SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DOS ALIMENTOS; 3. DOS PARENTES OBRIGADOS A FORNECER ALIMENTOS; 4. DA TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE PARENTES; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
O homem, ao contrário das demais espécies animais, necessita, desde o seu nascimento, de inúmeros cuidados e atenção de seus semelhantes para garantir a sua sobrevivência. Neste sentido, os alimentos são vitais para garantir a vida, isto é, a subsistência da espécie. Não obstante, entende-se que a obrigação alimentar não pode, em nenhuma hipótese, servir para incentivar o ócio, comodismo ou a vadiagem de quem quer se seja.
Em uma sociedade civilizada, os deveres dos pais para com os filhos menores englobam diversas obrigações, dentre as quais podemos citar o fornecimento de alimentação, vestuário, abrigo, medicamentos e tudo o que for necessário à sobrevivência de sua prole. Outro dever igualmente importante dos pais é o de manter os filhos em sua companhia exercendo vigilância sobre eles, não os deixando ao abandono; proporcionando-lhes educação que abrange o ensino básico ou elementar e outros níveis de conhecimento de acordo com as condições sócio-econômicas desses pais.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 229, dá relevância ao dever que têm os pais de assistir, criar e educar os filhos menores e ao dever que têm os filhos maiores de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Observamos que há uma reciprocidade alimentar como um direito à vida em qualquer idade, quer seja no sentido ascendente, quer seja no sentido descendente na linha reta de parentesco, uma vez que o parentesco em linha reta, não encontra qualquer limitação perante a lei.
Um dos temas mais expressivos do Direito Civil tem sido o que rege os direitos e deveres sobre o tema alimentos. Este tema, pela sua amplitude e importância para toda a sociedade, tem provocado inúmeros debates ao longo do tempo, entretanto, a questão relacionada à transmissibilidade da obrigação alimentar entre parentes tem sido alvo de maior controvérsia.
É comum o pedido de alimentos dos filhos em relação aos pais e também, dos pais em relação aos filhos, esta não tanto comum, neste sentido, nenhuma repercussão mais acentuada se verifica. Todavia, a situação se reverte e provoca sérios atritos quando os alimentos são reclamados entre os demais parentes. Por exemplo, quando da solicitação de alimentos de um irmão para outro, ou de um neto para os avós e vice-versa.
Isto porque nem sempre o parente mais remoto se curva ao entendimento prescrito na lei. Porque se considera que, de acordo com o senso do homo medius, a obrigação alimentar caberia tão somente aos pais em relação aos filhos.
Não obstante, do ponto de vista jurídico, a questão envolvendo a transmissibilidade da obrigação alimentar entre parentes também se encontra em latente debate entre os doutrinadores e operadores do Direito.
Em relação à admissibilidade do pedido de complementação da obrigação alimentar a doutrina é pacífica em admiti-lo, desde que observados os critérios referentes ao binômio necessidade-possibilidade que é da essência da obrigação alimentar.
Cabe ressaltar que a obrigação complementar segue também ao infinito em linha reta, isto é, em relação aos descentes e ascendentes, já os colaterais são limitados até o segundo grau, ou seja, entre irmãos (unilaterais ou bilaterais). No entanto, a complementação entre tios sobrinhos e primos causa celeuma entre os operadores do Direito.
Em relação à complementação da obrigação, podemos exemplificar, um filho que necessite de alimentos (incluindo medicação em função de doença crônica) cujo pai contribui com valores insuficientes, no limite das suas possibilidades, poderia pleitear alimentos ao seu avô para complementar a obrigação.
O Ordenamento Jurídico Brasileiro traz no conceito de transmissibilidade a transferência de coisas, direitos ou obrigações. A transmissibilidade da obrigação alimentar passa ser regra geral, com seu fundamento legal no art. 1.700 do Código Civil de 2002, não se aplicando somente aos cônjuges, como antes era o entendimento, mas também aos parentes e companheiros.
O Código Civil de 2002 em seu art. 1.700 inovou ao disciplinar a obrigação alimentar, pois, transformou a transmissibilidade da obrigação alimentar em regra geral. Seja em razão do parentesco, do casamento ou da união estável, o dever de prestar alimentos será transmitido aos herdeiros do devedor, o que poderá gerar situações inusitadas.
Pensemos na seguinte situação colocando como responsáveis perante a lei, os filhos havidos em um suposto segundo casamento de um alimentante que venha a falecer durante as segundas núpcias. Podemos perceber que de acordo com o art. 1.700 do Código Civil, aqueles estarão obrigados a continuar arcando com os alimentos convencionados pelo pai, agora falecido, aos seus irmãos unilaterais (filhos de um mesmo pai ou de uma mesma mãe), fruto do primeiro casamento do alimentante.
Não obstante, a transmissibilidade irrestrita da obrigação alimentar causa conflitos não apenas pelas situações inusitadas que se verificarão no dia a dia forense, mas também porque o art. 1.700 do Código Civil silencia quanto ao limite da transmissibilidade de tal obrigação.
Destarte, é de fundamental importância, um estudo que se proponha a analisar os limites para o exercício da transmissibilidade da obrigação alimentar. Tal discussão é recente, mas, devido sua relevância no Direito de Família, deve ser realizada visando estabelecer os limites de tal obrigação. Neste sentido, este trabalho considera como problema estabelecido para a pesquisa: Qual a limitação da transmissão da obrigação alimentar entre parentes?
Foi estabelecido como hipótese, amparado no Código Civil de 2002 em seu art. 1.700, que: "a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor na forma do art. 1.694". De conformidade com a "lógica do razoável", a obrigação alimentar será regida pelo princípio da transmissibilidade de alimentos já estabelecidos por decisão judicial ou convenção entre as partes.
