Resumo: Por meio deste artigo, analisaremos a representação da figura feminina e a ressignificação do seu papel no ambiente laboral, para essa contextualização histórica da mulher e reflexão de transformação social tomaremos como referência o estereótipo das princesas através do lúdico estabelecido nos contos de fadas, restabelecendo a discussão sobre igualdades e especificidades de gênero através de critérios biológicos e socioculturais arraigados que nos conduz a reanálise da realidade social de (des)valorização da mulher que a desiguala em requisitos concessórios de benefícios e serviços previdenciários.
Palavras-chave: feminismo, pluralismo, democracia, (des)valorização laboral, transformação social X princesas dos Contos de Fadas, ‘feminização’ da velhice.
Sumário: Introdução; 1. Contextualização Histórica X Transformação Social através das Princesas dos Contos de Fadas; 1.1 as princesas clássicas; 1.2 princesas rebeldes; e 1.3 princesas contemporâneas; 2. A (Des)Valorização Laboral da Mulher; 3. Critérios de Reanálise Social; 3.1 Diferenças Biológicas; 3.2 Diferenças Socioculturais; 3.2.1 Mercado de Trabalho; 3.2.2 Estrutura Familiar; 3.2.3 Nível de Instrução; Considerações Finais; Referência Bibliográfica, Filmografia.
Introdução
Fui desafiada a escrever nesse artigo sobre “Feminismo, Pluralismo e Democracia”, e para tanto foi necessário realizar um revisionismo histórico, para que a reinterpretação do papel feminino através dos contos de fadas protagonizados pelas princesas nos livrasse da reprodução culturalmente impregnada em nossa sociedade do personagem mulher.
Feminismo abrangendo a atitude reivindicativa dos direitos da mulher na sociedade, em particular no que se refere à igualdade econômica e política do homem.
O desafio maior foi desmistificar a mulher no sentido lato de fêmea do homem, gênero, para introduzi-la no contexto democrático de ser humano, sem o estigma que lhe foi imposto de desvalorização, mas no empoderamento de poder ser o que ela deseja, sem perder a feminilidade; sem abrir mão da maternidade e/ou da sexualidade; sem perder a importância no núcleo da célula familiar; sem arquejar pelo pecado de Adão que lhe foi imputado como culpa e ter que trabalhar e ter direitos a menos e deveres a mais.
Para melhor delimitar o trabalho vamos fazer uso dos contos de fadas, mas apenas das protagonistas que nasceram ou se tornaram princesas pelo casamento, pois até 1962, as mulheres casadas só podiam trabalhar fora de casa se o marido permitisse limitação essa imposta pelo Código Civil de 1916, o que evidencia que por séculos as mulheres sofreram diversas restrições por não ter os mesmos direitos civis, políticos e educacionais dos homens.
Essa postura das sociedades primitivas sobre o papel da mulher refletiu nas relações de empregabilidade e atuação política, e reforçou ideologias preconceituosas, que ainda nos colocam em patamares diferentes dos homens, e resta cediço que a igualdade ainda não prevalece da forma desejada em nossa Carta Magna, especialmente, quando pensamos em remuneração de trabalho, oportunidades de empregos, entre outros.
1. Contextualização Histórica X Transformação Social através das Princesas dos Contos de Fadas.
Neste trabalho, objetivamos analisar o papel feminino através dos contos de fadas protagonizados pelas princesas, analisando, especificamente a contextualização histórica presente nestas produções cinematográficas e como se dá a construção da figura feminina, bem como, as transformações da sua posição na sociedade. Esse processo se divide em três partes principais, as princesas clássicas; princesas rebeldes; e princesas contemporâneas.
No início do século XVIII a vida da mulher era assinalada por aspectos que a conformava como um ser submisso ao lado de um homem provedor, nos ‘padrões’ comportamentais instituídos pela sociedade, onde exerciam papéis sociais bem definidos, eis aqui o conceito de gênero, que privilegia avaliação de processos de diferenciações biológicas, e socioculturais. E apesar dessa rigidez na demarcação dos papéis, pode-se observar através das princesas que no decorrer dos períodos os contos de fadas, propõem sinais de uma transição do papel da mulher no meio social.
