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O direito econômico como instrumento de superação do subdesenvolvimento em face da necessidade de democratização do poder

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Agenda 29/08/2023 às 18:04

As superpotências ocidentais se valeram do protecionismo para alcançarem desenvolvimento econômico. Buscaram manter o controle da alta tecnologia e, apenas depois de alavancarem suas indústrias, passaram a defender o livre-comércio.

RESUMO: O presente artigo analisa o desenvolvimento econômico de superpotências ocidentais e o relaciona com a conjuntura nacional, sob a perspectiva de o direito econômico, destacado na Constituição Federal, ter como fim a superação do subdesenvolvimento, em face da necessidade de democratização do poder, e ser um instrumento para tanto. Analisa-se o desenvolvimento de algumas superpotências e constata-se que estas se utilizaram do protecionismo para se desenvolver economicamente. Somente após o desenvolvimento econômico e industrial, passaram a defender o livre-comércio. Contudo, os países emergentes e subdesenvolvidos se prejudicam, dada a desvantagem econômica. Portanto, o Brasil deve aderir a uma perspectiva finalística e instrumental do direito econômico para aplicar seu projeto constitucional de superação do subdesenvolvimento em face da democratização de poder, sem interferências ideológicas ou políticas capazes de desnaturar os ditames constitucionais, em especial quando aplicadas em momentos inadequados.

PALAVRAS-CHAVE: Superpotências ocidentais - Protecionismo - Livre-comércio - Direito Econômico - Constituição Federal - Perspectiva finalística e instrumental do direito econômico - Subdesenvolvimento -Democracia.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DAS POTÊNCIAS OCIDENTAIS: O CASO INGLÊS, O CASO AMERICANO, O CASO ALEMÃO E O CASO FRANCÊS. 2.1. Análise do caso inglês; 2.2. Análise do caso americano; 2.3. Análise do caso alemão; 2.4. Análise do caso francês - 3. LIÇÃO APRENDIDA COM AS SUPERPOTÊNCIAS OCIDENTAIS – 4. UTILIZAÇÃO DO DIREITO ECONÔMICO COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO E DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO PODER - 5. CONCLUSÕES – 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo busca relacionar o desenvolvimento econômico de grandes potências ocidentais com a conjuntura nacional, sob a perspectiva do direito econômico, destacado na Constituição Federal como um instrumento de superação do subdesenvolvimento em face da necessidade de democratização do poder. Ao final, conclui-se que o Brasil deve aderir a uma perspectiva finalística e instrumental do direito econômico para aplicar seu projeto constitucional de superação do subdesenvolvimento em face da democratização de poder, sem interferências ideológicas ou políticas capazes de desnaturar os ditames constitucionais, em especial quando aplicadas em momentos inadequados.

As superpotências ocidentais, como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e França, recomendam o livre-comércio para os países emergentes subdesenvolvidos. Contudo, quando do desenvolvimento de suas indústrias, foram bastante protecionistas. Buscaram manter o controle da alta tecnologia e, apenas depois de ser alcançado um alto grau de desenvolvimento das indústrias, passaram a defender o livre-comércio2.

Ocorre que tal postura prejudica os países emergentes e subdesenvolvidos, em desvantagem na disputa comercial. Muitos governantes brasileiros acatam essa política econômica ortodoxa liberal e priorizam o pagamento da dívida pública sobre o desenvolvimento do mercado nacional, desse modo, prejudicam o projeto econômico de superação do subdesenvolvimento.

A partir dessa análise, o Brasil não deve ter em vista polarizações políticas e ideológicas que transformam o país em um campo de batalha de egos inflados contra e a favor do livre-comércio. O que o Brasil deve ter em vista é um projeto constitucional concreto, que parte de uma análise instrumental e finalística do direito econômico, a fim de superar o desenvolvimento e democratizar o poder, com concomitante expansão de excedentes. A política econômica deve estar alinhada com tais ditames, seja qual for, e com a conjuntura econômica que vive o país quando do momento de sua aplicação.

