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Pornografia e cultura do estupro: transformações sociais e repercussões legislativas

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Agenda 13/03/2024 às 17:15

3. PORNOGRAFIA E CULTURA DO ESTUPRO: REPRESENTAÇÕES SOBRE SEXO E VIOLÊNCIA

De acordo com o dicionário, pornografia é um termo que pode ser utilizado para definir tudo que se relaciona à devassidão sexual, obscenidade, licenciosidade e indecência, assim como um caráter imoral de publicações, gravuras, pinturas, cenas, gestos e linguagem. Ainda traz a imoralidade e a obscenidade como seus sinônimos.39

Não se sabe a data exata de quando a pornografia surgiu no mundo, apesar de ser possível observar a presença de seus traços desde o surgimento da civilização humana, com imagens eróticas pintadas em vasos na Grécia Antiga e na Antiga Pompeia.40 Sabe-se também que ela ganhou força com o movimento hippie na década dos anos 60, quando novas discussões acerca da liberdade sexual da mulher pela pílula anticoncepcional e o direito irrestrito ao prazer começaram a surgir, assim como a grande produção de revistas pornográficas.41

Como já mencionado anteriormente, o conceito de ser mulher é socialmente construído através de uma visão masculina. Observa-se que, no Brasil, esse estereótipo começou a ser implantado com a colonização portuguesa, quando as mulheres indígenas tiveram seus corpos objetificados pelos homens brancos. Estes se viram no direito de estuprarem-nas, o que culminou no processo de miscigenação brasileira, continuado com a escravização dos africanos que aqui chegaram.42

Seguindo essa linha, destaca-se o papel do cristianismo que, com sua chegada no Brasil em meados do século XVI, impôs uma visão reprovável às práticas sexuais dos nativos indígenas, pregando uma ideia de castidade feminina que remetia à pureza desse gênero, fato que classificou como pecado mulheres que tinham uma vida sexual ativa. Em paralelo a isso, desde a antiguidade a mulher é considerada como objeto de desejo sexual, talvez por conta de toda proibição que a cerca desde sempre, o que a faz atrair olhares hiperssexualizados desde pequena.43

No final do século XIX, impressos com representações sexuais começaram a surgir no país e carregavam o título de “livros para homens”. As revistas pornôs de sucesso, como “Playboy” e “Fairplay: a revista do homem”, vieram na metade do século XX e representavam os corpos das mulheres, mais uma vez, partindo de uma visão masculina, produzida por homens e destinada unicamente a este público. Importante ressaltar que tais revistas reforçavam um estereótipo eurocêntrico, com mulheres brancas de olhos claros e cabelos loiros.44 Com isso, acabavam por idealizar um padrão de mulher culturalmente diferente da mulher brasileira.

Igualmente, o século XX trouxe a era da globalização, com um grande avanço tecnológico em diversos meios, como fotografia, cinema, televisão, tendo facilitado a criação de filmes pornôs. Além disso, na década dos anos 90, surgiu a Internet, o que permitiu a entrada da pornografia no meio virtual, que favoreceu imensamente o acesso da população aos conteúdos pornográficos, sem restrições.45 As mídias sociais, quando bem administradas, mostraram-se um meio extremamente lucrativo, o que levou a indústria pornográfica a ser uma das mais lucrativas do mundo, tendo um poder mundial de mercado de $97 bilhões de dólares.46

Para exemplificar o acima mencionado, observa-se que, em 2019, segundo o relatório anual de acessos divulgado pelo maior site de pornografia do mundo, Pornhub, ele atingiu a marca de 115 milhões de visitantes diários, tendo recebido mais de 42 bilhões de visitas no total. A pesquisa também mostra, que o Brasil ocupa a posição 11º no ranking de países que mais acessaram a plataforma.47 Inclusive, um relatório emitido pelo mesmo site mostra que o consumo mundial de pornografia aumentou em 24.4% durante a pandemia causada pelo Covid-19. Especificamente o Brasil teve um aumento de mais de 35% nos acessos ao site. 48

Pelos dados acima analisados, é evidente que a indústria pornográfica virou uma febre global, com um enorme número de fiéis consumidores diários. Contudo, diversos estudos apontam que esse prazer comercializado não é tão inofensivo quanto parece ser.

3.1. O consumo da pornografia como um problema social

Como já anteriormente apresentado, a pornografia evoluiu juntamente com os avanços tecnológicos. Atualmente, com a facilidade de acesso, que permite qualquer pessoa obter esses conteúdos em qualquer lugar que esteja, desde que tenha Internet, o consumo de material pornográfico cresceu imensamente. Contudo, ele não mudou só quantitativamente, mas qualitativamente: grande parte dos sites pornográficos apresentam uma pornografia hardcore, ou seja, mais violenta.49 O problema é que não é só o usuário que sofre com as consequências, mas também as pessoas que o cercam, sejam elas homens, mulheres ou crianças.

No Brasil, as escolas não ensinam sobre educação sexual. Somando isso com o ilimitado acesso à Internet que os jovens possuem, nota-se que muitos acabam tendo seu primeiro contato com a vida sexual por meio da pornografia. Dados coletados em 2002, informam que, na época, somente 3% desses sites exigiam alguma prova de idade para liberarem o acesso ao conteúdo.50 A grande complicação disso tudo é que a pornografia está longe de mostrar uma dinâmica real entre os casais nos vídeos, além de muitos deles parecerem com atos de estupro, sendo uma forma extremamente violenta de apresentar a sexualidade a jovens que estão em vias de formar suas preferências sexuais.51

Inclusive, um dos subgêneros oferecidos pela pornografia é o chamado de “pornografia de estupro”, que envolve a simulação de um estupro realizada, em tese, por dois adultos que consentem para a representação.52 Contudo, alguns sites divulgam estupros reais como se simulados fossem.

