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Pena integral em casos de feminicídio

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Agenda 18/01/2024 às 16:13

Resumo: O feminicídio é um crime que insulta a dignidade das mulheres. Trata-se de homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino. Trataremos brevemente sobre quem poderia ser vítima de feminicídio, sobre como era antes a punição do feminicídio, se a chamada Lei Maria da Penha já não punia dessa forma, entre outros e finalmente proporemos uma mudança legislativa visando que o apenado pelo crime de feminicídio seja insuscetível de progressão de regime.

Palavras-chave: Feminicídio. Maria da Penha. Hediondo. Progressão. Pena.


“Chega de leniência com a atividade criminosa. Tolerância zero e penas em dobro! Conforme se observa, as atuais penas não são suficientes para coibir a ação criminosa, sem contar a progressão do regime de cumprimento da pena que, pela atual sistemática, colabora para que os criminosos fiquem menos tempo na cadeia. A certeza da impunidade faz o crime valer a pena.”

Este é o trecho da justificativa, feito pelo Deputado KIM KATAGUIRI autor do PL 3780/23, aprovado pela Câmara os Deputados1, que visa aumentar as atuais penas estabelecidas para os crimes de furto e roubo no nosso ordenamento jurídico.

No nosso caso, estamos tratando acerca do crime de feminicídio, algo, no entender deste advogado, muito mais grave do que furto e roubo, embora sejam igualmente condutas bem graves.

A princípio, a lei que trata do feminicídio vem justamente para tratar dos crimes que insultam a dignidade das mulheres, basta analisar o histórico dos dados relacionados aos crimes cometidos contra as mulheres para perceber que em sua grande maioria são provocados especificamente por homens que, no seu entender, são “proprietários” das mulheres com quem tem ou tiveram um relacionamento.


1. DEFINIÇÃO DE FEMINICÍDIO

Antes de adentrarmos propriamente no assunto que nos traz este texto, convém definirmos o que é o feminicídio.

Trata-se de um homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino. Essa ideia vem de uma sociedade patriarcal onde a mulher era simples objeto, controlada pelo marido, e sem quaisquer direitos.

Coisas do passado remoto mas que ainda encontram guarida na cabeça de alguns homens.

Isso porque o fato de existir uma história baseada propriamente no chamado “machismo”, acaba por privilegiar uma espécie de lugar-comum na sociedade em que as mulheres ainda seriam patrimônios dos homens, objetos a serem administrados.

Baseando-se nisto, não é incomum, que ao abrir diariamente os jornais impressos ou até mesmo nos meios audiovisuais de comunicação e massa ver as notícias recentíssimas de violência contra a mulher, apenas pela condição de ser do sexo (gênero) feminino, com isso, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto pessoa e mulher.


2. FEMICÍDIO X FEMINICÍDIO

Convém mencionar que existe uma palavra bem próxima, mas com significados diversos, é a palavra “femicídio”.

A palavra femicídio traduz-se por morte de mulher em razão do sexo (ser do gênero feminino).

Se pensarmos de forma etimológica, esta palavra pode ser assim dividida: “femi” deriva de femin-, cuja origem é grega (phemi), significando "manifestar seu pensamento pela palavra, dizer, falar, opinar" e “cídio” deriva do latim -cid/um, cujo significado remete à expressão "ação de quem mata ou o seu resultado".2

A definição de femicídio não tem nenhuma relevância para o nosso ordenamento jurídico. Desta forma, femicídio é o homicídio que tem como vítima a mulher, independentemente de qualquer circunstância, por exemplo: uma vítima de um homicídio depois de uma discussão com uma outra mulher na rua é uma mulher, poderia ser um homem, criança, etc.

Trata-se de um homicídio cuja vítima é uma mulher.

Porém quanto ao Feminicídio, objeto de nosso estudo, trata-se de um instituto mais sensível, com relevância ao ordenamento jurídico no Brasil.

O fato é que em relação a isto, podemos concluir que há diferença entre femicídio e feminicídio e tal diferenciação é relevante, então, podemos afirmar que todo feminicídio é um femicídio, porém nem todo femicídio é um feminicídio 3.

Resumindo, Femicídio significa praticar homicídio contra mulher (matar mulher) e Feminicídio significa praticar homicídio contra mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero).4


3. SUJEITO PASSIVO DO CRIME DE FEMINICÍDIO?

Pergunta-se: - Quem poderia ser vítima de feminicídio?

Essa pergunta pode parecer óbvia para alguns, porém, em tempos modernos existe muito a discussão sobre gêneros e para alguns pode surgir a dúvida sobre transexuais e o feminicídio.

