Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua apresentar estudos sobre a evolução histórica dos direitos dos animais, evidentemente, sem caráter exauriente, dado a complexidade do tema em apreço.
Palavras-chave: Direito ambiental; animais; evolução; histórica; direitos; proteção; necessidade.
INTRODUÇÃO
O tempo passa numa velocidade incrível. Ao sinal de um menor sopro na atmosfera temporal, logo novamente é primavera; campos floridos, ipês coloridos nas montanhas, chilreios de pássaros em sinfonia, corações tenros, estímulos de esperança, estação dos sonhos; as mutações sociais acontecem num piscar de olhos e com os novos tempos, surge a necessidade de adaptar a legislação pátria aos dias atuais para salvaguardar direitos difusos, valores metaindividuais, protegendo bens e interesses de todos. Nessa longa caminhada, de ondas renovatórias do direito, deve estar sempre presente o inafastável compromisso humano em proteger os novos direitos de todos, humanos e não humanos. Talvez essa igualdade de proteção devesse ser prioritariamente compromisso ético e razão de ser, fluindo com maior rapidez para todas as criaturas.
A legislação de proteção dos direitos dos animais não humanos infelizmente não obedece a velocidade que merecia, mas existem mudanças significativas no curso dos tempos.
Na esfera do direito internacional, releva mencionar a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, criada em 1977 pela Liga Internacional dos Direitos dos Animais, e proclamada um ano depois em Bruxelas - Bélgica, em 27 de Janeiro de 1978, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), órgão da ONU.
O preâmbulo da Declaração considera que todo animal é possuidor de direitos, mas o seu desconhecimento e o desprezo destes direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza, sendo certo que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo. Destaca ainda que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante. E mis eu isso. A educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais.
Logo em seu artigo 1º, a mencionada Declaração prescreve que todos os animais nascem iguais perante a vida e tem os mesmos direitos a existência. Sequenciando, a Carta Internacional informa que todo animal tem o direito a ser respeitado, e o homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o homem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais. Assim, todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem, e nesse sentido, nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
O Objetivo 15 da AGENDA 2030, traz as ações de proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.
A partir desse momento uma breve viagem nas novas tendências legislativas em torno da proteção dos animais, uma necessidade cada vez mais presente nas Nações civilizadas.
Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida. (Declaração Universal dos Direitos dos Animais)
1. EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÇÃO AOS ANIMAIS
A proteção dos direitos dos animais no Brasil passa por inúmeras normas, desde a Constituição Federal de 1988, Código Penal, Código Civil e legislação ambiental. Assim, tem-se um verdadeiro aparato legal de proteção dos direitos dos animais.
Entretanto, uma das primeiras normas de proteção dos animais no Brasil, foi o Decreto nº 16.590, de 10 de setembro de 1924, que regulamentava as casas de diversões públicas.
O artigo 5º do citado decreto era enfático:
Art. 5º Não será concedida licença para corridas de touros, garraios e novilhos, nem briga de galos e canários, ou quaisquer outras diversões desse gênero, que causem sofrimento aos animais.
1.1. Direito Constitucional
A Carta Magna de 1988, assegura em seu artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público, dentre outras ações, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente e proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
1.2. Direito Civil
O Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, trata os animais como sendo bens moveis, no artigo 82, asseverando que são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. Os animais são considerados semoventes, ou seja, aquele bem móvel que possui movimento próprio, podendo ser um bicho selvagem ou domesticado.
Ainda no Código Civil vale ressaltar a menção do artigo 936, estatui que o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. Por sua vez, o art. 1.263. disciplina a aquisição da propriedade de coisa sem dono, in verbis:
Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
1.3. Direito Penal
A Lei das Contravenções Penais, que na verdade trata-se do Decreto-Lei nº 3688, de 1941, abre o Capítulo VII, para tratar das contravenções relativas à Polícia de Costumes, sendo que no artigo 64 prevê a conduta contravencional de tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo, com pena de prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa.
Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo. Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.
Na esfera penal ainda, o artigo 32 da Lei nº 9.605, de 1998, prescreve o crime de maus-tratos a animais. Assim, comete crime de maus-tratos a animais quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Em 2020 entrou em vigor a chamada Lei Sansão para punir com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda, se o crime de maus-tratos recair sobre cão ou gato, com nova redação determinada pela Lei nº 14.064, de 2020.
