4. DEVER DE BOAS PRÁTICAS NOS CONTRATOS DIGITAIS
Os desafios que o ordenamento jurídico vai encontrar são no sentido de ajustar os contratos e as práticas digitais ao direito constitucional brasileiro, e à recente LGPD, uma vez que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República brasileira, bem como pelo respeito à direitos fundamentais de privacidade e intimidade. Isso impõe deveres de boas práticas e de respeito a direitos fundamentais, que vão desde a geração do dado até a forma na qual serão utilizados. Nesse contexto, Mariana Louback17 defende que o tratamento de dados pessoais deve pautar-se pelos seguintes fins: a) confidencialidade, resguardando tais dados de acesso por terceiros não autorizados; b) integridade, evitando que sejam eliminados sem consentimento dos respectivos titulares; e c) disponibilidade, garantindo que estejam sempre disponíveis para quem de direito.
No âmbito do tratamento de dados, é importante ressaltar que o legislador optou por inserir na LGPD o dever anexo de boas práticas à relação contratual. Nesse sentido, as boas práticas constituem um conjunto de atuações instrumentais e laterais ao objeto principal do contrato, balizando-se pelo princípio da boa-fé, imputando melhor segurança e transparência às finalidades contratuais.
Assim, é um dever dos agentes de tratamento, definido no art. 46 da LGPD, adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de quaisquer situações ilícitas ou acidentais que importem destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer outra forma de tratamento inadequado.
Com efeito, a responsabilização civil pela violação a direitos fundamentais decorre de violações e usos inadequados, os quais têm conceito aberto, a disposição legal apresenta que as medidas de segurança não deverão ser observadas como elementos incorporados a um produto final, tampouco como meio de remediar eventuais incidentes, visto que a utilização de dados pessoais deve-se pautar pelo uso legítimo pelos agentes de tratamentos e pelo respeito às finalidades legais e contratuais. Esse é um conceito reconhecido como privacy by design, no qual a segurança, sigilo e respeito a direitos individuais constituem a própria base primordial do serviço. Portanto, o dever anexo de boas práticas atribui à relação contratual a obrigação de que as partes, sobretudo os operadores, prestem seus serviços de modo a respeitar direitos fundamentais em todas as etapas do tratamento de dados, inclusive naqueles que não sejam diretamente o objeto finalístico da relação contratual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário atual, diante rapidez com as inovações chegam ao consumo das pessoas, ainda é de muita incerteza, sobretudo no campo do direito. A pessoa natural, no que lhe concerne e no que está ao seu alcance, deve valer-se da prudência, escolhendo meios e canais seguros, com regulamentos bem definidos e que preze pela transferência com seu usuário.
E a prudência é justamente uma medida em razão das próprias incertezas da interpretação da própria LGPD e da evolução dos entendimentos doutrinários e legais sobre esta seara, haja vista que a atividade legislativa somente começou a acontecer com mais intensidade na década passada, com o advento de leis como a de Acesso à Informação, o Marco Civil da Internet e a própria LGPD.
No entanto, o maior desafio encontra-se na eficácia da proteção dos dados e informações pessoais, principalmente por parte dos controladores e administradores de dados. O recente vazamento de dados de aproximadamente duzentos milhões de brasileiros traz à tona a certeza de que se não houver uma séria articulação do Estado e sociedade privada. A edição de normas legais não será suficiente para a proteção de direitos fundamentais dos indivíduos.
As boas práticas e a adequação às normas legais, sobretudo se realizadas previamente ao tratamento de dados pessoais, têm o condão de legitimar a atuação dos agentes de tratamento e de impedir violações a direitos individuais, o que porventura pode resultar em atribuições na esfera das responsabilidades civil e penal.
REFERÊNCIAS
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BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Livro digital.
BLUM, Renato M. S. Opice. Aspectos jurídicos da Internet das Coisas. In: Revista de Direito e as Novas Tecnologias, 2019, vol. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar. 2019.
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LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos: validade jurídica dos contratos via internet. São Pauto: Atlas, 2007.
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MENDES, Laura Schertel Ferreia. Privacidade, proteção de dados do consumidor: linhas gerais de um novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014. Livro digital.
PEIXOTO, Erick Lucena C.; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. Breves notas sobre a ressignificação da privacidade. In: Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 16, Belo Horizonte: abr./jun. 2018, 35-56.
PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
TEPEDINO, Gustavo; TEFFÉ, Chiara Spadaccini. O consentimento na circulação de dados pessoais. In:Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 25, Belo Horizonte: jul/set. 2020.