Uma rápida pesquisa sobre “pornografia de estupro” realizada no próprio site do Google oferece, aproximadamente, 1.560.000 resultados. Já no primeiro link é possível observar uma descrição que relata ter “vídeos de sexo violento, psicopatas bandidos fodendo a força novinhas gostosas”; o segundo link descreve “vídeos de estupro com novinhas sendo estupradas fazendo sexo a força”.53

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Apenas para sustentar o ponto de vista, um estudo italiano realizado em 2006, que contou com a participação de 804 adolescentes, concluiu que meninos que consumiam pornografia tinham grande probabilidade de relatar já terem assediado um colega ou ter forçado alguém a fazer sexo.54 Além disso, a pornografia faz com que meninas adolescentes criem uma tolerância para abuso emocional, físico e sexual em seus relacionamentos, sentindo-se pressionadas a reproduzirem o que assistem nos pornôs para satisfazerem seus companheiros, normalizando os abusos sexuais que sofrem pelos atos que são erotizados nos vídeos.55

Quando esse período crítico de desenvolvimento da adolescência é marcado pela visualização de grande quantidade de pornografia, algumas pessoas podem futuramente sofrer da chamada “anorexia sexual”, que é a dificuldade de manter relações sexuais com um parceiro real. Esse fato pode ser agravado quando os jovens dissociam o desenvolvimento de sua sexualidade das relações sexuais reais.56

Ademais, podem desenvolver comportamento violento ou repressivo, o que também é exemplificado por um outro subgênero da pornografia: o incesto ou sexo entre pai e filha, que traz dois atores com semblantes parecidos, geralmente uma atriz de estatura magra e pequena vestindo roupas de criança, e um ator adulto.57

Salienta-se que isso pode configurar uma incitação ao crime de estupro de vulnerável e de pornografia infantil, trazendo a ideia de que manter relações com menores de idade é algo aceitável e prazeroso. Ambas as condutas já configuram crime em si, mas a incitação de crime também é um tipo penal previsto no artigo 286, do Código Penal, que para ser configurado precisa apenas ser público e atingir um número indeterminado de pessoas.58

Em relação aos adultos, a influência da pornografia também se faz presente, visto que, devido a um fator chamado “remodelagem”, ela pode reestruturar o cérebro desses indivíduos,59 fazendo com que passem a enxergar mulheres como objetos de prazer. O consumo excessivo, que pode levar ao vício, gera mudanças anatômicas no lobo frontal e, de acordo com pesquisa realizada recentemente por Mosley, causa diminuição da massa cerebral nas áreas relacionadas à motivação e à tomada de decisões.60 Os homens que consomem com frequência também podem criar uma imagem irrealista, tanto sobre a aparência, quanto sobre o comportamento sexual das mulheres, fato que causa uma dificuldade neles de manterem um relacionamento e/ou se sentirem sexualmente satisfeitos.61

Além disso, quanto mais consomem, os usuários da pornografia ficam menos sensíveis às imagens que estão assistindo, com consequente queda da libido e dificuldade de ter uma ereção. Isso gera a necessidade de buscar outros estímulos sexuais, cada vez mais extremos, por conta da tal remodelagem cerebral, passando o cérebro a funcionar de forma parecida ao cérebro de uma pessoa viciada em toxicodependentes.62 Por conta disso, acabam sofrendo com sintomas de crise de abstinência quando tentam parar de consumir a pornografia, como ansiedade, depressão, insônia, entre outros.63

Diante desse cenário, a pornografia pode ser prejudicial especialmente para a mulher, visto que inúmeros vídeos são dotados de cunho violento, como espancamento, engasgo durante a prática de sexo oral no homem, xingamentos, tapas, sufocamento, entre outros.64 Uma análise estatística das cenas constatou a presença de agressão física em 88,2% e agressão verbal em 48,7%.65 Como já colocado, esses comportamentos acabam por serem socialmente normalizados, tanto pelos homens, quanto pelas mulheres que suportam a violência e acreditam que a maneira certa de se fazer sexo é a retratada na pornografia, ignorando seu próprio prazer em função do prazer de seu parceiro.66

Isso é enfatizado, por exemplo, pelo fato de as atrizes pornô ostentarem sorrisos nas cenas, como devem fazer, levando a se subentender que estão ali porque consentiram e porque gostam, trazendo a sensação de que sentem prazer com a dor.67 Além disso, frisando a ideia de que o prazer feminino não importa, tem-se a simulação do orgasmo da mulher que, de acordo com MacKinnon, é como uma comprovação do poder masculino, de sua virilidade e dominação.68 É possível observar que a simulação se reproduz na vida real, com inúmeras mulheres que já fingiram orgasmo em algum momento, o que também pode se relacionar com a ideia de assegurar a masculinidade do parceiro.

Além do viés sexista, o pornô possui um viés extremamente racista, que o torna especialmente prejudicial para mulheres negras. Enquanto mulheres brancas são objetificadas, mulheres negras são sexualmente punidas por sua cor de pele,69 o que resulta em cenas mais violentas ainda.

Como bem colocado por Alice Walker, mulheres negras quase sempre tiveram um tratamento pornográfico sobre si, desde quando foram escravizadas e submetidas a estupros, criando uma aproximação entre sexo e violência, fato que remete às raízes mais antigas da pornografia contemporânea. