Em face do disposto em o art. 366 do C.P.P., com a redação da Lei 9.271/96, necessário se faz expender as seguintes considerações:
Da Suspensão da Prescrição
- Limite:
1. Inicialmente, é preciso ter em mente que
o legislador não fixou limitação à
suspensão prescricional.
2. Reza o dispositivo legal em disceptação,
"verbis":
"Se o acusado, citado por Edital,
não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional,
podendo o juiz determinar a produção antecipada
das provas consideradas urgentes e se for o caso, decretar a
prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312".
Grifei.
3. Referentemente à suspensão do
prazo de prescrição, imperioso sublinharmos
que a doutrina pátria entende que as hipóteses de
imprescritibilidade estão enumeradas, taxativamente, na
Carta da República (art. 5º, XLII e XLIV).
4. Esse abalizado entendimento originou , pelo menos,
três distintas correntes: a primeira (René Ariel
Dotti), afirma que à falta de limitação temporal
deve-se ter em conta o limite máximo do prazo previsto
no Código Penal, que é de vinte anos (art. 109,
I); a segunda (Damásio E. de Jesus), tem que a solução
está em se aplicar os módulos temporais previstos
no art. 109, I / IX, do Estatuto Repressivo, correspondentes
à pena máxima prevista para o ilícito perpetrado;
a terceira corrente (Antônio Scarance Fernandes) afirma,
com esteio em o art. do 75, do C.P., que o prazo de suspensão
da prescrição não pode ultrapassar trinta
anos de duração.
5. É sabido que ao direito penal contemporâneo
repugna a idéia de penas imprescritíveis. Porém,
tal concepção não deve conduzir à
inferência de que a duração temporal da suspensão
da prescrição deva ficar, obrigatoriamente, limitada
e vinculada aos prazos estabelecidos exatamente para seu regular
transcurso.
6. A novel redação determina a suspensão
do curso do prazo de prescrição, unicamente, quando
citado por edital, o defendente não comparecer nem constituir
advogado. Não delimitou hipóteses de imprescritibilidade.
Esta, só eclodiria, em tese, reflexamente.
7. Assim, à evidência, não
se pode desfigurar o instituto da suspensão do transcurso
do prazo prescricional, ensejada pela renovada redação
adjetiva - mediante manejo de dispositivo absolutamente incompatível
com a espécie travejada : o art. 109, do C.P.
8. Este artigo elenca prazos prescricionais, estabelecendo
escalas de tempo suscetíveis de enquadramento com o máximo
de pena sancionada (preceito secundário) nos tipos incriminadores.
9. Pois bem, se a norma engastada no art. 366, do
CPP afirma, categoricamente, que tais prazos, verificado determinado
fato, ficarão suspensos como utilizar-se, indagamos , sem
despirmo-nos de necessária lógica, o fluir dos
módulos temporais arrolados naquele dispositivo (109, C.P.),
para fazer voltar correr a prescrição inicialmente
suspensa pelo último, sem que tenha havido razão
jurídica para tanto, ou seja , "v.g.", o comparecimento
do acusado (art. 366, parágrafo 2º,CPP).
10. Tratar-se-ia , se nos parece, de interpretação
"contralegem". Isto é, se a suspensão
em destaque persegue obstacular a movimentação dos
prazos encapsulados nos escaninhos do versículo 109, não
é razoável manipular-se os mesmos prazos ao ensejo
de vencer a barreira imposta pelo legislador.
11. Por outro giro, também não se
pode olvidar que o preceito normatizado tem natureza dúplice
: suspende o lapso prescricional (em detrimento do inculpado);
mas o agracia, com a suspensão do processo, evitando ,
assim, que seja julgado à revelia ("paridade de
armas").
12. Tal fato, indubitavelmente, equilibra a peculiar
situação processual alvitrada pelo artigo em destaque
e permite entender como razoável a intelecção
esgrimada na última corrente (Antônio Scarance Fernandes).
13. Ante a impossibilidade constitucional (salvante
as exceções antes nomeadas) de subsistirem penas
imprescritíveis em nosso ordenamento, não é
de se vislumbrar como contrário ao sistema da suspensão
prescricional o estabelecer-se como limite máximo aquele
previsto para o cumprimento das penas privativas de liberdade,
ou seja, 30 (trinta) anos (art. 75, CP)(terceira corrente), na
dimensão em que, ao menos, resguarda a finalidade do instituto
em descortino.
