2.DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Conforme o professor Moacyr Lobo da Costa:
É ponto pacífico na história do direito lusitano que os embargos, como meio de obstar ou impedir os efeitos de um ato ou decisão judicial, são criação genuína daquele direito, sem qualquer antecedente conhecido, asseverando os autores que de semelhante remédio processual não se encontra o menor traço no direito romano, no germânico ou no canônico. [71]
Os embargos declaratórios são, portanto, criação portuguesa. [72]
Inicialmente observados na praxe, os embargos foram acolhidos nas Ordenações Lusitanas. [73]
De acordo com Cândido de Oliveira Filho, o hábito de pedir aos juízes que reconsiderassem sua decisão visando sua revogação, modificação ou declaração é explicado pela deficiência e irregularidade da organização judiciária dos portugueses, além da dificuldade em relação às apelações. Assim se deu a origem dos embargos às sentenças. [74]
Segundo Luís Eduardo Simardi, "A possibilidade de declaração de sentença obscura pelo próprio juízo que a proferiu já vinha prevista na compilação legislativa conhecida como Ordenações Afonsinas, na metade do século XV, em 1446." [75]
Na verdade, já no reinado de Afonso III, havia e era praticado um meio de impugnação obstativo semelhante aos embargos que vieram a ser acolhidos nas Ordenações Afonsinas. Tal meio já era observado em uma lei anterior às Ordenações Afonsinas, sem indicação de sua data de promulgação. No "Livro das Leis e Posturas", encontra-se inserida entre uma lei de D. Diniz e outra de D. Afonso III. [76]
O Livro III das Ordenações Afonsinas, com 128 títulos tratava de "processo civil e do modo de o ordenar". [77]
Pelas referidas Ordenações, o juiz, após sentença definitiva, não poderia proferir nova decisão, mas, em caso de sentença duvidosa, com palavras obscuras e intrincadas, poderia ele declará-la e interpretá-la [78]
A parte contra a qual houver sido feita a declaração ou interpretação poderia apelar se achar-se prejudicada com tal atitude. [79]
No início do século XVI, as Ordenações Manuelinas, em seu livro III, Título L, sob a rubrica "Das sentenças definitivas", também previam a hipótese do julgador declarar decisão que proferiu, mesmo sendo definitiva, sempre que fosse duvidosa, em face de palavras obscuras ou intrincadas. [80]
No começo do século XVII, as Ordenações Filipinas previam em seu Livro III, Título 66 que: "depois que o julgador der uma sentença definitiva em algum efeito, e a publicar ou der ao escrivão, ou tabelião, para lhe pôr o termo de publicação, não tem mais poder de a revogar, dando outra contrária pelos mesmos autos. E se depois a revogasse, e desse outra contrária, a segunda será nenhuma, salvo se a primeira fosse revogada por via de embargos, tais que por Direito por o neles alegado ou provado, a devesse revogar". Percebe-se já a palavra "embargos". [81]
O texto do referido Título das Ordenações Filipinas também dizia que se em alguma sentença definitiva houvesse palavras intrincadas ou obscuras, poderia declará-la ou interpretá-la sempre que fosse duvidosa. A parte que se sentisse agravada poderia apelar conforme já foi também possível nas Ordenações Afonsinas. [82]
No Brasil, os embargos de declaração existiram durante o Império na vigência das Ordenações Filipinas. [83]
Foram consagrados na legislação brasileira no Regulamento 737, de 1850, (arts. 639, 641 a 643) e da Consolidação Ribas, de 1876 (arts. 1500 e seguintes). [84]
O Regulamento permitia a oposição dos embargos de declaração quando na sentença houvesse obscuridade, ambigüidade, contradição ou omissão. Dentro de dez dias da publicação ou intimação da sentença, a parte pleiteava a declaração ou manifestação acerca do ponto omitido, sem mudar o julgado. [85]
Na Consolidação Ribas, os embargos estavam no capítulo "Da sentença" e no Título "Dos recursos" nos arts. 495, 496 e 1499 a 1514. O prazo para embargar também era de 10 dias contados da publicação ou intimação da sentença, podendo o juiz declarar e interpretar a sentença que tivesse palavras escuras ou intrincadas, causando dúvidas às partes. Se o juiz achasse conveniente, poderia dar vista ao embargado e depois ao embargante para arrazoarem sobre os embargos. Se fossem dois os embargantes, dar-se-ia vista primeiramente ao que embargou antes. Geralmente os embargos corriam suspensivamente nos mesmos autos. [86]