Nesse sentido, foi ajuizada ADPF nº 640, para impedir abate de animais apreendidos. Assim, a ação tem por objeto dispositivos da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) e Decreto nº 6.514/2008 relativos à destinação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos apreendidos em decorrência de abuso e maus tratos. Pede que o Supremo exclua qualquer interpretação da lei e do decreto que autorize o abate desses animais, a fim de resguardar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à proteção da fauna e da flora.
Por unanimidade dos votos, julgou-se procedente o pedido formulado na arguição de descumprimento de preceito fundamental, para declarar a ilegitimidade da interpretação dos arts. 25, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.605/1998, bem como dos artigos 101, 102 e 103 do Decreto nº 6.514/2008 e demais normas infraconstitucionais, que autorizem o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos.
O relator ministro GILMAR MENDES, assim decidiu:
Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS) em relação à interpretação que vem sendo conferida aos artigos 25, §§1º e 2º (com redação conferida pela Lei 13.052/2014) e art. 32. da Lei 9.605/1998, bem como os artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008, por parte de órgãos judiciais e administrativos, que tem possibilitado o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos. Em 27 de março de 2020, deferi medida cautelar para determinar a suspensão de todas as decisões administrativas ou judiciais, em âmbito nacional, que autorizem o sacrifício de animais apreendidos em situação de maus-tratos, bem como para reconhecer a ilegitimidade da interpretação dos arts. 25, §§1º e 2º da Lei 9.605/1998, e dos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008 e demais normas infraconstitucionais, que determine o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos.1
Em 20 de setembro de 2021, houve nova decisão importante em sede da ADPF, a saber:
O Tribunal, por unanimidade, converteu a ratificação da medida cautelar em julgamento de mérito e julgou procedente o pedido formulado na arguição de descumprimento de preceito fundamental, para declarar a ilegitimidade da interpretação dos arts. 25, §§ 1º e 2º, da Lei 9.605/1998, bem como dos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008 e demais normas infraconstitucionais, que autorizem o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos, nos termos do voto do Relator. Falaram: pelos interessados, a Dra. Edwiges Coelho Girão, Advogada da União; pelo amicus curiae Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Reynaldo Soares Velloso; pelo amicus curiae Rede de Mobilização pela Causa Animal – REMCA, o Dr. Yuri Fernandes Lima; e, pelo amicus curiae Princípio Animal, a Dra. Cícera de Fátima Silva. Plenário, Sessão Virtual de 10.9.2021 a 17.9.2021.2
Em 09 de outubro de 2023 houve julgamento em sede de embargos de declaração.
Em outras palavras, a interpretação de que “na dúvida, deverá o animal ser abatido para descarte” não se compatibiliza com as normas constitucionais de proteção dos animais contra abusos, crueldades ou maus-tratos. A finalidade das normas protetivas não autoriza concluir que os animais devam ser resgatados de situações de maus-tratos para, logo em seguida, serem abatidos. Salvo exceções como a de atividades de criação para consumo, sacrifício em rituais religiosos de matrizes africanas (RE 496601) ou abate em casos comprovados de doenças, pragas ou outros riscos sanitários, quando observado o princípio da proporcionalidade, não há justificativa para o abate dos galos de rinha resgatados em situação de maus-tratos, sob pena de violação ao princípio da legalidade, vez que não há autorização legal expressa para tal no caso específico.3
O crime de abigeato também passou por mudanças importantes no Título dos Crimes contra o patrimônio. Assim, a Lei nº 13.330, de 2016, deu nova redação do artigo 155 do CP, incluindo o § 6º, para estabelecer que a pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.
Nesse mesmo título, houve o acréscimo do artigo 180-A do CP, a receptação de animais, pelo mesmo comando normativo, para prescrever a conduta de adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
REFLEXÕES FINAIS
O amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico: Para tornar a sociedade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social – nos planos político, económico, cultural – fazendo dele a norma constante e suprema do agir (ENCÍCLICA LAUDATO SI)
Temos um só coração, e as mesmas mazelas que nos levam a maltratar um animal logo se manifestarão no relacionamento com outras pessoas. Todo ato de crueldade contra qualquer criatura é contrário à dignidade humana. (Papa Francisco)
Assim, conforme exposição alhures, tem-se uma verdadeira mutação da coisificação aos animais sencientes. Essa evolução histórica se verifica num passado tão recente com advento da Declaração Universal dos Direitos dos Animais de Bruxelas em 1978, garantindo vida e existência plena a todos os animais, fomentando ações voltadas a existência digna e respeitosa aos animais.