O trabalho teve como objetivo demonstrar a transmissibilidade da obrigação alimentar, levando em conta a análise da relação existente entre a Constituição Federal e o Código Civil de 2002, quanto à possibilidade de transmissão da obrigação alimentar; a conceituação e as características básicas dos alimentos; a apresentação dos sujeitos da obrigação alimentar; a explicação dos pressupostos básicos da obrigação alimentar; a abrangência de regra da transmissibilidade dos alimentos já estabelecidos e dos em potencial; os limites da obrigação a ser transmitida; e a abrangência da obrigação alimentar complementar.
2. DOS ALIMENTOS
A família é a célula mater da sociedade e é a partir desta instituição que surge uma das modalidades de prestação dos alimentos, ou seja, a originada no Direito de Família. De outro lado, pretérita a análise da obrigação alimentar, mister faz-se abordar as origens da família.
De logo se percebe a importante influência da família para a constituição de uma sociedade. Assim, destacamos que:
A pessoa humana nasce inserida no seio familiar, a partir de onde modela as suas potencialidade para harmonizar a convivência em sociedade e alcançar a sua realização pessoal. (NERY JUNIOR, 2005 apud FARIAS, 2005, p.32).
Com relação à origem da instituição familiar, existem ainda divergências entre os antropólogos e sociólogos acerca das primeiras formas de famílias existentes. Os pesquisadores ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre a gênese da família, o que temos são teorias que buscam ou tentam esclarecer como se relacionavam os membros de uma família ao longo da história da evolução humana, como bem aporta o doutrinador a seguir:
Divergem os antropólogos e sociólogos acerca das primeiras formas de família existentes na humanidade. Isto porque se pode somente supor, imaginar, como seriam as relações familiares anteriores à formação da família existente no Direito Romano, sendo que os estudos sobre a família originária são bem mais de ordem sociológica e antropológica, do que jurídica. (KLEIN, 2001 apud WELTER, 2003, p.18).
Por conseqüência lógica, a conceituação de família também não apresenta uniformidade para sua efetiva compreensão. Trata-se de um paradoxo, pois não existe identidade entre os conceitos formados pela Sociologia, Antropologia e o Direito. Devemos ressaltar que, o Código Civil não traz explícito o conceito de família.
No contexto das transformações sofridas na família, observa Cristiano Chaves de Farias que:
Enfim, a idéia de família precisa ser construída a partir de valores vigentes em cada tempo e espaço, considerando as peculiaridades sociais e culturais, pois concretiza uma forma de viver os fatos básicos da vida. Com esse espírito, não se pode olvidar que a família está sempre se reinventando, se reconstruindo. Transforma-se a cada momento e espaço, naturalmente, renovando-se em face de sua própria estrutura cultural. (NERY JUNIOR, 2005 apud FARIAS, 2005, p.32).
No entanto, o Direito Civil moderno define família como a união de pessoas advindas de uma relação conjugal ou de parentesco. Em um conceito mais amplo, família é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, ou seja, unidas pelo vínculo de parentesco, de acordo com o seguinte:
Neste sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder. (VENOSA, 2004, p.16).
Sob o ponto de vista sociológico o conceito de família consiste, na integração de pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular (KLEIN, apud WELTER, 2003).
O Direito Romano é o marco para o estudo da família. Ele apresentou uma estrutura familiar, tornando-a uma unidade jurídica, econômica e religiosa fundada na autoridade soberana de um chefe.
Naquela época, a sociedade era fundamentalmente patriarcal, a mulher dedicava-se exclusivamente a realização dos afazeres domésticos, já que o marido era o administrador, ou seja, o chefe da família. Havia um abismo entre o homem e a mulher, pois a lei não conferia os mesmos direitos a ambos. Por forte influência religiosa, a família era a oriunda do vínculo matrimonial.
No Brasil, a partir do século XX, houve grandes mudanças, foram vencidas várias barreiras e o ponto culminante foi a Constituição Federal de 1988 que disciplinou as relações familiares advindas, por exemplo, de união estável, que apesar de existirem no caso concreto, não eram tuteladas pelo direito.
Como o advento da Carta Magna deixa de existir a distinção entre os filhos, a preponderância do varão na sociedade conjugal. Anterior à Constituição, a Lei nº 4121/62, eliminou a incapacidade relativa da mulher casada, inaugurando assim, a igualdade entre os cônjuges. Houve a quebra do patriarcalismo, já que não reside mais no ordenamento jurídico pátrio qualquer desigualdade entre os filhos e os direitos dos cônjuges ou companheiros equipararam-se. A igualdade entre os filhos, assim como nas relações entre casais foi elevada à condição de princípio normativo fundamental no direito de família.
A Constituição Federal consagrou a proteção à família no art. 226, tanto a família oriunda do casamento, quanto à oriunda da união de fato, a família natural e a família adotiva. Neste sentido a doutrina corrobora:
A família é afirmada como base da sociedade e tem especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos que a integram e criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não é só pelo casamento que se constitui a entidade familiar. Entende-se também como tal à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes e, para efeito de proteção do Estado, também, a união estável entre homem e mulher, cumprindo à lei facilitar sua conversão em casamento (cf. lei 9.278 de 10.5.96). Em qualquer desses casos, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente entre ambos, já consignado no art. 5º, I (art. 226), (SILVA, 2002, p.822).
Havia um grande clamor da sociedade para que fosse assegurado o reconhecimento da família, mesmo sem a existência de um casamento. Assim, reconhece-se a família constituída pela união estável (art. 226, § 3º, CF) e pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, denominadas família nuclear, pós-nuclear, monoparental ou socioafetiva (art. 226, §4º, CF).
A Carta Magna de 1988 no seu art. 227 expressa o dever da família de assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, ou seja, propiciar uma vida com dignidade. No art. 229 acrescenta que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores e que os filhos deverão amparar seus pais na velhice. No Código Civil de 2002, o art. 1.694 disciplina o pedido de alimentos entre os parentes.
