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Análise do direito fundamental à audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro

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Agenda 10/11/2023 às 15:50

3. EVOLUÇÃO AO LONGO DO TEMPO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A evolução da audiência de custódia ao longo do tempo representa um marco significativo no sistema de justiça criminal. Esta modalidade de audiência, que teve origens em tratados internacionais de direitos humanos, foi gradualmente incorporada ao ordenamento jurídico de diversos países, incluindo o Brasil.

O princípio da dignidade da pessoa humana, erigido como o pilar que sustenta a democracia na atual Constituição, emana de diversos outros princípios, tais como o contraditório, a ampla defesa, a legalidade, entre outros fundamentos basilares do ordenamento jurídico.

Outro princípio de notável relevância é o da presunção de inocência, igualmente consagrado em nossa Carta Magna. Segundo este princípio, diante de qualquer incerteza acerca da culpabilidade do acusado, é imperativo considerá-lo inocente até que se produza prova irrefutável de sua culpa. Em estrita observância a esse preceito, segue-se a máxima de que "todos são inocentes até que se prove o contrário". Esta prerrogativa persiste até a fase do trânsito em julgado, momento em que, igualmente em situações de dúvida quanto à culpabilidade, impõe-se a absolvição do acusado. Neste caso, se tal decisão ocorrer em terceira instância, não será admitido recurso, conforme estabelece o Artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988.

A consolidação destes princípios na estrutura jurídica brasileira não apenas garante a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, mas também fortalece a base democrática do Estado de Direito. Ao assegurar a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana, o sistema jurídico demonstra seu compromisso com a justiça e a equidade, promovendo um ambiente jurídico mais justo e equitativo para todos os cidadãos.

Diante desse contexto, torna-se evidente que a presunção de inocência é o baluarte que sustenta a democracia, reafirmando que todos somos presumivelmente inocentes até que se prove o contrário. Assim sendo, cabe ao Ministério Público o ônus de demonstrar de maneira inquestionável a culpabilidade do acusado. As restrições à liberdade devem ser reservadas a circunstâncias verdadeiramente excepcionais e, mesmo então, devem ser impostas apenas quando estritamente necessárias. Portanto, a liberdade é a regra, enquanto a prisão, antes do trânsito em julgado da condenação, deve ser considerada a exceção, aplicável somente em situações atípicas. A Constituição oferece o fundamento de que a prisão somente deve ser decretada mediante decisão fundamentada do juiz, sendo, portanto, uma medida que vai de encontro à norma geral prevista na legislação. Vale ressaltar que a restrição à liberdade deve ser a última medida a ser adotada pelo judiciário.

Durante a audiência, são ouvidos não apenas os argumentos do Ministério Público, mas também as manifestações do defensor público e da própria defesa do detido. Esta abordagem proporciona ao juiz uma visão abrangente do caso, permitindo-lhe tomar uma decisão embasada e justa quanto à necessidade de prisão ou à aplicação de medidas alternativas.

A audiência de custódia não apenas fortalece os direitos fundamentais do acusado, mas também contribui para a prevenção da tortura e maus tratos, além de reduzir a superlotação carcerária. Ao longo do tempo, esta prática tem sido vista como uma importante ferramenta para promover um sistema de justiça mais justo, humano e eficaz.

O requerimento de prisão deve ser feito somente após terem sido esgotadas todas as instâncias do poder judiciário. Contudo, em situações excepcionais e mediante decisão fundamentada, o juiz pode determinar a prisão do acusado durante o curso do processo (OLIVEIRA, 2011, p. 66). Existem circunstâncias em que a prisão se faz necessária, tais como quando o indivíduo ameaça interferir no andamento do caso. Nesses casos, para garantir um desenvolvimento adequado, o juiz pode decretar a prisão preventiva do acusado, ou ainda quando este representa uma ameaça à segurança da sociedade.

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O juiz deve, então, se pautar por este princípio, o qual preconiza uma avaliação criteriosa das medidas impostas, levando em consideração a gravidade do caso em questão. Ao aplicar as medidas cautelares, o juiz deve ter a devida cautela para não descaracterizar a finalidade do princípio, evitando que a prisão adquira caráter de punição preventiva, o que configuraria uma violação ao princípio da presunção de inocência, conforme previsto na Constituição Federal.

Lima (2014, p. 69) esclarece que existem dois requisitos essenciais no que tange ao princípio da proporcionalidade: O primeiro requisito, conhecido como princípio da adequação ou conformidade, estabelece que uma medida restritiva será considerada razoável se demonstrar eficácia para atingir o objetivo proposto. Nesse sentido, não se deve permitir a restrição de um direito fundamental, a menos que os meios adotados se mostrem adequados para alcançar o resultado desejado.

O segundo requisito, ou subprincípio, da proporcionalidade é a necessidade. Segundo esse critério, quando há diversas medidas restritivas de direitos fundamentais que são adequadas para alcançar o mesmo objetivo, o poder público deve optar pela menos gravosa, ou seja, aquela que menos interfere no direito à liberdade, ao mesmo tempo em que protege o interesse público para o qual foi criada. Portanto, ao aplicar qualquer ação que restrinja a liberdade de um indivíduo antes de uma condenação transitada em julgado por uma infração penal, o juiz deve considerar tanto a necessidade quanto a adequação da medida, buscando sempre aplicar a alternativa menos onerosa ao acusado.

Em fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em colaboração com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), lançou o projeto Audiência de Custódia. Este programa tem por objetivo assegurar a pronta apresentação de um indivíduo detido perante um magistrado nos casos de prisão em flagrante delito. Consiste na condução do acusado diante do juiz em uma audiência, na qual também são ouvidas as manifestações do Ministério Público, do defensor público ou da defesa do detido, permitindo que o juiz, em um prazo de vinte e quatro horas a partir da notificação da prisão em flagrante, tome sua decisão.

De maneira abrangente, a audiência de custódia ou o interrogatório em mandado de segurança podem ser considerados como legítima defesa do suposto autor do delito, mesmo que tenha sido aplicada a ele uma medida cautelar diferente da prisão durante o intervalo de 24 horas após a detenção. Nesse contexto, o juiz estará em melhor posição para deliberar sobre a medida cautelar adequada, especialmente no que se refere a diversas restrições à liberdade, como a proibição de se ausentar da comarca ou do domicílio prisional.

Assim, desde a implementação do projeto concebido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), diversos tribunais em todo o território nacional também desenvolveram inúmeros projetos com o intuito de atender aos requisitos estabelecidos pela legislação em vigor. Isso visa incorporar os procedimentos tutelares em diferentes graus de aplicação e de maneira abrangente em cada um dos estados da federação.


4. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO CUSTODIADO

As audiências de custódia representam um marco fundamental no sistema jurídico, ao garantir que o detido seja submetido a uma análise imediata e imparcial por parte da autoridade judiciária. Esse procedimento não apenas protege os direitos fundamentais do acusado, mas também serve como um anteparo contra possíveis abusos ou detenções injustificadas.

Estabelece-se como imperativo legal a urgência de apresentar o detido diante da autoridade judiciária no momento do flagrante, sem demoras, com o propósito de exercer o controle imediato sobre a infração cometida naquele momento. Além disso, essa condução tem o objetivo de analisar minuciosamente as circunstâncias e elementos que embasam a decisão tomada naquela conjuntura específica. Isso significa que a apresentação imediata perante a autoridade judicial é crucial para assegurar que o detido tenha seus direitos resguardados e para fundamentar devidamente a decisão a ser tomada em relação à sua prisão.

Nesse contexto, Caio Paiva argumenta que o conceito de custódia está associado ao ato de resguardar e proteger o público. Portanto, a prisão preventiva se caracteriza pela condução imediata do detido à presença de uma autoridade judiciária que, em virtude de um acordo prévio e contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, realiza de imediato a análise da legalidade e necessidade da prisão, além de avaliar as questões pertinentes à condição do indivíduo detido, especialmente no que concerne à presença de maus tratos ou tortura (PAIVA, 2015, p. 77).

Durante esse processo, além da presença do Ministério Público, a defesa do acusado, seja ela exercida por um advogado particular ou pela defensoria pública, tem o espaço necessário para argumentar em favor do detido. O juiz, por sua vez, desempenha um papel crucial ao avaliar criteriosamente se a manutenção da prisão em flagrante delito é realmente necessária, ou se outras medidas menos restritivas podem ser adotadas em benefício do acusado.

Cabe destacar que a inclusão das audiências de custódia como parte integrante do sistema jurídico brasileiro é um reflexo do compromisso do país com as normas internacionais de direitos humanos. Ao ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos e incorporá-la à legislação nacional, o Brasil demonstra sua intenção de assegurar um tratamento digno e justo a todos os indivíduos que se encontram sob o escopo da justiça. Essa medida não apenas reforça o respeito aos direitos humanos, mas também fortalece a confiança na integridade e eficiência do sistema judiciário.

As audiências de custódia, introduzidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2015, representam um avanço significativo no sistema judiciário brasileiro. Nesse mesmo ano, mais de 758.000 desses procedimentos foram conduzidos, resultando em uma redução de aproximadamente 10% na população carcerária do país no primeiro ano de implementação. Isso atesta a eficácia dessa ferramenta judicial diante do grave problema da superlotação no sistema prisional.

Contudo, é importante salientar que as audiências de custódia, apesar de promissoras e com resultados positivos no que tange à diminuição populacional nas prisões, ainda suscitam debates e controvérsias. Há vozes críticas que veem nesse processo uma suposta sensação de impunidade ou injustiça ao colocar um indivíduo detido em flagrante delito de volta à sociedade.

É crucial ressaltar que a aplicação das audiências de custódia não desrespeita o princípio constitucional da presunção de inocência, no qual a prisão preventiva é uma medida excepcional. Cada caso é minuciosamente analisado pelo juiz, considerando a necessidade de medidas cautelares, prisão preventiva ou mesmo medidas de segurança social.

Entre os que se opõem às audiências de custódia, a promotora pública Lindinalva Rodrigues, em texto publicado no site jus.com.br, expressou sua preocupação. Ela destaca a importância de equilibrar a busca pela justiça com a preservação dos direitos dos cidadãos. Por outro lado, ela também ressalta a necessidade de aprimoramentos no processo, visando assegurar que os indivíduos liberados estejam devidamente assistidos e tratados, especialmente aqueles que enfrentam problemas relacionados ao alcoolismo e às drogas.

Dessa forma, embora as audiências de custódia representem um passo significativo na busca por um sistema penal mais equitativo, é imperativo que sejam constantemente avaliadas e aprimoradas, garantindo assim uma aplicação justa e eficaz desse importante instrumento jurídico.

O artigo 3-B do Código Penal, inserido no pacote anticrime pela Lei 13.964/2019, proíbe expressamente a realização de audiências de custódia por meio de Videoconferência, uma medida que visa preservar os direitos e a segurança do processo. Entretanto, vale ressaltar que essa disposição foi objeto de questionamento na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6841, sob a relatoria do Ministro Nunes Marques, que, em decisão excepcional, permitiu a implementação desse formato durante o período da pandemia de Covid-19. A justificativa reside no fato de que adotar tal medida representa um menor prejuízo para a integridade do processo em comparação à sua suspensão total.

No cenário atual, o estado do Acre retomou as audiências de custódia em formato digital, o que despertou opiniões favoráveis, como a do defensor público Celso Rodrigues. Ele observa que esse sistema veio para se estabelecer, sendo a pandemia um catalisador para a adoção de novas práticas. Reconhece-se que a questão ainda é objeto de algum debate, visto que há quem prefira o contato presencial com o cliente, enquanto outros, inclusive advogados de outras localidades, veem a modalidade virtual como vantajosa. A pluralidade de opções se revela fundamental, permitindo que cada profissional atue de acordo com suas preferências e necessidades.