Hoje é possível afirmar que os animais se enquadram numa categoria especial de direitos, pois de mera coisificação, o homem, tardiamente passou a entender que os animais são seres sencientes, que sem amor, angústia, tristeza, alegria, saudades, solidão, e demais sentimentos comuns aos homens. De mera coisa, os animais passaram a ser instrumentos de proteção de pessoas portadoras de necessidades especiais, passaram a servir de relevante componente de segurança, de instrumento de valor nas funções de segurança pública, sobretudo, na localização de entorpecentes, de encontro de cadáveres em grandes catástrofes, de valioso instrumento de repressão em a motins em estabelecimentos penais, e outras funções de segurança.
Os direitos dos animais são discutidos com muita frequência nos dias atuais nas ações do direito de família, com importantes decisões nas chamadas guardas compartilhadas. SOUSA cita uma das decisões mais recentes acerca do instituto da guarda compartilhada no direito de família.
Uma das primeiras decisões acerca da guarda compartilhada de animais surgiu numa Vara de Família da Comarca do Rio de Janeiro, tendo sido proferida decisão pelo Juiz Dr. André Tredinnick, ao dirimir que um casal que passava por processo de divórcio deveria revezar a posse dos 3 cães que possuíam, o que deveria ocorrer a cada 15 dias, sem prejuízo de terem que dividir custos referentes à alimentação, remédios e transporte dos animais.4
De tão importante os direitos dos animais, que tramita no Parlamento Nacional o PL 221/2023, que visa alterar o art. 453. da Consolidação das Leis do Trabalho a fim de permitir a ausência ao serviço no caso de falecimento de cão ou gato de estimação, devidamente comprovado por estabelecimento responsável em atestar o óbito dos mesmos ou por médico veterinário registrado em Conselho Regional de Medicina Veterinária. O artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:
Art. 473
XIII – por um dia, em caso de falecimento de cachorro ou gato de estimação, devidamente comprovado por estabelecimento responsável em atestar o óbito dos mesmos ou por médico veterinário registrado em Conselho Regional de Medicina Veterinária, limita ao máximo de três ao ano.
A autoria do PL apresenta a seguinte justificação para motivar a aprovação de sua proposta:
Há muito tempo é sabido que os animais de estimação, ditos pets, popularmente inseridos nos lares brasileiros, amados por muitas vezes como membros da família, vêm recebendo cada vez mais proteção em nosso ordenamento legal. Por exemplo, temos a Lei Sansão (lei n° 14.064/2020), que aumentou as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato. Diante desses fatos, é necessário dizer que o direito nunca é estático, portanto, deve se adequar constantemente aos anseios da sociedade, para que cada vez mais o sujeito de direito tenha suas vontades abarcadas legalmente, atingindo assim a dignidade da pessoa humana, fundamento importantíssimo da nossa Constituição Federal. Uma certeza que temos depois da vida é que um dia chegará o momento da morte. Essa data será um momento em que cada ser humano reagirá de alguma forma, sendo o luto um processo muito importante para a superação deste fato. Ademais, cada ser humano reagirá de alguma forma a esse momento, alguns demorarão mais para superar essa fase e outros mais rapidamente. Não obstante a subjetividade do lapso temporal de superação do luto, nossa Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu artigo 473, inciso I, traz a chamada Licença Nojo, na qual o empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário durante 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência. Importante ressaltar que esses dois dias servem para a pessoa absorver esse momento difícil de luto, mas também para resolver pendências legais que envolvam o óbito da pessoa falecida. Não olvidar que acreditamos que essa Licença Nojo deveria ser de mais dias, contudo, esse é um assunto para outro projeto de lei, diferente do caso proposto. Neste diapasão, diante das mudanças da sociedade, podemos fazer um paralelo, respeitadas as devidas proporções, com o falecimento do cachorro ou do gato de estimação. Além das questões burocráticas que a pessoa deve resolver quando houver um falecimento do seu pet, como entrar em contato com uma clínica veterinária ou com o Centro de Zoonose da cidade para fazer uma incineração, para que mantenha a saúde pública, pois não se deve enterrar o corpo no quintal de casa, visto que a decomposição do corpo libera substâncias que podem contaminar o solo, lençol freático e poços artesianos, como também não jogar no lixo, muito também pelos motivos expostos, a pessoa entrará em processo de luto. Diante do exposto, acreditamos ser necessário um tempo mínimo diário de 1 (um) dia, fazendo um paralelo com os prazos de licença previstos na CLT, para que a pessoa absorva o impacto do falecimento do seu cachorro ou gato de estimação, resolva as pendências burocráticas para se despedir do corpo de seu gato ou cachorro, e depois possa voltar para o seu mister apta para desenvolvê-lo. Desta forma, diante da relevância da matéria para a saúde mental das pessoas, para que superem mais facilmente o processo de luto diante do falecimento do seu cachorro e gato de estimação e para que resolvam as pendências burocráticas que envolvam essa penosa situação, solicito o apoio dos nobres Parlamentares para aprovar a proposição nesta casa.