Mantidos no Decreto 3084, de 1898, em seu artigo 683, os embargos foram repassados para vários Códigos Estaduais e legislações posteriores. Exemplos: Código de Processo da Bahia (arts. 1229, 1, 1230, 1, 1231, 1, 1239 a 1241, 1244 e 1341 na parte relativa aos recursos), de Minas Gerais (arts. 1439 a 1441 e 1445 no Livro dos recursos), de Pernambuco (art. 1437), do Distrito Federal (art. 1179), de São Paulo (arts. 335 a 338, no capítulo "Da sentença") e do Rio de Janeiro (art. 2333). [87]
Segundo o professor Moacyr Lobo da Costa, os códigos estaduais mais "aperfeiçoados" na época foram os de São Paulo, Minas Gerais e Bahia. [88]
Orientava o legislador baiano que os embargos poderiam vir em simples petição e tinham cabimento quando houvesse obscuridade, ambigüidade, contradição ou omissão da sentença. Não deveria haver modificação do julgado (no aresto). [89]
O legislador mineiro dizia o mesmo que o baiano e os embargos tinham efeito suspensivo quanto ao prazo para interposição de outros recursos cabíveis, também devendo ser apreciado sem promover alteração no julgado. [90]
O Código de São Paulo previa o oferecimento de embargos nos mesmos casos já tratados, tinham também o efeito suspensivo para a interposição de outros recursos. Porém, enquanto geralmente o prazo para opor embargos era de dez dias, no código paulista era só de quarenta e oito horas contadas da intimação da sentença e deveriam ser acompanhados do respectivo preparo. Havia, inclusive, prazo de três dias para julgamento na primeira instância. O julgamento era realizado independente de audiência da parte contrária, mas esta podia impugná-los por petição ou memorial sem prejuízo do prazo para o exame. [91]
Na Consolidação Higino Duarte Pereira, já na esfera federal e aprovada pelo Decreto 3084, de 1898, os embargos foram tratados no Título "Dos recursos", arts. 678, 682 e 683, além se serem também observados na parte que dizia respeito às causas da Fazenda Nacional. [92]
Os artigos da Consolidação diziam basicamente o mesmo que os códigos estaduais, como cabimento quando houvesse obscuridade, ambigüidade, contradição ou omissão, requerimento por simples petição, vista para as partes impugnarem e sustentarem os embargos e não incidência de modificação no julgado. O prazo era, como na maioria dos códigos anteriores, de dez dias da intimação da sentença. Nas causas relativas ao executivo fiscal, o prazo caía para cinco dias da publicação da sentença. Antes do juiz decidir, o procurador da Fazenda tinha vista dos autos. [93]
O Código de Processo Civil de 1939 acolheu os embargos declaratórios no Livro "Dos recursos", art. 862 (embargos oponíveis contra acórdãos) e nos arts. 839 e 840 (embargos oponíveis contra sentenças). O prazo para oposição era de quarenta e oito horas da publicação da decisão e não havia audiência da parte contrária. Caso não fosse indicado o ponto a ser declarado, a petição dos embargos era indeferida, até porque a nova decisão iria apenas declarar o ponto viciado da decisão anterior. [94]
Os embargos suspendiam o prazo para os demais recursos, a não ser que fossem meramente protelatórios. [95]
No Código de Processo Civil atual, que data de 1973, a matéria referente aos embargos de declaração dividia-se pelos arts. 464 e 465, no Capítulo VIII ("Da sentença e da coisa julgada") do Título VIII ("Do Procedimento Ordinário") do Livro I ("Do processo de conhecimento"), em relação às decisões de primeiro grau, e nos arts. 535 e 538, no Capítulo V do Título "Dos recursos" referentes à correção dos vícios em acórdãos. [96]
Parte da doutrina sustentava que não devia existir essa divisão quanto à disciplina dos embargos de declaração, pois, entre outros motivos, independentemente do tipo de decisão a ser corrigida, a finalidade do recurso era a mesma. [97]
Nos dizeres de Vicente Miranda:
