Conclusão
Ao final desta exposição, resta demonstrado que não há razão que sustente o argumento de que a reparação civil por prejuízos morais oriundos de dano ecológico difuso não é compatível com o caráter difuso do direito ambiental.
O fato de os prejudicados pelo dano não serem determinados não implica que não sejam determináveis. Ao contrário, a própria definição de direito difuso contém a presunção da existência de pessoas titulares do direito, sendo prescindível a sua individualização. Não há necessidade de prova no sentido de individualizar os sujeitos porque o direito é de todos e a indenização não cabe a um indivíduo específico.
Embora não se possa, com segurança, afirmar que todos os titulares do direito difuso de fato experimentem sofrimento e dor espiritual advindos de um dano ambiental específico, também o contrário não se poderia dizer com certeza. Ademais, seria impossível averiguar os danos morais das futuras gerações, às quais também pertence o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Outrossim, pesa a favor da reparação por danos ambientais extra-patrimoniais a existência de previsão legal expressa neste sentido, tanto na Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) quanto no Código de Defesa do Consumidor, podendo-se dizer que há interpretação autêntica no sentido da possibilidade da responsabilização civil no aspecto moral em questões ambientais.
O entendimento constante no acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça que exige a comprovação do sofrimento individual, conforme exposto, representa uma orientação civilista carregada de ideologias economicistas e individualistas, as quais são reproduzidas, ainda que insconscientemente, como verdades jurídicas.
Do ponto de vista econômico, a referida interpretação está em consonância com a lógica capitalista presente na dicotomia de individualização dos lucros e globalização dos prejuízos ecológicos apontada por Paulo de Bessa Antunes [14], ou na externalização ambiental dos resíduos produzidos no interior do sistema econômico identificada por Ricardo Carneiro [15].
Portanto, o sistema econômico e os interesses capitalistas, os quais sabidamente corrompem todos os demais sistemas sociais – inclusive o direito – resistem a quaisquer tentativas de anulação desta realidade, como por exemplo através reparação integral do dano ambiental, nos aspectos material e imaterial.
Do ponto de vista da filosofia política que orienta a sociedade moderna, observa-se o individualismo como tendência que impede a compreensão das interpretações transindividuais que estão na base da reparação moral ambiental, cuja essência se traduz na consciência do outro e no respeito ao próximo que constituem a idéia de solidariedade, principalmente no momento em que entra em cena o direito das futuras gerações.
Sem dúvida que a devastação ambiental causa inúmeros danos morais que transcendem a pessoa individual: o comprometimento da cultura de povos tradicionais, a qualidade de vida das pessoas e a dignidade humana in abstrato são apenas alguns deles, mas que passam despercebidos diante da geral falta de refinamento hermenêutico dos operadores no tratamento da questão ambiental. Neste sentido, são legítimas as reivindicações da criação de uma Justiça Ambiental com capacitação para o enfrentamento destes casos que, por vezes, assumem feições extremamente complexas.
A percepção da possibilidade jurídica de reparação civil por dano ambiental difuso e a correta interpretação de questões como esta exigem a educação ambiental dos operadores do direito no Brasil, de modo que estes possam transcender o senso comum teórico, sobretudo porque a prática do direito ambiental perpassa por uma reviravolta ética sem precedentes históricos e que por isso mesmo ainda não foi inteiramente absorvida pelos juristas.
BIBLIOGRAFIA
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_________________. Saber crítico e senso comum teórico do jurista. Revista nº 5. Junho de 1982. pp. 48-57.
_________________. O Senso Comum Teórico dos Juristas. In: Introdução Crítica ao Direito. Série Direito Achado na Rua, vol. 1. Brasília: UnB, 1993, pp. 101-104.
Notas
01O Senso Comum Teórico dos Juristas. In: Introdução Crítica ao Direito. Série Direito Achado na Rua (vol. 1). Brasília: UnB, 1993, pp. 101-104.
02 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. – São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 60.
03 Mandado de Segurança nº 22164/SP, Relator Ministro CELSO DE MELLO, DJ 17.11.1995.
04Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 159.
05 Agravo de Instrumento nº 2001. 01.00.039279-2/MT, Quinta Turma, Rel. Juíza Selene Maria de Almeida, DJ 12/07/2002.
06 Nesse sentido: José Afonso da Silva (2003, p. 58); Édis Milaré (2005, p. 158); Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2004, p. 31/32).
07Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 142/143.
08 WARAT, Luis Alberto. As vozes incógnitas das verdades jurídicas. Tradução Horácio Wanderlei Rodrigues. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/as%20-vozes.pdf. Acesso em: 04 out. 2007.
09 WARAT, Luis Alberto. Saber crítico e senso comum teórico do jurista. Revista nº 5. Junho de 1982. p. 49.
10Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente. Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil, Vol. 9. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 361.
11 STJ. Primeira Turma. Resp 598281. Processo 200301786299/MG. Relator Desembargador Federal Luiz Fux. DJ DATA:01/06/2006 PÁGINA:147
12 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental – as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. – Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2004, pp. 160-161.
13Socioambientalismo e novos direitos. – São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 91.
14Direito Ambiental. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998, p. 32.
15Direito ambiental: uma abordagem econômica. – Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 64.