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Limites e possibilidades: Uma análise crítica do controle judicial sobre atos administrativos discricionários

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Agenda 15/01/2024 às 15:49

RESUMO: O presente artigo teve por escopo fazer um breve estudo do papel do controle judicial diante dos atos administrativos discricionários, especialmente no contexto das políticas públicas, mediante uma análise da problemática da sua intensidade sob as lentes dos limitantes normativos. Com sucintas notas conceituais sobre “ato administrativo”, aborda-se sua distinção entre atos vinculados e discricionários, donde se tecem alguns comentários sobre a noção de mérito administrativo. Verificando que todos os atos administrativos podem submeter-se à apreciação judicial de sua legalidade, observa-se, contudo, que no que toca aos atos administrativos de natureza discricionária, seu controle pelo Judiciário não pode adentrar no seu mérito, sob pena de se ver violado o princípio da separação de poderes previsto na Carta Magna. Porém, hodiernamente, percebe-se que o Poder Judiciário brasileiro tem interpretado que compete a si um comando de intervenção mais intensa nas questões atinentes à gestão pública, sob o argumento de ineficiência da Administração, o que se denominou de “ativismo judicial”, crescendo a inteligência de que é possível uma análise profunda pelo Poder Judiciário de atos emitidos no uso da competência discricionária, sob as lentes da lei e dos princípios explícitos e implícitos do ordenamento jurídico pátrio. Sendo o ponto nevrálgico da temática a aparente tensão entre o princípio da inafastabilidade do judiciário e o princípio da separação de poderes, conjetura-se que os referidos princípios são perfeitamente compatíveis entre si, mediante um “controle de normatividade”, tendo por aporte dialógico os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Nessa vertente, percebe-se que paulatinamente a jurisprudência das Cortes Superiores passou a admitir um controle judicial mais aprofundado da atividade não vinculada da Administração, desta feita levando em conta critérios não só de legalidade, mas também de legitimidade, em um verdadeiro “controle de normatividade” por apreciar regras e princípios informadores do direito, o que tem sustentado a possibilidade de controle judicial de políticas públicas estatais. Assim é que o presente artigo foi elaborado através da exposição de argumentos dedutivos, alternando com indutivos, e com auxílio de algumas obras e da legislação e jurisprudência brasileiras. É, portanto, uma exposição breve na senda dos objetivos traçados e nas linhas que doravante se iniciam.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Atos Discricionários. Sindicabilidade. Controle de Normatividade. Razoabilidade e Proporcionalidade.

1 INTRODUÇÃO

A noção conceitual de controle estatal é inerente à própria ideia de Estado Democrático de Direito, cujo contorno semântico, nesse contexto, é indissociável do conteúdo nuclear da expressão “res pública”. A Administração Pública, enquanto atividade estatal, deve estar voltada para a realização do interesse público _ considerando-o em sua dimensão primeira, nesta senda argumentativa, porquanto se trata de interesses da coletividade _ e deve ser controlada através de instrumentos adequados para evitar a ocorrência de arbitrariedades, ilegalidades e lesões a direitos subjetivos.

A atividade administrativa se encontra subordinada ao império da lei e dos princípios do direito, é dizer, o administrador público, quando da prática de seus atos, deve sempre agir em observância aos ditames “normativos”, sim, eis que tal conceito transcende aos meros limitadores legais, mesmo que em seu sentido amplo, conforme se observará ao longo deste artigo, e isso porque a expressão “normativo” se justifica na medida em que abrange os conceitos de regras e princípios enquanto, ambos, manifestam-se como elementos do dever ser.

Dessa forma, imperioso é dissecar acerca do instrumento de controle da Administração Pública, quando da emanação de seus atos administrativos discricionários, frente ao Poder Judiciário. Assunto, aliás, que tem apresentado, hodiernamente, pujante inquietação e, por conseguinte, farta evolução doutrinária e jurisprudencial sobre o assunto _ todavia sempre acompanhada de justificadas críticas _, de modo a se tornar imprescindível demonstrar seus contornos.

Percebe-se que a tendência nas práticas judicantes de hoje caminha nas veredas induvidosas de uma ampliação na aplicabilidade do controle judicial dos atos administrativos discricionários, não se analisando apenas quanto à legalidade em seu sentido estrito, mas, sobretudo, considerando todo ordenamento jurídico.

Assim, tendo como escopo clarificar obscuridades ao assunto capital, é imperativo expor de maneira sucinta, mas clara e objetivamente, alguns conceitos basilares mediantes os quais se construirão as premissas do argumento que doravante se pretende, para então se examinar a questão basilar do controle do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário. Desse modo, as implicações aqui lançadas residem na ponderação de como, hodiernamente, entendemos ou apreendemos a noção dos limitantes normativos, enquanto balizadores da manifestação do Estado-Juiz no controle dos atos administrativos discricionários. Com efeito, para que uma ideia, noção ou conceito seja o que é, ou diga o que se propõe a dizer, carece seja dado ao conhecimento ao mesmo tempo em que aquilo a que ele remete, visto ser o “conceito” a representação mental de um objeto abstrato ou concreto que se mostra como um instrumento do pensamento em sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade. Ademais, o “conceito” é fruto da linguagem e da análise, sendo, desse modo, produto cultural, e, como tal, relaciona-se com as práticas humanas e com a conduta social. Portanto, identificar em que consistem esses limitantes normativos no ordenamento jurídico brasileiro poderá ter desdobramentos práticos benéficos, notadamente no que se relaciona à segurança jurídica.

Nessa esteira, o artigo versará sobre o controle judicial dos atos administrativos discricionários, fazendo-se uma breve análise de sua intensidade sob as lentes dos limitantes normativos. Com esse norte, busca-se a contribuição teórica para a resolução de problemas práticos, visando à racionalização das técnicas jurídicas e o aperfeiçoamento dos textos normativos, por meio da interpretação sistêmica e teleológica.

Desse modo, busca-se, nos primeiros tópicos, fazer um apanhado conceitual sobre os instrumentos jurídicos em torno da temática, contudo sem promover qualquer aprofundamento histórico-filosófico, mas tão somente evidenciando sob quais perspectivas se apreendem o sentido e o alcance dos termos, pontuando, em especial, a moderna visão sobre os limitantes normativos balizadores do controle judicial dos atos administrativos discricionários do poder público.

2 ATOS ADMINISTRATIVOS

2.1 CONCEITO

Como prelúdio da discussão de doravante se inicia, convém fazer uma breve leitura conceitual, segundo alguns autores consagrados, a fim de se compreender a noção de ato administrativo e seus desdobramentos no cotidiano jurídico.

Desse modo, adentrando o cerne da problemática levantada, preliminarmente, é necessário mencionar que há dois critérios distintos para conceituar ato administrativo: o subjetivo, segundo o qual deve-se levar em conta o órgão administrativo que praticou o ato, excluindo, desta forma, todos aqueles atos administrativos praticados pelo Poder Judiciário e Legislativo de maneira atípica; e o objetivo, que leva em consideração apenas o exercício concreto e imediato da função administrativa. Assim, qualquer ato originado dos três Poderes Estatais, pode ser considerado administrativo, desde que observados os requisitos mencionados e vise aos fins sociais, sendo tais ensinamentos inferidos conforme as lições de Di Pietro1.

Diante das observações supra e das leis vigentes, pode-se afirmar que o critério objetivo é o mais aceito, considerando como atos de natureza administrativa, aqueles originados tanto do Executivo, como do Legislativo e do Judiciário.

Corroborando o explicitado, Carvalho Filho conceitua ato administrativo como sendo: “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob o regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”2.

Em conformidade com o entendimento empregado por Bandeira de Mello, e adotado pela jurisprudência, podemos adotar a definição de José Roberto Pimenta de Oliveira3 para conceituar o ato administrativo como a “declaração jurídica unilateral, produzida pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes, em cumprimento de lei, no exercício do poder público, na busca da satisfação de interesse público concreto, sujeita a controle judicial.”