Assim sucede na transição das princesas clássicas para as rebeldes, evidenciando e porque não ratificando o advento da industrialização e a expansão capitalista que levam a mulher, responsável pelos afazeres domésticos para o chão das fábricas, e ao fazer parte do mercado de trabalho, gradativamente passa a assumir funções secundárias, e em decorrência ela adota uma atitude diferente na sociedade, renunciando a aceitação de estereótipos, condicionamentos e diferenças nas relações de poder, que permeiam a convivência de homens e mulheres nos mais diversos espaços, e demonstram enraizados padrões comportamentais estabelecidos outrora da marca do sexo frágil, como diferenças salariais, baixo empoderamento, violência doméstica/feminicídio, entre outras situações ainda bem evidentes na sociedade contemporânea.
1.1. As Princesas Clássicas
Ao longo da história ocidental sempre houve mulheres que se rebelaram contra sua condição, que lutaram por liberdade e muitas vezes pagaram com suas próprias vidas. A Inquisição da Igreja Católica foi implacável com qualquer mulher que desafiasse os princípios por ela pregados como dogmas insofismáveis.
O período que antecede as princesas clássicas evidencia uma época marcada pela luta mundial dos movimentos feministas, como a Marcha das Mulheres do Mercado (1789) em Versalhes; a Luta das Trabalhadoras Fabris (1857) em Nova York; e diversos outros, que tinham como objetivo a luta pela igualdade de gêneros, visando ampliar o espaço para a atuação da mulher na sociedade.
A chamada primeira onda do feminismo aconteceu a partir das últimas décadas do século XIX, o direito ao voto foi conquistado no Reino Unido em 1918, e no Brasil, a primeira com a promulgação do Código Eleitoral Brasileiro, de 1932, que impulsionou o governo de Getúlio Vargas a regulamentar em 1934 o pleito de ampla cidadania, e é precedido do golpe do Estado Novo de 1937, que vem para abolir as liberdades democráticas e abortar as organizações políticas e sociais do país.
Esses acontecimentos motivam a contextualização histórica das princesas clássicas que são compostas por Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959), dos contos de fada refletiam o espaço limitado da mulher na sociedade ocidental. Branca e Aurora são princesas de berço, e Cinderela tornou-se princesa pelo casamento.
Branca de Neve é um conto de fadas originário da tradição oral alemã, que foi compilado pelos Irmãos Grimm e publicado entre os anos de 1812 e 1822, num livro com várias outras fábulas, intitulado "Contos de Fada para Crianças e Adultos2”, certo é que as versões populares têm constantemente modernizado a história, adicionando elementos e, muitas vezes, atenuando os pormenores mais intrigantes, de acordo com as exigências sociais e os valores de cada época, este conto antecede a Segunda-Guerra mundial.
A protagonista é uma princesa solitária que vive com sua malvada madrasta, uma Rainha vaidosa e ciumenta, que teme que a beleza de Branca de Neve supere a sua própria, obrigando-a trabalhar como criada, e pergunta diariamente ao Espelho Mágico: ''Espelho, Espelho Meu, existe alguém mais bela do que eu?'', durante anos a resposta é que não havia ninguém mais bela que a Rainha, até que um dia, o Espelho diz que Branca de Neve é a mais bela de todas.
A Rainha irritada ordena que o Caçador mate Branca de Neve, e como prova da morte traga o coração de numa caixa de joias. No entanto, ele não consegue matá-la, e implora pelo seu perdão, deixando Branca de Neve fugir para a floresta.