A família é uma comunidade natural composta, em regra, de pais e filhos, aos quais a Constituição, agora, imputa direitos e deveres recíprocos nos termos do art. 229, pelo qual os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, havidos ou não da relação do casamento (art. 227, §6º), ao passo que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (SILVA, 2002, p.822-823).
Destarte, a obrigação alimentar incube aos genitores, a cada qual e a ambos conjuntamente, o dever de sustentar seus filhos, provendo o que for necessário para a manutenção e sobrevivência dos mesmos. Neste sentido "o pai deve propiciar ao filho não apenas os alimentos para o corpo, mas tudo o que for necessário" (CAHALI, 2002, p.523).
Segundo o magistério de Luiz Felipe Brasil Santos (2005), o Código Civil de 2002, a partir do art. 1.694, disciplina os alimentos devidos entre parentes, cônjuges e companheiros, com isso, encontra-se ab-rogada toda a legislação anterior que contém regras de direito material acerca dos alimentos (exceto a Lei nº 5.478/68, por ser lei processual). Logo, revogados estão, o Código Civil de 1916, a Lei nº 6.515/77 (em relação aos alimentos entre os cônjuges na separação e divórcio) e a Lei nº 278/96 (em relação aos alimentos entre os companheiros, é sabido que, neste particular, a Lei nº 8.971/94 já fora revogada pela Lei nº 9.278/96).
Destarte, todas as regras contidas no Subtítulo III (Dos Alimentos) do Código Civil inequivocamente incidem na obrigação alimentar qualquer que seja a sua origem, isto é, alimentos originados de relação de parentesco, matrimônio ou união estável. Assim, a garantia da prestação alimentar encontra-se expressa e assegurada na Constituição Federal e no Código Civil de 2002.
O instituto da obrigação alimentar é amplamente assegurado, pois se encontra diretamente ligado com a subsistência da espécie. A Constituição Pátria no seu art. 5º assegura a todos o direito à vida. No art. 227 reforça a garantia à vida como dever da família. Assim, o Estado e a família devem assegurar a prestação da obrigação alimentar haja vista sua importância vital para a preservação da vida, sobretudo vida com o mínimo de dignidade.
A relevância da dignidade da pessoa humana já decorre da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, das Nações Unidas, pela qual Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo (...), bem como da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica). Trata-se a dignidade da pessoa humana de uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, isto é, daqueles direitos que servem de fundamento e fim da atividade pública. Destarte, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana é o valor supremo da Constituição. Por fim, anota-se que explicitar-se-á em detalhe sobre a dignidade da pessoa humana, bem como sobre os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa no segundo texto referente a este conteúdo. (ALFLEN, 2005, p.4).
Sem alimentos não há vida. O ser humano representa, no reino animal, a espécie mais frágil, totalmente dependente dos cuidados de seus semelhantes no início de sua vida para que consiga, logo após o seu nascimento, sobreviver, e em seguida crescer e desenvolver-se de maneira saudável.
Todos os esforços dos pais devem ser orientados no sentido de fazer do filho por eles gerado um ser em condições de viver por si mesmo, de desenvolver-se e sobreviver sem o auxilio de terceiros, tornando à sua vez capaz de ter filhos, em condições de criá-los: "C’ est la loi de la perpétuation de l’ espèce".(CAHALI, 2002, p.524).
Diante da importância do instituto dos alimentos, Cahali (2002) identifica duas ordens de obrigações alimentares, distintas, dos pais para com os filhos: a) uma resultante do pátrio poder, consolidada na obrigação de sustento da prole durante a menoridade; b) e outra, de caráter geral, fora do pátrio poder e vinculada à relação de parentesco em linha reta.
O termo alimentos, em Direito, é uma referência explicita as prestações periódicas devidas à determinada pessoa, em dinheiro ou espécie, em virtude de ato ilícito, da manifestação de vontade ou em decorrência do Direito de Família, para prover a subsistência. Por exemplo, o atentado contra a vida de alguém, ensejará o pagamento de alimentos decorrente de ato ilícito, pois obriga o ofensor a reparar o dano causado ao ofendido e aos seus dependentes, prestando-lhe os alimentos que necessitam para sobreviver, conforme os art.s 949, II e 950 do Código Civil. Já os alimentos decorrentes da manifestação de vontade se exteriorizam em contratos ou em testamentos, como podemos verificar no legado de alimentos (art. 1.920, CC). Temos ainda, os alimentos decorrentes do Direito de Família, que abrange a obrigação alimentar oriunda do parentesco, do casamento e da união estável.
Cabe ressaltar, que todas as modalidades de alimentos enumeradas têm na lei a sua fonte mediata. Sem previsão legal, não há obrigação a ser imposta.
É relevante apresentar o entendimento de Rodrigues (2004, p.375) que:, "desde o instante em que o legislador deu ação ao alimentário para exigir o socorro, surgiu para o alimentante uma obrigação de caráter estritamente jurídico, e não apenas moral". Entendimento, também corroborado pelo eminente doutrinador Cahali (2002, p. 31):
Na linguagem romântica de Pelissier, como todos os homens são irmãos, cada um deve, segundo a lei natural, vir em auxilio do outro na sua miséria; mas esse dever de solidariedade é muito geral para ser consagrado pelo direito; assim sendo, não será senão em agrupamentos limitados, claramente definidos, que aquele dever de solidariedade dá direito a uma obrigação alimentar; o grupo mais restrito, aquele onde esta solidariedade é mais expressiva, é o agrupamento familiar; os membros de uma família são unidos por vínculos de afeição e de interesses particularmente fortes.
Neste estudo, o nosso interesse é unicamente os alimentos provenientes do Direito de Família, no entanto, mais especificamente, os alimentos entre os ascendentes, descendentes e colaterais decorrentes da Codificação Civil de 2002.
Em síntese, quando tratamos de alimentos, temos de um lado o direito de reclamá-los e por outro a obrigação de prestá-los. O que torna essencial a definição do referido instituto, merecendo igual importância, um breve estudo sobre a classificação doutrinária dos alimentos, como passaremos a abordar no próximo item.