Em síntese, decompondo o conceito por ora em destaque, temos que: (1) o ato administrativo é declaração, ou decisão, da Administração Pública, através de seus agentes; (2) particulares também podem expedir atos administrativos, se tiverem no exercício de função pública; (3) trata-se do exercício de prerrogativas especiais, pois nem todas as decisões estatais são atos administrativos, podendo ser apenas atos da administração, disciplinados pelo Direito Comum; (4) regido pelo direito público e (5) conteúdo hábil a propiciar a produção de efeitos jurídicos com fins públicos.

2.2 PLANOS DA PERFEIÇÃO, VALIDADE E EFICÁCIA

Visto, em breves palavras, o conceito de ato administrativo, convém salientar que para se configurar sua existência, o ato deve perpassar algumas fases de constituição para que, regularmente, produza efeitos no mundo jurídico, quais sejam: perfeição, validade e eficácia.

A perfeição do ato decorre do cumprimento de algumas etapas indispensáveis a formação do ato. Desse modo, o ato administrativo é dito perfeito quando obedece a todas as etapas previstas em lei para sua constituição. Por sua vez, o ato é imperfeito quando ainda está em formação, sem que tenha sido concluídas as fases definidas em lei para a sua formação e existência no mundo jurídico.

A validade do ato administrativo é aferida quando todas as etapas efetivadas estiverem conforme a lei. Logo, o ato somente será válido se foi criado de acordo com as regras definidoras na legislação pertinente. Saliente-se, nesse ínterim, que no silêncio da lei, não pode haver atuação administrativa, por força do princípio da estrita legalidade que rege direito administrativo.

A eficácia, por seu turno, trata-se da aptidão que o ato administrativo tem de produzir efeitos. Para boa parte da doutrina, há atos administrativos com eficácia imediata e atos com eficácia mediata, porquanto na pendência de condição ou termo.

Para Carvalho Filho, sendo o ato perfeito e válido, inegável é sua eficácia. Para o autor, o termo e a condição podem constituir óbices à operatividade, mas nem por isso descaracteriza sua eficácia.4

Tal entendimento decorre do fato de que o citado autor diferencia eficácia de exequibilidade, considerando que esta pode ser obstada por previsão no próprio ato.

Para arrematar o entendimento, é possível dizer, portanto, que um ato administrativo pode ser perfeito, válido e eficaz; pode ser perfeito, inválido e eficaz; pode ser perfeito, inválido e ineficaz; e pode ser perfeito, válido e ineficaz.

Diz-se perfeito, válido e eficaz o ato administrativo que foi criado, cumprindo o seu ciclo deformação sem violar a lei, já devidamente publicado, e apto a produzir os seus efeitos típicos.

Perfeito, inválido e eficaz é o ato administrativo que foi criado, cumprindo o seu ciclo de formação, porém viola a legislação, é ilegal, não obstante tenha sido publicado, e esteja produzindo efeitos, podendo, inclusive, estar gerando direitos adquiridos para terceiros de boa-fé.

O ato administrativo pode, ainda, ser perfeito, inválido e ineficaz, caso em que foi criado, cumpriu o seu ciclo de formação, porém é ilegal, e não chegou a ser publicado, razão pela qual ainda não produziu efeitos jurídicos, devendo ser invalidado.

Por fim, o ato administrativo perfeito, válido e ineficaz é aquele criado, que cumpriu o seu ciclo de formação, e não padece de nenhum vício de ilegalidade, porém, ainda não surte feitos, por não ter sido publicado, ou por depender de alguma condição suspensiva.

2.3 ELEMENTOS OU REQUISITOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Embora não exista unanimidade entre os estudiosos quanto aos elementos dos atos administrativos, para Carvalho Filho é mais prudente seguir a classificação elencada pela Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), em seu art. 2°, cuja ausência provoca a invalidação do próprio ato. Assim, temos por elementos do ato: a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto, sobre os quais tecer-se-ão alguns breves comentários.

A competência é a função atribuída a cada órgão ou autoridade por lei. Tem competência para praticar determinado ato administrativo a autoridade que recebeu essa função da lei, assim, a competência só pode ser alterada ou retirada por lei. Ela se caracteriza por ser irrenunciável, imprescritível, inderrogável e improrrogável. A Lei 9.784/99, em seu artigo 12, permite a delegação de competência, ou seja, a transferência de competência da autoridade superior para o seu subordinado, bem como prevê sua avocação, isto é, o chamamento de competência do subordinado pela autoridade superior. Saliente-se, todavia, que a lei expressamente proíbe a delegação (e consequentemente a avocação) em três situações: a) no caso de competência exclusiva; b) em se tratando de análise e decisão de recurso administrativo e; c) para edição de atos normativos (ressalvada, neste caso, a possibilidade elencada na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 84). Nessa conjuntura, sendo atributo legal a materialização da competência administrativa, seu exercício fora dos limites delineados na lei configura excesso de poder, atuando o agente público, nessa hipótese, fora do seu campo de atribuições.

Já a finalidade do ato administrativo é o resultado que a Administração pretende alcançar com a prática do ato. Em sentido amplo, a finalidade corresponde à consecução de um interesse público, nesse sentido, o ato administrativo deve ter sempre uma finalidade pública; em sentido estrito, finalidade é o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido em lei. Há desvio de finalidade, quando o agente público busca fim alheio ao interesse público ou fim diverso daquele especificamente previsto pela lei para aquele ato.

Em relação à forma, é o modo pelo qual o ato se exterioriza. No Direito público, a regra é a solenidade das formas, a forma escrita, mas, excepcionalmente, admitem-se atos verbais, gestos, apitos, sinais luminosos, cartazes e placas, isso em virtude do princípio da solenidade a reger o Direito público, diferente do que ocorre com o Direito privado, para o qual a forma é livre, em não dispondo a lei em sentido contrário.

O motivo consubstancia-se nas razões fáticas e jurídicas que dão ensejo à prática do ato administrativo. É inconcebível um ato sem motivo, sem justificativa, todavia, a doutrina discute se todos os atos devem ser motivados. Motivação é a exteriorização, a indicação, pela autoridade competente, do motivo do ato praticado, conceitos, portanto, distintos. Para uns a motivação só é obrigatória quando a lei exigir, para outros, sempre que for indispensável para o controle do ato. A Lei nº 9.784/99 arrola a motivação como princípio (artigo 2º) e elenca as hipóteses em que a motivação é obrigatória (artigo 50).

Por derradeiro, o objeto é aquilo que o ato dispõe, é o efeito causado pelo ato administrativo no mundo jurídico em virtude de sua prática. É o mesmo que conteúdo do ato administrativo, é aquilo que o ato decide, enuncia, diz, dispõe. O objeto deve ser lícito, possível, certo (determinado ou determinável) e moral, assim como o ato de direito privado.

2.4 ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO

Os atributos dos atos administrativos são características que os diferenciam dos atos meramente privados, são caracteres peculiares concedidas pelo ordenamento jurídico, a fim de permitir que o poder público exerça as suas funções. Tais prerrogativas tiram fundamento de validade no Estado Democrático de Direito, e são voltadas para a finalidade pública, sendo atribuídas aos atos administrativos, e não à Administração Pública. Tratam-se de atributos condicionados ao interesse público.5

A maioria dos doutrinadores elenca quatro atributos dos atos administrativos, quais sejam: presunção de veracidade e legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade ou autoexecutoriedade. O professor Carvalho Filho, no entanto, adota somente três, deixando fora a exigibilidade.

A presunção de veracidade e legitimidade atinge os atos administrativos de uma forma geral. Todo e qualquer ato administrativo possui esta característica, no entanto se trata de uma presunção relativa, juris tantum, da qual cabe prova em contrário.6

A presunção é de veracidade e legitimidade. Veracidade relaciona-se com o conteúdo do ato administrativo, que se presume verdadeiro; fidedigno. Já a legitimidade tem pertinência com a competência para a criação do ato, a qual se presume ser correta.

O ato administrativo é, portanto, verdadeiro quanto ao conteúdo, e legítimo quanto à competência, até prova em contrário. Trata-se de uma inversão do ônus da prova, a fim de permitir ao poder público atingir as finalidades públicas que dele se esperam. Referida prova pode ser produzida pelo interessado, tanto na esfera judicial, como administrativa.

A presunção relativa de veracidade e legitimidade decorre da incidência do princípio da legalidade, visto que, como a Administração Pública só está autorizada a fazer o que se encontra previsto na lei, pela lógica dedutiva todos os seus atos são, em tese, regulares, salvo prova em contrário decorrente da aplicação da lógica empirista.

Esta presunção possui grande relevância em termos processuais (em razão do ônus da prova no direito processual civil, regido pela Lei Federal nº. 13.105/2015), não sendo abalada por meras alegações genéricas, ou desprovidas de efetivo suporte probatório.

Ademais, importante registrar que, como nem todos os atos praticados pela

Administração Pública são administrativos, nem todos são contemplados com tal atributo.

De fato, os atos praticados pela Administração Pública em regime privado, os atos políticos, ou de mera execução não possuem presunção de veracidade e legitimidade.

Outro atributo dos atos administrativos é a imperatividade, no entanto, ao contrário do que ocorre com a presunção de veracidade e legitimidade, a imperatividade não é atributo de todo e qualquer ato administrativo, mas tão somente dos restritivos de direitos.

A imperatividade é característica do poder de polícia. Trata-se da qualidade por meio da qual certos atos administrativos podem ser impostos a terceiros, seus destinatários, sem a sua concordância, impondo-lhe determinados comportamentos de forma unilateral.7

A imperatividade também é chamada, por vezes, de poder “extroverso” da Administração Pública. Atinge os atos restritivos de direitos, conforme já exposto anteriormente, os quais são atos que reduzem a esfera jurídica do administrado, ao contrário dos atos ampliativos de direito, os quais aumentam a esfera jurídica do administrado.

Por seu turno, o atributo da exigibilidade está intrinsecamente ligado à imperatividade dos atos administrativos. Trata-se da qualidade pela qual o poder público pode efetivamente exigir o cumprimento de uma determinada obrigação, imposta pelo atributo da imperatividade, sem a necessidade de prévia autorização do poder Judiciário.

Portanto, como depende da imperatividade, trata-se de um atributo afeto aos atos administrativos restritivos de direitos. É uma forma indireta de coação, materializada no poder de que dispõe a Administração Pública de, por exemplo, multar o particular, a fim de induzi-lo a cumprir a obrigação principal, exigível em virtude da imperatividade. A multa é um instituto fundamental, ato típico da exigibilidade dos atos administrativos.

Por fim, a chamada executoriedade ou autoexecutoriedade é qualidade que autoriza o poder público a compelir materialmente o administrado, de forma unilateral, independentemente de intervenção do poder Judiciário.

A autoexecutoriedade submete-se à possibilidade de controle jurisdicional em momento posterior pelo poder Judiciário, sem que isto prejudique a execução direta do ato pela Administração Pública, que pode agir de ofício.

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Trata-se, portanto, de um meio direto de coação, por meio do qual o poder público pode impor um determinado comportamento, independentemente de concordância do particular, ao contrário da simples exigibilidade por meio da aplicação de uma multa.

A autoexecutoriedade não é atributo que está presente em todo e qualquer ato administrativo restritivo de direito. Somente existe quando a lei expressamente a prevê, de forma a autorizar o poder público ao exercício de uma determinada conduta. Como exemplos podem ser encontrados vários casos previstos no Código de Trânsito Brasileiro.

Ademais, há casos outros em que a autoexecutoriedade é necessária a fim de tutelar interesses públicos urgentes, sem que exista tempo hábil para se demandar a tutela jurisdicional. São verdadeiras autorizações implícitas do ordenamento jurídico.

2.5 ATOS ADMINISTRATIVOS VINCULADOS E DISCRICIONÁRIOS

A análise sistemática da noção de ato administrativo possibilita sua classificação mediante diversos critérios, dentre os quais se destaca o parâmetro concernente à autonomia de atuação do agente público, viabilizando a categorização do ato como de natureza vinculada ou discricionária.

Os atos vinculados, ou regrados, configuram-se como aqueles para os quais a legislação estabelece os requisitos e condições de sua efetivação. Nesse contexto, as imposições legais restringem a liberdade do administrador, cuja ação encontra-se estritamente adstrita aos pressupostos delineados pela norma legal para conferir-lhe validade. Sob tais circunstâncias, impõe-se à Administração o imperativo de fundamentar seus atos, evidenciando a conformidade de sua prática com as exigências e requisitos legais que constituem premissas essenciais para sua existência e validade. Além disso, tal natureza de atos possibilita a revisão judicial em todos os seus aspectos, uma vez que a infringência aos preceitos legais ou regulamentares condicionadores de sua prática pode se revelar em qualquer etapa.

Por outro prisma, os atos discricionários referem-se àqueles que a Administração pode empreender com liberdade na escolha de seu conteúdo, destinatário, conveniência, oportunidade e modo de realização. A discricionariedade não se manifesta intrinsecamente no ato em si, mas reside no poder conferido à Administração para praticá-lo da maneira e nas condições que julgue mais convenientes e oportunos ao interesse público. A fundamentação e justificativa para a discricionariedade administrativa residem na complexidade e diversidade dos desafios que o poder público enfrenta incessantemente, para os quais a legislação, por mais minuciosa que seja, não poderia antecipar todas as soluções, ou, ao menos, a mais vantajosa para cada situação específica. Importante ressaltar que a discricionariedade se aplica unicamente aos meios e modos de administrar, nunca aos fins a serem alcançados.

2.6 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Já vimos que, quanto ao grau de liberdade, os atos podem ser vinculados ou discricionários. Os atos vinculados são aqueles definidos em lei e para os quais não é conferido ao agente público qualquer margem de escolha. Por sua vez, os atos discricionários, não obstante estejam regulados por lei, admitem uma análise de pressupostos subjetivos pelos agentes públicos. De fato, nesses casos, a lei confere ao administrador uma margem de escolha em relação à conveniência e a oportunidade de atuação, mas sempre dentro dos limites estipulados na lei, na busca do interesse público.

Maria Sylvia Zanella di Pietro8 define que:

A atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito.

Para Massimo Severo Gianinni9, “a discricionariedade é a liberdade de valoração ou apreciação pela Administração do interesse público no caso concreto”.

E é nesse ponto, saliente-se, que se trabalha com o conceito de mérito administrativo, ou seja, o poder de escolha da Administração. Nessa senda, aliás, Carvalho Filho10 conceitua mérito administrativo como a avaliação de conveniência e oportunidade relativas ao motivo e objeto do ato administrativo, sendo tal o que o caracteriza como ato discricionário. Registra o autor que não pode o agente proceder a qualquer avaliação quanto aos demais elementos do ato, quais sejam, a competência, a finalidade e a forma, estes vinculados em qualquer hipótese.

Saliente-se, ainda, que o mérito pressupõe o exercício da discricionariedade, sem, no entanto, com ela confundir-se, embora constitua seu núcleo, por ser a lídima expressão da autonomia administrativa.11

A discricionariedade pode ser concretizada tanto no momento em que o ato é praticado quanto no momento em que a administração decide revogá-lo, quando também deve fazê-lo embasado em critérios de conveniência e oportunidade justificados nos limites da legislação pertinente à espécie.

Importante pontuar que, em determinados momentos, a escolha não é delineada expressamente pelo dispositivo legal, porquanto, ao determinar a atuação do agente público, a lei, por vezes, vale-se de conceitos vagos ou indeterminados. Nesse caso, a lei não é precisa e, por conseguinte, o agente deve atuar com certa carga valorativa na sua atuação.

Sob o ponto de vista prático, a discricionariedade justifica-se quer para evitar o automatismo que ocorreria fatalmente, caso os agentes estatais não tivessem outra opção a não ser aplicar a lei estrita, quer para suprir a impossibilidade em que se encontra o legislador em prever todas as situações possíveis com que o administrador terá de lidar, com vistas a atender a sempre crescente e complexa demanda e necessidade coletiva12.

Arrematando, a discricionariedade é, assim, a remissão legal para que a autoridade pública exerça uma margem de escolha, definindo a melhor atuação em cada caso, como forma de se evitar o engessamento estatal.

2.7 LIMITES À DISCRICIONARIEDADE

Diante do que já foi brevemente exposto no presente artigo, percebe-se que a distinção entre atos vinculados e discricionários guarda importância fundamental no que diz respeito ao controle judicial sobre os atos administrativos.

Em relação aos atos vinculados, não se tem muita restrição quanto ao controle, porquanto todos os seus elementos são definidos em lei, cabendo ao Judiciário fazer uma análise do ato conforme os contornos estabelecido na lei, com vistas a declarar sua nulidade ou não.

Por outro lado, os atos discricionários permitem um controle judicial, mas somente naquilo que deve obrigatoriamente observado nos contornos legais, devendo, pois, o Poder Judiciário respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei, porquanto “trata-se de um poder delimitado pelo legislador”.13

Todavia, alerta Carvalho Filho14 que a moderna doutrina tem consagrado certa limitação ao poder discricionário, possibilitando maior controle do judiciário sobre os atos administrativos. Para o autor, isso se verifica em virtude da adequação da conduta escolhida pelo agente à finalidade que a lei expressa, de modo que se o ato destoa da finalidade da norma, é ele ilegítimo e, portanto, passível de controle judicial. Também salienta o doutrinador que outro requisito a ser analisado é o da verificação dos motivos inspiradores da conduta, para que não haja má utilização do poder discricionário ou desvio de finalidade. Sim, já que “a liberdade de escolha dos critérios de conveniência e oportunidade não se coaduna com a atuação fora dos limites da lei15.

3 CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

3.1 SISTEMAS DE CONTROLE

Em um Estado democrático de direitos, toda atividade da Administração Pública deve ser controlada pela sociedade mediante seus representantes, porquanto os administradores públicos não possuem ampla margem de liberdade, visto que sua atuação deve atender aos interesses públicos sob a disciplina da norma. Dessa forma, surgiram, nos diversos ordenamentos jurídicos pelo mundo, alguns sistemas ou mecanismos de controle dos atos administrativos ilegais o ilegítimos praticados pelo Poder Público.

Existem dois sistemas, quais sejam: o francês ou do contencioso administrativo e o inglês ou de jurisdição única.

O sistema do contencioso administrativo é aquele que proíbe o conhecimento, pelo Poder Judiciário, de atos ilícitos praticados pela administração pública, ficando tais atos sujeitos à chamada jurisdição especial do contencioso administrativo, formado por tribunais de natureza puramente administrativa. No dizer de Hely Lopes Meirelles16:

No sistema francês, todos os tribunais administrativos sujeitam-se direta ou indiretamente ao controle do Conselho de Estado, que funciona juízo de apelação (juge d’appel), como juízo de cassação (juge de cassation) e, excepcionalmente, como juízo originário e único de determinados litígios administrativos (juge de premier et dernier ressorte), pois que dispõe de plena jurisdição em matéria administrativa.

Por sua vez, o sistema de jurisdição única é aquele no qual todos os litígios, sejam eles administrativos ou privados, podem ser levados à Justiça Comum, isto é, ao Poder Judiciário, único com competência para dizer o direito aplicável aos casos litigiosos de forma definitiva (com força de coisa julgada material). Ainda para o professor Hely Lopes17:

O sistema de jurisdição única, modernamente denominado de sistema de controle judicial, é aquele em que todos os litígios _ de natureza administrativa ou de interesses exclusivamente privados _ são resolvidos judicialmente pela Justiça Comum, ou seja, pelos juízes de tribunais do Poder Judiciário.

No direito brasileiro há unidade de jurisdição, ou seja, foi adotado o sistema de jurisdição única ou o sistema inglês. Isto é, nenhuma contenda sobre direitos pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, nos termos do art. 5°, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil. É ao Poder Judiciário, e só a ele, que cabe resolver definitivamente (com força de coisa julgada material) sobre quaisquer litígios de direito.18

3.2 CONTROLE JUDICIAL

Conforme já visto alhures neste texto, ao administrador, como aplicador da lei, é conferida certa margem de escolha quando da emanação dos atos administrativos discricionários, estando, por outro lado, adstrito à norma nos atos vinculados.

O relevante neste ponto é salientar que todos os atos administrativos (vinculados e discricionários) podem submeter-se à apreciação judicial de sua legalidade, porquanto seja esse o natural corolário do princípio da legalidade. Para Carvalho Filho19, em relação aos atos vinculados não há dúvida de que o controle de legalidade pelo Poder Judiciário terá muito mais efetividade, já que todos os elementos do ato têm previsão em lei, restando ao judiciário analisar sua observância no caso concreto. Nessa senda, a doutrina pontua como elementos sempre vinculados do ato administrativo: a competência, a finalidade e a forma. O primeiro (competência) por ter sua origem na lei, sendo insuscetível de fixação ou modificação ao nuto do administrador; o segundo (finalidade) porque o ordenamento jurídico brasileiro não admite ato administrativo desprovido de finalidade pública ou desviado de sua finalidade específica; e o terceiro (forma), porque o revestimento exteriorizador do ato administrativo é imprescindível à sua perfeição20.

Todavia, no que se refere ao ato discricionário, é importante distinguir dois aspectos, isso porque podem sofrer controle em relação a todos os elementos que lhe são vinculados _ aqueles sobre os quais o agente não tem liberdade quanto à decisão a tomar_; mas, no tocante aos elementos ensejadores da discricionariedade (motivo e objeto), o que permite ao agente público análise de conveniência e oportunidade, não pode o judiciário adentrar o terreno do mérito administrativo. Aqui parece ser o ponto nevrálgico do presente opúsculo, sobre o qual se pretende apresentar alguns posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.

Nesse diapasão, salienta Carvalho Filho21 que, “embora louvável a moderna inclinação doutrinária de ampliar o controle judicial dos atos discricionários, não se poderá chegar ao extremo de permitir que o juiz examine a própria valoração administrativa, legítima em si e atribuída ao administrador”.

Fato é que, hodiernamente, tem-se admitido uma intervenção demasiada do Poder Judiciário nas questões atinentes à gestão pública, sob o argumento de ineficiência da Administração, o que se denominou de “ativismo judicial”. Mas observa ainda, o epigrafado autor, que:

[...] sem embargo de ser esta admitida em algumas hipóteses, não o tem sido em outras, o que tem causado perplexidade entre os estudiosos pela ausência de parâmetros dotados de certa objetividade que possam indicar até onde será lícita tal interferência [...].22

Não obstante a delicadeza do tema ora posto no cenário em comento, o professor Carvalho Filho ainda salienta que:

[...] os doutrinadores têm considerado os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como valores que podem ensejar o controle da discricionariedade, enfrentando situações que, embora com aparência de legalidade, retratam verdadeiro abuso de poder. Referido controle, entretanto, só pode ser exercido à luz da hipótese concreta, a fim de que seja verificado se a Administração portou-se com equilíbrio no que toca aos meios e fins da conduta, ou o fator objetivo da motivação não ofende algum outro princípio, como, por exemplo, o da igualdade, ou ainda se a conduta era realmente necessária e gravosa sem excesso. Não é tarefa simples, porque a exacerbação ilegítima desse tipo de controle reflete ofensa ao princípio republicano da separação de poderes, cujo axioma fundamental é o do equilíbrio entre eles ou, como o denominam os constitucionalistas em geral, o princípio dos freios e contrapesos (checks and balances).23

Vê-se, portanto, que o controle judicial alcança todos os aspectos de legalidade dos atos administrativos, não podendo, todavia, estender-se à valoração da conduta no que se refere ao seu mérito, eis que própria da Administração. No entanto, é corrente que algumas condutas discricionárias podem ensejar certo controle judicial, quando violadores de princípios do direito, como o da razoabilidade e proporcionalidade.

3.3 EXTENSÃO DO CONTROLE JUDICIAL: LIMITANTES NORMATIVOS DE CONTROLE

Já se viu que o ato administrativo deve ser praticado respeitando o ordenamento jurídico, sob pena de se ver violada a legalidade ampla, ensejando o desfazimento do ato, quer por meio do exercício da autotutela, quer por meio do controle judicial da atividade administrativa.

José dos Santos Carvalho Filho24 defende que o controle judicial sobre os atos administrativos se dá exclusivamente no plano da legalidade, ou seja, que ao Poder Judiciário cabe apenas competência para confrontar os atos da Administração Pública com a lei ou com a Constituição Federal, verificando sua conformidade com o ordenamento jurídico, anulando os atos inválidos. Com relação ao controle dos atos discricionários, referido autor afirma que:

[...] É claro que a pretexto de exercer a discricionariedade, pode a Administração disfarçar a ilegalidade com o manto de legalidade do ato, o que não raro acontece. Tal hipótese, entretanto, sempre poderá ser analisada no que toca as suas causas, aos motivos e a finalidade do ato. Concluindo-se ausentes tais elementos, ofendidos estarão os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, justificando, em consequência, a invalidação do ato. Tais princípios, como já tivemos a oportunidade de consignar, reflete poderosos e modernos instrumentos para enfrentar as condutas eivadas de abuso do poder, principalmente aquelas dissimuladas sob a capa de legalidade.25

Assim, não se pode admitir que a Administração Pública, sob o pretexto de praticar ato administrativo discricionário (cujo mérito seria insuscetível de controle judicial), possa atentar contra a finalidade pública.

O legislador, quando confere a competência discricionária, atribui à Administração a possibilidade de proceder, segundo um juízo subjetivo (discricionário), acerca da melhor decisão a ser tomada no caso concreto, com vistas a atender os fins legais. Todavia, importante salientar que, nesse aspecto, o administrador está livre para agir diante de competências discricionárias, mas com observância dos imperativos parâmetros do direito.

Nota-se, contudo, que a tendência da doutrina moderna é entender a discricionariedade administrativa de forma ampla, abarcando não somente a ideia de mérito administrativo, mas também a de conceitos indeterminados. Para Germana de Oliveira Moraes26:

[...] A discricionariedade administrativa nunca deixou de ser vista, por alguns, tradicionalmente como a barreira para a sindicabilidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, estigma que ainda acompanha em modernas compreensões teóricas da categoria [...] observa-se, não obstante, nos dias de hoje, a consagração doutrinária da admissibilidade de uma esfera de “discricionariedade justificável”, graças ao reconhecimento dos princípios jurídicos como fonte normativa.

Portanto, se por um lado é pacífico na doutrina e jurisprudência de que não compete ao Judiciário apreciar o mérito administrativo, por outro cresce a inteligência de que é possível uma análise profunda pelo Poder Judiciário de atos emitidos no uso da competência discricionária, a partir da lei, mas também de princípios explícitos e implícitos do ordenamento jurídico, com o fito de se evitar arbitrariedade, mas sem modificar o mérito. Assim, poderá o Judiciário apreciar de forma limitada o mérito administrativo, mas apenas no que se refere à sua adequação com o sistema normativo brasileiro, ou seja, as leis e os princípios informadores.

Com esse novo norte, inclusive, alguns doutrinadores alegam que os atos administrativos são passíveis de controle de “legalidade” (conformidade com a lei em sentido amplo) e de “legitimidade” (conformidade com os princípios informadores do direito). Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles27:

O conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato administrativo, não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange não só a clara infringência do texto legal como, também, o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito, especialmente os princípios do regime jurídico-administrativo [...]

Desse modo, percebe-se que os princípios do direito vêm desempenhando relevando papel na seara do controle judicial dos atos administrativos discricionários. Sobre esse tema, convém, então, fazer alguns breves, mas indispensáveis comentários atinentes a conceitos consagrados no direito pátrio.

3.4 CONTROLE DE “NORMATIVIDADE”: LEGALIDADE E LEGITIMIDADE

Já se apontou que, para alguns doutrinadores, os atos administrativos são passíveis de controle de “legalidade”, quando em conformidade com a lei em sentido amplo, e de “legitimidade”, quando em conformidade com os princípios informadores do direito. De modo que o controle judicial dos atos administrativos discricionários dá-se tomando por parâmetro não só a lei, lato sensu, mas também os princípios informadores do direito.

Não é, saliente-se, o objetivo deste breve artigo especificar o estudo conceitual sobre a natureza, histórico ou classificação das normas jurídicas. Mas falar, minimamente, sobre sua relação com as regras e os princípios é de importância fundamental à continuação do argumento que aqui se propõe. Em sendo assim, far-se-á uma sucinta análise conceitual sobre as regras e os princípios.

Na concepção de Humberto Ávila28, “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto de interpretação; e as normas, no seu resultado[...]”. Para a doutrina, as normas podem ser divididas em normas regras e normas-princípios.

No dizer de Antônio Rizzatto29, regra é "um comando, um imperativo dirigido aos seus destinatários (pessoas físicas, pessoas jurídicas e demais entes), responsável por permitir, proibir, constranger e/ou disciplinar certos modos de ação ou comportamento presentes na vida humana em relação". Em outros termos, as regras jurídicas são determinações normativas para que, em uma dada circunstância, seja adotado um determinado comportamento. As regras, portanto, têm reduzido grau de abstração: atuam no campo do "tudo ou nada". Ou se aplicam ao caso concreto, ou não se aplicam.

De outra parte, um princípio jurídico, na clássica definição do emérito administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello30, é:

[...], por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. Eis porque violar princípio é muito mais grave que transgredir uma norma, a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.

Aqui, percebe-se que o princípio não é um comando específico, uma determinação para uma dada situação. Ao contrário, o princípio é um padrão de conduta, uma diretriz valorativa, que deve ser adotada em toda e qualquer conduta da Administração Pública. Não há dizer: ou o princípio se aplica ou não se aplica. Os princípios sempre se aplicam, na medida em que são padrões de conduta de execução contínua.

Para Dworkin31, a distinção entre os princípios e regras é de natureza lógica. As regras são aplicáveis, normalmente, de forma disjuntiva, à maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing), presentes os pressupostos fáticos previstos, a subsunção se impõe, pois ou a regra é válida, e a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a aplicação. Podem conter exceções, casos em que devem ser arroladas da forma mais completa, sob pena de ser inexata. Os princípios funcionam de outra forma, pois não apresentam consequências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas, possuem uma dimensão de peso ou importância (dimension of weight).

Humberto Ávila32 bem sintetiza a motivação e pensamento de Dworkin:

[...] A finalidade do estudo de Dworkin foi fazer um ataque geral ao Positivismo (general attack on Positivism), sobretudo no que se refere ao modo aberto de argumentação permitido pela aplicação do que ele viria a definir como princípios (principles). Para ele as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade. Nessa direção, a distinção elaborada por Dworkin não consiste numa distinção de grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura lógica, baseada em critérios classificatórios, em vez de comparativos, como afirma Robert Alexy. A distinção por ele proposta difere das anteriores porque se baseia, mais intensamente, no modo de aplicação e no relacionamento normativo, estremando as duas espécies normativas.