A princesa é socorrida por bondosos animais da floresta que a conduzem para uma casa de campo no fundo da floresta, e ao entrar, encontra sete cadeiras pequenas na sala de jantar da casa, e conclui que a casa é desarrumada porque é habitada por sete crianças órfãs, quando na verdade, a casa é habitada por sete anões adultos: Mestre, Zangado, Feliz, Soneca, Dengoso, Atchim (Espirro) e Dunga, que trabalham em sua própria mina.
Os anões ao retornarem para casa ficam surpresos ao encontra-la limpa e concluem que alguém a invadiu e eles concorda em deixa-la ficar, ao saber que ela cozinha e limpa perfeitamente, e que Ela vai cuidar da casa enquanto eles vão trabalhar durante o dia na mina de joias. À noite, todos cantam, dançam e tocam música.
Mais tarde, a Rainha descobre que Branca de Neve ainda está viva ao perguntar ao Espelho Mágico quem é a mais bela de todas, e ele ainda afirmar ser a Branca de Neve.
O Espelho também revela que o coração na caixa dada pelo Caçador é de um porco. Usando uma poção que transforma a si mesma numa velha mendiga, a Rainha cria uma maçã envenenada que coloca a pessoa que a morde num "Sono da Morte", uma maldição que só pode ser quebrada por um "Beijo de Amor Verdadeiro", mas descarta esta possibilidade, acreditando que Branca de Neve será enterrada viva. A Rainha vai para a casa de campo, enquanto os anões estão fora; os animais que estavam vigiando correm para encontrar os anões. A Rainha engana Branca de Neve, que morde a maçã envenenada. Os anões voltam para a casa de campo e encontram-na morta. Recusando-se a enterrá-la, eles a colocam em um caixão de vidro adornado em ouro numa clareira da floresta, juntamente com as criaturas da floresta, e permanecem em luto, até que um príncipe, que tinha conhecido e se apaixonado por Branca de Neve, descobre seu sono eterno e visita seu caixão, e triste com sua morte aparente, ele a beija, o que quebra o feitiço e acorda Branca de Neve. Todos os anões e animais se alegram enquanto o Príncipe leva Branca de Neve para o seu castelo.
Assim, Branca de Neve evidencia sua representatividade como a mulher ideal para a sociedade patriarcal da época. Além dos atributos físicos e morais, a princesa demonstra prazer pelos afazeres domésticos, e a busca por um homem que representasse o papel pré- definido à época de provedor do lar e protetor da família, um príncipe encantado que a leve para viver num castelo, onde, certamente, continuará a desempenhar as funções domésticas.
Cinderela é muito análoga a Branca de Neve, sua madrasta também impõem a obrigação aos afazeres domésticos, porém essa protagonista sonha com os bailes, onde poderá encontrar um príncipe que a resgate e liberte desta opressão através do amor, mudando sua vida de sofrimento.
Cinderela mesmo com todo trabalho doméstico e grosseiro, ela não perde o charme, formosura e delicadeza, e justifica a mudança de paradigma da mulher dona de casa para a que busca uma mudança de vida, ou seja, a não obrigação de sues afazeres domésticos, demonstrando a transformação feminina com o fim da Segunda-Guerra, nesse período os Estados Unidos despontaram como potência mundial e o mundo viveu a “era de ouro” do capitalismo, pois o que antes era um luxo tornou-se o padrão do conforto desejado: a geladeira, a lavadora de roupas automática, o telefone, elevando o custo de vida, todavia, encontrar o príncipe encantado que pudesse assumir o papel de mantenedor da família não era tarefa fácil, embora fosse um desejo de grande parte das mulheres da época.