Outro marco relevante se deu em 6 de outubro de 2020, quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, reconheceu a impossibilidade de prisão preventiva sem prévio requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público. Nesse contexto, destacou-se a importância da audiência de custódia como um direito subjetivo do indivíduo detido em flagrante delito, devendo ser realizada sem demora, dentro do prazo de 24 horas.

Ademais, ficou estabelecido que o juiz competente não pode, por iniciativa própria, converter a prisão em flagrante delito em prisão preventiva durante a audiência de custódia, uma vez que tal medida requer a representação da autoridade policial ou a requisição do Ministério Público. Esse entendimento foi corroborado de forma unânime pelos demais ministros presentes no julgamento, solidificando a impossibilidade jurídica de um juiz de primeira instância, por meio de audiência de custódia ou outro meio, determinar a prisão preventiva de qualquer pessoa sujeita a processo criminal, seja inquérito policial, procedimento criminal ou judicial.


5. DISPOSITIVOS LEGAIS SOBRE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A introdução do artigo 310 no Código de Processo Penal, por meio da Lei 13.964/2019, representou um marco significativo no procedimento das audiências de custódia no Brasil. Essa legislação trouxe uma série de alterações e definições mais precisas sobre como essas audiências devem ser conduzidas.

A Resolução n. 213 de 2015, emitida pelo Conselho Nacional de Justiça, já havia estabelecido importantes diretrizes para a realização das audiências de custódia. No entanto, a inclusão do artigo 310 no CPP consolidou de forma mais específica os trâmites que devem ser seguidos nesse processo.

Dentre as principais mudanças, destaca-se a ênfase na imediatidade da apresentação do custodiado perante a autoridade judicial. Além disso, a legislação reforçou a importância da presença do Ministério Público e da Defesa na audiência, garantindo, assim, um contraditório efetivo e uma avaliação mais justa da situação do preso.

Outro aspecto relevante foi a definição de que, após a audiência de custódia, o juiz deve proferir decisão fundamentada sobre a manutenção ou não da prisão, levando em conta critérios como a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.

Essas mudanças proporcionaram maior segurança jurídica ao procedimento das audiências de custódia, fortalecendo os princípios constitucionais que as respaldam, como o de presunção de inocência e o respeito à dignidade da pessoa humana. Portanto, a inserção do artigo 310 no CPP representou um avanço significativo no tratamento das prisões em flagrante delito, garantindo um processo mais justo e alinhado com os preceitos constitucionais.

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

I -relaxar a prisão ilegal; ou

II -converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 desse Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III -conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (BRASIL, Código de Processo Penal; 1941).

A inovação trazida pelo legislador consiste em incorporar, nessa etapa processual, uma audiência na qual o detido, após a formalização do auto de prisão em flagrante realizado pela autoridade policial, é submetido à análise de um juiz. Este decidirá, durante a referida audiência, se o flagrante será ratificado ou não e, em sequência, se a imposição da prisão preventiva se faz necessária, ou se é cabível a aplicação de medidas cautelares diversas.

Conforme evidenciado, apesar de representar um avanço, a previsão contida no artigo 310 do Código de Processo Penal não é suficientemente explícita quanto à extensão da aplicação da audiência de custódia em outras modalidades de prisões. A menção se restringe aos casos de flagrante delito. No entanto, o artigo 287 do mesmo código apresenta uma disposição que sugere a realização da audiência de custódia mesmo na ausência de mandado.

"Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia" (BRASIL, Código de Processo Penal; 1941).

Dessa forma, este artigo, também recentemente modificado pelo Pacote Anticrime, abre a possibilidade para a aplicação da audiência de custódia em situações de cumprimento de mandado. Contudo, o artigo 310 do CPP apenas explicita essa possibilidade para casos de prisão em flagrante. Isso contribui para uma variedade de interpretações, tanto nos tribunais quanto no âmbito doutrinário, acerca da aplicação desse instituto em qualquer modalidade de prisões, seja ela preventiva, já decretada, ou definitiva para o cumprimento da pena, por exemplo.

Sobre o autor
Guilherme Santos

Estudante de direiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Guilherme. Análise do direito fundamental à audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7436, 10 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107013. Acesso em: 22 dez. 2024.

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