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Brasil, OCDE e a questão ambiental

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Agenda 11/10/2023 às 19:53

Introdução

A acessão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem sido uma das prioridades da política externa brasileira[1], a despeito do aparente arrefecimento do processo nos últimos meses. As características duradouras e alguns retrocessos na política ambiental, no entanto, podem ser importante empecilho às intenções brasileiras, mesmo depois da mudança de práticas e de discurso da Presidência da República e de seus principais ministros, após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. O objetivo deste artigo é identificar e analisar os principais desafios à acessão do Brasil à OCDE na dimensão ambiental. O texto está dividido em três partes, além desta introdução e uma seção de conclusões e recomendações. Na primeira parte, são discutidos aspectos gerais sobre o funcionamento da ordem ambiental internacional. A segunda seção trata da forma como o tema do meio ambiente é tratado na OCDE. A terceira seção é dedicada ao desempenho ambiental do Brasil na análise da OCDE, com base na observância de alguns dos principais instrumentos jurídicos ambientais da Organização.

1. Considerações históricas e teóricas sobre a ordem ambiental internacional

Diferentemente de outras áreas internacionais (e.g. comércio, proliferação nuclear), o regime de meio ambiente é descentralizado e carente uma organização internacional que exerça papel de organizadora de ações[2].  Essa característica confere maior complexidade ao tema e dificulta o real comprometimento por parte dos Estados na formulação e execução de políticas ambientais sistêmicas.

O tema do meio ambiente esteve presente na agenda internacional de forma fragmentada até a década de 1970 do século 20. A Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972, é considerada marco importante no direito ambiental internacional, pois, a partir de então, o tema passa a ser tratado de forma sistêmica e desvinculado de interesses econômicos imediatos. A instituição da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a publicação do Relatório Bruntland e a criação do conceito de desenvolvimento sustentável e realização, no Brasil, da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente (1992) foram marcos relevantes para consolidação do meio ambiente como tema central da governança internacional.

Em especial a Conferência de 1992, conhecida como Eco 92, Rio 92 ou Cúpula da Terra, resultou em compromissos internacionais importantes, que norteariam desenvolvimentos posteriores na ordem ambiental internacional. Vários importantes documentos resultaram da Rio 92: Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Declaração de Princípios sobre Florestas, Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, Convenção da ONU sobre Biodiversidade, Convenção da sobre Combate à Desertificação, Agenda 21.

A dinâmica da ordem internacional ambiental foi fortemente determinada pelos resultados da Rio 92. A consolidação dos temas centrais da agenda ambiental, a conciliação entre a dimensão econômica e ambiental, a ampla participação de Estados, o diálogo com a sociedade civil, a relevância iniciativas de conscientização são aspectos que foram delineados na Conferência e que caracterizarão os desenvolvimentos posteriores da ordem internacional.

As conferências das partes (COP) da Convenção sobre Mudanças Climáticas, que qualificada como convenção-quadro, são eventos periódicos de alta relevância, em razão da centralidade do tema climático na agenda ambiental. O Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, que contêm compromissos acerca da redução nacional de emissões de gases de efeito estufa, decorrem diretamente da Convenção da ONU.

Em matéria de biodiversidade, as COPs da Convenção de Diversidade Biológica merecem destaque, assim como a assinatura do Protocolo de Cartagena, sobre Biossegurança (assinado em 2000 e vigente desde 2003), o Protocolo Suplementar (ao de Biossegurança) de Nagoya-Kuala Lumpur sobre responsabilidade e reparação e o Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de Sua Utilização.

A Convenção sobre Combate à Desertificação, negociada na Rio 92 e aprovada dois anos mais tarde, tratou de um aspecto concreto das mudanças climáticas e indicou que os efeitos da ação antrópica sobre o meio ambiente são um problema imediato.

Ao lado dos instrumentos tradicionais e expressamente vinculantes de direito internacional (hard law), a Rio 92 consolidou a relevância de instrumentos legais aparentemente não vinculantes (soft law), mas dotados de força moral e capacidade de direcionar os esforços dos diversos atores da sociedade internacional. A Agenda 21, por exemplo, em 4 seções e 40 capítulos, caracteriza-se como instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis. Aborda as dimensões sociais e econômicas da sustentabilidade, a conservação e gerenciamento dos recursos para o desenvolvimento, o fortalecimento do papel dos grupos principais envolvidos na sustentabilidade e as formas de implementação de políticas sustentáveis.

