Resumo: Atualmente, é visto que o futebol é um dos principais caminhos para o jogador preto ter ascensão social, porém o sucesso no esporte vem com algumas consequências, dentre elas: os atos preconceituosos. Com esse fito, o artigo possui o intuito de analisar e desenvolver sobre o relevante caso de racismo no futebol, vivenciado por um dos melhores atacantes do Brasil, o craque Vinícius Júnior. A metodologia consistiu em uma pesquisa bibliográfica sobre doutrina, legislação e artigos correlacionados, com abordagem qualitativa. Por fim, evidencia-se que é uma temática bastante anunciada midiaticamente, mas pouco entendida e exemplificada socialmente falando, logo busca-se resultados no combate ao racismo dentro dessa esfera esportiva, por intermédio de campanhas de conscientização e apoio a todos os jogadores que sofrem, corriqueiramente, a inaceitável discriminação racial.
Palavras-chave: Futebol; Racismo; Vinícius Júnior; Atos preconceituosos; Brasil.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
A princípio, é válido ressaltar que:
De acordo com Luccas (1998, p. 43), “o futebol é, e sempre foi, um espelho no qual estão refletidas as formas pelas quais as relações sociais se estabelecem”, ou seja, ele é um fato social e não se resume a uma prática de lazer ou de entretenimento.
Diante disso, no contexto da problemática em tela, tem-se dúvidas a respeito de até que ponto vai a maldade das pessoas, em proferir palavras e expressões racistas, sem o mínimo de empatia com as diferentes raças? Porque que o acesso da população preta é tão limitado? E o racismo estrutural realmente existe? Porque, em pleno século XXI, ainda há negligências em apoiar causas de discriminação racial?
Assim sendo, é válido distinguir racismo e injúria racial, primeiro, para que tudo fique o mais claro possível. Enquanto que o racismo é a conduta discriminatória devido à cor da pele contra a coletividade de uma raça, a injúria racial é direcionada ao indivíduo com finalidade de impor humilhação para ele, por meio de ofensas, xingamentos e expressões racistas.
Dessa forma, são nas arquibancadas, com muitos torcedores que é disseminado, de forma assustadora, ofensas raciais dirigidas tanto para os juízes/ árbitros do jogo quanto para os atletas, como foi o caso de Vinícius Júnior. Infelizmente é corriqueiro e uma luta incessante, por exemplo, no ano de 2014, houve uma intervenção da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) onde estenderam faixas com a frase “somos todos iguais” durante os jogos, em apoio aos jogadores que sofreram inúmeras práticas racistas nos estádios durante aquele ano.
Neste momento, da mesma forma, o Presidente da CBF Ednaldo Rodrigues, posicionou-se em favor e apoio aos atos racistas sofridos por Vini Jr., questionou sobre até quando terá que se lutar por atitudes concretas e eficazes dentro e fora dos campos? E ainda acrescentou que a cor da pele não pode mais incomodar.
Logo, a fim de sanar respectivas dúvidas e com o objetivo claro de analisar, questionar e entender o racismo no futebol, além do caso isolado de Vinícius Júnior, que esse significativo artigo foi pensando e produzido.
1. A REALIDADE DO RACISMO NO FUTEBOL
Primeiramente, é imprescindível ler esses relatos:
Com o advento das primeiras conquistas de títulos mundiais e a importância da participação de atletas negros, como o Rei Pelé, os questionamentos e dúvidas que haviam sobre a capacidade dos jogadores negros terminou e o discurso freyriano foi recuperado e os negros passaram a ser o nosso “elemento surpresa” no futebol (FREYRE, 1938).
Rodrigues (2004, p.276) relata que o famoso e vencedor estilo brasileiro de jogar futebol, onde dribles e fintas são utilizados costumeiramente, na realidade é fruto do racismo neste esporte, pois negros e mulatos tinham que se desviar constantemente dos brancos, não era permitido que houvesse contato corporal do negro com o branco, sob o risco de advertências bastante severas. Esse constante e exigido desvio dos negros e mulatos em relação aos brancos foi se tornando cada vez mais coordenado e eficaz, se transformando nos dribles e nas fintas. Uma falta normal era vista como desrespeito e muitas vezes eles apanhavam por isso.
Dessa forma, nota-se que o racismo se dá de maneira estrutural e velada, não acontece, somente, quando o racista joga uma banana no estádio, ou pior quando afirma que o jogador preto é um macaco, proferindo inúmeros xingamentos, ele é visto de outras formas, como por exemplo no silêncio utilizando-se de gestos/ caretas/ expressões faciais de nojo, ações estas repugnantes, para humilhar ou discriminar a raça.
Diante disso,
Xingar um negro de macaco não tem esse peso todo – para quem xinga. É tão comum que a pessoa nem mais percebe a intenção que é botar a pessoa ofendida pra baixo, lembrar-lhe que é inferior e assim, quem sabe, afetar seu desempenho em campo.” (LA PENÃ, 2014).
Nessa perspectiva, conforme o exposto, percebe-se o quanto é delicado e difícil abordar a temática racial e o preconceito em um país como Brasil, onde quem elaboram as leis são os parlamentares. Ou seja, teve que acontecer inúmeros casos, humilhantes, nos campos de futebol para que neste ano de 2023, a injúria racial ser equiparada ao crime de racismo, tendo como pena a reclusão de dois a cinco anos além de multa, assim como nos crimes de racismo.
Nesse sentido, a falta de acesso da população negra se encaixa no fato de que a democracia brasileira é marcada por uma exclusão racial, ou seja, um regime tido como racializado. Como exposto por uma pesquisadora chamada Mônica Mendes: “A democracia opera para um grupo racial: os brancos. Se o acesso não é universal, a dignidade não é universal, o exercício da cidadania é uma expressão de que a cidadania não é plena e não é vigente na nossa sociedade brasileira”.
Então, deduz-se que é justamente isso que acontece com os jogadores pretos nos campos de futebol, eles são diminuídos, testados a todo tempo e oprimidos. Sem contar que, na maioria das vezes, a própria mídia distorce o fato, narrando ser um caso isolado ou expondo a vítima da discriminação, então é importante dizer que não são casos isolados, são contínuos, corriqueiros, que devem ser punidos e inaceitáveis perante a sociedade.
FIGURA 1 – RACISMO NO FUTEBOL INTERNACIONAL
Fonte: Reuters
2. OS INÚMEROS EPISÓDIOS SOFRIDOS POR VINI JR.
Ademais, para entendermos a discriminação sofrida por Vinícius Júnior, é válido ressaltar alguns fatos, ele teve que fazer dez denúncias para que um clube fosse punido, ou seja, por muito tempo ele foi silenciado mais o estopim foi durante o jogo em Valência, na data de 22 de maio de 2023.
Cronologicamente, o atacante foi chamado de “neguinho safado” em 2018 no estádio Nilton Santos; torcedores do Barcelona gritaram “macaco” para Vini em 2021 no Camp Nou; a torcida do Mallorca imitou sons de macaco e mandaram o brasileiro “pegar bananas” em 2022; durante esse mesmo ano o técnico do Mallorca ordena que seus jogadores batam em Vinícius Júnior; suas comemorações começaram a ser motivo de polêmicas pelo simples motivo dele ser preto, e ainda o presidente da Associação Espanhola de Empresários de Jogadores afirmou coisas do tipo “ele precisa deixar de fazer macaquice”. Ou seja, esses fatos narrados não são metade do que o atacante sofreu e sofre, ainda, corriqueiramente, dentro e fora dos campos de futebol por simplesmente ser de raça negra.
Outrossim, após também ser insultado de negro de merda e ser alvo do Atlético de Madrid simulando o seu enforcamento e toda disseminação de ódio vista por torcedores racistas, Vini escreve:
O rosto do racista de hoje está estampado nos sites como em várias outras vezes. Espero que as autoridades espanholas façam sua parte e mudem a legislação de uma vez por todas. Essas pessoas têm que ser punidas criminalmente também. Seria um ótimo primeiro passo para se preparar para a Copa do Mundo de 2030. Estou à disposição para ajudar.
Nesse contexto, comprova-se que a discriminação racial afeta diretamente a vida das pessoas de todas as maneiras possíveis, tais como: educação, saúde, moradia, emprego, entre outros. Para além disso, mesmo que Vini Jr. tenha sua carreira excelente com inúmeros títulos recebidos pelo seu mérito, continua sendo discriminado, desacreditado e inferiorizado, por ser preto, fato esse inaceitável e prejudicial.
Como foi citado no Pequeno Manual Antirracista de Djamila Ribeiro: “Acordar para os privilégios que certos grupos sociais têm e praticar pequenos exercícios de percepção pode transformar situações de violência que antes do processo de conscientização não seriam questionadas.”
Ou seja, sabemos que é importante não sermos racistas, mas é quase impossível não ser quando se é criado em um país com a sociedade racista, é como se estivesse enraizado em todos e considerado como normal, sendo que não é, deve-se lutar sempre, contra essa estrutura.
Nessa ótica, a injúria sofrida por ele com o objetivo de ofensa de cunho pejorativo, preconceituoso relacionada à sua raça, cor, etnia ou origem, é configurado violação à honra subjetiva dele e ocasionada indenização por dano moral a pessoa da vítima, neste caso concreto de Vinícius Júnior.