Nesse caso, este advogado filia-se à corrente que preceitua que para a caracterização do crime é necessário analisar o registro civil da vítima, se lá constar sexo feminino podemos falar sobre feminicídio, caso contrário NÃO.

Segundo Bitencourt5, para que alguem seja sujeito desse crime se faz necessário a alteração do registro de nascimento, identidade, ou passaporte, tendo assim o reconhecimento jurídico do gênero feminino.

Neste caso, transexuais também poderão ser vítimas de feminicídio, isso aceitando que não se identifica mulher apenas pelo fator biológico, mas também psíquico, então sendo assim, a mulher transexual também seria vulnerável ao gênero masculino como as que são biologicamente do gênero feminino.

A lei prevê punição mais grave àquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta que a vítima seja mulher.

No Brasil, a lei do feminicídio (Lei 13.104/15) foi publicada em 9 de março de 2015. A lei adicionou uma nova modalidade de homicídio qualificado ao código penal – o feminicídio. A Lei dos crimes hediondos também foi alterada para incluir o feminicídio.

De acordo com o artigo 121, Título VI do Código Penal, o homicídio é feminicídio quando cometido contra mulheres devido à sua condição feminina.

O segundo parágrafo do referido artigo completa o referido ponto ao dizer que “existem motivos devidos ao sexo da mulher” se o crime ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Inclusive, tramitou no Senado da República6, um projeto de Lei, o PL 976/2022, já transformado na lei no 14.717, de 31 de outubro de 2023, que instituiu pensão especial aos filhos e dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio tipificado no inciso VI do § 2º do art. 121. do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.


4. COMO FUNCIONAVA ANTES A PUNIÇÃO DO FEMINICÍDIO (LEI MARIA DA PENHA)?

Eis a pergunta: Como ocorria antes a punição do feminicídio?

Antes da Lei n.º 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, ou seja, antes o feminicídio era punido de forma genérica, como sendo homicídio, previsto no artigo 121, do Código Penal.

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Além disso, há entendimentos no sentido de que mesmo antes da tipificação do crime de feminicídio, tendo em consideração cada caso concreto, o crime poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender (inciso IV).

Porém, convém ressaltar que inexistia previsão de uma pena maior para este tipo de crime, se fosse cometido contra a mulher em virtude de gênero.

No entanto, a lei n.º 13.104/2015 trouxe significativa alteração a este panorama prevendo, de forma expressa, que o feminicídio, deveria a partir daquele momento, ser punido como homicídio qualificado.

A Lei n.º 13.104/2015 começou a vigorar no dia 10/03/2015, de forma que se a pessoa, a partir daquela data, praticasse o crime de homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino responderia por feminicídio, ou seja, homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, VI, do CP.

A Lei n.º 13.104/2015 é mais gravosa e, por isso, não tem efeitos retroativos, de sorte que, quem cometeu homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino até 09/03/2015, não respondeu por feminicídio (art. 121, § 2º, VI).

Mas daí vem a pergunta: A chamada Lei Maria da Penha já não punia dessa forma?

Por incrível quer pareça, a resposta é não, haja vista que a referida lei não trazia em seu bojo um rol de crimes.

Até porque esse não foi seu objetivo.

O que a lei Maria da Penha, lei n.º 11.340/2006, fez foi trazer regras processuais criadas e definidas para proteger a mulher vítima de violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas, salvo raras exceções, que não trataremos nesse estudo.

Sendo assim, o chamado feminicídio não era previsto na Lei n.º 11.340/2006, apesar de a cidadã Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à Lei, ter sido vítima de feminicídio duas vezes (tentado).

A Lei Maria da Penha foi criada no ano de 2006 em razão da condenação do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos7.

Essa condenação foi baseada no motivo da inércia do país em punir o caso de violência doméstica que teve como vítima a pessoa de Maria da Penha Maia Fernandes.

Historicamente podemos informar que8:

A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos lutou para ver seu agressor preso.

Maria da Penha é biofarmacêutica cearense, e foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros. Em 1983 ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Viveros foi encontrado na cozinha, gritando por socorro, alegando que tinham sido atacados por assaltantes. Desta primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica A segunda tentativa de homicídio aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la no chuveiro.

Apesar da investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado há dez anos de reclusão mas conseguiu recorrer.

Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão.

O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então reuniu-se para definir um anteprojeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas.

Em setembro de 2006 a lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com um crime de menor potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.

Vale ressaltar que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha poderão ser aplicadas à vítima do feminicídio (obviamente, desde que na modalidade tentada).

O fato é que há uma onda crescente de feminicídios.

Neste sentido, é também fato de que uma das principais questões sociais causadoras de preocupações no que pertine a família é a violência doméstica e, mais especificamente, o crime de feminicídio.

Isso porque são crimes que vitimam a mulher dentro do ambiente doméstico, e tem como agressor o marido ou companheiro.

Mesmo considerando que a legislação teve um avanço real no afã de prevenir e combater a violência doméstica contra a mulher, isso não demonstra ser totalmente eficiente e eficaz, considerando os inúmeros casos ainda existentes no nosso país.

É preciso implementar novas e progressivas formas de proteção voltadas as mulheres em relação ao enfrentamento do feminicídio e ao combate à violência doméstica.

Não é de se assombrar que o Estado é ineficiente em relação a violência doméstica, isso porque a criação de leis de nada adianta, se ainda não existir uma estrutura para abarcar a verdadeira proteção em favor da mulher.

Contudo, mais do que apenas saber a respeito da lei e suas idiossincrasias, é preciso que haja uma campanha a nível nacional de conscientização, não apenas visando evitar o crime, mas também para que a vítima se sinta livre e motivada a denunciar a violência, e com isso o Estado possa adotar medidas contra o agressor.

Existem várias medidas protetivas que podem ser aplicadas aos casos concretos.

Além disso, o próprio Ministério Público, além da sociedade devem fazer sua parte, sempre para que a mulher possa ter mais proteção do Estado.

A mulher vítima não pode esperar que burocracias do Estado ou falta de estrutura estatal aumentem ou lhes causem danos, além dos já causados pelo agressor.

Deve existir a prioridade para enfrentar a situação, que envolve a garantia da dignidade da pessoa humana, da saúde e da vida.

Recentemente mais um fato positivo no combate à violência contra a mulher.

Foi sancionada a Lei nº 14.674, de 14 de setembro de 2023, que altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre auxílio-aluguel a ser concedido pelo juiz em decorrência de situação de vulnerabilidade social e econômica da ofendida afastada do lar e prevê em que artigo 1º que o art. 23. da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VI, que prevê conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses.”


5. CASO DO BRASILEIRO DANILO CAVALCANTE, FUGITIVO NOS EUA

Recentemente e negativamente chamou atenção da imprensa mundial o caso do brasileiro Danilo Cavalcante, fugitivo nos EUA, que foi capturado.

Conta a história que Danilo é réu por um homicídio no estado do Tocantins. Um homem foi morto a tiros em uma praça, supostamente devido a uma briga relacionada ao conserto de um carro.

Em 5 de novembro de 2017, Danilo matou a tiros o estudante Walter Junior em um trailer de lanches localizado em Figueirópolis (TO), a cerca de 260 km de Palmas.

O motivo do crime, de acordo com informações da TV Globo, teria sido uma dívida que a vítima possuía com Danilo. Uma semana após o assassinato, o Ministério Público solicitou a prisão preventiva de Danilo, o que o tornou foragido. Em janeiro de 2018, Danilo fugiu para os Estados Unidos. Apesar da ordem de prisão, ele conseguiu sair do Brasil porque, quando embarcou no aeroporto de Brasília, o mandado ainda não havia sido incluído no registro nacional pela Justiça do Tocantins.

Enfim, nos Estados Unidos ele voltou a delinquir.

Danilo foi sentenciado à prisão perpétua por matar sua ex-namorada Deborah, de 34 anos, a facadas em abril de 2021, na cidade de Phoenixville, na Pensilvânia, na frente de seus dois filhos, de 4 e 7 anos.

Isso ocorreu enquanto ela pegava as compras do supermercado no carro dela, com as crianças. Ele a pegou pelo cabelo e a golpeou no tórax, deixando as crianças verem tudo.

Depois desse crime, ele fugiu para a Virgínia, mas foi capturado pela polícia local em menos de duas horas.

No julgamento, o júri levou menos de 20 minutos para considerá-lo culpado pela morte, de acordo com jornais locais como Daily Local e Patch.

Por isso, nos Estados Unidos foi condenado a prisão perpétua.

No entanto, voltando a realidade brasileira, aqui, nosso ordenamento jurídico veda a condenação em prisão perpétua.


6. NORMAS SOBRE O ASSUNTO

A constituição de 1988, proíbe a existência de "pena de caráter perpétuo" (art. 5º, XLVII, b).

Podemos considerá-la como aquela em que o condenado cumpriria "até a sua morte".

Países como Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Itália, Hungria e Irlanda, adotam-na em seu ordenamento jurídico.

Infelizmente no Brasil, a pretexto de ser mais severo acaba-se sendo mais complacente.

Veja por exemplo o previsto no § 7º do artigo 121 do Código Penal:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguem:

(...)

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

Agora vejamos o artigo 226:

Aumento de pena

Art. 226. A pena é aumentada: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)

(...)

II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela; (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018)

Ora, neste caso, o § 7º do artigo 121, veio para beneficiar o réu, ou seja, reduziu a pena e, teria que prevalecer, isso porque o artigo 226 fala do aumento de pena que era a metade, mas a outra é mais benéfica, conclusão: o réu será beneficiado pela lei mais benéfica. Essa é uma qualificadora às avessas.

No Brasil, essa proibição é considerada "cláusula pétrea", não podendo ser modificada por alteração legislativa, a menos que se crie uma nova constituição (do zero).

A pena de caráter perpétuo, de uma certa forma, contrariaria o próprio Estado Democrático de Direito, gerando incompatibilidades por diversos motivos. Principalmente num país como o Brasil, com a absurda quantidade de erros judiciários que vemos todos os dias, pena de caráter perpétuo e de morte seriam um grande erro.

No entanto, no entender deste advogado, existe uma medida que daria mais força às penas em caso de feminicídio e crimes diversos contra as mulheres.

Trata-se de vedar a progressão de regime em casos de feminicídio e afins.

Neste sentido é bom informar que no nosso ordenamento jurídico, com relação à progressão de regime, adota-se o chamado Sistema Progressivo, ou seja, vale dizer que para progredir, deve o sentenciado cumprir parte de sua pena num regime específico, de modo gradativo, e a assim por diante.

Neste sentido, dispõe o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, a LEP, que:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Mas, qual é a problemática envolvendo o tema da progressão de regime no caso do feminicídio?

Primeiro que o feminicídio é considerado um crime hediondo (previsto na lei nº 8.072/90), ou seja, faz parte da lista de crimes que são mais graves por causarem maior indignação ou comoção social. A classificação do feminicídio como crime hediondo faz com que a conduta seja tratada pela Lei Penal de forma mais rigorosa.

Para ser beneficiado com a progressão de regime é necessário que o sentenciado realize o cumprimento de alguns requisitos legalmente exigidos, sendo divididos em dois grupos: objetivo e subjetivo, sendo que o requisito objetivo é o cumprimento de 1/6 do total pena (crime não hediondo) e o Requisito Subjetivo é, cumprido o requisito objetivo, o requisito subjetivo consiste numa análise sistemática do comportamento do sentenciado durante todo o período em que esteve cumprindo pena no regime prisional atual.

Neste caso, em regra, basta certidão expedida pelo órgão responsável do presídio em que o sentenciado está cumprindo pena, em que se esclarece todo o comportamento do indivíduo, bem como, a eventual existência de faltas disciplinares.

Havendo, ainda, a possibilidade da realização do exame criminológico para atendimento ao requisito subjetivo, sendo sua exigência uma faculdade do magistrado.

O fato é que em relação a progressão de regime nos crimes hediondos com resultado morte tem sido discutido no STJ9, sobretudo na terceira seção.

Isso porque atualmente a “Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 2.012.101, 2.012.112 e 2.016.358, de relatoria do desembargador convocado Jesuíno Rissato, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

O colegiado vai discutir qual deve ser o percentual de cumprimento de pena exigido para progressão de regime de condenado por crime comum e posteriormente por crime hediondo, com resultado morte (reincidência genérica).”

Esa questão submetida a julgamento, registrada nos cadastros daquela corte como sendo o Tema 1.196 na base de dados do STJ, e afigura-se assim ementada:

"Aplicação do revogado artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.072/1990, na progressão de regime de condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente genérico, por ser mais benéfico ao reeducando em detrimento das modificações promovidas pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que incluiu o artigo 112, inciso VI, na Lei 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais)".

Pelo que se tem notícia o STJ firmou jurisprudência pela adoção de interpretação mais benéfica aos apenados, exigindo a reincidência específica em crime hediondo (quando os crimes praticados são da mesma espécie) para aplicar o percentual de 60% do cumprimento da pena como condição para a progressão de regime.

Em julgamento de recurso repetitivo, a Terceira Seção reconheceu a retroatividade do artigo 112, inciso V, do Pacote Anticrime, àqueles condenados que, apesar de terem cometido crime de natureza hedionda ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante.

Em relação a propor mudanças, sabemos que existe o Projeto de lei de iniciativa popular10 onde a população pode enviar projetos de lei de iniciativa popular para a Câmara dos Deputados.

A Constituição Federal exige a assinatura de um por cento dos eleitores, distribuídos por pelo menos cinco estados da Federação.

Em cada um deles, é preciso no mínimo três décimos dos eleitores; e ainda a Sugestão legislativa em que as Entidades da sociedade civil organizada podem apresentar sugestões de lei para a Comissão de Legislação Participativa (CLP).

Os deputados votam essas sugestões e, caso sejam aprovadas, elas passam a tramitar na Câmara como uma proposta de autoria da CLP.

Podem ser apresentados projetos de lei, propostas de emenda à Constituição (PECs), emendas ao Orçamento da União e sugestões de realização de audiência pública.

Estão aptos a enviar sugestões legislativas as Organizações Não Governamentais (ONGs), associações de classe, sindicatos, órgãos da Administração Pública Direta e Indireta que tenham participação paritária da sociedade civil e outras entidades.

Para isso é necessário fazer um cadastro e enviar documentos da associação, como estatuto ou registro no Ministério do Trabalho, comprovação legal da composição da diretoria e ata da reunião em que a entidade decidiu enviar a sugestão.

Neste caso, do crime de feminicídio, como uma tentativa de abolir ou diminuir este tipo de crime, bem como considerando que no nosso ordenamento jurídico não são possíveis a pena de morte (exceto em caso de guerra) nem a prisão perpétua, o ideal seria acabar com as possibilidades de que um apenado com pena privativa de liberdade por esse tipo de crime (feminicídio e crimes da lei Maria da Penha) seja solto sem o cumprimento da pena imposta, de ponta a ponta.

Além, disso se faz necessário pensarmos no limite para o cumprimento de penas no Brasil.

Atualmente, o Código Penal (Art. 75) diz que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não podem ser superior a 40 anos.

Aí pode-se pensar, para um leigo que, se o condenado tiver como pena 100 anos, só vai cumprir 40.

Mas não é bem assim.

Isso porque o próprio 75 do Código Penal traz regras sobre a unificação das penas e o limite de 40 anos.

Então sempre vai haver essa unificação de penas, independentemente da quantidade de crimes, as penas sempre serão unificadas, sempre será somada e o limite máximo é de 40 anos, isso porque as penas não podem ter caráter perpétuo no nosso ordenamento jurídico, então não tem como um sujeito cumprir aí 50 ou 60 anos, porque seria de caráter perpétuo e iria viver e morrer dentro da prisão.

Mas, mesmo que receba penas superiores a 40 anos não vai cumprir essa pena mas todos os benefícios são calculados com base na pena efetivamente aplicada.

Além do que, diz o § 2º do Art. 75. que Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

Isso é bem relevante para tentar evitar o cometimento de novos crimes pelo mesmo agente.

Vamos imaginar que o sujeito tenha sido apenado com 100 anos de prisão e cumprido 39 anos de prisão, faltava um ano dos 40 e vem uma nova condenação por um fato posterior e deu a ele mais 1 ano, esses 39 anos são desprezados e a contagem volta ao zero.

Feitas estas considerações, o escopo desse nosso breve estudo é sugerir que nos casos de feminicídio a pena seja cumprida integralmente.

Para isso, salvo melhor juízo bastaria uma alteração legislativa no artigo 112, da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal, inserindo um inciso excetuando os crimes de feminicídio.

Ou seja, insere-se um inciso onde preveja que em caso de crime de feminicídio será vedada a progressão de regime.

Talvez e somente talvez isso coíba ou leve o possível criminoso a pensar duas vezes antes de cometer o crime de feminicídio.

Ficaria assim: O crime de feminicídio é insuscetível de progressão de regime.

Inclusive o próprio STF enfrentou diversos questionamentos nesse sentido ao julgar a ADC 19/DF proposta em relação à Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) e na oportunidade decidiu que é possível que haja uma proteção penal maior para o caso de crimes cometidos contra a mulher por razões de gênero (STF. Plenário. ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012).

Assim, não há violação do princípio constitucional da igualdade pelo fato de haver uma punição maior no caso de vítima mulher.

A própria A Lei n.º 13.104/2015 alterou o art. 1ºda Lei n.º 8.072/90 e passou a prever que o feminicídio é crime hediondo.

Na visão da Corte, a Lei Maria da Penha e posteriormente a Lei do Feminicídio, são instrumentos que promovem a igualdade em seu sentido material. Isso porque, sob o aspecto físico, a mulher é mais vulnerável que o homem, além de, no contexto histórico, ter sido vítima de submissões, discriminações e sofrimentos por questões relacionadas ao gênero.

Trata-se, dessa forma, de uma ação afirmativa (discriminação positiva) em favor da mulher.

Ademais, a criminalização especial e mais gravosa do feminicídio é uma tendência mundial, adotada em diversos países do mundo.11

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