Por tal razão, muitos dispositivos legais foram repetidos. O art. 464 repete o art. 535; o art. 465, parágrafo único, está repetido no parágrafo único do art. 536 e no art. 538. Esta colocação normativa fez gerar a polêmica doutrinária sobre a natureza do instituto, mero incidente pós-sentença ou verdadeiro e autêntico recurso. E contraria a boa técnica legislativa a repetição inútil de dispositivos de igual teor normativo. [98]
Manifestava-se Barbosa Moreira: "...o problema deveria merecer tratamento unitário, pois em substância não variam os dados, quer se trate de pronunciamentos emitidos por órgãos de primeiro grau, quer por órgãos de grau superior." [99]
A redação originária do estatuto de 1973 previa um vício a mais que o estatuto de 1939 para o cabimento dos embargos, qual seja, a dúvida que porventura houvesse na decisão. [100]
Com a edição da Lei 8950/94, os arts. 464 e 465 do CPC foram revogados, unificando as disposições sobre embargos de declaração apenas nos arts. 535 a 538, anteriormente destinados apenas aos embargos contra acórdãos. [101]
Entre as mudanças trazidas pela Lei 8950/94, podemos destacar também:
a) A retirada da dúvida como uma das hipóteses de cabimento dos embargos, já certamente a dúvida já decorria da obscuridade ou da contradição;
b) A unificação do prazo para a oposição, que passou a ser de cinco dias independentemente de se tratar de sentença ou acórdão, pois anteriormente, contra sentença, era de 48 dias de sua publicação, e contra acórdãos, era de cinco dias de sua publicação;
c) A mudança do prazo para julgamento desse recurso oposto contra sentença, que era de quarenta e oito horas, e passou a ser de cinco dias, seguindo a lógica coerente ao prazo de oposição;
d) A alteração de suspensão para interrupção do prazo para a interposição de outros recursos, benefício que passou a ficar explícito a qualquer das partes, já que antes o texto do art. 538 nada dizia sobre isso;
e) A inclusão do julgador monocrático para a interposição de multa aos embargos de declaração manifestamente protelatórios;
f) A elevação da multa no caso de reiteração dos embargos protelatórios, medida que não existia na redação anterior do art. 538, sendo de até dez por cento do valor da causa, devendo haver ainda o depósito do valor antes da interposição de qualquer outro recurso. [102]
2.3.Definição e natureza jurídica dos embargos de declaração
A palavra "embargo" possui diversas interpretações no direito. No singular, era medida cautelar que passou a ser chamada de arresto a partir do século XIX, no direito antigo luso-brasileiro e é usada como denominação da fase inicial e cautelar da ação de nunciação de obra nova, quando o nunciante pede o "embargo" da obra para que fique suspensa durante o trâmite processual. No plural, pode ser ação especial ou recurso em sentido estrito, a ser oposto a algum ato judicial. [103]
No sistema recursal brasileiro, temos os "embargos infringentes", do art. 530 do CPC, os "embargos de divergência", do art. 546 do referido diploma, os "embargos infringentes de alçada", previstos na Lei 6830/80 em seu art. 34 e os "embargos de declaração", previstos no art. 535 do nosso código. Não obstante essa previsão, sua natureza jurídica ainda é controvertida em nossa doutrina. [104]
Nas palavras de Vicente Miranda, "declarar, em direito processual civil brasileiro, quer dizer aclarar ou complementar". [105]
Apesar de não haver unanimidade na doutrina quanto à natureza dos embargos declaratórios, a maior parte dela entende que eles são uma espécie de recurso.
Possuem esse entendimento: Pereira e Souza [106], Affonso Fraga [107], Seabra Fagundes [108], Pedro Batista Martins [109], Ivan Campos de Souza [110], Claudino de Oliveira e Cruz [111], Alcides de Mendonça Lima [112], Pontes de Miranda [113], José Carlos Barbosa Moreira [114], José Frederico Marques [115], Moacyr Amaral Santos [116], Vicente Miranda [117], Ovídio A. Baptista da Silva [118], Vicente Greco Filho [119], Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista [120], Humberto Theodoro Júnior [121], Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery [122], Bernardo Pimentel Souza [123], Ernane Fidélis dos Santos [124], Luiz Orione Neto [125], Luís Eduardo Simardi Fernandes [126], dentre outros.
