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O art. 366 do CPP e sua nova redação.

Por que aplicá-lo nos processos em curso

Agenda 14/09/1997 às 00:00

Polêmica se formou, quando a lei 9.271/96, que traz a nova redação dada ao artigo 366 do Código de Processo Penal, passou a vigorar. A redação dada ao artigo, se notabilizou pela confusão e insegurança que trouxe aos aplicadores das leis, visto que o dispositivo misturou norma de Direito Processual e Direito Material Penal.

É certo que a norma teve por objetivo privilegiar o Princípio da Informação, que intimamente se coaduna com o da Ampla Defesa e da Presunção do Estado de Inocência, ambos elevados ao nível constitucional. No entanto, quis o Legislador pátrio, evitar a impunidade, prevendo, na mesma norma, "infiltrada a porretes", a suspensão do curso prescricional. Assim, ao réu citado por edital, que não comparece ao interrogatório, é dada a oportunidade de conhecer pessoalmente da acusação que lhe é feita, suspendendo-se por isso, o curso do processo criminal. Outrossim, para evitar que o foragido ou desavisado réu, se beneficie com a extinção do processo, pela perda do direito de agir do Estado, deve ser suspensa a contagem do prazo prescricional. Desta forma, o legislador misturou duas classes de normas penais: uma processual e outra material.

Essa mistura "brasileira" importou em uma polêmica deveras empolgante. Enquanto alguns juristas criticam o Legislador pela falta de senso lógico jurídico, que com certeza exigiria uma norma mais bem elaborada. Outros, como nós, estão preocupados em tentar consertar a quase irremediável asneira legislativa.

Um grande problema deve ser resolvido. É caso de aplicar-se a norma nos feitos criminais em andamento? Aqueles processos que se encontram, muitos deles, na fase de alegações finais, ou conclusos para sentença, onde o réu foi citado por edital e não compareceu ao interrogatório, são o alvo da maior e empolgante discussão surgida nos últimos tempos, em termos de Direito Processual Penal, depois é claro, da lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais.

Seria impossível sua aplicação, face a impossibilidade jurídica de se fazer uma cisão, separando o que se refere a norma processual e norma penal?

Seria perdoável aplicar a suspensão do processo e não fazê-lo com a prescrição, face ser esta a melhor interpretação dada para o benefício do réu?

Seria incorreto aplicar o princípio da irretroatividade da lei in pejus, no que se referir a norma, ao Direito Material (prescrição) e o princípio do tempus regit actum, no que se referir ao Direito Objetivo?

Ora, estamos diante de um atropelo jurídico, seja aplicando ou não, a retroatividade da norma. Assim sendo, é inadmissível deixar de fazer a seguinte pergunta: O QUE É MELHOR PARA O RÉU?

Para ela não deixaria de se encontrar uma única resposta: SUSPENDER O PROCESSO E DEIXAR FLUIR O PRAZO PRESCRICIONAL.

Os mais perfeccionistas, como já lemos, têm opiniões divergentes. Diriam que "TALVEZ O RÉU, FOSSE ABSOLVIDO DA ACUSAÇÃO QUE LHE É IMPUTADA, DESTA FORMA, NÃO SERIA PARA ELE, VANTAGEM O PRAZO PRECRICIONAL FLUIR, MUITO MENOS O FEITO SER SUSPENSO". Neste ponto é de se indagar: como poderia o réu, sem ter sequer, ciência da acusação feita contra sua pessoa; sendo-lhe nomeado um profissional mais acessível ao Magistrado, sem que este tenha qualquer referência fática, ou outra versão do fato, providenciar em seu prol, uma defesa de qualidade? Nesse particular, é de bom termo esclarecer, que o Legislador, mal ou bem, quis que o réu soubesse da acusação e tivesse um advogado para defendê-lo, só resultando uma má defesa de sua própria desídia.

Outros diriam que a norma não pode ser partida, e por isso não se deve aplicar o artigo aos processos em andamento. Isso significaria desprezar o texto constitucional, principalmente no que diz respeito ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica.

Se as recentes normas penais que são modificadoras, trazem um benefício para o réu, estas retroagem no tempo, para alcançar os fatos ocorridos, trazendo proveito ao acusado ou mesmo ao sentenciado. É impossível deixar de observar tal princípio, particularmente quando, para o caso sob análise, isso significa a possibilidade de se rever uma falta para com os direitos do réu, representados pelo pleno conhecimento da acusação feita contra a sua pessoa.

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Anteriormente lhe era negada tal vantagem, pois o Princípio da Informação não era relevado ao plano do absolutismo, sendo hoje patente, a necessidade de oferecer aos réus revéis citados por edital, no curso do processo, a oportunidade de conhecer da acusação.

Ou seja, hoje o réu tem direito de saber dos limites de sua acusação e não seria justo aos acusados (que tiveram o desconforto de serem citados por edital, quando o Direito Processual pátrio não tinha ainda ascendido a este nível de consciência jurídica criminal), não terem direito ao benefício que ora traz o Princípio da Informação, quando, ainda, não é tarde. É uma questão de justiça, de boa justiça. Por isso, não é maior aberração, a cisão da norma, se comparada com a não aplicação do dispositivo ora em estudo, ou mesmo, com a falta de senso lógico jurídico do Legislador.

É fato, que a norma penal ou processual penal mista, deve seguir a regra da retroatividade in mellius, assim como a lei processual deve ser aplicada imediatamente, e no momento em que se encontra o procedimento, resguardados os atos processuais já praticados.

Assim, sendo a prescrição instituto de Direito Penal, visto que põe termo à punibilidade, à norma, é imposta a retroatividade, desde que seja para beneficiar o réu. Por certo, que a suspensão do processo não poderia ocorrer no tempo passado, porque neste caso, não se pode desprezar os atos processuais já praticados. Por este motivo, o feito deve ser suspenso na fase em que se encontra. Já a suspensão da contagem do prazo prescricional, não pode ser aplicada, pois haveria prejuízo para o réu, visto que esta suspensão, importaria na impossibilidade de extinção da punibilidade.

A mais, se é possível entender-se a junção de uma nova norma penal, com outra antiga, para beneficiar o réu (Jesus, Damásio E. de - Direito Penal - 1º Volume - Parte geral Editora Saraiva - pág. 82), por que não seria possível cindir o artigo 366 do Código de Processo Penal, para alcançar o mesmo objetivo? Afinal o Magistrado não estará criando uma norma, apenas estará se movimentando dentro do que permite os Princípios de Direito Penal (Costa Jr., Paulo José da - Comentários ao Código Penal - Editora Saraiva - pág. 5, citando Antônio José Fabrício Leiria, em sua monografia Teoria e Aplicação da Lei Penal, p. 82).

Por fim, deixar de aplicar a suspensão da prescrição nos feitos em andamento, que se coadunam com as circunstâncias previstas no artigo 366, bem como aplicá-la no que pertine ao andamento do processo, é mais que lógico jurídico, é fazer, em relação ao réu citado por edital e revel, que não teve oportunidade de se defender a contento, justiça. E como já foi dito, estamos diante de um atropelo jurídico, aplicando-se, ou não a norma do referido artigo em vigor, se assim o é, que se interprete de maneira mais favorável ao réu.

Sobre o autor
Humberto Ibiapina

promotor de Justiça no Ceará, especialista em Direito Processual Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IBIAPINA, Humberto. O art. 366 do CPP e sua nova redação.: Por que aplicá-lo nos processos em curso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 19, 14 set. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1081. Acesso em: 22 dez. 2024.

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