparativo anterior entre Milosević e Putin, as semelhanças entre ambos vão além da formação e carreira político partidária, pois cometeram os mesmos crimes de genocídio e contra a humanidade contra povos eslavos irmãos de suas ex-repúblicas socialistas, as quais diga-se de passagem, foram anexadas pela força das armas por um ditador comunista que os sucederam.
Em que pese termos 193 países membros e 2 observadores nas Nações Unidas, destes, 120 são membros do Tribunal Penal Internacional. Isso significa dizer, que aqueles não não aderiram ao TPI, est]ao fora de suas jurisdição e, portanto, podem servir de refúgio para líderes mundiais que cometeram crimes de guerra ou contra a humanidade.
Se por um lado a ONU conseguir aprovar uma resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas contra a então Iugoslávia, tal medida jamais seria possível contra a então União Soviética ou atual Federação Rússia, em que pese o fato desta ser membro permanente deste conselho, portanto, com direito a veto.
Neste mesmo diapasão, podemos citar a intervenção armada da OTAN contra a Iugoslávia, a qual não tinha poderio militar para se opor as ofensivas desta aliança, tampouco arsenal nuclear para para dissuasão de qualquer ataque externo.
Neste sentido, devemos considerar que, em sendo a Rússia uma potência econômica e militar com poder de dissuasão nuclear e poder de veto no Conselho de Segurança da ONU e ainda possuindo forte influência política, econômica e militar em nações do Oriente Médio e Ásia Central, seria muito improvável que alguma nação membro do TPI se arriscasse a dar voz de prisão a Putin caso este se arriscasse a sobrevoar ou pisar nestes territórios soberanos.
Outrossim, sendo Putin um ex-agente da KGB com anos de experiência como espião na ex-Alemanha Oriental, acreditamos que ele não arriscaria sua liberdade se aventurando em países signatários do Tratado de Roma, da OTAN ou de seus parceiros globais.
Se por um lado Milošević foi facilmente preso em seu próprio país e deportado para Haia para julgamento, não podemos afirmar que Putin também o será, dada a força da Rússia em todos os seus aspectos, se comparada com a ex-Iugoslávia. Portanto, apesar das leis penais internacionais serem iguais para todos, sua execução pode ser resumida em “dois pesos e duas medidas”.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Senado Federal, Brasília, 2013. TPI. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm>. Acesso em 16 Agosto 2023.