Considerando essa natureza recursal, podemos seguir o conceito de Moacyr Amaral Santos, por exemplo: "Dá-se o nome de embargos de declaração ao recurso destinado a pedir ao juiz ou juízes prolatores da sentença ou do acórdão que esclareçam obscuridade, eliminem contradição ou supram omissão existente no julgado." [127]
Essa corrente doutrinária majoritária sustenta que os embargos declaratórios são recurso por vários motivos. O primeiro deles é que os embargos de declaração são recurso, por regra expressa do art. 496, IV, do CPC. Além desse artigo, podemos inferir que os embargos são recurso pela expressão "outros recursos", no caput do art. 538 do CPC e pela oração "se o recurso não for de embargos declaratórios". [128]
Segundo Barbosa Moreira: "....a questão é pura e simplesmente de direito positivo: cabe ao legislador optar, e ao intérprete respeitar-lhe a opção, ainda que, de lege ferenda, outra lhe pareça mais aconselhável." [129]
O mesmo autor explica que nas legislações estrangeiras, os remédios semelhantes não têm natureza jurídica recursal.
Explica Moacyr Amaral Santos que os embargos têm a função de reparar o prejuízo que a obscuridade, a contradição ou a omissão causam ao embargante, e isso os caracteriza como recurso. [130]
Concorda José Frederico Marques, ao afirmar que os embargos são recurso porque há interesse de "pedido de reparação do gravame" resultante dos vícios já citados acima. [131]
Ovídio Baptista diz que os embargos são o exemplo mais completo de recurso só com "efeito de retratação, sem qualquer devolução a algum órgão jurisdicional superior." Isso ocorre porque os embargos são opostos perante o próprio juiz prolator da decisão impugnada, sendo revista por ele. [132]
Vicente Miranda ensina que o fato de não haver contraditório não invalida a proposição de que estamos tratando de uma espécie recursal, até porque o vício na decisão afeta todas as partes envolvidas no processo e não apenas uma delas. [133]
Segundo Luiz Orione Neto a posição doutrinária que não reconhece a natureza jurídica recursal dos embargos não é majoritária e muito menos a que se deve adotar. O primeiro grande motivo para tanto é o aspecto legal, já que na norma jurídica processual os embargos são considerados recurso. De acordo com o princípio da taxatividade, são recursos todos e somente os remédios designados como tal por legislação federal. [134]
O segundo motivo é que os embargos estão na mesma relação jurídica processual da decisão a ser embargada, o que ocorre com todos os recursos. Além disso, o defeito na decisão por motivo de obscuridade, omissão ou contradição sempre é motivo de prejuízo às partes e só pode ser reparada por embargos. [135]
E, como se não bastasse, o fato de não haver preparo não pode retirar desse remédio a qualidade de recurso. Isso não é determinante para que um pedido seja recurso e outro não o seja. [136]
Além disso, afirma o referido autor que "o recurso tem como conseqüência adiar, retardar a formação da preclusão e/ou coisa julgada. Nessa linha de raciocínio, os embargos de declaração retardam a formação da res iudicata." [137]
Entretanto, doutrinariamente há autores que sustentam que os embargos não são recursos. Alguns exemplos são: João Monteiro [138], Cândido de Oliveira Filho [139], Odilon de Andrade [140], Ada Pellegrini Grinover [141], Wellington Moreira Pimentel [142], Sérgio Bermudes [143], Luiz Machado Guimarães [144], Manoel de Almeida e Souza de Lobão [145], José Rogério Cruz e Tucci [146], Antonio Cláudio da Costa Machado [147], Reis Friede [148] e Manoel Antonio Teixeira Filho [149].
Para alguns desses autores, os embargos deveriam ser classificados não entre os recursos, mas sim como exceções ou impedimentos. [150]
Seguindo o conceito de Manoel Antonio Teixeira Filho:
Os embargos de declaração constituem o meio específico que a lei põe ao alcance das partes sempre que desejarem obter do órgão jurisdicional uma declaração com o objetivo de escoimar a sentença ou o acórdão de certa falha de expressão formal que alegam existir. Pede-se, por intermédio desses embargos, que o julgador sane omissão, aclare obscuridade ou extirpe contraditoriedade. [151]
Sérgio Bermudes defende o argumento de que o objetivo dos embargos declaratórios não é a modificação ou alteração da decisão, sendo apenas um pedido de esclarecimento ou mesmo um complemento da decisão quando a mesma for omissa, obscura ou contraditória. Quanto ao conteúdo, a decisão permanece imutável, tendo apenas sua forma aperfeiçoada. Além disso, os embargos não possuem um dos pressupostos recursais: o preparo, constituindo, portanto mero incidente. [152]
Ensina Afonso Fraga que os embargos de declaração "não são propriamente embargos, mas uma forma legal, um processo sui generis de hermenêutica ou de lógica judiciária, para se chegar à verdadeira inteligência, da sentença silenciosa, obscura ou anfibológica e torná-la clara e de fácil execução." [153]
Quanto ao fato de não haver preparo, Vicente Miranda, resumindo o pensamento da corrente que defende que os embargos são recurso, orienta que não é motivo para que se retire dos embargos sua condição de recurso. "Não é aquele pagamento prévio de despesas processuais que dá colorido recursal a este ou àquele pedido. Poderá haver recurso com preparo e sem preparo, sendo tal matéria mera opção de política legislativa." [154]
Lembra ainda Luís Eduardo Simardi que o agravo de instrumento independe de preparo no Estado de São Paulo. Também o agravo retido o dispensa e ninguém discute a natureza recursal desses dois recursos. [155] Isso é um exemplo da ineficácia dos argumentos dessa corrente negativa da natureza recursal dos embargos.
Outra explicação para essa tese é a de que não há contraditório pela parte que não embargou. [156]
Defendem esses doutrinadores que os embargos servem apenas para que a forma da decisão seja aperfeiçoada, sendo que a idéia, o conteúdo permanece o mesmo. [157] Não consideram, ao contrário da corrente que sustenta a natureza jurídica recursal dos embargos, que pontos que tragam a necessidade de uma declaração ou de uma complementação ensejem um gravame para as partes se não forem corrigidos ou revistos.
Também há a idéia que os embargos declaratórios não possuem efeito devolutivo, já que é o mesmo juiz que proferiu a decisão que os aprecia e não juiz de instância superior, como geralmente se observa nos outros recursos. Isso fortalece o não reconhecimento da natureza recursal aos embargos de declaração. [158]
Reis Friede afirma que os embargos não são recurso, mas "inconteste meio formal de integração do ato decisório, uma vez que reclama de seu prolator uma decisão complementar que opere esta integração". [159]
Todos os argumentos citados por essa corrente, como podemos constatar neste tópico e ao longo de toda esta pesquisa, são atacados de forma veemente pelos doutrinadores da corrente anterior, que parece ser a mais aceitável.