2.2 Conceito e a classificação dos alimentos.
O Código Civil de 2002, no seu capítulo destinado aos alimentos (arts. 1.694 a 1.710), não definiu o referido instituto. No entanto, no art. 1.920 é possível detectar o conceito legal dos alimentos quando a lei refere-se ao legado: "O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor".
Logo, o conceito de alimentos, dentro da norma cogente, salvo melhor juízo, encontra-se não no Direito de Família, mas sim expresso no capítulo destinado ao Direito Sucessório, Cahali em seu notável estudo sobre alimentos, esclarece:
O ser humano, por natureza, é carente desde sua concepção; como tal, segue o seu fadário até o momento que lhe foi reservado como derradeiro; nessa dilação temporal-mais ou menos prolongada-, a sua dependência dos alimentos é uma constante, posta como condição de vida (CAHALI, 2002, p.15).
Assim, no seu significado simples: "alimentos" é tudo o que for necessário para a conservação da vida do ser humano (grifo nosso). Por outro lado, na linguagem jurídica, os alimentos possuem um significado mais amplo do que o sentido comum, pois compreende além da alimentação, outras necessidades dos seres humanos como a habitação, vestuário, assistência médica e as despesas com educação.
Neste contexto, alimentos são prestações periódicas fornecidas a determinada pessoa para suprir suas necessidades básicas e, como conseqüência, sua subsistência. De acordo com o magistério de Gomes (2002, p. 427):
Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão-somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada. Na primeira dimensão, os alimentos limitam-se ao necessarium vitae; na segunda, compreendem o necessarium personae. Os primeiros chamam-se alimentos naturais, os outros civis ou côngruos.
Continuando, ainda, sob o prisma da linguagem jurídica, Cahali (2002, p.16), esclarece que:
Ainda no plano jurídico, tanto em lei como na doutrina, tem-se atribuído à palavra "alimentos" uma acepção plúrima, para nela compreender não apenas a obrigação de prestá-los, como também os componentes da obrigação a ser prestada.
Verifica-se a partir da doutrina citada, que atualmente é pacífico que o conceito de alimentos não se refere apenas aos gêneros alimentícios capazes de proporcionar a subsistência orgânica da pessoa. Esse entendimento evidencia e destaca uma conotação muito mais ampla que deve ser dada ao instituto, abrangendo outras carências e necessidades igualmente relevantes como educação, lazer saúde, vestuário, transporte, e outras advindas da vida moderna, dependendo sempre da condição de vida do alimentado, e das possibilidades financeiras do alimentante, como também referenciado por Porto (2003, p. 39):
Hoje já não mais existe qualquer divergência quanto à conotação técnico-jurídica do conceito de alimentos, pois a doutrina de muito firmou o entendimento de que, em tal acepção, devemos considerar não só os alimentos necessários para o sustento, mas, também, os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no contexto social de cada um.
Com o Código Civil de 2002 em seu art. 1.964, §2º, foi introduzido ao lado dos alimentos necessários, o conceito de alimentos indispensáveis. Foi uma inovação, pois o Código de 1916 não apresentava esta distinção, segundo Silva (2003, p.1503):
Este artigo introduz em nosso direito, no §2º, ao lado dos alimentos necessários, o conceito de alimentos indispensáveis, devidos mesmo diante de culpa do credor, que permanece com o direito de ser alimentado. De grande valia é essa regra, porque, ao mesmo tempo em que atende ao princípio da solidariedade nas relações de parentesco, casamento e união estável, não deixa de reconhecer que em caso de culpa devem ser atendidas somente as necessidades básicas do alimentário, com a prestação do que é indispensável à sua subsistência.
Daí o entendimento de que, somente, serão devidos os alimentos naturais ao cônjuge ou convivente culpado; aos inocentes e aos demais parentes, serão devidos os alimentos naturais e civis. Essa mudança legislativa transfere aos parentes o encargo alimentar em qualquer situação como relata Diniz (2005, p. 536):
Há uma tendência moderna de impor ao Estado o dever de socorrer os necessitados, através de sua política assistencial e previdenciária, mas, com o objetivo de aliviar-se desse encargo, o Estado o transfere, mediante lei, aos parentes daqueles que precisam de meios para sobreviver, pois os laços que unem membros de uma mesma família impõem esse dever moral e jurídico.
Logo, segundo a doutrina majoritária, os alimentos também são classificados em: a) alimentos naturais ou necessários, isto é, os necessarium vitae; e b) alimentos civis ou côngruos, isto é, os necessarium personae, sendo entendido por Dias (2005, p. 449), como "o alargamento do conceito de alimentos levou a doutrina a distinguir alimentos civis e naturais".
Os alimentos naturais ou necessários são apenas os estritamente necessários para a subsistência. Há um entendimento doutrinário uníssono sobre o que exatamente compreende os alimentos naturais, também relatado por Assis (2001, p.99-100) como:
Os alimentos naturais compreendem as notas mínimas da obrigação: alimentação, cura, vestuário e habitação; equivalem a necessidades básicas do ser humano. Eles se situam, portanto, nos limites do necessarium vitae.
Já os alimentos civis ou côngruos contemplam o rol das demais necessidades, como amplamente demonstrado pela doutrina:
Os alimentos civis, também chamados côngruos, englobam, além desse conteúdo estrito, o atendimento a necessidades morais e intelectuais do ser humano, objetivamente considerando, e por isso se dizem necessarium personae. Em outras palavras, os alimentos civis se taxam segundo os haveres do alimentante e a qualidade de situação do alimentado. (ASSIS, 2001, p. 99-100).
Assim, de acordo com os ensinamentos de Yussef Said Cahali, os alimentos, quanto à natureza, dividem-se em naturais e civis. O eminente doutrinador enfatiza que:
Quando se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz-se que são alimentos naturais; todavia, se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se que são alimentos civis. (CAHALI, 2002, p.18).