14. E, o fato de se tratar de período assaz
longo, não veicula razão suficiente para desautorizar
essa analogia; na realidade, revela a razão de ser de sua
adequação à matéria travejada.
15. Do contrário, a norma do art. 366, do
CPP restaria esvaziada de conteúdo, mormente em delitos
de pena exígua (máximo da pena inferior a um ano),
pois, mantida a contumácia do réu fictamente citado,
após o transcurso de, "e.g.", 02 (dois) anos
( art. 109,VI, CP) o tempo retornaria a correr implacavelmente
a seu prol, enquanto o processo permaneceria em crise de hibernação
legal.
16. A situação hipotetizada faz antever
situação ainda mais detrimentosa para a sociedade
- já exausta da ascendente espiral da impunidade - do que
o modelo processual revogado vez que o processo, antes, ao menos,
não dormitava suspenso... Agora existe o risco potencial
do reinicio da contagem do prazo prescricional, sem que a instrução
seja reagitada.
17. Curioso notar , que o impedimento da prescrição,
em matéria penal, não é figura nova. Absolutamente.
Basta uma vista no art. 116, do Estatuto Repressivo para se verificar
que ali estão previstas duas distintas possibilidades de
configuração, "verbis":
"Antes de passar em julgado a sentença
final, a prescrição não corre:
I - Enquanto não resolvida, em outro processo,
questão de que dependa o reconhecimento da existência
do crime;
II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro."
18. De observar-se, que na versão do inciso
"II", se a pena cumprida no estrangeiro pelo agente
for de prisão perpétua (existente em inúmeros
países) teríamos, teoricamente, desde há
vários lustros, um evidente caso de imprescritibilidade
indireta.
Da Suspensão do Processo - Audição
de Testemunhas:
19. Apesar da existência de respeitabilíssima
(o superlativo vale "in integrum") posição
doutrinária divergente, tenho que a análise da
suspensão do processo ensejada pelo renovado art. 366 do
Cânon processual penal, em cotejo com analogia de dispositivos
outros insertos no mesmo compêndio, levam, como procuraremos
demonstrar, à inteligência de que predita suspensão não afasta a possibilidade da colheita antecipada da
prova testemunhal elencada na peça vestibular.
20. Entendem avisados exegetas que provas
urgentes se circunscrevem a "casos de necessidade de testemunha
ausentar-se da comarca, velhice, doença, que inspirem ao
Juiz receio de que não possam ser produzidas no futuro
(CPP. art. 225). Não se trata pois, de antecipar-se a realização
de qualquer prova, como , v.g. ,a testemunhal, sob a alegação
de que é comum não se encontrar pessoas que devam
depor em Juízo por razões de mudança de residência
morte etc. Caso contrário , não teria sentido a
qualificação ´urgentes´ empregada no texto".
Gizei.
21. A nosso pensar, no entretanto, o ponto nodal
no que respeita à suspensão processual está
em que não se pode, na situação ensejada
pelo art. 366 prorrogar , indefinidamente, a produção
da prova testemunhal.
22. O conceito susotranscrito de urgência da
prova pessoal se relativiza, torna-se verdadeiramente fluido
quando se leva em consideração que a suspensão
pode durar mais de 01 ano, ou mais de 02 anos, ou mesmo 10 anos,
ou ainda mais...
23. Também, não possui o Ministério
Público a menor condição de prognosticar
se de hoje há 02 (dois) anos , por exemplo, a testemunha
"X" terá condições mentais de depor
; nem se daqui há 05(cinco) anos, a testemunha, "M"
estará viva; ou, ainda, se daqui há 08 anos a testemunha
"Y", acaso encontrada, se recordará dos fatos
presenciados. Muito menos , por óbvio, de acompanhar, par
e passo, a evolução ou eclosão de tais fatos.