Sônia Marcia Hase de Almeida Baptista comenta ainda de uma corrente que seria intermediária entre as já explicadas. Nela, há a idéia que os embargos são um recurso apenas formalmente, mas não tecnicamente, pois é meramente esclarecedor. [160]
Para Cândido Rangel Dinamarco, o qual também possui entendimento intermediário, "a falta de cassação da sentença ou acórdão embargado é um fator que compromete seriamente, ou ao menos deve abalar, a tranqüila convicção de que os embargos declaratórios sejam verdadeiro recurso." [161] Ele segue o pensamento segundo o qual os embargos são destinados apenas à correção formal da decisão, sendo "autêntico meio de correção e integração da sentença mediante seu aperfeiçoamento formal, não meio de impugnação do preceito substancial que ela exprime." [162]
Afirma o referido processualista que os embargos são parcialmente tratados como recurso, pois são sujeitos a prazo preclusivo, quando de seu julgamento os juízes utilizam a linguagem própria dos recursos (conhecer, prover, improver, receber ou rejeitar), são decididos pela forma de sentença ou acórdão, mas ao mesmo tempo, não devem alterar substancialmente o que já fora decidido, não havendo a necessidade de resposta do embargado. [163]
Dinamarco conta que já foi um "ferrenho opositor da natureza recursal dos embargos de declaração", mas atualmente apenas os vê como recurso nas vezes em que ocorre algum efeito modificativo no julgado. Dessa forma, o autor não vê os embargos tendo caráter essencialmente recursal, destacando: "Continuo entendendo que em sua pureza conceitual eles não são um recurso, mas reconheço que nem sempre essa pureza está presente." [164]
2.4.Admissibilidade dos embargos de declaração
No juízo de admissibilidade, o juiz irá averiguar se os embargos declaratórios interpostos preenchem os requisitos legais, ou seja, se estão presentes seus pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade. Se os requisitos estiverem devidamente satisfeitos, os embargos serão conhecidos; se não, serão julgados inadmissíveis. [165]
2.4.1.Requisitos ou pressupostos de admissibilidade extrínsecos
Os requisitos de admissibilidade extrínsecos dos embargos de declaração, são os mesmos que devem estar presentes em qualquer recurso, com exceção do preparo, ou seja, tempestividade e regularidade formal. [166]
De acordo com o artigo 536 do CPC, os embargos devem ser interpostos dentro de cinco dias da intimação da decisão, independentemente dela vir de juiz de primeiro grau ou de tribunal. [167]
A parte final do já mencionado artigo 536 do CPC diz que os embargos não estão sujeitos a preparo, assim, nunca será aplicada pelo julgador a pena de deserção. Tendo sido imposta alguma multa processual, deve haver o recolhimento, pois essa verba nada tem a ver com o preparo. [168]
Quanto à regularidade formal, o embargante deve, conforme dispõe o art. 536, interpor embargos por meio de petição dirigida ao prolator da decisão. Há, porém, exceção, já que a decisão prolatada em ação submetida aos Juizados Especiais Cíveis, também pode ser impugnada oralmente, havendo assim a interposição oral do recurso. [169]
Ainda conforme o mesmo artigo, o embargante deve também revelar os motivos pelos quais está impugnando a decisão, ou seja, deve indicar os vícios (art. 535, CPC) que entende haver em sua estrutura, sob pena de não-conhecimento. [170]
Deve haver ainda, a formulação do pedido do recorrente para que seja sanado o vício apontado e obviamente a petição deverá estar subscrita por advogado com procuração nos autos. [171]
2.4.2.Requisitos ou pressupostos de admissibilidade intrínsecos
Seguindo a regra geral dos demais recursos, os pressupostos intrínsecos de admissibilidade dos embargos são: o cabimento, a legitimidade recursal, o interesse recursal e a inexistência de fato extintivo ou impeditivo. [172]
Em conformidade com o art. 535 do CPC, o recurso de embargos de declaração é cabível quando houver omissão, contradição ou obscuridade na decisão proferida, seja ela qual for, pois é inadmissível que os vícios de obscuridade, contradição ou missão fiquem sem remédio, podendo comprometer até mesmo o cumprimento do pronunciamento judicial. [173]
Assim, apesar de constar no art. 535 do CPC apenas os termos "sentença" e "acórdão" não deve existir uma interpretação restritiva que limite o cabimento dos embargos apenas a esses dois tipos de pronunciamento. [174]
Quanto aos despachos de mero expediente, não há a possibilidade do cabimento de embargos por dois motivos: o primeiro é que, conforme o art. 504 do CPC, não cabe recurso em relação a esse tipo de pronunciamento judicial, e o segundo é por falta de interesse recursal, já que os despachos não possuem conteúdo decisório. No caso de erro cometido pelo julgador, bastaria a apresentação de simples petição solicitando sua correção. [175]