Na prática, esclarecemos que a divisão dos alimentos em civis e naturais é amplamente utilizada pela jurisprudência:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS PLEITEADOS POR FILHO MAIOR. Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Ao que consta dos autos, não foi o apelante culpado pela causa da sua diminuição da visão, devendo os alimentos fixados abranger não só os alimentos naturais (subsistência), mas também os alimentos civis (lazer, cultura, estudos, etc.). Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 70008851842, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Carlos Stangler Pereira, Julgado em 01/07/2004).
EMENTA: ALIMENTOS. FILHA MAIOR, CAPAZ, COM FORMAÇÃO SUPERIOR E APTA AO TRABALHO. O pai não tem obrigação de prestar alimentos para a filha maior, capaz, com formação superior e apta ao trabalho pois os alimentos podem ser convenientes para ela mas não necessários ao sou sustento. Os alimentos para os filhos maiores são devidos apenas na situação excepcional de necessidade, que não se confunde com conveniência, acomodação ou vontade de não trabalhar. Recurso provido. (Embargos Infringentes Nº 70007690514, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 12/03/2004).
EMENTA: PRISÃO CIVIL - Alimentante - Pena de prisão pelo não pagamento dos alimentos - Casal que não possui filhos - Hipótese em que os alimentos que são objeto da ação são civis, não estando em questão maior a sobrevivência da credora rica que exerce trabalho de destacado status - Ademais, somente os alimentos naturais permitem a prisão por dívida, eis que ameaçam a permanência íntegra do alimentando - Ordem concedida. (Relator: Fonseca Tavares - Habeas Corpus 147.842-1 - São Paulo - 10.04.91)
EMENTA: ALIMENTOS - Fixação - Valor destinado a exercer as funções dos chamados alimentos "naturais" e "civis" - Direito da filha a participar do padrão socioeconômico do pai - Verba bem estimada segundo os recursos e o nível de vida paternos. Os alimentos não compreendem apenas o mínimo indispensável à subsistência da vida fisiológica, senão que, quando o permitam os recursos do obrigado, devem, ultrapassando a taxa mínima, concorrer para a manutenção ou elevação do padrão de vida sociológica, segundo a clássica distinção entre alimentos naturais e civis. (Apelação Cível n. 228.389-4/1 - Campinas - 2ª Câmara de Direito Privado - Relator: Cezar Peluso - 14.05.02 - V.U.).
No caso de culpa do alimentando, esclarece Dias (2005, p. 450) que:
A diferenciação entre alimentos civis e naturais foi adotada pelo Código Civil com nítido caráter punitivo. Parentes, cônjuges e companheiros podem pedir alimentos uns aos outros para viver de modo compatível com a condição social, inclusive para atender às necessidades de educação (1.694). Todos os beneficiários - filhos, pais, parentes, cônjuges e companheiros - têm assegurada a mantença do padrão de vida que sempre desfrutaram. Merecem alimentos civis, independente da origem da obrigação. No entanto, limita a lei o valor dos alimentos sempre que é detectada culpa do alimentando (1.694 §2º e 1.704). Quem, culposamente, dá origem à obrigação, faz jus a alimentos naturais, isto é, percebe somente o que basta para manter a própria subsistência. Entretanto, mesmo quando são limitados os alimentos ao indispensável à sobrevivência, as necessidades educacionais não podem ser excluídas, assim como um mínimo razoável ao lazer e ao atendimento das necessidades intelectuais.
Quanto à modalidade da prestação, segundo Cahali (2002), os alimentos classificam-se em: a) próprios, quando o cumprimento da obrigação tem como conteúdo o fornecimento do que é diretamente necessário à manutenção do alimentando, por exemplo, o fornecimento de gêneros alimentícios, isto é, oferecer arroz, feijão, leite, e medicamentos, etc.; e b) impróprios quando tem como conteúdo a prestação financeira e os meios idôneos à aquisição de bens correspondentes ao atendimento de todas as necessidades do alimentando, em outras palavras, o fornecimento em dinheiro para a devida aquisição de gêneros alimentícios e para o pagamentos das demais despesas.
De acordo com a finalidade, Diniz (2005) apresenta o entendimento de que os alimentos são classificados em: a) definitivos, que são os de caráter permanente, fixados por sentença homologatória de acordo ou condenatória com o trânsito em julgado sob o aspecto formal, devendo ser observado o que preceitua o art. 1.699 do Código Civil; b) provisórios, são os concedidos a título precário, mediante prova de parentesco ou da obrigação alimentar do devedor. São concedidos em caráter imediato, para atender a uma necessidade premente do alimentando; e c) provisionais, são os previstos no art. 1.706, CC, são os que a parte pede liminarmente em cautelares para o seu sustento e para os gastos processuais, enquanto durar a demanda. Cabem nas ações de investigação de paternidade julgadas procedentes e enquanto não transitarem em julgado, quando se tornarão definitivos.
Segundo ensina Yussef Said Cahali, os alimentos quanto à finalidade, classificam-se em provisionais e regulares:
Dizem-se provisionais, provisórios ou in litem os alimentos que, precedendo ou concomitantemente à ação de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação de casamento, ou ainda à própria ação de alimentos, são concedidos para a manutenção do suplicante, ou deste e de sua prole, na pendência do processo, compreendendo também o necessário para cobrir as despesas da lide.
Dizem-se regulares, ou definitivos, aqueles estabelecidos pelo juiz ou mediante acordo das próprias partes, com prestações periódicas, de caráter permanente, ainda que sujeitos a eventual revisão. (CAHALI, 2002, p.27).
