Com a feição mais aproximada da que conhecemos hoje, o júri originou-se na Inglaterra, no período sucessivo ao Concílio de Latrão. Remonta entretanto, ao período áureo do direito romano com os seus judices juratis. Entre os gregos era formado dos diskatas e entre os germanos pelos centeni comites.
De início, revelava forte conotação mística e religiosa, tanto que era formado de doze jurados, número que corresponde ao dos doze apóstolos, seguidores do Cristo nos seus dias da Galiléia.
Chegado a Gália, logrou ser ali rapidamente adotado, uma vez que representou a forma de na época da revolução burguesa, ser manifestado o repúdio e aversão tributada à classe dos magistrados, historicamente vinculada à nobreza e artífice de toda sorte de arbitrariedades. Foi a época das práticas irracionais dos chamados "juízos de Deus" de que os combates judiciários, a imersão em água fervente, a aplicação do ferro em brasa foram algumas das mais bárbaras demonstrações. Da França, disseminou-se por todo o continente.
Data deste tempo, o direito de dizer, por parte de um Juiz togado, se o réu devia ou não ser submetido ao crivo do julgamento popular.
No Brasil, a instituição do júri data de 18 de junho de 1822 e se encarregava do julgamento dos crimes de imprensa. Em 1824, inserido na Constituição do Império, passou a integrar o Poder Judiciário. Pelo Código de Processo Criminal de 1832 e pela reforma de 1871, foi alterado em sua estrutura e competência. Mantido na Constituição de 1891 e nas sucessivas, até 1937, quando a Carta foi omissa sobre ele, razão que a fez vir a ser corrigida por um Decreto-Lei, o de nº 167 de 5 de janeiro de 1938, o qual delimitava a soberania dos veredictos.
No capítulo dos direitos e garantias individuais, sua soberania voltou a ser assegurada, seja na Constituição de 1946, como na de 1967.
Consolidado na sua razão de ser, permaneceu, na Constituição de 1988, no título que assegura os nossos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - CAPÍTULO I - DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS; inciso XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
A lei que organiza o júri, na verdade um decreto-lei de nº 3.689, datado de 03 de outubro de 1941, sofreu no decurso desse tempo algumas modificações. No entanto, não no que a ele se refere. Esse decreto é o Código de Processo Penal e estabelece como competência privativa do Tribunal do Júri, o julgamento dos crimes de homicídio, simples ou qualificado, o infanticídio, o aborto; na forma consumada, isto é, com a culminação do evento morte, ou apenas tentada. Por fim, a conduta tem que ter sido praticada de forma dolosa, isto é, quando há deliberação para sua prática, com o lançar mão ou valer-se de meio idôneo, utilizá-lo e colimar o intento, ou não o colimando que tenha sido independente da vontade do agente.
Assim, quando acontece um homicídio, morte de alguém por outrem, a polícia judiciária adotará as providências preliminares. Dirigindo-se ao local, providencia análise das diversas circunstâncias e motivações do delito, identifica o autor e testemunhas que possam informar sobre o mesmo, remove o corpo para efeito de necrópsia, no Instituto Médico Legal, onde existe, na ausência deste, a médico que sob compromisso, emitirá o laudo respectivo, detalhando as lesões e atestando-as como causa da morte.
Tais diligências compõem o inquérito policial que é instaurado mediante PORTARIA de competência do Delegado de Polícia, hoje, bacharéis em direito e com preparação específica ao desempenho do mister judiciário. Quando o inquérito é concluído o Autor do delito é indiciado e os autos são remetidos ao Juiz de Direito que por sua vez, determina abertura de vista ao Promotor de Justiça o qual formando seu juízo, denuncia o autor.
Denúncia é a peça mediante a qual o Órgão do Parquet se dirige ao Estado Juiz, e depois de qualificar o indiciado de forma a tornar inequívoca sua identidade, narra a partir da hora, dia e local em que o delito tiver sido praticado, as circunstâncias em que se deu, as motivações que o rodeiam, o modo com que agiu e todos os demais detalhes, de tal forma que não pairem motivos de suposição ou dúvida, até porque, é nos termos da denúncia que se vai arrimar o contraditório. Vale para a defesa o que estiver escrito. Finalmente, aponta os dispositivos do Código Penal infringidos e requer citação do denunciado para que promova sua defesa como melhor entender; nesta oportunidade ainda, apresenta o rol de testemunhas a serem ouvidas na fase instrutória processual.
O Juiz, recebendo a denúncia, determina a citação do denunciado e seu comparecimento à sua presença para ser interrogado. Nesta oportunidade, ele toma conhecimento formal dos termos da acusação que lhe é feita, apresenta a própria versão para o fato ou de sua conduta, nomeia o Advogado que vai defendê-lo, ou se for pobre, no sentido da lei, tem conhecimento do que lhe é nomeado. É um grande momento do processo, é o momento em que pode falar, depois, estará limitado a ouvir. Tanta é sua importância que só deve ser feito de forma presencial, quando, além de através das palavras, o Juiz pode analisar o interrogando lendo no seu ânimo, deduzindo pelo como se comporta.
Em seguida, o advogado, respaldando os termos do interrogatório, não concorda ou concorda apenas em parte com a denúncia, apresenta o rol de testemunhas ou requer outras diligências. Geralmente, reserva-se o direito de só fazer conhecida sua tese, a final. Tem início o contraditório, fundamental para a validade de todos os atos. O próprio Promotor que entender pela não defesa de quem é acusado, na sua função de fiscalizar a correta aplicação da lei, deve vigiar neste sentido, ou seja, no sentido de que o contraditório seja potencialmente exercido.
São ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público, em seguida, as que a defesa apresentou. Finda esta fase, são feitas as alegações finais pelas partes e mediante o que tiver concluído, a vista do que tiver sido provado, o Juiz proferirá uma decisão de impronúncia ou de pronúncia. No primeiro caso, decide pela absolvição do denunciado e julga improcedente a denúncia; no segundo, reconhece a presença dos elementos constitutivos do dolo, sem aprofundar-se no mérito, mesmo que paire alguma dúvida, neste caso, o in dubio é pro societate, e remete o julgamento ao Tribunal Popular do Júri.
Em certos casos, até menos, mas o tempo de tramitação de um processo está legalmente prevista, para acontecer em noventa dias.
Em toda Comarca, anualmente, são alistados cidadãos entre 21 (vinte e um) a 60 (sessenta) anos de idade, pessoas indicadas pelas diferentes repartições em que trabalham e que vão estar a serviço do júri o que é obrigatório. O exercício efetivo da função de jurado constitui serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral, assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, bem como preferência, em igualdade de condições, nas concorrências públicas.
Os jurados representam a sociedade da qual fazem parte. Quando investidos da função, decidem em nome dos demais. É portanto, o júri, expressão eminentemente democrática, intérprete da vontade do povo, competindo aos que o integram agir de forma independente e magnânima. Por isto, conta com a votação secreta e seu veredicto é soberano.
Os sete integrantes do conselho de sentença, sorteados entre os vinte um convocados para cada sessão, são Juízes de fato. Podem requerer diligências, mais que simplesmente ouvir respostas formuladas pelo Juiz, pela defesa ou pelo Ministério Público, inquirir as testemunhas, valerem-se de quaisquer recursos que os conduzam a um juízo preciso a respeito da decisão a ser tomada. Assim, formam a própria convicção e mediante resposta por um NÃO ou um SIM, cédula que vão depositando numa pequena urna, após cada uma das questões que lhe são propostas, decidem pela inocência ou pela culpa de quem devem julgar.
É a eles que se dirigem o Ministério Público e a defesa, cada qual apresentando sua versão da conduta em julgamento. Em número de sete, jamais correm o risco de ocorrência de um empate na votação. O Juiz de Direito que ali está, preside a sessão, vela pela ordem e pela normalidade dos atos, mas quando ao final, vai prolatar a sentença, estará condicionado ao que lhe tiver sido prescrito pelos jurados, nem mais, nem menos.
Júri popular é portanto, julgamento de alguém do povo, pelo próprio povo.
Aqui em Vitória, acabamos de acompanhar um julgamento cuja duração, três dias, só tem precedente com o do esquadrão da morte. Falo do julgamento do líder dos "sem terra", José Rainha Júnior.
A imputação que lhe é feita data de 1989.
As opiniões se dividem. Para uns, é inocente; para outros, é culpado. Culpado ou não, o povo que estava representado pelos componentes do Conselho de Sentença por 4 votos contra 3, pressionado ou não, dizem que atemorizado pela multidão que postou-se na frente e dentro da Catedral Metropolitana, (onde se permitiu fazer nada menos que tudo), disse que é inocente e só restou ao Juiz Presidente, absolvê-lo.
Uma das duas eram as hipóteses do que sucederia: Rainha é culpado ou Rainha é inocente. Condenado, pairaria a dúvida sobre a efetiva realização da justiça, mas não é que não subsista, agora que foi absolvido.
Ai é que, ainda que hajam divergências entre a culpa e a inocência, num ponto há unanimidade e está na consciência dos longos onze anos que se passaram os quais nos autorizam a voltar a repetir como o fizera Rui Barbosa, na sua Oração aos Moços, (exortação a paraninfados de um curso de Direito): "Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".