Importante tramitação gira em torno do PL 145, de 2021, que tem por objetivo maior alterar o Código de Processo Civil para permitir que animais não-humanos possam ser, individualmente, parte em processos judiciais, sendo representados pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por associações de proteção dos animais ou por quem detenha sua tutela ou guarda. Referido PL possui extensa e fundamentada justificação visando a aprovação da proposta:
A presença de animais não-humanos no polo ativo de demandas judiciais, reivindicando em juízo os seus direitos individuais, sobretudo a reparação de danos materiais e morais decorrentes de maus-tratos, é um fenômeno recente no Brasil, com mais de uma dezena de ações propostas em vários Estados da Federação, não obstante seja um debate corrente no direito comparado (SUNSTEIN, 2004). Esse fenômeno tem sido reconhecido pela doutrina brasileira como judicialização terciária do Direito Animal (GORDILHO; ATAIDE JUNIOR, 2020, nota 51). No exterior, muitas também são as iniciativas processuais para se tentar proteger os animais. Certamente que esse fenômeno tem como um dos seus fatores preponderantes a tendência da legislação brasileira, a partir da interpretação do art. 225, § 1º, VII da Constituição Federal, em reconhecer os animais como sujeitos de direitos, o que já ocorre, por exemplo, por meio do art. 216. da Lei 15.434/2020, do Estado do Rio Grande do Sul, do art. 34-A da Lei 12.854/2003, com redação dada pela Lei 17.485/2018, do Estado de Santa Catarina e do art. 5º da Lei 11.140/2018, do Estado da Paraíba.
Essa tendência também se apresenta no plano federal, conforme se pode constatar a partir de vários projetos de lei, com destaque ao PLC 6.054/2019 (anterior 6.799/2013), já aprovado em ambas as casas do Congresso Nacional, o qual estabelece, em seu art. 3º, que “Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos com direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.” Percebe-se, no entanto, uma certa resistência por parte dos juízes em reconhecer a capacidade de ser parte dos animais, diante da ausência de uma previsão legal expressa, razão pela qual se propõe a redação do art. 1º deste projeto de lei, no sentido de eliminar qualquer dúvida a esse respeito e de garantir aos animais não-humanos o acesso à justiça, conforme prevê o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (ATAIDE JUNIOR, 2020). Faz-se necessário ampliar o art. 75. do Código de Processo Civil para suprir a lacuna existente sobre a capacidade processual dos animais (capacidade para estar em juízo), indicando-se quem poderá representar os animais em juízo, servindo, como parâmetro, o art. 2º, § 3º, do Decreto 24.645/1934 (ATAIDE JUNIOR; TOMÉ, 2020). Trata-se de uma questão processual em debate em dezenas de países. Exemplos como o da orangotango Sandra e o da chimpanzé Cecília na Argentina, o do urso Chucho na Colômbia, o dos chimpanzés Hiasl e Rosi na Áustria, Tommy e Kiko nos Estados Unidos, o dos chimpanzés brasileiros Suíça, Lili, Megh e Jimmy, entre tantos outros casos mundo afora, demonstram que existe uma omissão relevante em muitos ordenamentos jurídicos que obstaculizam a proteção individual de determinados seres vivos, em descompasso com a realidade social e com as recentes descobertas científicas sobre os substratos neurológicos que geram consciência em espécies de animais (a exemplo da Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, de 2012). Se até uma pessoa jurídica, que muitas vezes não passa de uma folha de papel arquivada nos registros de uma Junta Comercial, possui capacidade para estar em juízo, inclusive para ser indenizada por danos morais, parece fora de propósito negar essa possibilidade para que animais possam ser tutelados pelo Judiciário caso sejam vítimas de ações ilícitas praticadas por seres humanos ou pessoas jurídicas. Com a aprovação deste projeto de lei, o Congresso Nacional pacificará essas questões processuais, possibilitando uma ampliação significativa da tutela jurisdicional dos animais, o que refletirá na proteção jurídica ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é um direito fundamental de todos, conforme estabelecido no art. 225. da Constituição Federal.
Assim, a disciplina normativa tem tratado os direitos dos animais em diversas áreas do saber. Importa ressaltar a edição da Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 2008, que regulamenta o inciso VII do § 1º do artigo 225 da CF/88, estabelecendo procedimentos para uso científico de animais. A norma em apreço trata da utilização de animais em atividades educacionais, ficando restrita a estabelecimentos de ensino superior e estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica.