“O Vinícius tem sido uma voz quase isolada na luta contra o racismo no Campeonato Espanhol. As instituições espanholas fazem olhos de mercadores e não tomam atitudes e políticas duras contra o racismo. Das dez denúncias feitas pelo Vinicius [desde 2021], três foram arquivadas pela liga espanhola. Isso faz com que a liga seja uma aliada do racismo na Espanha", completou Santana, que é autor do livro "Desculpas, meu ídolo Barbosa".
Nesse sentindo, segundo um levantamento do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, foram registrados 90 casos de ofensas raciais em 2022, contra 64 em 2021. Ou seja, um aumento de 40% de casos, isso não pode ficar impune, imagina como que fica a sanidade mental e física do Vini Jr. ao entrar em campo e se deparar com tais situações criminosas, não se pode negligenciar, silenciar e injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro em razão de raça, cor, etnia, ou procedência nacional, a partir do momento que se faz a injúria racial, responderá por pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, é fundamental que haja luta, conscientização, combate ao racismo estrutural assim como a injúria racial, uma vez que afeta de forma direta a individualidade e a coletividade da vítima, sendo ainda essencial o apoio das autoridades esportivas e dos clubes nacionais e internacionais, objetivando a eliminação do racismo, para que haja um ambiente mais inclusivo, diverso e igualitário para todos os jogadores, seja ele: preto, pardo, amarelo, branco, ou qualquer que seja.
Portanto, é importante utiliza-se do princípio da isonomia, disposto no Art. 5° da Constituição Federal, que assegura que todas as pessoas são iguais perante a lei considerando as suas condições diferentes. Ou seja, o preto que nasce na favela e tem classe social baixa, tem que ser igual a um branco que nasce na capital com condição média, cada um tem a sua realidade, mas é imprescindível que os direitos sejam assegurados de forma igualitária e justa, a fim de que não aconteça discriminações, por qualquer aspecto, dentro ou fora dos campos de futebol, com jogadores pretos ou cidadãos pardos, por exemplo.
Logo, segundo o CFP (2017, p. 113):
“um plano de intervenção dentro da instituição para o combate do preconceito racial necessita “refletir nos códigos de conduta, na missão da instituição, nos princípios; enfim, na maneira como a instituição se posiciona, interna e externamente”.
Então, é importante nesse contexto do futebol, tomar algumas medias como: as notas de repúdio, punições dos clubes ou instituições que coordenam o futebol, representatividade dos jogadores em não se calar diante o crime, campanhas de conscientização, a exemplo, dos juntos contra o racismo, entre outras atitudes antirracistas, com a finalidade objetiva de sanar os impasses oriundos a honra subjetiva da vítima.
Diante isso, passou da hora de todos se unirem contra esta barbárie e exigir a criminalização dos autores do crime. Basta de racismo, no futebol e fora dele, no mundo inteiro deste planeta que é redondo como uma bola e não se pode tolerar quaisquer formas de preconceito e discriminação. Basta de racismo.
REFERÊNCIAS
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Presidente Ednaldo condena racismo e cobra La Liga por punição. Disponível em: <https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/presidente-ednaldo-condena-racismo-e-cobra-la-liga-por-punicao>. Acesso em: 08 de novembro de 2023.
Racismo contra Vinicius Junior: veja tudo sobre o caso. Disponível em: <https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-espanhol/noticia/2023/05/24/racismo-contra-vinicius-junior-veja-tudo-sobre-o-caso.ghtml>. Acesso em: 08 de novembro de 2023.
Racismo estrutural limita o acesso da população negra aos serviços de saúde. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/racismo-estrutural-limita-o-acesso-da-populacao-negra-aos-servicos-de-saude/>. Acesso em: 08 de novembro de 2023.
RODRIGUES, A.; MEDEIROS, S. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://bdm.unb.br/bitstream/10483/21792/1/2017_AmandaReginaRodriguesSoeiraMedeiros_tcc.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2023.
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Abstract: Currently, it is seen that football is one of the main ways for black players to achieve social mobility, but success in the sport comes with some consequences, among them: prejudiced acts. With this in mind, the article aims to analyze and develop the relevant case of racism in football, experienced by one of the best strikers in Brazil, the star Vinícius Júnior. The methodology consisted of a bibliographical research on doctrine, legislation and related articles, with a qualitative approach. Finally, it is evident that it is a topic widely announced in the media, but little understood and exemplified socially, therefore results are sought in the fight against racism within this sporting sphere, through awareness campaigns and support for all players who suffer, routinely, unacceptable racial discrimination.
Keywords: Football; Racism; Vinícius Júnior; Prejudiced acts; Brazil.