E finalmente, consoante o entendimento majoritário da doutrina, os alimentos classificam-se quanto ao momento da prestação em atuais ou futuros: a) atuais, são os postulados a partir do ajuizamento da ação. E o pedido já está instruído com prova pré-constituída do pressuposto de direito (certidão de nascimento) e b) futuros, os que decorrerão da respectiva sentença. De acordo com a Súmula 277 do STJ, publicada no DJU de 16/06/2003, "Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação". Sobre os alimentos atuais e futuros, Monteiro (2004, p. 374) esclarece que:
Os alimentos objetivam a satisfação de necessidades atuais ou futuras e não as passadas. Têm eles finalidade prática, a subsistência da pessoa alimentada. Se esta, bem ou mal, logrou sobreviver sem recorrer ao auxílio do alimentante, não pode pretender, desde que resolveu a impetrá-lo, se lhe concedam alimentos relativos ao passado, já definitivamente transposto. A pensão alimentícia, em hipótese alguma, poderá ser subministrada para período anterior à propositura da ação, não se atendendo, portanto, às necessidades passadas. Alimentos são devidos ad futurum, não ad praeteritum. Alimentos atrasados só são devidos se fundados em convenção, testamento ou ato ilícito, quer dizer, por título estranho ao direito de família. É o que estabelece o art. 13, §2º, da Lei nº 5.478/68: os alimentos retroagem à data da citação.
Podemos concluir, que de acordo com o conceito de alimentos, devemos considerar não só os alimentos necessários para o sustento, mas, também, os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no contexto social de cada um.
É importante, também, levar em conta que, no âmbito das relações no Direito de Família, os alimentos são devidos em virtude de parentesco e pelo dever de solidariedade. O referido instituto apresenta classificações segundo diversos critérios.
A característica fundamental dos alimentos é a de ser um direito personalíssimo, ou seja, sua titularidade é própria, com isso, não passa a outrem. Por conseguinte, é justamente em razão dessa característica, que se originam as demais características, as quais analisaremos com maiores detalhes no item a seguir.
2.3 Características da obrigação alimentar.
O parentesco consiste no vínculo existente entre uma pessoa e o tronco ancestral em comum. Observando-se a relação de ascendência e descendência entre os parentes, teremos o que chamamos de parentesco em linha reta. Sem essa relação, mas levando em conta a ancestralidade comum, teremos o parentesco de linha colateral como demonstrado na Figura 1.
[01].A obrigação alimentar, possui características próprias, quer seja proveniente do casamento, união estável ou originada pelo vínculo de parentesco. As características da obrigação de alimentos, oriundas do parentesco, segundo a doutrina majoritária, são as seguintes: direito personalíssimo, irrenunciabillidade, alternatividade, reciprocidade, impenhorabilidade, irrepetibilidade, imprescritibilidade e transmissibilidade (grifo nosso). Não obstante, outras características serem apresentadas pela doutrina, neste estudo nos reportaremos apenas às já referenciadas, pois a doutrina majoritária [02] apresenta a seguinte classificação:
a) Direito Personalíssimo
É a característica basilar do direito a alimentos, é a partir dela que decorrem todas as demais características. Como ensina Cahali (2002, p. 49) "a característica fundamental do direito de alimentos é representada pelo fato de tratar-se de direito personalíssimo".
É direito personalíssimo, pois visa assegurar a subsistência do ser humano. De acordo com Gomes (2002, p. 431) :
É direito pessoal no sentido de que a sua titularidade não passa a outrem por negócio ou por outro fato jurídico. Consideram-no direito personalíssimo, como uma das manifestações do direito à vida, vale dizer, um direito que se destina a tutelar a própria integridade física do indivíduo.
Nesse sentido, merece destaque os ensinamentos de Maria Berenice Dias, quando esclarece a respeito do direito personalíssimo na obrigação alimentar:
O direito a alimentos não pode ser transferido a outrem, na medida em que visa a preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver. Como decorrência direta de seu caráter personalíssimo, trata-se de direito que não pode (1.707): a) ser cedido. O credito alimentar não se sujeita a b) compensação, qualquer que seja a natureza da dívida que venha a lhe ser oposta. A pensão alimentar é c) impenhorável, uma vez que garante a subsistência do alimentado. Tratando-se de direito que se destina a prover o sustento de pessoa que não dispõe, por seus próprios meios, de recursos para sobreviver, inadmissível que credores privem o alimentado dos recursos de que necessita. (DIAS, 2005, p.450-451).
O entendimento doutrinário é pacífico de que a obrigação alimentar caracteriza-se como um direito personalíssimo.
b) Irrenunciabillidade
É irrenunciável o direito aos alimentos decorrentes de parentesco (jus sanguinis). De acordo como o Código Civil no seu art. 1.707 "Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora".
Cabe ressaltar, que o direito aos alimentos sempre foi irrenunciável entre os parentes, com fulcro no art. 404 do Código Civil de 1916. Desse modo, segundo o entendimento de Gomes (2002, p.432):
O que ninguém pode fazer é renunciar a alimentos futuros, a que faça jus, obrigando-se a não reclamá-los, mas aos alimentos devidos e não prestados, o alimentando pode fazê-lo, pois lhe é permitido expressamente deixar de exercer o direito. A renuncia posterior é, portanto, válida.
O cerne da questão é que o encargo alimentar é de ordem pública, ou seja, o interesse público predomina sobre o particular com o escopo de preservar a vida. Assim, é pertinente observarmos o entendimento de Monteiro (2004, p.372) sobre este tema:
Consoante lição de Laurent, o encargo alimentar é de ordem pública, imposto pelo legislador por motivo de humanidade e piedade. Por isso mesmo, não pode ser renunciado. Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos. O que se pode renunciar é a faculdade de exercício, não a de gozo. Não é válida, portanto, declaração segundo a qual um filho vem a desistir de pleitear alimentos contra o pai. Embora necessitado, pode ele deixar de pedir alimentos, mas não se admite que renuncie a tal direito.