2. Meio ambiente e sustentabilidade na OCDE

Em meio ambiente e sustentabilidade, as prioridades da OCDE são delineadas conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030[3]. A Organização oferece sua experiência na formulação e no acompanhamento de políticas públicas para alcançar os ODSs. Expressamente, a OCDE menciona ações que podem contribuir para o alcance de vários objetivos: promoção de políticas públicas coerentes; promoção do investimento no desenvolvimento sustentável; apoio ao crescimento inclusivo e ao bem-estar; promoção de parcerias para fortalecer a disponibilidade e a capacidade de gestão de dados; facilitação do acompanhamento e da revisão de políticas públicas[4].

A Organização tem como um de seus objetivos precípuos o desenho e a execução de políticas públicas dotadas de qualidade e eficiência. A coerência entre as políticas públicas é preocupação constante da OCDE. A natureza multidimensional dos ODS exige ligações entre áreas políticas. A OCDE aborda a natureza multidimensional de diversas questões por meio de uma variedade de projetos horizontais e iniciativas internacionais.

O escopo ambicioso dos ODS exigirá financiamento em escala sem precedentes. O investimento privado é essencial para proporcionar um desenvolvimento sustentável a longo prazo. A OCDE tem recomendações e estudos sobre investimentos, além de ter o Código de Movimentos de Capitais, que trata especificamente do investimento estrangeiro.

A ideia de crescimento inclusivo é bastante presente na OCDE. Suas iniciativas em matéria de assistência oficial ao desenvolvimento (ODA) são significativas. Paralelamente, são extremamente relevantes seus dados e estudos acerca de igualdade de gênero, que abarca dimensões como trabalho, empreendedorismo, participação no governo e na produção científica dos países.

Realizar os ODS em sua completude exigirá dados robustos para captar o progresso e evidências para informar a tomada de decisões. A OCDE, na qualidade de organização agregadora e produtora de dados, pode ajudar os países a acompanhar o progresso em áreas como a confiança no governo, desigualdades na saúde, crescimento verde, a desigualdade de rendimentos e de consumo e a qualidade do emprego. Apoia os países no desenvolvimento e na utilização de indicadores ambientais e de crescimento verde e na consecução da integração ambiente-economia ao longo do tempo.

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Na perspectiva ambiental da OCDE, é importante o conceito de crescimento verde adotado pela OCDE[5]. Esse conceito, que foi objeto de declaração e de diversos trabalhos não normativos[6], orienta a elaboração e a implementação do trabalho da Organização em matéria ambiental, de forma consistente com os demais objetivos de longo prazo, especialmente em matéria econômica.

O crescimento verde consiste na perspectiva econômica da sustentabilidade, implicando desenvolvimento econômico combinado com a garantia de que os ativos naturais forneçam os recursos e os serviços ambientais necessários ao bem-estar[7]. Adicionalmente, a declaração incentiva o investimento verde e a gestão sustentável dos recursos naturais. Estimula a combinações de políticas climáticas eficientes e instrumentos de mercado, a fim de mudar comportamentos e promover medidas adequadas do sector privado. As abordagens para reconhecer o valor da biodiversidade devem ser incentivadas mediante instrumentos apropriados e consistentes com as obrigações internacionais relevantes.

A Declaração sobre Crescimento Verde incentiva o investimento verde, a gestão sustentável dos recursos naturais e o uso de instrumentos de mercado, para mudar comportamentos e promover respostas do sector privado. A expansão dos incentivos ao investimento verde é necessária, conforme o texto da Declaração, em particular em áreas onde a fixação de preços do carbono provavelmente não será suficiente para promover tais respostas do setor privado. As abordagens para reconhecer o valor da biodiversidade, por sua vez, devem ser incentivadas mediante instrumentos apropriados e consistentes com as obrigações internacionais relevantes.

A Declaração, outrossim, incentiva a reforma da política interna dos países, com o objetivo de evitar ou eliminar políticas prejudiciais ao ambiente e que, por conseguinte, possam impedir o crescimento verde. Seriam exemplos dessas políticas: os subsídios ao consumo ou produção de combustíveis fósseis; e os apoios oficiais que promovam o uso insustentável de outros recursos naturais escassos. A OCDE insiste no estabelecimento de regulamentos e de políticas adequadas para garantir sinais de preços claros e de longo prazo que incentivem resultados ambientais eficientes.