24. A idéia de que testemunhas reputadas
urgentes são só, e somente só, aquelas que
no tempo presente se encontram enfermas ou em vias de se ausentarem,
é aceitável nos procedimentos simples: quando
o "iter" não foi por qualquer razão suspenso
em razão de qualquer incidente, incidindo então
a dicção do art. 225, do C.P.P., "ad literam":
"Se qualquer testemunha houver
de ausentar-se , ou , por enfermidade ou por velhice, inspirar
receio de que ao tempo da instrução criminal já
não exista, o juiz poderá, de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes , tomar-lhe antecipadamente
o depoimento."
25. Todavia, na espécie vazada em o art.
366 a exegese retrodestacada comporta verdadeira "álea"
; é dizer, risco potencial para o processo e virtual prejuízo
para a acusação, logo , para o contraditório
e para a ordem jurídica.
26. Compete divisar que a suspensão do processo
não é incidente estranho à Lei Adjetiva Penal.
Tome-se, à guisa de exemplo, o art. 92, versante sobre
questões prejudiciais obrigatórias e que impõe
o sobrestamento da ação penal - "até
que no juízo cívil seja a controvérsia dirimida
por sentença passada em julgado, sem prejuízo,
entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras
provas de natureza urgente". Grifei.
27. Já o versículo 93, que trata da
suspensão facultativa diz em sua quadra final: "(...)
o juiz criminal poderá...suspender o curso do processo,
após a inquirição das testemunhas e
realização das outras provas de natureza urgente."
Gizei.
28. Nesses casos, em face da suspensão do
processo e não pelos motivos versados no aludido art. 225
- o qual volve-se, principalmente, a hipóteses em que o
processo não sofre solução de continuidade
- a inquirição de testemunhas ganha o timbre de
urgência.
29. Por outro lado, consabido que o exame de sanidade
mental , em regra , não durará mais do que 45 (quarenta
e cinco) dias ; mesmo assim, apesar da estreita latitude deste
prazo, o legislador cuidou de antecipar - mesmo que suspenso
o processo e impossibilitado o réu de comparecer
às audiências - a inquirição de
testemunhas. É o que deflui do disposto no parágrafo
2º, do art. 152, do C.P.P. Confiram:
"O processo retomará o seu
curso, desde que se restabeleça o acusado, ficando-lhe
assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas
que houverem prestado depoimento sem a sua presença".
Grifo meu.
30. Desta forma ficou resguardado ao réu ausente
não apenas o direito de reinquirir as testemunhas de acusação,
evitando-se qualquer prejuízo a sua defesa; como também,
sobremais, a possibilidade da oitiva de testemunhas em ações
penais suspensas .
31. De ressaltar-se, que em nenhum instante, nos
exemplificados casos de incidentes de suspensão do processo
cuidou o legislador de delimitar em qual circunstância poderia
se considerar este ou aquele depoimento como urgente. Em verdade,
em termos semânticos deixou claro, nas aludidas variantes,
que todo depoimento testemunhal, em havendo suspensão processual
é urgente, ao verberar: "(...)inquirição
de testemunhas e de outros depoimentos considerados urgentes".
32. Referenciados dispositivos bem demonstram que
ao Código de Processo Penal não repugna a idéia
de que, "in genere", a prova pessoal pode ser reconhecida
e recolhida como uma evidência, ontologicamente, de natureza
urgente - mormente porque o ser humano não é imortal
(o que é de se lamentar profundamente...) e possui memória
limitada no tempo.
33. Apenas, de ressalvar-se, que em qualquer fase
da instrução criminal (suspensa ou não) é
obrigatório (poder-dever do magistrado) o depoimento antecipado
das pessoas cujos relatos fáticos, em face de circunstâncias
peculiares (elencadas no citado art. 225, do CPP) tenham de ser
documentados de imediato, havendo, dessarte, urgência
qualificada (urgentíssima).
34. De modo que a construção doutrinária
e pretoriana quanto ao conceito de urgência no recolhimento
de depoimentos pessoais, limitativa às situações
elencadas no já citado artigo 225, do C.P.P., merece temperamentos
(d.v.) e precisa ser ajustada ao "Incidente da Suspensão
Processual por Tempo Indeterminado", emoldurado pelo
art. 366, do C.P.P.