2. O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DAS POTÊNCIAS OCIDENTAIS: O CASO INGLÊS, O CASO AMERICANO, O CASO ALEMÃO E O CASO FRANCÊS3

2.1. Análise do caso inglês

A Inglaterra foi país pioneiro na Revolução Industrial no século XVIII. Deve seu pioneirismo à proteção que cedo estabeleceu às suas manufaturas. Os Tudor, em especial durante o reinado de Henrique VII (1485 a 1509) e Elizabeth I (1558 a 1603), utilizaram-se de várias intervenções governamentais, como subsídios e alterações de taxas, para desenvolver a manufatura têxtil na Inglaterra, a de mais alta tecnologia à época.

No reinado de Henrique VII, buscou-se mudar a situação econômica de seu reino ao observar que os Países Baixos concentravam as manufaturas de lã, enquanto a Inglaterra exportava lã em estado bruto para financiar importações pela própria Inglaterra dos produtos manufaturados desses países. Aumentou-se as taxas para exportação da lã em estado bruto para que as manufaturas inglesas tivessem matéria-prima e para prejudicar as manufaturas dos Países Baixos. Chegou-se até mesmo a proibir a exportação de lã em estado bruto, mas se suspendeu a proibição posteriormente pela incapacidade de processamento das manufaturas inglesas, bem como a impedir a exportação de roupas não acabadas. Henrique XVIII, seu sucessor, continuou a política protecionista.

Já no reinado de Elizabeth I, suspendeu-se totalmente as exportações de lã em estado bruto. Sem a matéria-prima inglesa, as manufaturas dos Países Baixos faliram. Com alto grau de desenvolvimento tecnológico e com pouca concorrência, a Inglaterra acumulou capital para financiar a Revolução Industrial do século XVIII.

Na época do colonialismo, os governantes ingleses muito se preocuparam com que os bens exportados das colônias não pudessem competir com os produtos ingleses (internamente ou em outros países), nem abastecessem as manufaturas de outros países. Proibiu-se a Índia de exportar algodão, o que quebrou as manufaturas têxteis irlandesas. Em 1699, a Inglaterra lançou o Wool Act, que proibiu a exportação de roupas de lã de suas colônias para outros países.

Durante a gestão de Robert Walpole, considerado o primeiro primeiro-ministro da Inglaterra (de 1721 a 1742), intensificou-se as políticas intervencionistas. As tarifas de importação sobre produtos estrangeiros aumentaram significativamente, enquanto as tarifas sobre matérias-primas usadas nas manufaturas baixaram ou, em alguns casos, caíram em sua totalidade. O ministro subsidiou a produção de bens primários nas colônias e aboliu as taxas de importação dos bens primários que chegavam da colônia na Inglaterra (como o cânhamo, a madeira, a viga), ao passo que proibiu as atividades de manufaturas avançadas nas colônias. Nos Estados Unidos, estava proibida a construção de novas oficinas de laminação e corte de aço na Nova Inglaterra, forçando o mercado a se especializar em ferro bruto e em barra com baixo valor agregado, e não em produtos de aço com valor agregado alto.

Em 1815, os fabricantes ingleses eram detentores da mais alta tecnologia e os mais eficientes, exceto em algumas áreas, em que Bélgica e Suíça tinham liderança tecnológica. Em 1820, a taxa média das tarifas inglesas sobre as importações de manufaturas era de 45% a 55%, de 6% a 8% nos Países Baixos, 8% a 12% na Alemanha e na Suíça e em torno de 20% na França. Nesse contexto, as indústrias inglesas não necessitavam mais de proteção do Estado, pois sozinhas eram capazes de se sobressair no comércio mundial,

Apenas quando se atingiu esse patamar de desenvolvimento econômico e industrial que as ideias apoiadoras do livre-comércio ganham relevo. O livro A riqueza das nações de Adam Smith, escrito em 1776, destacou-se 84 anos depois de lançado. David Ricardo desenvolveu a teoria das vantagens comparativas, a qual aponta que mesmo um país que não tenha vantagens de custo sobre seu parceiro comercial poderá beneficiar-se do comércio internacional e especializar-se em produtos nos quais tenha menor desvantagem de custo, de modo que o livre mercado beneficiaria qualquer país.

Em 1846 já se começa a notar os efeitos das ideias de Adam Smith e David Ricardo na economia inglesa. As Corn Laws, leis remanescentes da época mercantilista que impunham tarifas e restrições comerciais sobre os grãos importados, a fim de favorecer produtores domésticos, foram abolidas. Desse modo, a importação de grãos seria mais barata, os salários mais baixos os lucros maiores. Assim como as Corn Laws, as tarifas de importação de bens manufaturados também foram abolidas em 1860.

Han-Joon Chang considera a teoria de David Ricardo falha quando relacionada ao desenvolvimento de novas tecnologias, pois as indústrias necessitam de proteção durante o período de aprendizado. Em outras palavras, a teoria seria interessante para aqueles que querem manter o status quo, mas não para os que querem alterá-lo. No mais, assevera que, na verdade, a Inglaterra implantou o “imperialismo do livre-mercado”, que consiste em empurrar os concorrentes para a produção de produtos primários enquanto os ingleses continuavam com a mais alta tecnologia e com o domínio da produção de manufaturados.

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Han-Joon Chang ainda aponta que o imperialismo somente foi possível depois que o Estado protegeu por muito tempo as manufaturas e as indústrias. Destarte, seria duvidosa a ideia de que o livre mercado seria a melhor recomendação para os países subdesenvolvidos superarem a condição de subdesenvolvimento.

2.2. Análise do caso americano

Os Estados Unidos foram o país que mais resistiu a tentativa da Inglaterra de propagar o “imperialismo do livre-comércio”, ou seja, à tentativa que Han-Joon Chang chama de “chutar a escada”. Os norte-americanos foram em direção contrária às ordens inglesas e aplicaram medidas protecionistas para proteger sua “indústria nascente”.

Os ingleses impuseram proibições às manufaturas e indústrias americanas, como a proibição de fabricar produtos de alta tecnologia. O principal economista dessa época, Adam Smith, em sua obra A riqueza das nações, afirma que, com tais proibições, ajudar-se-ia as colônias a se desenvolverem, porquanto as manufaturas bloqueariam um crescimento econômico do setor primário.

No período de 1789 a 1795 Alexander Hamilton, o primeiro ministro das finanças (Secretário do Tesouro) dos Estados Unidos, contrariou as recomendações do principal economista à época. Durante sua gestão, aplicou-se medidas protecionistas para proteger a “indústria nascente”, termo criado pelo próprio Alexander Hamilton. Em 1791, ele submeteu o Report on the Subject of Manufactures, onde defendeu (i) tarifas protecionistas (aumento da tarifa média sobre os bens estrangeiros manufaturados), (ii) subsídios às “indústrias nascentes”, (iii) proibição à exportação de matérias-primas, a fim de fortalecer o produtor doméstico, (iv) liberalização das importações e redução de tarifas sobre insumos para a indústria, (v) prêmios e patentes para as invenções, (vi) regulamentação dos padrões de produção, (vii) desenvolvimento de infraestrutura financeira e de transportes. Para conseguir aplicar o proposto, Alexander Hamilton aumentou a dívida pública americana. Para ele, assim como ocorreu na Inglaterra, essa seria a maneira de financiar as intervenções estatais, seria uma “benção”4.

De 1812 a 1814, em meio ao contexto de Guerra Anglo-Americana, os Estados Unidos se tornaram ainda mais protecionistas. O Congresso americano dobrou a tarifa sobre bens estrangeiros manufaturados (de 12,5% para 25%) e proibiu as exportações para a Inglaterra. Após a guerra, a tarifa aumentou mais ainda, em 1816 chegou a 35% e em 1820 a 40%. Essa política econômica se intensificou e permaneceu até a Segunda Guerra Mundial.

Em meados do século XIX, os estados manufatureiros do Norte tentavam aumentar as tarifas, enquanto os estados agrícolas do Sul baixá-las. Nesse contexto, desencadeia-se a Guerra de Secessão (1861-1865). O Partido Republicano, criado à época, vitorioso com a eleição de Abraham Lincoln em 1860, propunha um movimento para fora (Oeste) e para frente (industrialização). Insatisfeitos com a política econômica aplicada na época, os estados sulistas formaram uma confederação, declararam guerra e foram derrotados.

Durante a guerra, Abraham Lincoln, a fim de proteger as manufaturas, aumentou as tarifas de importação sob o pretexto de gastos com a guerra. As altas tarifas, entre 40 e 50%, eram maiores do que as tarifas nos outros países do mundo. Foram mantidas até a 1ª Guerra Mundial. É interessante notar que a economia americana foi a economia que cresceu mais rápido durante o século XIX até 1920, o que demonstra estreita relação entre o protecionismo e o crescimento econômico.

