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Presunção de inocência frente à execução provisória da pena privativa de liberdade

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Agenda 15/11/2023 às 18:01

2. Análise Crítica Do Julgamento Do Hc 126.262 Pelo Stf

Analisando o Habeas Corpus em questão é importante que se destaque temas controversos no campo jurídico, tendo em vista que houveram desacordos pelos próprios Ministros quando ocorreu o julgamento, no dia 17 de fevereiro de 2016. O relator do julgamento foi o ministro Teori Zavascki. Ele e a suprema corte, por sete votos a quatro, decidiram pela possibilidade de ocorrer a execução provisória da pena após ser proferido acórdão em segunda instância e, diante disso, não se qualificaria uma afronta ao princípio da presunção da inocência/não culpabilidade. Através da visão dos ministros vencedores, o princípio mencionado não impede que condenações entrem em fase de execução após decisão em segunda instância, pois, os Recursos Especiais e Extraordinários não discutem fatos, mas sim matérias de direito, não possuindo efeito suspensivo. Entretanto, tal posicionamento corre em contramão ao entendimento majoritário firmado pela suprema corte desde o ano de 2009 e ao que descreve a Constituição Federal de 1988. Dessa forma, ocorreu uma relativização do princípio da presunção da inocência, onde se buscou um equilíbrio entre este princípio e a efetividade das decisões judiciais.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) classificou o entendimento do supremo como uma “mutilação inconstitucional”. A OAB entende que o Supremo fez uma superinterpretação da norma quando possibilitou a execução antecipada da pena depois de confirmada por tribunal. (MARTINS, 2018)

2.1. Natureza Jurídica Da Prisão Decorrente Do Acórdão

Acerca da natureza jurídica dessa prisão, são divergentes os entendimentos.

Segundo CAPEZ a prisão pena em caráter definitivo destina-se à satisfação da pretensão executória em virtude do pronunciamento condenatório, que não tem finalidade acautelatória. Em contrapartida, a prisão processual tem natureza puramente processual, depende do preenchimento dos pressupostos do periclum in mora e fumisboni iuri para sua efetivação.

Maria Lúcia Karan afirma que “a prisão decorrente de sentença ou acórdão condenatório recorrível jamais poderia ter natureza jurídica de pena, porquanto não terminado o processo de conhecimento, seria, dessa forma, prisão provisória ou processual”.

A doutrina majoritária não considera a prisão por condenação em segundo grau como prisão preventiva, tampouco a considera prisão-pena - que possui natureza repressiva e ocorre após o trânsito em julgado - mas também não preenche nenhum dos requisitos da tutela cautelar, dispostos no art. 314 de CPP. Podendo afirmar então que diz respeito à prisão preventiva incompatível com a ordem constitucional, sendo, de fato, execução antecipada da pena. (MARTINS, 2018).

2.2. Fundamento E Função Dos Recursos Nos Tribunais Superiores

Os recursos especiais e extraordinários portam natureza excepcional, dessa formam, devem ser examinados de forma prévia, uma vez que para ser julgado tem que estar contida a matéria exigida por cada recurso interposto.

O Recuso Especial possui como objetivo principal proteger e combater os possíveis desrespeitos quantos às normas federais, sendo submetido a exame de matéria infraconstitucional. A competência para julgamento do recurso especial é do Superior Tribunal de Justiça, conforme prevê o artigo 105, II, da CF.

“II – o Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante.”

O recurso Extraordinário tem como objetivo principal impedir que normas Constitucionais sejam desrespeitadas pelos tribunais nas decisões acerca de casos concretos. O recurso mencionado é de competência do Superior Tribunal Federal com fulcro no artigo 102, III, da CF.

“III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.”

Os recursos possuem requisitos de admissibilidade comum, são eles: I) reexame de matéria de direito; II) existência de uma questão de âmbito federal; II) pré-questionamento; IV) cabíveis apenas nas hipóteses taxativas previstas na CF; V) causas decididas em última e única instância.

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No último aspecto mencionado (V), salienta-se uma distinção entre os recursos: para interposição de Recurso Especial é essencial que a decisão recorrida tenha sido proferida por um Tribunal e para a interposição do Recurso Extraordinário basta que já se tenham utilizado todos os meios recursais disponíveis. (MARTINS, 2018)

Questiona-se, portanto, como é possível o acusado iniciar o cumprimento da pena e enfrentar as mazelas de um cárcere quando ainda há a possibilidade legítima de ser considerado inocente?

Evidente que é incompatível que um meio de defesa, seja o Recurso Especial ou Extraordinário, acarrete como consequência imediata da sua interposição, a execução da pena do acusado antes mesmo de ele ser considerado culpado pelo poder judiciário.

2.3. A Incompatibilidade Com Os Artigos Do Código De Processo Penal E Lei De Execução Penal

O Código de Processo Penal foi publicado no ano de 1941 e editado no período da ditadura de Getúlio Vargas, período este que ocorria muita restrição à liberdade individual. Sendo publicado então, algumas décadas antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Ocorre que até a presente data não ocorreram grandes reformas no Código, por este motivo, continuam vigentes diversos dispositivos que são incompatíveis com a ordem constitucional. Entretanto, independente disso, encontram-se artigos como o 674 “Transitando em julgado a sentença que impuser pena privativa de liberdade, se o réu já estiver preso, ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena.” e 675 “No caso de ainda não ter sido expedido mandado de prisão, por tratar-se de infração penal em que o réu se livra solto ou por estar afiançado, o juiz, ou o presidente da câmara ou tribunal, se tiver havido recurso, fará expedir o mandado de prisão, logo que transite em julgado a sentença condenatória.” do CPP.

Ambos os artigos exigem a necessidade de trânsito em julgado para o início da execução penal.

É importante reforçar que caso ocorra contradição entre dispositivos do Código de Processo Penal, a solução deverá ser baseada nos princípios constitucionais, que são voltados à sistematização das questões fundamentais do Estado.

A presunção da inocência é uma garantia constitucional do cidadão devidamente prevista na constituição, entretanto, a norma infraconstitucional que determina o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado vai de encontro com um direito fundamental expresso. Nesses casos, quando uma norma infraconstitucional está em desacordo com a constituição federal, deve-se prevalecer o princípio previsto na Carta Magna, caso contrário será violada a própria natureza da supremacia da Constituição Federal.

Ademais, o artigo 105 da Lei de Execução Penal afirma que “transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução”, evidenciando a obrigatoriedade do trânsito em julgado da condenação para que, somente após isso, ser iniciado à execução penal.


3. Consequências Do Cumprimento Provisório Da Pena

Inicialmente, o julgamento do HC 126.292 pelo STF foi proferido interparts, “cujos efeitos de uma lei ou decisão são restritos às partes da respectiva ação judicial. Ou seja, outras pessoas, que não são partes no processo, não são afetadas pela decisão do(a) magistrado(a)”.

Após as ADC’s 43 e 44, foi reconhecido no julgamento do HC 126.292 o efeito erga omnes “cujos efeitos da lei ou decisão atingem todas as pessoas que estejam submetidas a um determinado ordenamento jurídico.” Dessa forma, uma decisão judicial do STF, como foi o caso da decisão em discussão, vale para todos os brasileiros.

Vale lembrar que a execução da pena após julgamento em segunda instância, sem o devido trânsito julgado gera várias consequências. No campo teórico as discussões são acirradas, no sentido desse entendimento ser uma afronta ao princípio da presunção da não culpabilidade ou não. No campo prático, todos devem se adaptar ao novo padrão, uma vez que a decisão possui efeito erga omnes.

Dando continuidade à discussão, vejamos as consequências.

3.1. A Supremacia Das Normas Constitucionais

NUCCI afirma que, havendo conflito entre normas constitucionais, as eleitas pelo constituinte originário como cláusulas pétreas (o princípio da presunção da inocência está incluso) têm prevalência sobre qualquer outra norma expressa na própria Constituição.

Insta salientar que a interpretação de todo e qualquer dispositivo legal deve ser baseada na Constituição Federal. Os direitos e garantias individuais são considerados superiores a outras normas constitucionais. Diante disso, é correto afirmar que todos os dispositivos legais devem ter a Constituição Federal como base e caso aconteça de uma Lei ser incompatível, ela deverá ser declarada inconstitucional.

A da presunção da inocência é um princípio bem como uma garantia constitucional, entretanto, foi desvalorizada pelo julgado em análise. Temos como consequência prática a perda de credibilidade na Constituição Federal, o que nos trás instabilidade jurídica, principalmente ao refletir que um direito fundamental tão importante como esse no Estado Democrático de Direito teve sua eficácia “perdida” por quem deveria protege-la, o Supremo Tribunal Federal.

3.2. A Problemática Da Prescrição

No julgamento do HC 126.292 entende-se que a decisão foi omissa quanto ao marco prescricional para a execução provisória da pena, pois os juristas deverão fazer interpretações posteriores.

Após isso, surgiram dúvidas acerca de várias questões, uma delas é a incidência de prescrição na execução provisória de pena em 2ª instância bem como sobre qual espécie de prescrição irá incidir no caso.

Rogério Sanches Cunha foi um dos primeiros doutrinadores a discutir tal problemática, ele afirma que “na hipótese de execução provisória da pena, estaria a incidir o instituto da prescrição da pretensão punitiva superveniente, não o instituto da prescrição da pretensão executória”, tendo em vista que, não existe trânsito em julgado para as duas partes, uma vez que ainda está pendente de recurso, com fundamento no artigo 117, V, do CP.

Joaquim Leitão Júnior afirma que há a possibilidade de preencher a lacuna deixada pelos Tribunais de Superposição (STF e STJ), com a incidência da prescrição da pretensão punitiva intercorrente durante a provisoriam exsecutionem sententiae.

O STJ é pacífico e favorável a esta tese, prevalecendo a legalidade estrita em matéria penal. Como exemplo, citamos o julgado abaixo.

“PENAL - PROCESSO PENAL - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA - MARCO INICIAL - TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES - IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA - RECURSO DESPROVIDO. 1. O mérito recursal se limita à correta verificação do termo inicial da prescrição da pretensão executória do Estado, que deve ser a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para ambas as partes. Após esse marco (15.02.2013, fl. 62) não transcorreu o prazo de 04 (quatro) anos. 2. O Supremo Tribunal Federal, interpretando o alcance do princípio constitucional da presunção da inocência, vedava, anteriormente, toda e qualquer execução provisória (HC 84.078/MG, rei. Min. Eros Grau, 05.02.2009, Informativo STF n° 534), estando o Ministério Público impedido de pleitear a execução da pena enquanto o feito não transitar em julgado para ambas as partes. Seria um contrassenso reconhecer a prescrição da pretensão executória pelo transcurso de um lapso temporal durante o qual o Estado-acusação não pode agir e que escoa em benefício exclusivo das postulações recursais da defesa. 3. A guinada jurisprudencial do STF a respeito do tema da Execução Provisória da pena, nos termos do decidido no HC 126292/SP, de 17.02.2016, é superveniente ao caso em tela e em nada altera o raciocínio até aqui expendido, pois apenas doravante permite a execução provisória da sanção penal. 4. Recurso desprovido (fl. 152).”

(STJ, REsp 1633620 MS 2016/0278310-6, Relator: Ministro Jorge Mussi, Data da publicação: DJ 10/04/2017).

Concordamos com tal entendimento, uma vez que a prescrição da pretensão executória se dá somente com o trânsito em julgado, tanto pela acusação quanto pela defesa.

3.3. As ADC 43 e 44 de 2016 e sua relativização diante dos recentes julgados

O Conselho Federal da ordem dos advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN) ingressaram com ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) com pedido de liminar junto ao STF, solicitando que não fossem determinadas novas execuções provisórias e que fossem suspensas as já determinadas. As ações buscavam declarar a constitucionalidade do artigo 283 do CPP “À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente.” que confirma a previsão do artigo 5°, LVII, CF, 88 “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Os artigos mencionados condicionam o início da pena somente após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não havendo mais possibilidade de interposição de recurso.

Os julgamentos das ADCs, ocorreram em 05 de outubro de 2016, sendo decidido que a norma não veda o início da prisão depois de confirmada por tribunal e por maioria - 6 votos a 5 - as ADCs foram indeferidas. Confirmando o entendimento que havia sido firmado no HC 126.292/SP. O relator era o ministro Marco Aurélio.

O ministro Teori Zavascki fez a seguinte afirmação ao proferir o seu voto:

“A dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do país. Se de um lado a presunção da inocência e as demais garantias devem proporcionar meios para que o acusado possa exercer seu direito de defesa, de outro elas não podem esvaziar o sentido público de justiça. O processo penal deve ser minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação social.”

O argumento utilizado pelo ministro era de que pelo fato de que a presunção de não culpabilidade se tratava de um princípio, e não uma regra, poderia ocorrer a relativização.

Em contrapartida, no julgamento do HC nº 146.818 pelo Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes reafirmou sua mudança de entendimento em relação à execução antecipada da pena, concedendo liminar em Habeas Corpus afastando a execução provisória após decisão em segundo grau. O ministro seguiu o entendimento do ministro Dias Toffoli - que é preciso aguardar o julgamento do recurso especial no Superior Tribunal de Justiça para que seja executada a pena.

O ministro, com essa decisão, colocou em liberdade um advogado preso após ser condenado a 04 anos de prisão, até que seu recurso seja devidamente julgado pelo STJ.

Quem também afirmou que a Constituição Federal se sobrepõe ao STF e impede que se troque a ordem do processo-crime foi o ministro Marco Aurélio, onde proferiu acórdão contrário ao atual posicionamento, através do HC 142.869, afastando a execução provisória da pena aplicada a um fiscal de tributos de Mato Grosso cuja condenação foi de 03 anos e 06 meses de prisão no regime semiaberto.

Vejamos um exemplo prática da aplicabilidade da nova interpretação:

“HABEAS CORPUS - EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HC 126.292/STF - EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM DENEGADA I O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, posicionou-se no sentido da possibilidade da execução provisória de sentença penal condenatória confirmada por Tribunal de segundo grau de jurisdição, considerando a ausência de efeito suspensivo atribuído aos Recursos Especial e Extraordinário. II O início da execução provisória da pena privativa de liberdade implica na determinação da expedição de mandado de prisão, de modo que inexiste o alegado constrangimento ilegal, na medida em que a autoridade coatora apenas tomou as providências necessárias à execução provisória da pena imposta ao réu. III Ordem denegada.”

(TRF-2 Habeas Corpus: HC 0004077-64.2017.4.02.0000 Relator MESSOD AZULAY NETO, Julgamento em 21 de Junho de 2017, 2ª TURMA ESPECIALIZADA).

Por fim, embora tal entendimento tenha sido consolidado pelo STF, possuindo efeito vinculante a todos, existem diferentes posicionamentos acerca da matéria como visto acima.

Entretanto, já tem sido aplicado em diversos casos concretos, o novo entendimento do STF.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Roberta Daniele Borba. Presunção de inocência frente à execução provisória da pena privativa de liberdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7441, 15 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107020. Acesso em: 22 dez. 2024.

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