Em suma, as normas podem ser princípios ou regras. Em outras palavras, norma é o gênero, da qual podem ser extraídas espécies normativas, quais sejam, regras ou princípios. As normas regras disciplinam situações jurídicas determinadas no âmbito do chamado “mínimo ético social”, estabelecendo exigências e proibições, bem como facultando condutas. As regras jurídicas devem ser cumpridas na exata medida do que dispõem, possuindo um grau de abstração relativamente reduzido. O princípio, por sua vez, é mandamento nuclear de um sistema, servido como fonte integradora e hermenêutica do direito, possuindo maior grau de abstração e generalidade.

Dessa breve análise conceitual, é possível dizer, por ilação, que a sindicabilidade dos atos administrativos discricionários efetuada pelo Poder Judiciário opera-se mediante um controle de “legalidade”, quando em conformidade com a lei em sentido amplo (normas regras), e de “legitimidade”, quando em conformidade com os princípios informadores do direito (normas princípios), razão pela qual pode-se dizer que o controle de legalidade e de legitimidade de que falam os estudiosos é um “controle de normatividade” (controle de normas regras e normas princípios), nas sendas conceituais de Humberto Ávila.

Partindo, agora, da constatação de que o controle judicial dos atos administrativos discricionários materializa-se por um “controle de normatividade”, e sabendo que não há, em tese, maiores problemas quanto à compatibilidade com as normas regras (em virtude de seu caráter fechado e pouco grau de abstração), resta saber como garantir a segurança jurídica e o princípio da separação de poderes diante do controle de normatividade tendo por parâmetro os princípios informadores do direito (exatamente em razão de seu caráter aberto, sua imprecisão e alto grau de abstração e generalidade). É o que se pretende doravante.

3.5 PARÂMETROS BALIZADORES DO CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS: UMA BREVE ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

Se por um lado hoje não se discute mais a possibilidade de controle judicial dos atos administrativos discricionários, por outro o que se enfrenta é a problemática dos limites desse controle pelo Poder Judiciário, porquanto tal problema envolve a tensão entre os princípios constitucionais da inafastabilidade da tutela jurisdicional e da separação de poderes. Nessa toada, lembra Germana de Oliveira Moraes33:

O princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional constitui o fundamento da possibilidade de controle jurisdicional dos atos administrativos exteriorizados em função da atividade administrativa não vinculada [...]

Por outro lado, em nome da independência do Poder Executivo, ancorada pelo princípio constitucional da separação dos poderes, segundo o qual “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (art. 2°Lei Maior), reconhece-se uma área de atuação administrativa _ uma área de livre decisão, injusticiável, isto é, insuscetível de revisão judicial plena.

Mas salienta, a referida autora, que no direito brasileiro os princípios da inafastabilidade da tutela jurisdicional e da separação de poderes são perfeitamente compatíveis entre si, pois quando da atividade discricionária da Administração Pública resultar lesão ou ameaça a direitos, é sempre cabível o controle jurisdicional, seja à luz da legalidade, seja em decorrência dos demais princípios do Direito34.

Em atenção aos princípios informadores do direito como um dos parâmetros de controle jurisdicional da atividade administrativa não vinculada, observa-se da doutrina e jurisprudência pátria que, para além dos princípios da administração pública positivados, têm-se admitido a utilização de outros princípios gerais do direito como técnica de controle jurisdicional, dentre os quais o da razoabilidade e o da proporcionalidade.

Para Resende35, a razoabilidade é um conceito jurídico indeterminado, elástico e variável no tempo e no espaço, consistente em agir com bom senso, prudência, moderação, adequabilidade e coerência, levando-se em conta a relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada, bem como as circunstâncias que envolvem a prática do ato.

Por seu turno, a proporcionalidade, para Cristóvam36, é uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial. Pelos critérios da proporcionalidade, então, pode-se avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público.

Exposto sucintamente os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade, é hora de reconhecer que, embora não estejam, enquanto princípios, positivados de forma explícita e autônoma no texto constitucional, eles são, cada vez com maior frequência, empregados pelos juízes e Tribunais brasileiros como mecanismo de parâmetro de controle judicial dos atos administrativos discricionários.

Para o momento, pretende-se analisar, até como forma de sistematização do estudo e singela contribuição para a visão do tema, de que maneira se podem aplicar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade a partir de seus elementos integrantes, na ótica de Humberto Ávila.

Nessa senda, o referido autor, dissertando sobre a razoabilidade, aponta-lhe três acepções, a saber: a razoabilidade como equidade, razoabilidade como congruência e razoabilidade como equivalência37.

A razoabilidade como equidade, exige a harmonização da norma geral com a individualidade do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de ser enquadrada na norma geral. Já para a razoabilidade como congruência, faz-se necessária a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação, é dizer, exige a uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Por fim, a razoabilidade como equivalência demanda uma relação equivalente entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Já em relação à proporcionalidade, o mesmo autor menciona que tal postulado cresce em importância no Direito brasileiro, eis que cada vez mais serve como instrumento de controle dos atos do Poder Público38.

Para ele, o estudo da proporcionalidade perpassa a análise de três elementos que lhe são integrantes, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito39.

A adequação exige uma relação entre meio e fim, pois um deve levar a realização do outro. Isso demanda que o administrador utilize um meio cuja eficácia possa contribuir para a promoção do fim. Já a necessidade envolve a verificação da existência de meios que sejam alternativos àquele inicialmente escolhido pelo agente público, e que possa promover, igualmente, o fim sem restringir, na mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados. Por derradeiro, a proporcionalidade em sentido estrito demanda a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais.

Tais considerações, para o citado autor, levam à conclusão de que a razoabilidade atua na interpretação das normas gerais como decorrência do princípio da justiça, pois serve como instrumento metodológico para demonstrar que a incidência da norma é condição necessária, mas não suficiente para sua aplicação. Ademais, a proporcionalidade exige que o agente público escolham, para a realização dos interesses da coletividade, meios adequados, necessários e proporcionais em sentido estrito. O meio é adequado quando promove o fim; é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados, for o menos restritivo a direitos fundamentais; e é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca.

Desse modo, o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários tendo por parâmetro os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como já vem sendo adotado pelos Tribunais brasileiros (conforme se verá), permite, sob a ótica da análise metodológica de Humberto Ávila, uma sindicabilidade que compatibiliza os princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário com o princípio da separação de poderes, permitindo a segurança jurídica e consagrando, assim, a plena realização do espírito democrático e dos direitos fundamentais.

3.6 BREVE ANÁLISE DE JULGADOS DO STF E STJ SOBRE CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS

A jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros, durante certo tempo, foi tímida com relação ao tema da sindicabilidade dos atos administrativos discricionários, e era frequente adotar a doutrina que defendia a impossibilidade de controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários praticados pela Administração Pública, por entender que o mérito de referidos atos – formado pelo juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público – era insindicável, e, portanto, insuscetível de fiscalização pelo Judiciário, restringindo sua análise ao estrito controle de legalidade.

Tal posição era acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, conforme se extrai dos seguintes julgados, disponíveis no sítio eletrônico de referido tribunal.

"MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR. ATO DE REDISTRIBUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I - O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades. II - O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada".40

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCESSÃO DE HORÁRIO ESPECIAL. ATO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE OU ABUSO. INEXISTÊNCIA. - Foge ao limite do controle jurisdicional o juízo de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque ao Judiciário cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe vedado substituir o Administrador Público - Recurso ordinário desprovido".41

No entanto, paulatinamente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça passou a admitir o controle judicial mais aprofundado da atividade não vinculada da Administração Pública, desta feita levando em conta critérios não só de legalidade, mas também de legitimidade, em um verdadeiro “controle de normatividade” por apreciar regras e princípios informadores do direito:

"[...] 2. Hoje em dia, parte da doutrina e da jurisprudência já admite que o Poder Judiciário possa controlar o mérito do ato administrativo (conveniência e oportunidade) sempre que, no uso da discricionariedade admitida legalmente, a Administração Pública agir contrariamente ao princípio da razoabilidade. Lições doutrinárias. 3. Isso se dá porque, ao extrapolar os limites da razoabilidade, a Administração acaba violando a própria legalidade, que, por sua vez, deve pautar a atuação do Poder Público, segundo ditames constitucionais (notadamente do art. 37, caput) [...]".42

"[...] 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo. [...] 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade [...]".