Os defensores do livre-comércio afirmam que os Estados Unidos cresceram em razão dos recursos naturais abundantes, do grande mercado interno e da taxa de alfabetização elevada, não em razão do protecionismo. Entretanto, Han-Joon Chang considera que tal argumento não é verdadeiro. Como forma de desmistificar o mito liberal, ele aponta que vários países que cresceram após aplicarem medidas protecionistas, como a Alemanha, a Suíça, a França, a Finlândia, a Austrália, o Japão, a Tailândia e a Coréia.

Somente após a Segunda Guerra, com a supremacia industrial consolidada, que os Estados Unidos passaram a defender o livre-comércio. No entanto, nunca o praticaram no mesmo nível da Inglaterra em seu período de livre-comércio (1860-1932). Nunca tiveram tarifa zero. Foram mais agressivos com o uso do protecionismo quando jugaram necessário. Por exemplo, o governo federal detinha 50 a 70% do Fundo Público de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), muito acima do registrado em países com crescimento liderado pelo governo, como o Japão e a Coréia, que chegava em torno de 20%. Isso contribuiu com a liderança tecnológica sobre os demais países do mundo com relação às indústrias-chave, como a de computadores, semicondutores, ciências biológicas e tecnologia espacial.

Portanto, os dois países campeões do livre-comércio, a Inglaterra e os Estados Unidos, foram economias protecionistas até se tornarem superpotências. Utilizaram as tarifas e o intervencionismo estatal agressivamente, em prol do desenvolvimento da “indústria nascente”.

2.3. Análise do caso alemão

Analisados os casos inglês e americano, analisar-se-ão os casos de outros dois países, a Alemanha e a França, a começar pelo caso alemão. Primeiramente, é importante salientar que, diferentemente da Inglaterra e dos Estados Unidos, os outros países centrais se utilizaram de outros meios de intervenção política além das tarifas, como empresas públicas, subsídios ou marketing dos produtos exportáveis. Em várias situações, eles forneceram subsídios e outros tipos de ajuda (por exemplo, atração de trabalhadores qualificados de outros países) para alguns investimentos privados que se tornavam verdadeiros joint ventures público-privados. No século XVIII, a Prússia, líder da industrialização alemã, promoveu indústrias como a do linho, do ferro e do aço com a adoção desses métodos.

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Quanto à variação das tarifas sobre produtos industrializados importados na Alemanha, observa-se que elas eram relativamente baixas se comparadas com a Inglaterra e os Estados Unidos. Durante o século XIX e início do século XX (até a 1ª Guerra Mundial), a as tarifas estavam entre 5 e 15%, ou seja, mais baixas que as tarifas americana e inglesa (antes da década de 1860), que oscilavam entre 35 a 50%. Na década de 1920, mesmo quando a Alemanha se tornou mais protecionista, a tarifa industrial média estava em torno de 20%.

Mesmo com tarifas baixas se comparadas com as tarifas inglesas e americanas, é significativo o protecionismo alemão por meio de tarifas sobre os produtos industrializados, em especial se considerados outros tipos de intervenções. A Alemanha é, portanto, mais um exemplo de superpotência que cresceu economicamente caminhando em direção oposta ao ideal de livre mercado.

2.4. Análise do caso francês

Normalmente, a França é apresentada como o contraponto do livre-comércio proposto pelos ingleses. O país foi intensamente protecionista durante o período ativista francês implementado por Jean-Baptiste Colbert, ministro das Finanças de Luís XIV de 1665 a 1683. Nesse período, incentivou-se a balança comercial favorável e o desenvolvimento de manufaturas, aumentou-se as tarifas alfandegárias.

No entanto, cabe salientar que a França nem sempre foi intervencionista, em razão da resistência da Revolução Francesa às políticas de Jean-Baptiste Colbert, pois é uma figura que representa a força do absolutismo e do mercantilismo em seu auge. Entre final do período napoleônico (1815) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), exceto durante o período de Napoleão III, o estado francês aplicou a política do laissez-faire extrema. Durante esta época, o estado francês interferiu minimamente na economia, preocupando-se apenas em organizar exposições, apoiar as Câmaras de Comércio, levantar estatísticas econômicas e distribuir condecorações de negócios.

