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Débitos fiscais no SERASA.

Aspectos práticos

Agenda 09/01/2008 às 00:00

Como largamente noticiado nos meios de comunicação, os débitos inscritos na dívida ativa da União que não estejam caucionados ou cuja exigibilidade não esteja suspensa por decisão judicial serão inscritos no cadastro de inadimplentes do SERASA. A medida é decorrência de decisão administrativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e será implementada gradualmente, durante o ano de 2008.

A Fazenda sustenta, como justificativa para o procedimento, que a inscrição no SERASA estimulará a regularização, pelos inadimplentes, de suas pendências fiscais. Além disso, a dívida ativa é composta por débitos que gozam da presunção legal de liquidez, certeza e exigibilidade, razão pela qual a inclusão não faria nada mais que conferir publicidade a um montante presumidamente devido pelo contribuinte.

Os contribuintes, no entanto, já assustados com as conseqüências negativas que isso pode impor à sociedade, iniciaram forte mobilização contra a medida. A inscrição de um débito na dívida ativa não representa, por si só, um impedimento à obtenção de crédito junto a instituições financeiras. Mas a inscrição desse mesmo débito no SERASA representará, até mesmo pela política de composição de carteira de crédito imposta pelo Banco Central do Brasil aos bancos e financeiras, fator impeditivo à concessão de financiamentos, seja para pessoas físicas, seja para pessoas jurídicas.

Sendo o crédito um dos elementos essenciais no mundo empresarial, a inscrição de débitos fiscais no SERASA acabaria por criar obstáculos – intransponíveis em alguns casos – ao livre exercício da atividade econômica. Isso, de acordo com muitos críticos à medida, acabaria por infringir o artigo 170 da Constituição Federal, que veicula o princípio da livre iniciativa.

Seguindo-se nessa linha de raciocínio, os contribuintes teriam a seu favor o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal de que a Fazenda Pública não pode, sob qualquer pretexto, valer-se de expedientes coativos como meio de exigir o pagamento de tributos. Nesse sentido foram editadas as Súmulas nºs 70, 323 e 547, por meio das quais o Tribunal cristalizou a inconstitucionalidade da interdição de estabelecimentos, da apreensão e da proibição de despacho de mercadorias em razão do inadimplemento de obrigações tributárias.

Recentemente, a questão virou pauta de discussão no Congresso Nacional, ocasião em que diversos parlamentares se manifestaram pela inconstitucionalidade da inscrição dos débitos no SERASA. Institucionalmente, contudo, a Câmara dos Deputados decidiu não se opor à medida, deixando a tarefa aos cuidados do Poder Judiciário, que, ao menos em tese, sofreria impacto político mais brando ao contrariar os interesses de algum dos lados.

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Algumas conseqüências da inscrição das dívidas ativas no cadastro de inadimplentes do SERASA já são esperadas, até mesmo por experiências ocorridas no âmbito dos Estados. Em Goiás e em São Paulo alguns débitos tributários estaduais foram inscritos no SERASA e, em virtude disso, quase um terço das dívidas foram objeto de pagamento pelos contribuintes. O outro lado da moeda, contudo, foi uma notável corrida ao Poder Judiciário pelos contribuintes que se sentiram injustiçados.

Para as pessoas físicas, bem como para as micro e pequenas empresas, o impacto inicial certamente será positivo para a União. Além desses contribuintes, em geral, terem menos acesso a instrumentos jurídicos de defesa, sabe-se que os sistemas dos bancos e das financeiras realizam o cancelamento automático dos limites de cheque especial, de cartão de crédito e de outras linhas de financiamento quando o cliente passa a ter restrição em órgãos de proteção ao crédito. Além disso, os valores envolvidos costumam ser menores nesses casos, o que torna a discussão judicial inviável em razão dos custos. Daí a esperar-se uma maciça corrida desses contribuintes para pagar os débitos e regularizar suas pendências com o "leão".

Nos casos das empresas de médio e grande porte, contudo, a questão ganha uma dimensão muito maior. Por conta de peculiaridades dos próprios sistemas da Receita Federal do Brasil e da Fazenda Nacional, a inscrição na Dívida Ativa muitas vezes ocorre antes de o contribuinte ter conhecimento da existência do débito. E mesmo que a empresa tenha ciência e pretenda caucionar a dívida via depósito judicial, por exemplo, existe um procedimento a ser adotado que demanda um tempo mínimo para conclusão. Neste ínterim, estará o contribuinte impedido de operar com os bancos, o que certamente afetará suas possibilidades de fazer negócios e gerar receitas.

Em razão disso, espera-se uma verdadeira corrida ao Poder Judiciário, o que, sem sombra de dúvida, representa um impacto extremamente negativo à nova medida. Além dos dispêndios incorridos e dos constrangimentos eventualmente sofridos pelos contribuintes, o Poder Judiciário, já inundado de processos, terá de dar vazão a milhares de novas demandas, em evidente prejuízo da sociedade.

Mesmo o contribuinte bem intencionado será penalizado. Face à complexidade do sistema tributário e do incontável número de informações e declarações a serem prestadas ao Fisco, ter um débito em Divida Ativa muitas vezes não decorre de negligência ou de má-fé. A medida, pois, atingirá indiscriminadamente bons e maus pagadores.

Em síntese, a inscrição dos débitos fiscais no SERASA criará, na prática, um aumento imediato na arrecadação face à regularização de débitos menores, seguida de uma enxurrada de ações judiciais contra a legalidade da medida e seus efeitos na operação das empresas. Mas a decisão já está tomada pela Fazenda, cabendo aos contribuintes prepararem-se para mais esta batalha jurídica que chegará em 2008. Feliz ano novo...

Sobre o autor
Wilson de Faria

Advogado. Bacharel em Direito pela USP. Administrador de Empresas formado pela FGV/SP. Pós-graduado em Direito Tributário pelo CEU. Mestre em Administração pelo INSEAD (França). Sócio da WFaria Advocacia, em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, Wilson. Débitos fiscais no SERASA.: Aspectos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1652, 9 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10838. Acesso em: 28 nov. 2024.

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