A Bela Adormecida, protagonizado pela princesa Aurora, na festa do seu batizado foram convidadas fadas para serem as madrinhas, presenteando a criança com dádivas como a beleza, a inteligência, a riqueza, a bondade, etc., no Conto filmado aparece apenas três (Flora, Fauna e Primavera) No entanto, uma velha feiticeira do reino que fora negligenciada porque o rei tinha apenas doze pratos de ouro, interrompeu o evento e lançou lhe como vingança uma maldição, cujo resultado seria a morte pelo picar do dedo num fuso quando a princesa atingisse a idade adulta. As três fadas querendo proteger a princesa recém-nascida, sequestram-na e levam-na para a floresta, onde a criam disfarçadas de camponesas. A princesa sonha com o príncipe e só descobre que é filha do rei e da rainha ao completar dezesseis anos de idade, quando Malévola a atrai para um cômodo do castelo e a princesa fura o dedo no fuso de uma roca. Com a ajuda das fadas, o príncipe ainda derrota a própria Malévola transformada em dragão e após beijar a princesa, o conto acaba com o casal dançando em vosso casamento e as três fadas indecisas sobre a cor do vestido da protagonista.
Contudo, o enredo revela um problema enfrentado pela mulher da época: o casamento por interesses, designado pela família. Aurora e o príncipe Felipe que foram prometidos antes do nascimento e se apaixonam, sem saber que já estavam comprometidos, ficam indignados ao descobrir que já possuem um pretendente indicado por seus familiares. Entretanto, Aurora se resigna, revelando a submissão feminina e demonstrando o valor vigente à época, de que o casamento era escolhido pela família.
Essas Princesas Clássicas impregnam às idéias iluministas, do romantismo favorecendo o desenvolvimento e a expressão do amor em todas as suas formas, afiançando a discriminação, consolidada pelo discurso da mulher frágil, emotiva, amorosa, incapaz, portanto, “inferior”, não permitindo o acesso ao conhecimento dessa condição opressiva; contexto esse que na virada do século XIX, impregna um novo discurso filosófico que preveem uma melhoria na perspectiva da forma de viver das mulheres, que busca elevar-se alterando seus padrões próprios de conduta na sociedade, que ainda dá ao homem a responsabilidade de mantê-la dependente e sob seu domínio.
1.2. Princesas Rebeldes
Apenas em fins dos anos 80, trinta anos depois de A Bela Adormecida, as histórias de princesas voltam com A Pequena Sereia , o período entre 1959 (meados do Século XX) e início do Século XXI, marca o Movimento Feminista dos anos 60 e 70, quando as mulheres se rebelaram contra a situação de opressão e submissão que as afligia, com o emblemático episódio conhecido como “queima dos sutiãs”, o papel feminino passou por uma alteração significativa, que vem se desenvolvendo até os dias atuais, porém o período deu visibilidade para mostrar o lugar ocupado pelas mulheres em diversas esferas.
O período que antecede a retomada das princesas é marcado pela quebra de paradigmas que existia há muito tempo, como exemplo, se destaca que até 1962, as mulheres casadas só podiam trabalhar fora de casa com permissão do marido, uma limitação imposta pelo Código Civil de 1916.
Esse foi um período de fortalecimento dos movimentos sociais e de embate com o regime autoritário de governo, e ao mesmo tempo em que as mulheres denunciavam pautas gerais, também bradavam temas específicos à sua condição como direito a creche e direitos trabalhistas, saúde, sexualidade, contracepção e violência contra a mulher.
Nos anos 80, o feminismo inaugura uma fase de luta efervescente pelos direitos das mulheres vê a implantação das primeiras políticas públicas com recorte de gênero; o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina, em 1983; e a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, em 1985, ambos no Estado de São Paulo; e nesse período e outorgada a Constituição Federal de 1988, um dos documentos jurídicos que garante maior gama de direitos para a mulher, e é nesse contexto histórico que surge a nova era de princesas, tomadas de independência, obstinação e desconstrução do papel de gênero, é a fase das princesas rebeldes e está representado pelas princesas Ariel (1989); Bela (1991); Jasmine (1992); Tiana (2009); Rapunzel (2010), e um breve parêntese, para justificar a exclusão dessa lista da Pocahontas (1995) e Mullan (1998), elas não são princesas de nascimento, nem por casamento.