É interessante observar que entre 1821 e 1875, especialmente até 1860, a França teve tarifas mais baixas do que a Inglaterra. Mesmo quando ela se tornou protecionista (entre 1920 e 1950), a tarifa industrial média nunca esteve acima de 30%, enquanto as tarifas industriais médias na Inglaterra e nos EUA, em seu auge, estiveram entre 50 e 55%.

Somente após a Segunda Guerra Mundial que França passou a ser considerada realmente protecionista. Entendeu-se que a política econômica conservadora liberal era responsável pelo declínio econômico e as derrotas nas guerras mundiais, o que fez com que França necessitasse do auxílio de outras superpotências ocidentais como a Inglaterra e os Estados Unidos para não sucumbir perante às forças da Tríplice Aliança de do Eixo. O Estado se tornou então mais ativo, nacionalizou indústrias-chave, canalizou investimentos para indústrias estratégicas por intermédio de bancos públicos, manteve as tarifas industriais altas até 1960. Em 1959, sua tarifa industrial média chegava a 30%, enquanto a tarifa dos EUA era de 13%. No final da década de 80, a França se tornou líder tecnológica em várias áreas.

Portanto, ao analisar-se o caso francês, nota-se também que a economia do país alavancou substancialmente com as medidas protecionistas após 1945. Assim como a Inglaterra, os Estados Unidos e a Alemanha, a França recorreu a tarifas, subsídios e regulamentação para desenvolver sua economia.

3. LIÇÃO APRENDIDA COM AS SUPERPOTÊNCIAS OCIDENTAIS

Há uma lição a ser aprendida partir da análise dos casos de desenvolvimento das superpotências ocidentais, a de que elas não adotaram o livre mercado em sua época de desenvolvimento e, após desenvolvidas, forçaram a adoção de políticas de livre-comércio pelos países pobres, que tiveram dificuldades para concorrer com indústrias dessas superpotências, produtoras de bens mais baratos em larga escala ou de alta tecnologia. Nas palavras utilizadas por Han-Joon Chang, como supramencionado, essas superpotências “chutaram a escada”.

O Brasil deve ter tal lição em vista. O livre-comércio não é a melhor saída para superar sua situação de subdesenvolvimento, diante do contexto atual de necessidade brasileira de ampliação e diversificação do pólo industrial, de expansão da malha ferroviária, bem como de ampliação do acesso de um maior número de agentes econômicos ao mercado.

A situação de subdesenvolvimento do Brasil se observa tanto externamente, diante da posição país semiperiférico, sem capacidade de autogestão e dependente da tecnologia de outros países e dos órgãos da macroeconomia central (Banco Mundial e FMI [Fundo Monetário Internacional]), quanto internamente, visto que há classes subalternas e classes dominantes, que detém os meios de produção, a maior parte da renda e dos bens de consumo, o poder político, o conhecimento e as posições jurídicas. A questão do subdesenvolvimento foi gritante diante da crise de saúde pública e econômica causada pelo coronavírus, em face da dependência de insumos para a produção interna das vacinas e da importação de vacinas já prontas para a aplicação.

A saída do subdesenvolvimento é, na verdade, trazer a análise funcional do direito para o ordenamento jurídico brasileiro, que seria, como apontava Norberto Bobbio, migrar das análises das estruturas para a inteligência da função dos institutos jurídicos5. Desse modo, seria entendido que o instrumento da soberania popular e econômica, a Constituição Federal, tem um projeto, uma finalidade, a de superação do subdesenvolvimento.

Tal finalidade envolve a proteção do mercado nacional, para que ele se aprimore e traga desenvolvimento socioeconômico, cultural e bem-estar à população, bem como a autonomia tecnológica do país, conforme art. 219 da Constituição Federal6. Não a defesa da desregulamentação dos mercados e aplicação do livre-comércio como regra. No entanto, os governantes brasileiros desprezam esse projeto, priorizam demasiadamente o pagamento dos juros da dívida pública, tornando-se incapazes de realizar investimentos efetivos em ciência e tecnologia e proteger a “indústria nascente”, enfraquecendo o mercado nacional. Na contramão do que pensava Alexander Hamilton, a dívida pública não é uma bênção para o Brasil7.