35. Em última análise , em nenhum momento
lê-se do texto legal entalhado no dispositivo em digressão,
que a prova testemunhal não é, em si, de natureza
urgente. Não foi, outrossim, ressalvada a sua exclusão.
Logo, expurgá-la importa operar interpretação
restritiva em detrimento da acusação, ferindo o
princípio do contraditório emblemado na Lei das
Leis: esvaindo-se a igualdade das partes.
36. Como assim, indaga-se.
37. Digamos que em determinado processo, transcorridos
10 (dez) anos o réu seja preso. Em face de tal lapso temporal
é de se presumir que o "Parquet" não consiga
produzir em audiência o depoimento de nenhuma das testemunhas
arroladas em priscas eras, porque morreram (presunção
"juri et de jure", de que todos morrem), ausentaram-se
(lugar incerto e não sabido) ou não se recordam
de mais nada.
38. Bem, se o "parquet" não tem
mais evidências a produzir - não existindo prova
documental a ser demonstrada - pelo menos para a sociedade
instrução processual não haverá...
39. Logo, passados os 10 (dez) anos (ou menos, ou
mais), o réu será virtualmente absolvido por falta
de provas, pois, há que se ter em mente o princípio
do estado de inocência, no qual, segundo o mestre Mirabete
"o réu não tem o dever de provar sua inocência;
cabe ao acusador comprovar sua culpa; para condenar
o acusado , o juiz dever ter a convicção de que
é ele responsável pelo delito, bastando, para a
absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa
(in dubio pro reo)" (In, Processo Penal - Ed. Atlas - 2ª
Edição - 1993 - Pág. 43). Até para
um juízo de pronúncia ("in dubio pro societate"),
circunstancialmente, poderá surgir obstáculo.
40. A nosso sentir não colhe o argumento de
que a prova produzida ao longo do Inquérito Policial é
bastante para formar-se um juízo de convicção,
pois, é pacífico que "a decisão
condenatória baseada exclusivamente no Inquérito
Policial contraria o princípio do contraditório"
- S.T.F.
41. Em não havendo mais prova testemunhal
arrolada na peça pórtico a ser produzida, inexistindo
também outros elementos de convicção (situação
deveras usual) caberá ao próprio Ministério
Público pugnar pela absolvição do incriminado,
pois, como fiscal da lei não lhe é dado acusar sem
evidências, em homenagem ao princípio da verdade
material e à própria responsabilidade profissional
.
42. Em reforço a tudo que foi dito de acrescentar-se
que vige no direito positivo o sistema acusatório presidido
(sistema presidencial) por um Juiz de Direito (Juiz Natural) imparcial,
sistema este distinto "in totum" do modelo inquisitório
(do inquérito policial); portanto, não se pode vislumbrar
prejuízos para o réu, principalmente quando observado
o disposto no art. 366, parágrafo 1º , do CPP - ou
seja, efetuada a nomeação de defensor dativo.
43. De remarcar-se, que o art. 225, do CPP, trata de urgência qualificada. Os demais casos (art.92, art. 93, art. 152, parágrafo único e, agora, principalmente, o art. 366 do C.P.P.) cingem o conceito de urgência - como não poderia deixar de ser - ao natural decurso do tempo.
44.Em apertada síntese: suspenso o processo (art. 92, 93, 152, p.único e 366) toda a prova testemunhal há de ser deduzida, independentemente da condição física dos depoentes, em função da própria suspensão ; não se operando esta, apenas nos casos versados no art. 225, é que se adiantará a audição da prova pessoal.
45. Assim, ao ensejo de garantir o princípio constitucional do contraditório, não comparecendo o réu, estando suspenso o processo, impostergável a oitiva das testemunhas arroladas na denúncia , nomeando-se ao incriminado DEFENSOR DATIVO.
46. No mais, vige no processo penal o princípio da "aquisição " da prova , segundo o qual "uma vez produzida se torna desnecessário indagar quem a produziu".
47. Aceitar-se a indefinição temporal relativamente à confecção da prova oral é permitir verdadeiro esvaimento da acusação - a ensejar via inércia processual, que razões de ordem puramente privada se sobreponham ao interesse da Justiça - tributário a um excessivo elastério do princípio da ampla defesa.