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A (des)valorização laboral da mulher e a sua transformação social através das princesas dos contos de fadas

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2. A (Des)Valorização Laboral da Mulher

Em 07 de março de 2013, após as princesas contemporâneas, sob os efeitos da coincidência ou não, o Ministério do Trabalho e Emprego revelou que no Brasil com base nos dados do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), e segundo o IBGE em conformidade com o grupo de pessoas ocupadas nas 5,2 milhões de empresas e outras organizações formais ativas no país, apontou alta de 3,2% entre os anos de 2011 e 2012, e que a participação feminina na variação pessoal ocupado assalariado, de um ano para outro, foi superior à presença masculina pela primeira vez, enquanto os homens somaram 41,5% (438,9 mil pessoas) as mulheres somaram 58,5% (619,8 mil pessoas).

Esse progresso da participação das mulheres no mercado de trabalho também ocorreu em termos salariais. Embora em 2012 os homens tenham recebido em média R$ 2.126,67 (dois mil cento e vinte e seis reais e sessenta e sete centavos) e as mulheres o montante equivalente a R$ 1.697,30 (um mil seiscentos e noventa e sete reais e trinta centavos) a pesquisa constatou, em relação a 2011, que em 2012 os salários das mulheres tiveram aumento real superior ao dos homens, 2,4% contra 2% deles, o que ratifica a tese contextualizada da relação poder que permeiam a convivência de homens e mulheres nos mais diversos espaços, percebemos diferenças salariais, o baixo empoderamento político, busca por melhor qualificação e maior nível de escolaridade, restam bem evidentes na sociedade contemporânea, embora o Ministério do Trabalho e Emprego intente a mostrar houve um pequeno aumento na participação dos salários das mulheres versus os dos homens, e que o salário médio de admissão de mulheres no mercado de trabalho apresente um aumento real de 2,72%, índice foi ligeiramente superior ao dos homens que teve um aumento de 2,51%, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgado em 17 de abril de 2014, e é evidente o descumprimento do artigo 7º, inciso XXX da Constituição Federal que proíbe expressamente a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; bem como o desrespeito aos artigos 5º e 461 da Consolidação das Leis do Trabalho que trouxe a proibição da discriminação por motivo de sexo.

Segundo o estudo da Confederação Internacional dos Sindicatos (ICFTU) as trabalhadoras brasileiras são as que sofrem com maior diferença salarial em relação aos homens no mundo inteiro, com 34% de variação entre as remunerações de ambos os gêneros, já em relação ao grau de instrução, essa diferença é acentuada nos extremos dos desníveis de escolaridade, ou seja, por um lado os analfabetos e, de outro, os de nível superior incompleto.

É notável o acréscimo representativo do número de mulheres inseridas no mercado de trabalho atual, elas já são 44% da população economicamente ativa do Brasil, segundo a Organização Internacional do Trabalho. Em uma década, 10,7 milhões de brasileiras ingressaram no mercado de trabalho. Seu poder crescente terá um impacto cada vez maior no desenvolvimento do País, sob o ponto de vista de um contexto histórico.

Apesar dos avanços, a histórica (Des)Valorização do trabalho da mulher apontam para dois fatores que influenciam significativamente, a quantidade de horas trabalhadas e os setores em que predominam trabalhadores, e enquanto os homens têm um rendimento médio mensal de R$ 1.451,00 (um mil quatrocentos e cinquenta e um reais), o das mulheres gira em torno de R$ 1.070,00 (um mil e setenta reais).

Certo é que grandes progressos ocorrem ao longo dos anos, porém, a busca por melhorias ainda continua, ainda há muito que evoluir, pois essa (Des)Valorização, não se restringe ao Direito Laboral, mas impacta no seu futuro enquanto segurada da Previdência Social.