TORRE NETTO, Adhemar Della; OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de Big Data e proteção de direitos fundamentais: perigos da má utilização da técnica e uma proposta para o resgate do ideal sofista de pandeia no campo da educação. In: Revista de Direito e as Novas Tecnologias, 2019, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. 2019.
Notas
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LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos: validade jurídica dos contratos via internet. São Pauto: Atlas, 2007, não paginado.
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MENDES, Laura Schertel Ferreia. Privacidade, proteção de dados do consumidor: linhas gerais de um novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014, livro digital não paginado.
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo: BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019, livro digital não paginado.
TORRE NETTO, Adhemar Della; OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de Big Data e proteção de direitos fundamentais: perigos da má utilização da técnica e uma proposta para o resgate do ideal sofista de pandeia no campo da educação. In: Revista de Direito e as Novas Tecnologias, 2019, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. 2019, p. 4.
BLUM, Renato M. S. Opice. Aspectos jurídicos da Internet das Coisas. In: Revista de Direito e as Novas Tecnologias, 2019, vol. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar. 2019, p. 2.
ALCANTARA, Larissa Kakizaki. Big Data e Internet das Coisas: desafios da privacidade e da proteção de dados no direito digital. São Paulo: 2017, livro digital não paginado.
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Texto original: “The first is that personal information is monetized today. It just isn’t monetized by the individuals from whom it is derived. Instead, it’s monetized by many diferente types of information aggregators:pharmaceutical companies, firms analyzing the productivity of workers, firms predicting high cost users of health care, firms creating analytics to predict poor credit risks, firms using data they have derived from genetic tests to determine whether particular gene variants are likely to be deleterious, firms predicting what ads to serve to consumers based on theirI nternet browsing habits, and many, many more. Some of these comercial uses benefit consumers, some do not, and some may be actively harmful — but one thing that is clear is that the aggregators believe the data are valuable to them, and they are often right”. FRANCIS, Leslie P.; FRANCIS, John G. Privacy: what everyone needs to know. Oxford: Oxford University Press, 2017, livro digital não paginado.
PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital 6.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 486.
MENDES, Laura Schertel Ferreia. Privacidade, proteção de dados do consumidor: linhas gerais de um novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014, livro digital não paginado.
FRANCIS, Leslie P.; FRANCIS, John G. Privacy: what everyone needs to know. Oxford: Oxford University Press, 2017. Livro digital. Texto orginal: “Especially over the past two centuries, technological innovation has presented some of the most recurring challenges to privacy and its meaning. From mirrors and periscopes to portable câmeras and surveillance by closed circuit television (CCTV), from the ever changing Internet and its creative uses to brain scans and other biosensors, technology has enabled novel forms of observation and intrusion. Through technology, people continue to access and to learn much more about themselves and others, not just in their Community but often in other parts of the nation and the world. Assessing the implications of these and other technological developments for privacy remains complex”.
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BERGESTEIN, Laís. Vazamento de dados pessoais: mais do que vigiar e punir. Conjur, 17 de fev. 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-fev-17/garantias-consumo-vazamento-dados-pessoais-vigiar-punir>. Acessado em: 02.05.2021.
FRANCIS, Leslie P.; FRANCIS, John G. Privacy: what everyone needs to know. Oxford: Oxford University Press, 2017. Livro digital. Texto original: “Privacy is often thought of as a value associated with liberalism, but liberal theorists also struggle with the interplay between privacy and other values. Privacy may be in tension with other liberal values, most notably with freedom of expression, transparency in organizational and governamental decision - making, and easy entry into commerce. Journalists seek to publish what others might consider details of their private lives, and artists from photographers to poets capture images of the lives of others. Citizens want to know what their governments and those who work for them are doing. The comercial world of the Internet, with all its convenience, comes with trade- offs in the collection and flow of information. And then there is the image of privacy as foisting isolation or even the loss of identity”.
TEPEDINO, Gustavo; TEFFÉ, Chiara Spadaccini. O consentimento na circulação de dados pessoais. In:Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 25, Belo Horizonte: jul/set. 2020, p. 91.
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PEIXOTO, Erick Lucena C.; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. Breves notas sobre a ressignificação da privacidade. In: Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 16, Belo Horizonte: abr./jun. 2018, p. 46
TEPEDINO, Gustavo; TEFFÉ, Chiara Spadaccini. O consentimento na circulação de dados pessoais. In:Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 25, Belo Horizonte: jul/set. 2020, p. 91.
LOPES, Mariana Louback. Segurança e Boas Práticas. In: FEIGELSON, Bruno; SIQUEIRA, Antonio Henrique Albani (org.). Comentários à Lei Geral de Proteção de Dados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, 1ª edição, livro digital não paginado.