Não há no presente trabalho preferência por qualquer ideologia. Nem se busca aqui que o Estado seja inadimplente quanto aos contratos que firma. Muito menos que o Brasil retorne aos nefastos períodos hiperinflacionários de instabilidade econômica. O que se afirma é que o Estado não pode priorizar o pagamento da dívida pública a ponto de realizar investimentos inexpressivos no desenvolvimento industrial e econômico do país, sem possibilitar que uma haja expansão e distribuição mais igualitária de excedentes, pois isso seria descumprir o que demanda a Constituição Federal. Ademais, quanto maior forem os investimentos no desenvolvimento industrial e econômico do país, maior será a produção de excedentes, e mais capacidade terá o Brasil de honrar os contratos que firma.

Diante das dificuldades já enfrentadas pela indústria nascente, ainda mais difícil é o ingresso de modo competitivo de pequenas e microempresas. Diante da diversidade de mercadorias externas a preços baixos, provenientes de indústrias já consolidadas, o pequeno e microempreendedor não vislumbra espaço para ingressar no mercado de maneira competitiva. Consequentemente, não há alargamento da base dos que decidem sobre o fluxo dos recursos aplicáveis no mercado, nem distribuição de renda, o que acarreta a necessidade de democratização do acesso ao mercado, a fim de cumprimento da Constituição Federal.

O cenário das pequenas e microempresas no Brasil demonstra insucesso. Ao analisar a sobrevivência das empresas por faixas de pessoal ocupado assalariado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que há uma relação direta entre porte da empresa e taxa de sobrevivência. No primeiro ano de observação (2014), para as empresas sem pessoal ocupado assalariado, a taxa de sobrevivência foi 64,5%; nas empresas com 1 a 9 pessoas assalariadas, 91,2%; e, entre aquelas com 10 ou mais pessoas assalariadas, 96,1%. Após cinco anos (2018), as taxas de sobrevivência segundo o porte foram 29,9%, 52,7% e 62,5%, respectivamente.8

Nesse contexto, resta ao Brasil utilizar o direito econômico como superação do subdesenvolvimento, de modo a possibilitar a redemocratização do poder. É fundamental que a Administração Pública opere dentro das balizas constitucionais, sem comprometer aos contratos firmados, mas também sem que os contratos firmados impeçam ou retrocedam o desenvolvimento econômico e industrial, sem que se possibilite o acesso ao mercado por mais agentes econômicos, em especial as pequenas e microempresas, de maneira que o poder econômico seja democratizado.

4. UTILIZAÇÃO DO DIREITO ECONÔMICO COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO E DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO PODER

Consoante a obra clássica de Fábio Konder Comparato, o direito econômico pode ser definido como o conjunto de técnicas jurídicas utilizadas pelo Estado na realização de sua política econômica, seria a fonte dos princípios básicos a regê-la, que por sua enorme relevância, ganharia destaque constitucional. Nas palavras do autor:

Assim é que, para alguns, o direito econômico seria propriamente o direito das atividades econômicas, englobando todos os institutos referentes à produção e à circulação das riquezas. Mas enquanto certos autores operam, sob a noção de direito econômico, um simples reenquadramento dos institutos públicos ou privados de conteúdo econômico (empresas públicas, direito comercial, direito do trabalho e da previdência social direito rural, etc.), outros, preferem conceber o novo direito como uma espécie de ordenamento constitucional da economia, no qual se situariam os princípios básicos que devem reger as instituições econômicas. (...) Essa última concepção, na verdade, aproxima-se muito daquela que vê no direito econômico a tradução jurídica da economia dirigida, concepção que nos parece a mais acertada (...) 9

Em uma acepção mais restritiva, Hans Goldschimidt assevera que o direito econômico seria o conjunto de normas que regulamentariam a ordem econômica, de modo reger a atuação do agente econômico, seja ele Estado ou particular10.

Seja qual for a definição adotada, é indubitável caráter finalístico do direito econômico sendo este um instrumento da política econômica. Nobert Reich aponta para o duplo papel instrumental do direito econômico. O primeiro papel seria o de organizar o processo econômico. Já o segundo seria o de que o direito econômico poderia ser utilizado pelo Estado como um instrumento de influência, manipulação e transformação do próprio sistema econômico, atendendo a objetivos sociais ou coletivos11.

Cabe salientar que dos apontamentos sobre o duplo caráter instrumental de Reich extrai-se também o caráter macroeconômico do direito econômico. O direito econômico não avalia as condutas de um agente econômico em específico, ou a atividade de determinada empresa, em uma perspectiva funcional, mas versa sobre a organização da economia, o controle estatal sobre a economia, a atuação do Estado como agente econômico, as infrações econômicas, os órgãos responsáveis por classificar e sancionar tais infrações, entre outros enfoques.

No mais, não se pode olvidar que importante ponto que diferencia o direito econômico de outras disciplinas jurídicas é a preocupação com o excedente, sua distribuição e realocação. É impedir a apropriação dos excedentes de modo que se mantenha o se acentue as desigualdades, em plena conformidade com os ditames constitucionais, partindo do princípio de que os conflitos sociais existem, sem que sejam ignorados. 12

Tendo em vista o papel transformador do direito econômico, em uma perspectiva instrumental, macroeconômica e distributiva, o texto constitucional seria utilizado em um aspecto funcional, com a finalidade de superação do subdesenvolvimento, que passa pela redistribuição de recursos, acessibilidade dos agentes econômicos ao mercado e democratização do poder econômico. Ou seja, o direito econômico passaria pela transformação do excedente de uns na capacidade produtiva de outros, democratizando o poder econômico, que em uma determinada parcela migraria para grupos minoritários, e superando o estágio de subdesenvolvimento e dependência de outras economias.

Nesse sentido, o de admitir o direito econômico como um instrumento de distribuição de excedentes, já apontava Fábio Konder Comparato em texto que, embora escrito na segunda metade do século passado, permanece atual:

Por outro lado, a repartição do produto nacional é racionalizada através de medidas compulsórias de contingenciamento, de estocagem, de licenciamento da produção da venda ou do comércio exterior. O direito deixa-se assim penetrar de conteúdo econômico, ao mesmo tempo em que a Economia torna-se sempre mais administrativa ou regulamentada, isto é, jurídica.13

Nesse contexto, o Estado teria como princípio da acumulação de capital e o aumento da renda per capita, em um caráter expansionista. O aumento da renda dos habitantes do povo de um país passou a ser uma diretriz, bem como a distribuição das riquezas, no combate às desigualdades regionais e à pobreza. O Estado atuaria como promotor de bem-estar social e de pacificação.

Mas não basta dividir o excedente dos agentes econômicos nacionais para superar o estágio de subdesenvolvimento. É necessário que se proteja o agente nacional da apropriação do excedente interno, que se utilizam das teorias do livre-comércio e das vantagens comparativas para competir em condições de igualdade formal com países emergentes ou subdesenvolvidos, quando não há, decerto, um mesmo ponto de partida quando se trata de pólo industrial. Desse modo, é o conceito aristotélico de igualdade material que deve ser observado no comércio externo e ditar quais as teorias aplicáveis às relações comerciais em específico.

Diante de tamanha relevância, com interferências nas relações internas e externas da República Federativa do Brasil, não poderia o direito econômico estar fora da Constituição Federal. Menos ainda poderia ser olvidado diante das previsões constitucionais de que estabelecem como fundamentos da República Federativa do Brasil (i) a soberania, (ii) a cidadania, (iii) a dignidade da pessoa humana, (iv) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e (v) o pluralismo político, cujo o Poder emana do povo, e não deve ser do povo retirado, nem distribuído sobre a forma de monopólios e oligopólios.14

Outrossim, não poderia o Direito Econômico ser esquecido em face das previsões constitucionais de que os objetivos da República Federativa do Brasil. Estes são (i) o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) o de garantir o desenvolvimento nacional; (iii) o de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.15

Nessa toada, defende-se a interpretação da Constituição sob uma perspectiva integradora, científico-espiritual, conforme proposta por Rudolf Smend. A interpretação da Constituição passaria por uma integração entre seu texto e o a comunidade, de modo a formar um espírito a guiar a aplicação da forte carga axiológica nela contida16. Trazendo para o plano econômico do caso brasileiro, interpretar a Constituição Federal seria admitir a existência um plano de superação do desenvolvimento, de redução de igualdade, de redistribuição de excedentes, de fortalecimento da economia interna de modo a não deixar que outros países se apropriem dos excedentes brasileiros e enfraqueçam a indústria nacional, de modo a não deixar que os países desenvolvidos “chutem a escada” das indústrias brasileiras sob teorias aplicáveis em contextos diversos do de necessidade de fortalecimento da economia nacional, que nem mesmo foram aplicadas pelos países que as pregam em contextos similares.