Logo, não há a possibilidade de renunciar o direito a alimentos. E mesmo que sejam renunciados, os credores poderão pleiteá-los em outro momento, se houver necessidades deles para a sua subsistência.
c) Alternatividade
Como regra geral, os alimentos são fornecidos em dinheiro. Não obstante, serem prestados in natura, com a concessão de hospedagem e sustento de acordo com o art. 1.701 do Código Civil. Portanto, trata-se de uma faculdade a maneira de cumprir a prestação de obrigação alimentar.
No entanto, não é considerado um direito absoluto do devedor a escolha para o cumprimento da obrigação, diante do parágrafo único do artigo supra, onde é expresso que o juiz pode determinar outra forma do cumprimento da prestação, como referenciado por Monteiro (2004, p.375):
Se existe, por exemplo, situação de incompatibilidade entre alimentante e alimentado, não pode o juiz constranger o segundo a coabitar com o primeiro sob o mesmo teto. Tal convivência contribuiria certamente para recrudescimento da incompatibilidade, convertendo-se em fonte de novos atritos.
Destarte, a forma de pagamento da prestação alimentícia poderá ser convencionada pelas partes ou por decisão judicial, observando-se sempre a razoabilidade da forma de cumprimento da obrigação.
d) Reciprocidade
De acordo com os arts. 1.694 e 1.696 do Código Civil o direito à prestação de alimentos é recíproco entre os parentes, sendo considerados pertinentes os ensinamentos do eminente doutrinador Luiz Felipe Brasil Santos (2004, p.220):
A obrigação alimentar, pela ordem, fica limitada, em primeiro lugar, aos ascendentes, depois aos descendentes e, por fim, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (art. 1.697). Observe-se que na linha reta, seja ascendente ou descendente, não há limitação de grau, ao passo que na colateral resta limitada ao grau mais próximo (irmão). Em cada linha, sempre os mais próximos em grau devem ser chamados em primeiro lugar, sendo a obrigação alimentar dos parentes mais remotos subsidiária e complementar. Isto é, vem depois da dos mais próximos e limita-se a complementar o valor que por estes possa ser prestado.
No entanto, a reciprocidade não significa que o direito que tem uma das partes seja como conseqüência lógica, causa do direito da outra parte. Como esclarece Cahali (2002, p.130), "à evidência, reciprocidade não significa que duas pessoas devam entre si alimentos ao mesmo tempo, mas apenas que o devedor alimentar de hoje pode tornar-se credor alimentar no futuro".
No mesmo sentido dispõe a Desembargadora Maria Berenice Dias (2005, p.451) que:
O credor alimentar de hoje pode vir, em momento futuro, a tornar-se devedor, e vice-versa. A reciprocidade tem fundamento no dever de solidariedade. Com relação aos alimentos decorrentes do poder familiar, não há que se falar em reciprocidade (CF 229). No momento em que os filhos atingem a maioridade, cessa o poder familiar e surge, entre pais e filhos, a obrigação alimentar recíproca em decorrência do vínculo de parentesco.
Por conseguinte, podemos afirmar a existência de reciprocidade da obrigação de prestar alimentos porque o credor poderá tornar-se devedor, ou seja, a situação poderá ser invertida se houver necessidade de um ou de outro de acordo com o caso concreto, é assim, pois no Direito de Família há a possibilidade da reciprocidade do pedido entre os parentes.
e) Impenhorabilidade
A impenhorabilidade é um dos reflexos do direito personalíssimo. A prestação alimentícia visa manter a subsistência do alimentando que não pode prover suas necessidades. Assim, seria inadmissível serem penhoradas às referidas prestações, como considera Gomes (2002, p. 432-433):
A impenhorabilidade do crédito alimentar decorre do fundamento e da finalidade do instituto. Seria absurdo admitir que os credores pudessem privar o alimentando do que é estritamente necessário à sua mantença. Pretende-se que a proteção legal não se estenda à totalidade do crédito, no pressuposto de que, prestados alimentos civis, há sempre uma parte que não corresponde ao necessarium vitae, mas a dissolução é inadmissível. Os alimentos são impenhoráveis no estado de crédito, a impenhorabilidade não acompanhando os bens que forem convertidos. A penhora pode recair na soma de alimentos provenientes do recebimento de prestações atrasadas. Não há regras que disciplinem especificamente tais situações, mas o juiz deve orientar-se pelo princípio de que a impenhorabilidade é garantia instituída em função da finalidade do instituto.
Logo, como o fundamento basilar do instituto visa garantir a subsistência, não há que ser falar em penhora das prestações alimentícias, com o devido fundamento legal no art. 1.707 do Código Civil de 2002.
Em outras palavras, o que se deseja proteger é a vida de uma pessoa, sua alimentação, saúde, educação, habitação, enfim todas as sua necessidades básicas para viver com dignidade. Destacamos que, o crédito alimentar é impenhorável, no entanto, a impenhorabilidade não atinge os frutos.
f) Irrepetibilidade
A obrigação alimentar é irrepetível, isto é, uma vez prestados, os alimentos são irrepetíveis, quer sejam alimentos provisionais ou os definitivos. A natureza do instituto justifica a inteira impossibilidade de restituição.
Por conseguinte, observemos o entendimento de Dias, onde destaca o seguinte:
A própria natureza dos alimentos justifica, por si só, a impossibilidade de serem restituídos. Por isso, a alteração, para menor, do valor da pensão não dispõe de efeito retroativo. Passa a vigorar tão-somente com referência aos valores vincendos. Admite-se a devolução quando houver má-fé ou postura maliciosa do credor. Em nome da irrepetibilidade, não se pode dar ensejo ao enriquecimento injustificado. É o que se vem chamando de relatividade da não-restituição. Soa sobremaneira injusto não restituir alimentos claramente indevidos, em notória infração ao princípio do não-enriquecimento sem causa. (MADALENO, 1999 apud DIAS, 2005, p.452).