3. Critérios de Reanálise Social

Um dado interessante é que a essa (Des)Valorização do Trabalho da Mulher reflete diretamente na sua vida enquanto segurada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), da breve análise dos benefícios programados, destacamos que aposentadoria por Tempo de Contribuição predomina entre os homens, enquanto as mulheres percebem o maior número de aposentadorias por Idade.

Fato curioso a ser mencionado é que antes da Constituição Federal, quando se tratava de benefícios previdenciários rurais, a legislação privilegiava a cabeça do casal, de modo que as estatísticas apontam que do total de 2,3 milhões de aposentados, tem sexo ignorado/desconhecido, e dentro deste dado 2,2 milhões eram aposentadorias rurais, o que faz presumir que a maioria delas seja concedida para homens.

A crescente presença das mulheres no mercado de trabalho se reflete diretamente na Previdência Social. A mulher brasileira já é maioria quando o assunto é acesso aos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em dezembro de 2015, o INSS emitiu 28,3 milhões de benefícios do Regime Geral da Previdência Social para pagamento. Desse total, 56,7% foram para mulheres, o que corresponde a 16.044.798 benefícios.

A maior parte das beneficiadas (65,7%) é composta por seguradas da área urbana. As seguradas rurais compõem os 34,3% restantes. Em termos de valores, em dezembro de 2015, o total dos benefícios ultrapassou os R$ 29 bilhões, dos quais 51,3% destinado a elas, ou seja, R$ 14.990.249.547.

Os dados do Ministério da Previdência comprovam que, quando separados por grupos de espécies e entre homens e mulheres, os benefícios em que as mulheres representam maioria, claro, além do salário-maternidade, no qual elas constituem 100% das beneficiárias, a pensão acidentária, em que representam 94,9%; a pensão por morte (79,2%); a aposentadoria por idade (62,4%); e o auxílio-reclusão (58,6%).

Outro dado alarmante, aferir que mais de 93% das crianças e dos adolescentes envolvidos em trabalho doméstico no Brasil são meninas, e se não bastasse isso, no Brasil, os homens ganham aproximadamente 30% a mais que as mulheres de mesma idade e nível de instrução. E quais os motivos? A Previdência fundamenta nas diferenças biológicas, e nas socioculturais.

3.1 Diferenças Biológicas

As diferenças biológicas entre os sexos, para efeitos de previdência social, ligam-se primordialmente à reprodução. Incumbindo à mulher funções como a gestação e a amamentação dos filhos, as quais exigem tempo e cuidados médicos durante o período gestacional e pós-natal.

O princípio basilar da previdência social é o custeio de um ingresso por causa da perda de capacidade em gerar renda, real3, seja presumida4.

Ocorre que quando se observa a estrutura de mortalidade por idade é flagrante a sobremortalidade masculina, em face de esperança de sobrevida maior para as mulheres, enquanto a especificidade feminina em termos de sobrevivência não tem sido objeto de um tratamento diferenciado, esse aumento da participação feminina entre os idosos, é o que chamamos de “feminização da velhice”, segundo projeções do IBGE, em 2020, para cada 10 mulheres com mais de 70 anos, teremos 7 homens.

Fonte: IBGE

Fonte: cuadro de la populacíon mundial

Expectativa de sobrevida dos brasileiros aumentou mais 40 anos em 11 décadas, segundo a tábua de mortalidade de 2014, a expectativa de vida ao nascer no Brasil subiu para 75,2 anos, segundo dados do IBGE, e considerando a diferença de sexo, as mulheres, era de 78,8 anos, já os homens era de 71,6 anos. Outro fator que influência é a unidade de federação, observem o gráfico abaixo.

Fonte: IBGE

A consequência previdenciária disto é que mais das metades das mulheres chegam aos 65 anos sem seus companheiros, o que afeta o benefício de pensão por morte.

A despesa bruta com pensão por morte no âmbito do RGPS cresceu do patamar de R$ 39 bilhões, em 2006, para R$ 86,5 bilhões em 2013 e, portanto, mais que dobrou em valores nominais no período (alta de 121,5%), com um crescimento médio anual de cerca de 12% a.a..