[...] “No passado, estava o Judiciário atrelado ao princípio da legalidade, expressão maior do Estado de direito, entendendo-se como tal a submissão de todos os poderes à lei. A visão exacerbada e literal do princípio transformou o Legislativo em um super poder, com supremacia absoluta, fazendo-o bom parceiro do Executivo, que dele merecia conteúdo normativo abrangente e vazio de comando, deixando-se por conta da Administração o facere ou non facere, ao que se chamou de mérito administrativo, longe do alcance do Judiciário. A partir da última década do Século XX, o Brasil, com grande atraso, promoveu a sua revisão crítica do Direito, que consistiu em retirar do Legislador a supremacia de superpoder, ao dar nova interpretação ao princípio da legalidade. Em verdade, é inconcebível que se submeta a Administração, de forma absoluta e total, à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento. A tendência, portanto, é a de manter fiscalizado o espaço livre de entendimento da Administração, espaço este gerado pela discricionariedade, chamado de "Cavalo de Tróia" pelo alemão Huber, transcrito em "Direito Administrativo em Evolução", de Odete Medauar. Dentro desse novo paradigma, não se pode simplesmente dizer que, em matéria de conveniência e oportunidade, não pode o Judiciário examiná-las. Aos poucos, o caráter de liberdade total do administrador vai se apagando da cultura brasileira e, no lugar, coloca-se na análise da motivação do ato administrativo a área de controle. E, diga-se, porque pertinente, não apenas o controle em sua acepção mais ampla, mas também o político e a opinião pública”.43

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também passou a se pronunciar de forma favorável ao controle dos atos administrativos discricionários, diante da aplicação do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV da CRFB, consoante se extraí dos seguintes julgados:

"AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ATO ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 279 DO STF. 1. É legítima a verificação, pelo Poder Judiciário, de regularidade do ato discricionário quanto às suas causas, motivos e finalidade. 2. A hipótese dos autos impõe o reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do STF. Agravos regimentais aos quais se nega provimento".44

"[...] 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder

Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração [...]".

“[...] 3. Cumpre deitarmos atenção, neste passo, sobre o tema dos limites de atuação do Judiciário nos caso que envolvem o exercício do poder disciplinar por parte da Administração. Impõe-se para tanto apartarmos a pura discricionariedade, em cuja seara não caberia ao Judiciário interferir, e o domínio da legalidade. 4. A doutrina moderna tem convergido no entendimento de que é necessária e salutar a ampliação da área de atuação do Judiciário, tanto para coibir arbitrariedades --- em regra praticadas sob o escudo da assim chamada discricionariedade ---, quanto para conferir-se plena aplicação ao preceito constitucional segundo o qual 'a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito' (art. 5º, XXXV, CB/88). 5. O sistema que o direito é compreende princípios e regras. A vigente Constituição do Brasil consagrou, em seu art. 37, princípios que conformam a interpretação/aplicação das regras do sistema e, no campo das práticas encetadas pela Administração, garantem venha a ser efetivamente exercido pelo Poder Judiciário o seu controle. 6. De mais a mais, como tenho observado, a discricionariedade, bem ao contrário do que sustenta a doutrina mais antiga, não é consequência da utilização, nos textos normativos, de 'conceitos indeterminados'. Só há efetivamente discricionariedade quando expressamente atribuída, pela norma jurídica válida, à autoridade administrativa, essa margem de decisão à margem da lei. Em outros termos: a autoridade administrativa está autorizada a atuar discricionariamente apenas, única e exclusivamente, quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Insisto em que a discricionariedade resulta de expressa atribuição normativa à autoridade administrativa, e não da circunstância de serem ambíguos, equívocos ou suscetíveis de receberem especificações diversas os vocábulos usados nos textos normativos, dos quais resultam, por obra da interpretação, as normas jurídicas. Comete erro quem confunde discricionariedade e interpretação do direito. 7. A Administração, ao praticar atos discricionários, formula juízos de oportunidade, escolhe entre indiferentes jurídicos. Aí há decisão à margem da lei, porque à lei é indiferente a escolha que o agente da Administração vier a fazer. Indiferentes à lei, estranhas à legalidade, não há porque o Poder Judiciário controlar essas decisões. Ao contrário, sempre que a Administração formule juízos de legalidade, interpreta/aplica o direito e, pois, seus atos hão de ser objeto de controle judicial. Esse controle, por óbvio, há de ser empreendido à luz dos princípios, em especial, embora não exclusivamente, os afirmados pelo artigo 37 da Constituição [...]”.45

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDADOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO.

I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes.

II - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes.

III - Agravo regimental improvido.46

Este singelo panorama representativo _ traçado em relação aos precedentes dos principais Tribunais Superiores afetos à matéria do controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários _ revela que a questão em análise vem ganhando contornos jurisprudenciais cada vez mais definidos e sistematizados, porquanto, embora ainda exista divergência na doutrina em relação à profundidade do controle jurisdicional dos atos não vinculados, a aplicação da tese de que o poder Judiciário pode controlar os atos discricionários da Administração Pública atualmente encontra relevante respaldo, eis que de acordo com o espírito democrático e em harmonia com os princípios da inafastabilidade jurisdicional e da separação de poderes.

4 UMA SINGELA REFLEXÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A temática que se delineou até aqui acerca da possibilidade de controle judicial dos atos administrativos discricionários sob o manto das normas regras e normas princípios reverbera, insofismavelmente, na possibilidade de controle judicial de políticas públicas, emergindo tal problemática como um intrincado dilema no âmbito do ordenamento jurídico, o que tem suscitado reflexões profundas sobre os contornos da atuação do Poder Judiciário em face das políticas estatais.

A indagação acerca da sindicabilidade das políticas públicas se afigura como um desafio substancial, exigindo uma incursão meticulosa nas intricadas malhas do Direito Público. No cerne dessa questão, a controvérsia reside na tensão entre a autonomia administrativa, conferida ao Poder Executivo na consecução das políticas públicas, e o escopo constitucional que baliza e limita tal discricionariedade em prol dos imperativos do Estado Democrático de Direito. Em síntese, uma aparente crise em fase do princípio da separação de poderes.

Por um prisma, sustenta-se que o controle judicial se erige como sentinela do respeito aos direitos fundamentais, desempenhando papel crucial na salvaguarda da legalidade e na garantia da efetividade dos princípios consagrados na Carta Magna. A esteio dessa perspectiva, argumenta-se que as políticas públicas, por sua vinculação normativa e respaldo constitucional, não podem se alhear ao crivo do Judiciário, especialmente quando há afronta a direitos fundamentais ou desvio de finalidade na sua implementação.

Entretanto, alhures, ecoam vozes que advogam pela cautela na intervenção judicial, ressaltando a complexidade inerente às decisões políticas e o risco de judicialização excessiva, que, em tese, poderia culminar na usurpação do espaço democrático pelo Poder Judiciário. A apreciação discricionária que permeia a formulação e execução de políticas públicas, afirmam, deve ser resguardada como prerrogativa inerente ao Poder Executivo, evitando interferências judiciais que desvirtuem o equilíbrio entre os Poderes.