Na doutrina jurídica nacional, o papel transformador do direito econômico na superação do subdesenvolvimento recebe um nome, é o chamado Desafio Furtadiano, descrito conforme dispõe o autor, sob a perspectiva de que já não é natural que a superação do subdesenvolvimento no país, é necessário utilizar-se do mundo do dever ser, da norma jurídica impositiva estatal, para superar este desafio:

Na lógica da ordem econômica internacional emergente parece ser relativamente modesta a taxa de crescimento que corresponde ao Brasil. Sendo assim, o processo de formação de um sistema econômico já não se inscreve naturalmente em nosso destino nacional. O desafio que se coloca à presente geração é, portanto, duplo: o de reformar as estruturas anacrônicas que pesam sobre a sociedade e comprometem sua estabilidade, e o de resistir às forças que operam no sentido de desarticulação do nosso sistema econômico, ameaçando a unidade nacional.17

Nesse contexto, a Constituição Federal previu em seu artigo 170 uma série de princípios gerais para a ordem econômica, tais como (i) a soberania nacional; (ii) a propriedade privada; (iii) a função social da propriedade; (iv) a livre concorrência; (v) a defesa do consumidor; (vi) defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (vii) a redução das desigualdades regionais e sociais;, a (viii) busca do pleno emprego; e o (ix) o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Destarte, há desafios a serem superados pelos juristas e intérpretes do direito. Não mais se deve interpretar as normas apenas pela sua literalidade, mas também pelo seu aspecto finalístico, teleológico, em especial as normas de direito econômico. A análise finalística se faz necessária sob a perspectiva de que o direito econômico é um instrumento de implantação de uma política econômica, conferindo-o característica peculiar que o torna ramo autônomo no direito, com o objetivo de maximizar e distribuir excedentes aos habitantes de uma nação, com um papel regulatório em destaque, sob constante processo de aprimoramento de instituições pelos juristas em função da realidade social.

5. CONCLUSÕES

As superpotências ocidentais não cresceram economicamente por meio do livre mercado, mas com medidas protecionistas para fomentar suas manufaturas e indústrias até que elas se tornassem tecnologicamente desenvolvidas e pudessem se destacar no mercado internacional. Foi apenas após esse estágio de desenvolvimento que as mesmas superpotências passaram a incentivar o livre mercado nos países subdesenvolvidos.

Claramente, os países subdesenvolvidos não têm manufaturas ou parques industriais capazes de produzir bens na mesma quantidade e no mesmo preço que os produzidos nas superpotências ocidentais. Por isso, sofrem desvantagem na disputa econômica, vendo os excedentes produzidos se esvaírem.

Diante disso, o Brasil pode aprender uma lição com a história. Num contexto de subdesenvolvimento emergente, com forte desigualdade de renda, com classes internas dominantes e apropriação externa de excedentes, não deve aderir cegamente a ideologias. A política econômica a ser adotada é aquela que opera dentro das balizas constitucionais, flutuante de acordo com a conjuntura política, econômica e social do país. É aquela que opera em prol da proteção do mercado nacional, para que ele se aprimore e traga desenvolvimento socioeconômico, cultural e bem-estar à população, bem como a autonomia tecnológica do país, conforme art. 219 da Constituição Federal.18

Tendo isso em vista, é necessário partir de uma análise finalística, macroeconômica, instrumental, transformadora e distribuidora e multiplicadora de excedentes do direito econômico, destacado pela Constituição Federal. Destarte, há desafios a serem superados pelos juristas e intérpretes do direito. Não mais se deve interpretar as normas apenas pela sua literalidade ou de modo sistemático, mas também pelo seu aspecto finalístico, teleológico, em especial as normas de direito econômico, sob a perspectiva de uma Constituição Federal integradora, que possui um espírito a guiar o intérprete.

Sobre o autor
Filipe Araújo Cavalcante

Advogado autônomo em exercício. Formação na Universidade de São Paulo – USP e na Universidade de Passau, na Alemanha. Especialista em Advocacia Pública.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Filipe Araújo. O direito econômico como instrumento de superação do subdesenvolvimento em face da necessidade de democratização do poder. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7363, 29 ago. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105815. Acesso em: 22 dez. 2024.

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