Em termos da despesa em % do PIB, os pagamentos com pensão passaram de 1,6% do PIB, em 2006, para cerca de 1,8% em 2013, apenas considerado o RGPS, sem levar em consideração os Regimes Próprios de Previdência dos servidores públicos.

A quantidade de pensões emitidas e a duração média do benefício também têm crescido ao longo do tempo.

O total de pensões no âmbito do RGPS passou de 5,9 milhões, em dezembro de 2005, para cerca de 7,4 milhões em outubro de 2014, um incremento de cerca de 1,5 milhão no período. A duração média dos benefícios cessados passou do patamar de 13 anos, em 1999, para 16 anos em 2012, em 2013; e cerca de 20,3 mil tiveram duração de 35 anos ou mais, o que segundo a exposição de motivos da MP 664/2014, convertida na Lei 13.135/2015 é reflexo, entre outros fatores, do aumento da expectativa de vida e sobrevida e das atuais regras de concessão.

Porém, ignoram a regra da contrapartida5, e do princípio da solidariedade.

3.2. Diferenças Socioculturais

Essas diferenças são estudadas a partir de três vertentes, mercado de trabalho, estrutura familiar e níveis de instrução, e tem determinado origem e formas distintas de concessão aos benefícios previdenciários entre homens e mulheres.

3.2.1. Mercado de Trabalho

A cobertura previdenciária do Regime Geral de Previdência Social às mulheres, em 19996 era de 36,6%, bem inferior a dos homens 42,1%, com ênfase no censo de 2010, a taxa passou para 39,1%, contrapondo os 53,3% dos homens.

A situação ainda é mais periclitante se tomarmos o mesmo período como base, e os segmentos das empregadas domésticas e autônomas, que de 25,8% passam para 6,6%; ou quiçá as rurais que de 34,3% chegam a 27,2%.

Observe o Gráfico que trata do nível de ocupação por sexo:

Fonte: PNAD/IBGE

O mercado de trabalho tem impactos desde sua estruturação, onde as mulheres estavam direcionadas aos trabalhos extensivos do trabalho doméstico, caracterizados por atividades filantrópicas e não remunerado por muito tempo.

As atividades rurais e nas comerciais urbanas, sua mão-de-obra caracterizada pelo status de membro familiar não remunerado.

O trabalho noturno no Brasil somente em 1957, quando ratificou a Convenção da OIT, pois tinha um liame restritivo em razão de suas funções reprodutivas.

Estas ocupações começam a ser revistas com os avanços tecnológicos, e a crescente mecanização de certas atividades, o que faz minimizar a concepção de divisão sexual do trabalho, aumentando as opções de ocupações femininas nos últimos anos.

Porém, examinar a situação da mulher no mercado de trabalho somente através de sua ocupação, não é a melhor forma de medir sua condição econômica.

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O gráfico a seguir distribuição de empregados, por setor público ou privado, com CTPS, esclarece que em 2011, 58,9% contribuíam para a previdência social.

Fonte: PNAD/IBGE

Observe o gráfico do IBGE, ano 2011, distribuição das pessoas desocupadas, em comparativo com as ocupadas, segundo as classes de salário mínimo do rendimento médio mensal real de trabalho, 64,3% dos trabalhadores ganha até 2 salários mínimos.

Fonte: PNAD/IBGE 2011

Elaboração: SPS/MPAS

3.2.2. Estrutura Familiar

A seguridade social contempla a cobertura do indivíduo, ou do grupo familiar, e na legiferança previdenciária ao longo da história a mulher quase sempre aparece como dependente, que pode ser interpretado como a subvaloração da contribuinte feminina que parte do ponto de vista do indivíduo contribuinte; ou da supervalorização do homem, que advém do papel de provedor ao seu grupo familiar, (que entendo superado).