A Pequena Sereia é protagonizada por Ariel, princesa de nascimento e pelo casamento, uma sereia com personalidade alegre, que se rebela contra a ordem de seu pai para não se aproximar dos humanos e ao desobedecer ela salva um príncipe humano e se apaixona por ele, sendo convencida pelo seu pai de que não será feliz no mar, longe de seu amado, que a estimula à transformação da sereia em mulher.
O que diferencia Ariel de fato das princesas clássicas da Primeira fase?
Em sucinta análise o conto tem um príncipe clássico (em que está em uma posição superior a da personagem feminina), e uma vilã que se interpõe como obstáculo ao amor do casal – a importância da mulher ter um homem para esse empoderamento. Um olhar mais criterioso na princesa mostra a necessidade de desbravar, da contestação e subversão as regras impostas e a altivez no cumprimento de seus objetivos.
A Bela e a Fera, uma cidade no interior da França, a protagonista é discriminada em razão do seu gosto pela leitura, e diferentemente de Ariel, que deixa o reino submarino, Bela renuncia ao “marido ideal” e se empenha em salvar seu pai, capturado pela Fera. Gaston representava o marido ideal, um personagem bonito, porém bruto e inteiramente tomado por ideais machistas, que é desejado pelas garotas da cidade, mas sente-se atraído pela beleza de Bela, criticando-a pelo seu hábito de leitura, pois a partir daí começará a ter ideias e pensar, o que considerava inadmissível. Vê-se que Gaston buscava uma mulher submissa, enquanto Bela desejava alguém que compreendesse seus anseios e aspirações, o que encontrou na Fera, que lhe presenteou com uma biblioteca. Quando Bela conhece a Fera, empenha-se em transformar o monstro em alguém amável e se apaixona por ele, apesar de sua aparência esquálida.
O enredo discute e subverte a construção dos gêneros masculino e feminino pela sociedade, o início do empoderamento do feminino pela crítica ao masculino, sem proporcionar detrimento de um gênero sobre o outro, como força de valorização da mulher. Bela e o príncipe terminam juntos, porém nunca ninguém viu o casamento.
Jasmine tem personalidade forte, que se rebela contra um casamento arranjado e imposto pela lei e confronta seu pai, fugindo do seu lar, considerando, inclusive, a possibilidade de não ser mais princesa, mas consegue convencer o Sultão a mudar a lei do casamento, permitindo que ela case com Alladin, sem perder sua riqueza e status; e Tiana do conto “A Princesa e o Sapo”, foi a primeira protagonista afroamericana que trabalha fora de casa para conseguir realizar seu sonho, que é ter seu próprio restaurante, e não fica a espera do príncipe encantado para solucionar seus problemas, embora case com o príncipe Naveen, este é apenas um complemento do seu verdadeiro sonho.
Rapunzel protagonizou Enrolados, para ela, as tarefas que realizava, dedicadas à culinária e pintura, não representavam uma obrigação ou imposição de quem quer que seja, mas uma consequência do tempo livre de que dispunha no período em que esteve presa na torre. Aqui a figura feminina encontra-se novamente vinculada a um padrão de independência e autonomia que a liberta dos tradicionais padrões comportamentais, portanto, sua felicidade não está atrelada ao um príncipe encantado. Seu maior sonho era a liberdade. O que Rapunzel mais desejava era ver de perto as “luzes flutuantes” e fugir da torre para continuar a ser livre. A figura do príncipe encantado é cercada de uma peculiaridade: longe de ser aquele que assumiria o tradicional papel de provedor do lar, Flynn Rider era um ladrão. Deve-se ressaltar que Rapunzel é uma princesa que também caminhou na contramão dos personagens mais antigos, pois, ao invés de ser salva pelo príncipe, ela salva a vida dele.
Ariel, Bela, Jasmine, Tiana e Rapunzel marcam essa trajetória, sob a égide de uma realidade social totalmente desvinculada da submissão à figura masculina, a mulher, detentora de autonomia e liberdade para tomar decisões, ocupa posição de destaque pessoal, profissional e social, delineando-se uma clara mudança na representação de seu papel, são princesas atreladas à realidade vigente, independentes, questionadoras, determinadas e obstinadas, velando pela diferença étnica, que atendia aos padrões de globalização que despontavam no período.
A palavra regente desse período das Princesas Regentes é empoderamento, demonstrando o processo da conquista da autonomia, da autodeterminação, e configura um instrumento/meio e um fim em si próprio, pois implica na libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero, da opressão patriarcal.
1.3. As Princesas Contemporâneas.
Apesar de todas as conquistas já alcançadas, as princesas contemporâneas é a ressignificação do Papel da Mulher, certo de que a igualdade de direitos ainda é uma realidade relativamente distante, pois o ideal igualitário propugnado pelo movimento feminista assumiu a vertente, na prática, de cumulação de funções, e não igualdade propriamente dita, não se pode negar a autonomia, liberdade e independência financeira e social alcançadas pela figura feminina, que é demonstrada pelas princesas Mérida (2012), Anna e Elsa (2013), que refletem essas mudanças, criando novas representações e identidades, inclusive desvinculadas da necessidade da figura masculina para encontrar a felicidade, e como se verá a seguir, evidenciam a relação de amor no seio familiar, o que também apresenta um novo significado ao papel feminino.
Mérida, que estreou como protagonista de Valente, em 2012, representa o padrão antagônico do que se busca numa princesa: cabelo desarrumado, rebelde, impetuosa, maneja arco-e-flecha, desastrada e com um senso de liberdade que a faz ter repulsa pela possibilidade de ser obrigada a se submeter a um casamento “arranjado”, razão pela qual desafia as regras da época e compete pelo direito de decidir com quem casar, pois quer decidir seu futuro. Embora tenha sido treinada para se tornar uma rainha, como sua mãe, ela acha chato ser uma princesa sendo alvo de críticas, e reprimendas por acordar tarde, comer com a boca muito cheia, rir exageradamente, não ser cautelosa e paciente etc, e mesmo conquistando o direito de escolher com quem vai casar, esta não termina com um príncipe encantado, o que diferencia esta trama das demais, pois aqui o papel de independência e liberdade assumido pela mulher a faz desejar, cultivar e fortalecer os laços familiares com os pais, ao invés de pautar sua felicidade e seu bem-estar num relacionamento amoroso.
Frozen – Uma Aventura Congelante, de 2013, traz duas protagonistas Anna e Elsa, e que quebra os padrões clássicos e estereotipados das princesas frágeis e indefesas e dos príncipes heroicos, descortinando a adaptação dos contos de fadas ao pensamento contemporâneo e às necessidades da sociedade atual. O enredo aborda pela primeira vez o amor fraterno, sem olvidar o amor homem/mulher. Além disto, existe outro tema central: o poder mágico de Elsa de criar gelo e/ou transformar em gelo tudo aquilo que toca, que é revelado quando esta se indigna com Anna, que decide casar com um príncipe que acabara de conhecer, por julgar ter se apaixonado por ele.
Anna ratifica aqui as imposições veladas na criação das mulheres, que parte da conduta tradicional das princesas clássicas, como Branca de Nave, Cinderela, e Aurora, e oferece neste enredo como atitude impulsiva e inconsequente, trazendo a representação da sociedade atual, que pressupõe um relacionamento consolidado para se chegar ao casamento. O amor fraterno é expresso quando Elsa foge e Anna sai em busca dela e, nesta saga, conhece Khristoff, que lhe ajuda a encontrar a irmã e mostra que não existe amor à primeira vista. Enquanto Anna, após de decepcionar com seu amado Hans, descobre que príncipes encantados não existem, Elsa assume o trono do reino, que aceita seus poderes, representando a única rainha que não tem um marido, o que denota o atual papel social da mulher, que prescinde da figura masculina para obter êxito e reconhecimento profissional e pessoal.