A Declaração reconhece que devem ser feitos esforços especiais no âmbito internacional para a cooperação no desenvolvimento de tecnologias limpas, especialmente mediante reforço de mecanismos de mercado e do aumento, racionalização e aceleração do financiamento aos países em desenvolvimento na luta contra as alterações climáticas, perda de biodiversidade e apoio na gestão da água.

3. Instrumentos legais da OCDE sobre meio ambiente e desempenho ambiental do Brasil na perspectiva da Organização

A forma mais adequada de averiguar a relevância que determinado tema tem na agenda da OCDE é analisar a quantidade e a substância dos instrumentos legais dedicados ao tema. A OCDE possui mais de seis dezenas de instrumentos legais em vigor sobre sustentabilidade e meio ambiente[8]. A maioria deles decorre de propostas de Comitê de Política Ambiental e do Comitê de Químicos e Biotecnologia. Há, entretanto, instrumentos legais originários de outros comitês (e.g. Governança Pública) que tratam do meio ambiente e sustentabilidade em conexão com outros temas (e.g. tributação, comércio internacional, investimentos).

            Os temas da poluição e da degradação ambiental constituem um dos pontos de intersecção entre esses diversos instrumentos. Desse conjunto de normas, algumas podem ser consideradas centrais no delineamento do padrão de política ambiental da OCDE. Esses instrumentos abarcam temas como princípio do poluidor pagador, avaliação ambiental, prevenção e controle integrados da poluição, desempenho ambiental do governo, uso ambiental de instrumentos econômicos, informação ambiental e transparência, recursos hídricos, biodiversidade, energia e resíduos.

            O princípio do poluidor-pagador, por exemplo, é uma das contribuições jurídicas mais relevantes da OCDE, a qual liderou o processo de consolidação internacional do princípio. O princípio, de certa forma, sintetiza a forma como a OCDE trabalha o tema ambiental, por meio do estabelecimento de norma legal que mobiliza instrumentos econômicos de incentivo e desestímulo de condutas. Essa construção é observada em outras contribuições da OCDE para direito internacional do meio ambiente.

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            Em 1972, a Recomendação do Conselho de Princípios Orientadores sobre Aspectos Econômicos Internacionais de Políticas Ambientais (Recommendation of the Council on Guiding Principles concerning International Economic Aspects of Environmental Policies)[9] estabelece o princípio do poluidor pagador como mecanismo para precificar o custo da deterioração dos recursos ambientais conforme sistema de mercado, de maneira a internalizar, no processo produtivo, as externalidades dele decorrentes. Buscou-se incentivar o uso racional dos recursos ambientais de modo que o poluidor deveria arcar com as medidas de prevenção e de controle de poluição[10].

A Organização, posteriormente, aprovou a Recomendação do Conselho sobre a Implementação do Princípio do Poluidor-Pagador (Recommendation of the Council on the Implementation of the Polluter-Pays Principle)[11], para reafirmar a aplicação do princípio em matéria de meio ambiente. O princípio estrutura mecanismos institucionais para alocação dos custos de prevenção da poluição e de medidas de controle tomadas pelas autoridades públicas. A aplicação do princípio para a poluição acidental decorreu da Recomendação do Conselho sobre a Aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador à Poluição Acidental (Recommendation of the Council concerning the Application of the Polluter-Pays Principle to Accidental Pollution)[12], a qual contém recomendações sobre responsabilização de atores, prevenção e ressarcimento por danos, mesmo na ausência de dolo do agente.

O princípio do poluidor-pagador se tornou um princípio do direito internacional do meio ambiente após a Rio- 92, cuja Declaração o expressou no Princípio 16[13]. Em razão de seu trabalho de esclarecimento e de conversão de uma ideia econômica em norma jurídica, pode-se afirmar que a OCDE foi pioneira no estudo e na implementação desse princípio, que se disseminou por acordos internacionais e leis nacionais de diversos países.

O Brasil adota o princípio em suas normas legais[14]. Dessa forma, por exemplo, as disposições constitucionais e legais possibilitam que as empresas sejam diretamente responsabilizadas pelos acidentes e danos ambientais (inclusive contemplando a responsabilidade objetiva), assim como lhes atribui dever primário na adoção de ações de prevenção dos acidentes, conforme disposto do parágrafos 4 e 5 da Recomendação de 1986. Entretanto, o Relatório de 2021 aponta contradições e lacunas na aplicação efetiva do princípio. Mencionam-se, por exemplo, o fornecimento de apoio público à produção de pesticidas, o escasso planejamento de ações públicas para limpeza ambiental após a ocorrência de desastres e inexistência de política adequada de recuperação ambiental e de reparação às partes prejudicadas por acidentes ambientais[15].

O cuidado com o planejamento e implementação de políticas ambientais é objeto de constante preocupação da OCDE, como expresso na Recomendação do Conselho sobre Avaliação de Projetos, Planos e Programas com Impacto Significativo no Meio Am­biente (Recommendation of the Council on the Assessment of Projects, Plans and Programmes with Significant Impact on the Environment)[16]. Temas como estudo de impacto ambiental e avaliação ambiental estratégica de planos e programas públicos são valorizados pela Organização, pois estão em consonância com seu objetivo de aperfeiçoamento de políticas públicas. Na atualidade, o trabalho principal da OCDE é exatamente a análise e a busca pelo aperfeiçoamento. A avaliação de projetos deve conter, além de previsões de impacto, propostas de medidas alternativas e ampla participação da sociedade, especialmente de atores diretamente impactados pelo projeto.

O relatório de 2021 destacou diversos problemas na política ambiental relacionados à avaliação de impactos e licenciamento. O documento apontou, por exemplo, a ausência de racionalização do processo de avaliação de impactos ambientais e dos requisitos de licenciamento ambiental en­tre as diversas instâncias administrativas. Ademais, evidenciou-se a indiferenciação entre ações compensatórias com objetivos socioambientais e aquelas com objetivos sociais, bem como a ausência de orientações procedimentais para os técnicos de licenciamento e a deficiência das regras subnacionais em matéria de avaliação ambiental, especialmente no que concerne ao uso da terra[17].

No tema de controle geral da poluição, o principal instrumento legal da OCDE é a Recomendação do Conselho sobre Prevenção e Controle Integrados da Poluição (Recommendation of the Council on Integrated Pollution Prevention and Control)[18], que contém diretrizes para uma abordagem conjunta dos efeitos dos poluentes em todos os meios am­bientais (ar, água, solo) ao longo de todo o ciclo de vida. Nesse tema, embora haja, no Brasil, arcabouço regulatório relativamente atualizado, as autoridades ambientais têm dificuldade de monitorar e de fazer cumprir as condições estabelecidas nas licenças ambientais. Adicionalmente, na atualidade, são substanciais os cortes na equipe de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), impossibilitando, na prática, atividades de fiscalização e trabalho in loco. São igualmente preocupantes as recentes restrições orçamentárias para órgãos ambientais, situação amplamente noticiada pela imprensa[19].

O desempenho ambiental do governo é objeto de dois instrumentos legais da OCDE. Ambos integram, de maneira ampla, a forma como a Organização elabora e aplica políticas públicas. A Recomendação do Conselho sobre Melhoria do Desempenho Ambiental do Governo (Recommendation of the Council on Improving the Environmental Performance of Government)[20], e a Recomendação do Conselho sobre Boas Práticas para Gestão de Despesas Públicas Ambientais (Recommendation of the Council on Good Practices for Public Environmental Expenditure Management)[21] são exemplos emblemáticos da abordagem padrão da OCDE em matéria de políticas públicas, as quais devem promover mudanças, primeiramente, nos setores que estão ao alcance direto do governo. Para o tema, o relatório de 2021 recomendou que o Brasil atua­lize periodicamente o catálogo de produtos sustentáveis para compras públicas verdes e que otimize os fundos dedicados a projetos ambientais, para garantir sua transparência e boa relação custo-benefício[22].

Muitas das recomendações da OCDE são baseadas em raciocínio derivado da teoria econômica e fazem uso instrumentos econômicos para sua implementação[23]. Um dos raciocínios basilares na formulação de políticas públicas da OCDE deriva da ideia econômica de que os agentes reagem a incentivos e penalizações. No caso do meio ambiente, a Recomendação do Conselho sobre o Uso de Instrumentos Econômicos na Política Ambiental (Recommendation of the Council on the Use of Economic Instruments in Environmental Policy)[24] exorta os aderentes a adotarem mecanismos e instrumentos econômicos (e.g. tributação, taxas progressivas, isenção fiscal), para implementação de política ambiental. Busca-se, por meio desses instrumentos, incentivar os atores a adotarem práticas sustentáveis e abandonarem condutas prejudiciais ao meio ambiente. Para a OCDE os mecanismos de incentivo de penalização econômica podem ser, no longo prazo, mais eficientes do que a pura vedação legal. O relatório de 2021 contém crítica geral ao uso escasso e assistemático desses instrumentos econômicos pelo Brasil, embora reconheça que alguns desses mecanismos são utilizados pontualmente. O documento critica, por exemplo, a ausência de tributações ambientais específicas sobre determinados bens (e.g. combustíveis fósseis), assim como a não incorporação de custos ambientais nos preços de serviços providos pelo Estado[25].

A OCDE também valoriza a transparência e a prestação de informações à sociedade. Sobre o tema, destacam-se três instrumentos legais: a Recomendação do Conselho sobre Relatórios a respeito do Estado do Meio Ambiente (Recommendation of the Council on Reporting on the State of the Environment)[26]; a Recomendação do Conselho de Indicadores e Informações Ambientais[27] (Recommendation of the Council on Environmental Indicators and Information); e a Recomendação do Conselho sobre Informação Ambiental (Recommendation of the Council on Environmental Information)[28]. Os aspectos tratados nas Recomendações estão relacionados à construção de uma inteligência ambiental no país, fundamental para direcionamento eficiente das políticas públicas. São exatamente os órgãos responsáveis por essa inteligência que estão sofrendo restrições financeiras e políticas na atualidade[29]. Em relação às disposições dos instrumentos, o relatório de 2021 elabora uma série de críticas ao Brasil: informações ambientais fragmentadas, falta de coordenação de instituições na coleta, disponibilização e análise de dados, não publicidade dos relatórios periódicos sobre o estado do meio ambiente (mesmo com a previsão legal).

Acerca de recursos hídricos, a OCDE, em 2016, aprovou a Recomendação do Conselho sobre Água (Recommendation of the Council on Water)[30], que contém conjunto de amplo de disposições sobre gestão hídrica sustentável. Em sua avaliação sobre a situação do dos recursos hídricos no país, a OCDE sugere a criação de comitês de gestão de bacias hidrográficas; a expansão dos esforços da Agência Nacional de Águas para orientar e monitorar a implementação das taxas de usuário pelos estados; o estabelecimento de prioridades e critérios para alocação de água; e o fortalecimento da gestão da demanda de água, inclu­sive por meio da cobrança pelo seu uso[31].

A biodiversidade é outro tema de destaque na agenda ambiental da OCDE. Recomendação do Conselho sobre o Uso de Instrumentos Econômicos na Promoção da Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade (Recommendation of the Council on the Use of Economic Instruments in Promoting the Conservation and Sustainable Use of Biodiversity)[32], adotada em 2004. Assim como no caso de outros instrumentos, a OCDE entende que tributos e incentivos financeiros positivos (para serviços ambientais, por exemplo) podem favorecer a conservação da biodiversidade. O relatório de avaliação recomenda ao Brasil a adoção de uma lei federal acerca de pagamentos por serviços ambientais e o aprimoramento da consistência entre os regulamentos e programas estaduais. Em matéria de controle sobre o uso da terra, o relatório menciona evidentes imprecisões no Cadastro Ambiental Rural (CAR) atual e em seus procedimentos de validação. Vários estados têm áreas inscritas no CAR em extensão superior aos seus territórios. Sobre proteção florestal, o relatório indica o crescimento importante das taxas de desmatamento e de incêndios (mesmo em áreas legalmente protegidas), assim como o enfraquecimento de organismos ambientais (e.g. IBAMA, ICMBio)[33].

O tema da energia recebe também bastante destaque na OCDE. As diversas dimensões do tema são tratadas no âmbito da Agência Internacional de Energia, que tem vínculo funcional e orçamentário com a OCDE[34]. Na abordagem da relação entre energia e meio ambiente, destacam-se a Recomendação do Conselho sobre a Redução dos Impactos Ambientais da Produção e Uso de Energia (Recommendation of the Council concerning the Reduction of Environmental Impacts from Energy Production)[35], a Recomendação do Conselho sobre a Redução dos Impactos Ambientais do Uso de Energia nos Setores Doméstico e Comercial (Recommendation of the Council on the Reduction of Environmental Impacts from Energy Use in the Household and Commercial Sectors)[36]. Avaliando a adequação do Brasil a essas Recomendações, o relatório sugere a melhorar da eficiência energética por meio da introdução de normas de energia para pré­dios e eletrodomésticos, integrando-as aos programas de habitação social, de economia de combustível e rotulagem. Recomenda, adicionalmente, o desenvolvimento de um sistema eficaz de monitoramento da qualidade do ar em todo o país, com metodologias con­sistentes e coleta de dados em todos os estados[37].

A gestão de resíduos tem recebido atenção cada vez maior por parte da OCDE. Sua relação direta com a economia circular e com o processo de descarbonização da economia conferem relevância crescente ao tema, anteriormente relacionado apenas ao manejo de substâncias perigosas e sob responsabilidade do Comitê de Químicos. Os instrumentos legais mais antigos não relacionados aos produtos químicos são a Recomendação do Conselho sobre uma Política Abrangente de Gestão de Resíduos (Recommendation of the Council on a Comprehensive Waste Management Policy)[38], e a Recomendação do Conselho sobre a Reutilização e Reciclagem de Recipientes de Bebidas (Recommendation of the Council concerning the Re-Use and Recycling of Beverage Containers)[39]. Além dessas duas, a OCDE adotou, em 2004, a Recomendação do Conselho sobre a Gestão Ambientalmente Segura de Resíduos (Recommendation of the Council on the Environmentally Sound Management (ESM) of Waste).[40]

Os principais problemas do Brasil em matéria de gestão de resíduos estão na aplicação das disposições legais. As prioridades e os objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda não se refletiram suficientemente nas práticas de gestão de resíduos, pois essa gestão continua a se concentrar na coleta não seletiva e no descarte final em aterros a céu aberto. A coleta seletiva, pré-condição para reciclagem e para reutilização, aumenta em ritmo muito lento. A maioria dos municípios brasileiros ainda apresenta baixa capacidade técnica, administrativa e financeira para aprimorar os sistemas de coleta, de descarte e de reutilização de materiais. Para estimular a economia circular, seria importante, entre outras ações, a introdução de impostos sobre os resíduos (por exemplo, materiais de embalagem) e a adoção de taxas progressivas para utilização dos serviços de coleta de resíduos[41].

Destaca-se que o cenário descrito no relatório de 2021 tem-se deteriorou-se progressivamente até o fim do mandato de Jair Bolsonaro. Os primeiros meses do governo Lula foram mais dedicados à recuperação institucional e orçamentárias de instituições importantes para política ambiental, assim como de reposicionamento do país na governança ambiental internacional.

 

Conclusões

 

No processo de acessão do Brasil, deve-se conferir especial atenção ao contexto de desestruturação institucional e de comprometimento financeiro de mecanismos e de instrumentos de política ambiental ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro. São exatamente os meios de diagnóstico de problemas ambientais e de implementação das políticas, explicitamente valorizados nas normas da OCDE, que passaram por intencional desarticulação orçamentária, aparelhamento político e enfraquecimento institucional. Órgãos importantes como IBAMA, INPE e ICMbio são exemplos de instituições que têm vivenciado problemas de escassez de recursos, de subtração de competências e de mudanças arbitrárias na direção, comprometendo a atuação independente na proteção do meio ambiente. Adicionalmente, retrocessos nas políticas de gestão das florestas e de proteção da biodiversidade, assim como a negligência no uso de instrumentos econômicos para fins ambientais, indicam falhas na observância de recomendações elementares dos instrumentos da OCDE. Os primeiros meses do governo Lula foram dedicados à recuperação institucional e orçamentária de órgão chave da política ambiental brasileira.


Sobre o autor
Mauro Kiithi Arima Junior

Bacharel em Direito e Relações Internacionais pela USP. Especialista em Direito Político, Administrativo e Financeiro pela FD USP. Especialista em Política Internacional pela FESPSP. Mestre em Direito Internacional pela USP. Doutor em Direito Internacional pela USP. Advogado, professor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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