No panorama jurisprudencial, contudo, vislumbrou-se decisões paradigmáticas que, por um momento, ilustraram oscilações nessa balança, delineando o escopo e os limites do controle judicial dos atos administrativos discricionários e, por conseguinte, das próprias políticas públicas. Todavia, hodiernamente, percebe-se uma atuação judicial cada vez mais intensa na sindicabilidade dos atos administrativos e, como não seria de ser, nas políticas pública, sempre sob o respaldo interpretativo da salvaguarda dos direitos fundamentais sob o pálio dos princípios norteadores do Direito, dentre os quais o da razoabilidade e o da proporcionalidade. Nesse contexto, a ponderação das circunstâncias fáticas e a aplicação arrazoada da hermenêutica jurídica emergem como imperativos para uma atuação judicial ponderada e consonante com os valores constitucionais.

Em última análise, a possibilidade de controle judicial de políticas públicas transcende a dicotomia entre a preservação da autonomia administrativa e a tutela dos direitos fundamentais, compelindo-nos a explorar matizes mais sutis e contextualizados. Este debate, permeado por nuances políticas e jurídicas, clama por uma reflexão aprofundada, a fim de discernir as fronteiras éticas e jurídicas que delineiam o papel do Judiciário na salvaguarda da consecução das políticas públicas em consonância com os valores que orientam a nossa ordem constitucional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve por escopo fazer um breve estudo do papel do controle judicial diante dos atos administrativos discricionários, especialmente no contexto das políticas públicas, mediante uma análise da problemática da sua intensidade sob as lentes dos limitantes normativos.

Após um apanhado conceitual da ideia de “ato administrativo”, seus elementos ou requisitos e seus atributos, priorizaram-se algumas palavras sobre sua distinção em atos vinculados e discricionários, para, a partir daí, tecer sucintos comentários sobre a noção de mérito administrativo. Este como sendo a avaliação de conveniência e oportunidade relativas ao motivo e objeto do ato administrativo, sendo o que caracteriza o ato como discricionário.

Em um segundo momento, dedicou-se atenção às formas de controle dos atos administrativos, percebendo-se que tal sindicabilidade pode manifestar-se pela própria Administração pública, em perfeita materialização da autotutela, ou pelo Poder Judiciário, mediante controle externo.

Observou-se, assim, que todos os atos administrativos (vinculados e discricionários) podem submeter-se à apreciação judicial de sua legalidade, porquanto seja esse o natural corolário do princípio da legalidade. Isso porque em relação aos atos vinculados não há dúvida de que o controle de legalidade pelo Poder Judiciário tem muito mais efetividade, já que todos os elementos do ato têm previsão em lei, restando ao judiciário analisar sua observância no caso concreto. Todavia, é certo que no que toca aos atos administrativos discricionários, seu controle pelo Poder Judiciário não pode adentrar o mérito administrativo, porquanto inerente à Administração, sob pena de se ver violado o princípio da separação de poderes.

Por outro lado, verificou-se que, hodiernamente, tem-se admitido uma intervenção demasiada do Poder Judiciário nas questões atinentes à gestão pública, sob o argumento de ineficiência da Administração, o que se denominou de “ativismo judicial”. Nesse diapasão, constatou-se que, embora louvável a moderna inclinação doutrinária de ampliar o controle judicial dos atos discricionários, não se poderá chegar ao extremo de permitir que o Estado-juiz examine a própria valoração administrativa, legítima em si e atribuída ao administrador.

Notou-se que a tendência da doutrina moderna é entender a discricionariedade administrativa de forma ampla, abarcando não somente a ideia de mérito administrativo, mas também a de conceitos indeterminados.

Portanto, se por um lado é pacífico na doutrina e jurisprudência de que não compete ao Judiciário apreciar o mérito administrativo, por outro cresce a inteligência de que é possível uma análise profunda pelo Poder Judiciário de atos emitidos no uso da competência discricionária, sob as lentes da lei e de princípios explícitos e implícitos do ordenamento jurídico, com o fito de se evitar arbitrariedade, mas sem modificação de seu mérito. Desse modo, viu-se que pode o Judiciário apreciar de forma limitada o mérito administrativo, porém apenas no que se refere a sua adequação com o sistema normativo brasileiro, ou seja, as leis e os princípios informadores.

Apontou-se que, para alguns doutrinadores, os atos administrativos são passíveis de controle de “legalidade”, quando em conformidade com a lei em sentido amplo, e de “legitimidade”, quando em conformidade com os princípios informadores do direito. Assim, o controle judicial dos atos administrativos discricionários dá-se tomando por parâmetro não só a lei, lato sensu, mas também os princípios informadores do direito.

Diante do que restou observado, foi possível dizer, por ilação, que a sindicabilidade dos atos administrativos discricionários efetuada pelo Poder Judiciário dá-se mediante um controle de “legalidade”, quando em conformidade com a lei em sentido amplo (normas regras), e de “legitimidade”, quando em conformidade com os princípios informadores do direito (normas princípios), razão pela qual pôde-se dizer, neste singelo trabalho, que o controle de legalidade e de legitimidade de que falam os estudiosos é um “controle de normatividade”, nas sendas conceituais do Professor Humberto Ávila.

Salientou-se que o ponto nevrálgico da problemática em questão era a aparente tensão entre o princípio da inafastabilidade do judiciário e o princípio da separação de poderes. Entretanto, evidenciou-se que os referidos princípios são perfeitamente compatíveis entre si, pois quando da atividade discricionária da Administração Pública resultar lesão ou ameaça a direitos, é sempre cabível o controle jurisdicional, seja à luz da legalidade, seja em decorrência dos demais princípios do Direito, mediante um insofismável “controle de normatividade”.

Em atenção aos princípios informadores do direito como um dos parâmetros de controle jurisdicional da atividade administrativa não vinculada, observou-se da doutrina e da jurisprudência pátria que, para além dos princípios da administração pública positivados, têm-se admitido a utilização de outros princípios gerais do direito como técnica de controle jurisdicional, dentre os quais o da razoabilidade e o da proporcionalidade.

Com o fito de analisar, de forma sistemática, de que maneira se podem aplicar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotou-se neste trabalho a abordagem de Humberto Ávila, no que tange aos elementos integrantes de ditos princípios. Desse modo, foi possível arrematar que o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários tendo como parâmetros os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como já vem sendo adotado pelos Tribunais brasileiros, permite, sob a ótica da análise metodológica de Humberto Ávila, uma sindicabilidade que compatibiliza os princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário com o princípio da separação de poderes, permitindo a segurança jurídica e consagrando, assim, a plena realização do espírito democrático e dos direitos fundamentais.

Além disso, foram evidenciados alguns julgados do Supremo Tribunal Federal – STF e do Superior Tribunal de Justiça – STJ, através dos quais foi possível perceber que paulatinamente a jurisprudência das Cortes Superiores passou a admitir um controle judicial mais aprofundado da atividade não vinculada da Administração Pública, desta feita levando em conta critérios não só de legalidade, mas também de legitimidade, em um verdadeiro “controle de normatividade” por apreciar regras e princípios informadores do direito.

Por fim, e por extensão, expôs-se uma ponderação sobre a intrincada questão da possibilidade de controle judicial sobre as políticas públicas, materializada no embate entre a autonomia administrativa do Poder Executivo na condução das políticas públicas e a necessidade de tutela dos direitos fundamentais pelo Judiciário, emergindo como um desafio substancial no contexto jurídico pátrio. Nessa senda, o artigo culmina enfatizando a necessidade de uma reflexão aprofundada para discernir as fronteiras éticas e jurídicas que regem o papel do Judiciário na salvaguarda das políticas públicas em consonância com os valores constitucionais.

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Sobre o autor
Tiago da Silva Lima

Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB e pós-graduado "lato sensu" em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, em parceria com a Escola Superior da Magistratura - ESMA da Paraíba. Também possui graduação em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Cabo Branco, em parceria com a Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, e especialização em Segurança Pública pela mesma instituição. Profissional de Segurança Pública no Estado da Paraíba (Oficial da PMPB), com experiência na área ambiental, corregedoria e assessoria jurídica em Direito Militar. Atualmente, Chefe do Cartório da Vara da Justiça Militar (Auditoria Militar) da Paraíba.

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