No mesmo sentido temos o magistério de Bittencourt que faz as seguintes advertências:
Moura Bittencourt adverte que a regra da irrestituibilidade deve ser entendida em termos, "pois o que não se admite é a restituição de prestações fundadas no fato de vir o alimentando a obter recursos com que possa devolver o que recebeu. Também não cabe restituição do que foi pago a título provisório, durante a demanda a final julgada improcedente, mas admite-se que os alimentos provisionais possam ser computados na partilha em ação de desquite, se a mulher for vencida, o que é uma forma de restituição (RT 309/281)". (BITTENCOURT, 1979 apud CAHALI, 2002, p.128).
Todavia, Arnoldo Wald entende ser cabível a restituição dos alimentos no seguinte caso:
Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentando, utilizando-se dos alimentos, não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos, pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente deveria fornecê-los. (WALD, 2002, p.47).
Compartilha do mesmo entendimento Venosa (2004, p.393), o qual pondera que: "nos caso patológicos, com pagamentos feitos com evidente erro quanto à pessoa, por exemplo, é evidente que o solvens terá direito à restituição".
Porém, Yussef Cahali entende ser irrepetível também nos caso referidos:
Mesmo recebidos por erro na forma assim pretendida, não caberia a restituição pelo alimentário, eis que faltou o pressuposto do enriquecimento sem causa; e quanto à pretendida sub-rogação do terceiro prestante em erro, no direito do alimentário contra o obrigado, a tese apresenta-se discutível. (CAHALI, 2002, p.128).
Também neste sentido a jurisprudência de nossos tribunais:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS. FIXAÇÃO DE PENSIONAMENTO PROVISÓRIO. DESCABIMENTO. É descabida, no momento, a fixação de alimentos provisórios em favor do investigante. Não há verossimilhança na alegada paternidade, porquanto tudo que se sabe até agora é que o agravante manteve relações sexuais com a genitora do investigante, mas em período não esclarecido. Ademais, considerando a irrepetibilidade dos alimentos, a inexistência de qualquer elemento concreto acerca das possibilidades financeiras do investigado e o risco de prejuízo irreparável à sua família e filhos, o mais adequado é revogar os alimentos provisórios. DERAM PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento nº 70006647747, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 11/09/2003).
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ALIMENTOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. DEPÓSITO JUDICIAL DOS ALIMENTOS VENCIDOS. SAQUE DA INTEGRALIDADE DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONTRACAUTELA. 1. Em se tratando de execução provisória, não se defere o saque da integralidade dos valores depositados judicialmente para garantir a execução, pois os alimentos mensais estão sendo devidamente pagos e não houve prestação de caução. Ademais, concedendo-se o pedido, eventual decisão da Corte Superior, afastando o dever alimentar, seria inócua em razão da irrepetibilidade dos alimentos, o que configuraria a transformação em definitiva de execução que não o é. 2. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 70004691911, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 11/03/2003).
Embora alguns doutrinadores defendam, em determinados casos, a restituição dos alimentos, a doutrina e jurisprudência majoritárias defendem a irrepetibilidade dos alimentos.
g) Imprescritibilidade
O direito aos alimentos é imprescritível, isto é, estando configuradas as condições, o credor terá legitimidade para pleitear os alimentos a qualquer tempo. No entanto, se já houver obrigação estabelecida anteriormente e com prestações vencidas, estas serão suscetíveis de prescrição.
É pacífico que os alimentos são imprescritíveis, porém se faz necessário determinar o alcance da imprescritibilidade, conforme ensina Gomes (2002, p. 432):
Há que distinguir três situações: 1ª) aquela em que ainda não se conjuminaram os pressupostos objetivos, como, por exemplo, se a pessoa obrigada a prestar os alimentos não está em condições de ministrá-los; 2ª) aquela em que tais pressupostos existem, mas o direito não é exercido pela pessoa que faz jus aos alimentos; 3ª) aquela em que o alimentando interrompe o recebimento das prestações, deixando de exigir do obrigado à dívida a cujo pagamento está este adstrito. Na primeira situação, não há cogitar de prescrição, porque o direito ainda não existe. Na segunda, sim. Consubstanciado pela existência de todos os seus pressupostos, seu exercício não se tranca pelo decurso do tempo. Diz-se, por isso, que é imprescritível. Na terceira, admite-se a prescrição, mas não do direito em si, e sim das prestações vencidas. É compreensível e desejável que o prazo prescricional seja curto pela presunção de que se o alimentando deixa de receber por algum tempo as prestações alimentares é porque não estava realmente necessitado.
Em suma, o direito a alimentos é imprescritível, pois o alimentando poderá necessitar do seu recebimento em qualquer momento de sua vida. Mas, uma vez fixados judicialmente, terá inicio o lapso prescricional. O Código Civil de 2002, no art. 206, § 2º estabelece que a prescrição é bienal.
h) Transmissibilidade
A transmissibilidade da obrigação alimentar apresenta-se como uma das inovações do Código Civil de 2002, terminado com uma grande controvérsia sobre a transmissibilidade da obrigação (ALDROVANDI, 2004).
Destarte, a transmissibilidade da obrigação alimentar passa a ser a regra geral. De acordo com o art.1.700 que prevê "a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art.1.694".
De acordo com Luiz Felipe Brasil Santos, não restam dúvidas sobre ser transmissível à obrigação alimentar:
A partir dessa nova disposição do art. 1.700, dúvida não há no sentido de que a transmissibilidade passou a ser característica tanto da obrigação oriunda do parentesco como daquela proveniente do casamento ou da união estável. Isso porque a regra insere-se agora no Subtítulo III, que cuida dos alimentos entre parentes, cônjuges ou companheiros. (SANTOS, 2004 p.221).
Assim, tal regra deverá ser aplicada aos cônjuges, parentes e companheiros. Em capítulo próprio será analisada a transmissibilidade da obrigação alimentar entre parentes, haja vista ser um aspecto fundamental deste trabalho. No capítulo seguinte apresentamos o papel dos parentes nessa discussão e suas responsabilidades ou obrigações no fornecimento de alimentos.