Em relação aos vícios sanáveis por meio de embargos de declaração, a omissão ocorre quando o julgador silencia sobre questões importantes para o julgamento, sejam elas suscitadas pelas partes ou apreciáveis de ofício. [176]
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que o juiz não está obrigado a examinar, um a um, os fundamentos e alegações das partes, pois o importante é que haja fundamentação suficiente para embasar a decisão. Assim, não serão analisadas todas as questões trazidas pelas partes ao processo, mas apenas as relevantes para a solução do litígio e as questões que devem ser solucionadas de ofício. [177]
Portanto, a fim de evitar o vício da omissão, o juiz deve pronunciar-se sobre questões de ordem pública e sobre os pontos devidamente suscitados e que sejam relevantes para a solução do caso específico, não havendo, porém, a necessidade de resolver sobre todas as alegações trazidas pelas partes. [178]
A contradição é o vício relacionado a qualquer incongruência em apenas uma parte da decisão (Ex.: fundamentos contraditórios entre si) ou entre partes da decisão (Ex.: fundamentos contraditórios em relação à conclusão ou dispositivo), tornando-a comprometida. [179]
Contudo, a contradição como pressuposto para a oposição dos embargos apenas se justifica quando é indicada dentro da própria decisão recorrida, não havendo possibilidade de indicação desse vício entre a decisão de um julgador e a jurisprudência ou entre o entendimento do juiz e o entendimento da parte. [180]
A obscuridade ocorre quando há falta de clareza na decisão. Pode encontrar-se tanto na fundamentação do acórdão, ou seja, nas razões de decidir, as quais devem ser sempre lógicas e conter termos nítidos, quanto no próprio decisum, o qual deve estabelecer a certeza jurídica sobre o julgamento da lide. [181]
Além dessas hipóteses típicas de cabimento de embargos de declaração, também há a admissão em outras situações, atendendo principalmente ao princípio da economia processual. Alguns exemplos: admissão dos embargos para anular decisão proferida sem alguma formalidade necessária, como no caso de julgamento realizado sem anterior inclusão em pauta ou com intimação viciada das partes para a sessão deliberativa; para reforma de decisão que contenha erro material quanto ao exame dos requisitos de admissibilidade de recurso, conforme art. 897-A, da CLT, ou em outros erros como os ocorridos na apreciação do pedido inicial no primeiro grau de jurisdição, por exemplo; para sanar erros de cálculo e escrita (arts. 96, § 3º do RISTF e 103, § 2º do RISTJ, 463 do CPC); para satisfazer o requisito do prequestionamento, exigido na interposição de recursos de natureza extraordinária. [182]
Em sua redação originária, o Código de 1973 também se referia à hipótese de haver dúvida na decisão, circunstância em que também caberiam os embargos, contudo, essa hipótese foi eliminada, pois era uma dúvida subjetiva, um estado de espírito e não é concebível que haja dúvida ou incerteza por parte do julgador. [183]
A dúvida só pode ocorrer em quem, lendo o teor da decisão proferida pelo julgador, não lhe apreenda bem o sentido. Mas a mesma será simples conseqüência da obscuridade ou da contradição existentes na decisão. [184]
Quanto ao pressuposto da legitimidade recursal, a regra do art. 499 do CPC orienta que os recursos todos poderão ser interpostos pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. Todavia, especificamente quanto aos embargos, tanto a parte vencida quanto a vencedora poderão pleitear o esclarecimento ou complementação da decisão quando esta apresentar algum dos três vícios do art. 535 do CPC, porque com eles ambos os litigantes sofrerão o prejuízo de estarem diante de pronunciamento incompleto ou incompreensível no todo ou em parte. [185]
Já que ambas as partes podem sofrer gravames diante da decisão viciada, como a dificuldade de seu cumprimento e execução, inegável será o interesse que elas terão em recorrer com a interposição dos embargos para correção dos vícios. O terceiro, desde que seja juridicamente atingido pela decisão também terá interesse recursal. [186]
A inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de embargar também é um requisito para a interposição dos embargos, pois caso presente fato impeditivo, como a desistência, ou fato extintivo, como a renúncia expressa ao direito de recorrer, ou a aceitação expressa ou tácita da sentença, haverá obstáculo ao direito de recorrer. [187]
A desistência é relativa apenas ao recurso já interposto, e a renúncia se refere à própria pretensão de recorrer, sendo que ambas não se confundem. A aceitação expressa da decisão pode ser uma declaração formal por petição dirigida ao juiz e a aceitação tácita ocorre quando há a prática de atos incompatíveis com a vontade de recorrer. [188]