O conceito de família adotado pelo IBGE é considerado equivalente à Unidade de Consumo7.

O Manual do CadSus, do Ministério da Saúde entende como o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residem na mesma unidade domiciliar, incluindo empregado doméstico que resida no domicílio, pensionistas e agregados.

O Programa Bolsa Alimentação, hoje integrado à Bolsa Família, trata família como unidade nuclear formada pelos pais e filhos, ainda que, eventualmente, possa ser ampliada por outros indivíduos com parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo na mesma moradia e que se mantenha economicamente com renda dos próprios membros, destacando a consanguinidade.

Para o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de acordo com a PNAS (2004) a família pode ser um conjunto de pessoas que se acham unido por laços consanguíneos, afetivos e ou de solidariedade.

Destaca assim a necessidade de encarar os diversos desenhos que se apresentam famílias menores, monoparental, reconstituídas, e as demandas e necessidades particulares de cada arranjo.

3.2.3. Nível de Instrução

Em conformidade com o PNAD/IBGE, demonstra que o analfabetismo está concentrado em pessoas com mais Idades, e em regionalizado, nos moldes do gráfico, vejam:

De acordo com o Banco Mundial (2001, p. 43-44), o número do sexo feminino, matriculadas em escolas bem como o tempo dedicado por elas ao estudo formal vem crescendo gradativamente, o que demonstra que as mulheres ainda que em pequena escala, número de anos de estudo superior ao dos homens.

2011:

Brasil

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

total

7,3

6,6

6,2

8,0

7,7

7,8

homem

7,1

6,3

5,8

7,9

7,6

7,5

mulher

7,5

7,0

6,6

8,1

7,8

8,0

Essa taxa de maior escolaridade não tem vertido grandes efeitos na competição entre os sexos para efeitos de mercado de trabalho, pois em conformidade com o PNAD, distribuição da população ocupada por sexo e escolaridade Brasil, considerando o contingente de 2011, em milhões, os homens ocupam 53,3%, contra 39,1% das mulheres.

O Relatório sobre Desenvolvimento Humano revelou que no Brasil as mulheres representam 44% da força de trabalho, proporção superior a países como Chile (36,6%), Argentina (34,3%), Venezuela (42,1%), e México (38,4%), sendo superior até em países europeus, como Espanha (24,3%), e Grécia (26,5%).

Os PNADs mostram que as taxas de atividade feminina nas zonas urbanas passaram de 32,5% em 1981; para 48,9% em 1999; e em 2010 chegou a 64,9%. Observa-se nesses estudos uma forte elevação nas taxas e atividade feminina nas faixas etárias compreendidas pelos 25 e 50 anos, e nos setores do comércio de mercadorias e serviços sociais.

No tocante a contribuição previdenciária feminina, a faixa etária onde mais se verte pagamento ao INSS, é a de 25 a 29 anos, grande parte das inscrições pode ser atribuída à possibilidade de acesso ao benefício do Salário-Maternidade, que garante proteção contra risco de perda temporária a capacidade de trabalho, e ao retornarem ao mercado de trabalho com mais de 30 anos, não se inserem em atividades formais, que exijam vínculos com a previdência social, salvo, os empregos que exigem maior escolaridade, onde a maioria delas é chefe de família em relação ao cônjuge.

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Sobre a autora
Tatiana Conceição Fiore de Almeida

Advogada (OAB/SP 271162), Doutorando Em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário da ESA.OAB/SP; Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP; Membro Efetivo das Comissões de Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Perícias Médicas; Membro Convidada da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF; Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano deInvestigación Y Capacitación Jurídica); Articulista e Coordenadora de Obras Jurídicas; Coautora em diversas Obras Coletivas; Professora; Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Tatiana Conceição Fiore. A (des)valorização laboral da mulher e a sua transformação social através das princesas dos contos de fadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7556, 9 mar. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108648. Acesso em: 14 mai. 2024.

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