São consideradas como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros testados em animais, conforme definido em regulamento próprio.
A lei define como experimentos os procedimentos efetuados em animais vivos, visando à elucidação de fenômenos fisiológicos ou patológicos, mediante técnicas específicas e preestabelecidas.
Não se considera experimento a profilaxia e o tratamento veterinário do animal que deles necessite; o anilhamento, a tatuagem, a marcação ou a aplicação de outro método com finalidade de identificação do animal, desde que cause apenas dor ou aflição momentânea ou dano passageiro; as intervenções não-experimentais relacionadas às práticas agropecuárias.
Ainda abordando a proteção dos animais, em Belo Horizonte, foi publicada a Lei nº 11.285, de 22 de janeiro de 2021, que dispõe sobre a criação do Programa de substituição gradativa dos veículos de tração animal no município. O artigo 4º do citado comando normativo, determina que fica proibida a utilização de veículos de tração animal, em definitivo, no prazo de 10 (dez) anos, contados a partir da publicação da lei. Entrementes, o PL 545, de 2023, tem por objetivo reduzir para cinco anos o prazo para extinção das carroças puxadas por animais em Belo Horizonte, determinando que os carroceiros substituam os cavalos no exercício do trabalho até janeiro de 2026. O texto aguarda sanção do prefeito de BH.
Diante de todo o exposto, fica bem claro como luz solar que o mundo mudou numa velocidade incrível. Com ele os hábitos, a cultura, os valores, as necessidades, tudo isso passou a despertar na sociedade um olhar diferenciado para aquilo, que gravita ao redor do mundo. Desta feita, pode-se afirmar que os animais cada vez mais estão presentes na vida da sociedade, servindo como balizamento de amor, segurança, conforto, alegria e confiança. Os animais fazem parte do desenvolvimento socioeconômico da sociedade. Fomentam atividades educacionais, científicas, de pesquisas, empresariais, tudo isso é uma realidade no mundo veterinário; faculdades, clínicas, planos de saúde, hospitais veterinários, cemitérios pets, farmácias, essa é a nova tendência da sociedade moderna. Fechar os olhos para essa nova realidade é negar a própria existência humana.
E mais que isso. É preciso combater urgentemente os desalmados biocidas sociais, isto para proteger com efetividade os direitos dos animais, sob pena de decretar na humanidade a falência múltipla dos valores, com o inevitável sepultamento fúnebre do amor, do espírito humano e da dignidade. O ser humano morreu há muito tempo; ele vive perambulando no plano terrestre com almas perdidas, cadáveres postergados, putrefeitos em conservação; são esqueletos desumanos, insensíveis, desprovidos de sentimentos fraternos; o que existe no seu corpo são órgãos em funcionamento, sangue jorrando, exangue, um paradoxo, mas desprovido de amor fraterno, coração maldoso, tecidos necrosados, mente vingativa, e vaidades sem limites; o ataúde apenas aguarda o momento exato de receber o corpo maligno para conduzi-lo às profundezas do infinito, distante das civilizações humanas; noutra via transversa, um mundo ideal, bem diferente, singular, vivendo num inexorável ambiente cruel, os animais não humanos são mais amorosos, confiáveis, fieis, leais, inocentes, amigos e sem interesses financeiros.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 30 de outubro de 2023.
BRASIL. Código Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 30 de outubro de 2023.
BRASIL. Código Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 30 de outubro de 2023.
BRASIL. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Disponível em https://www.cfmv.gov.br/wp-content/uploads/2018/10/direitos1.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2023.
BRASIL. Lei nº 9.605, de 1998. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm. Acesso em 30 de outubro de 2023.
BRASIL. Projeto de Lei 221/2023. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2232461&filename=PL%20221/2023. Acesso em 30 de outubro de 2023.
BRASIL. Projeto de Lei nº 145/2021. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1959938. Acesso em 30 de outubro de 2023.
SOUSA. Natália Novais. Guarda compartilhada de animais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5513, 5 ago. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/67157/guarda-compartilhada-de-animais>. Acesso em: 30 out. 2023
Notas
STF. ADPF 640/DF. Relator Ministro Gilmar Mendes. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346519435&ext=.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2023.
STF. ADPF 640/DF. (2021)
STF. ADPF 640/DF. (2023)
SOUSA. Natália Novais. Guarda compartilhada de animais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5513, 5 ago. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/67157/guarda-compartilhada-de-animais>. Acesso em: 30 out. 2023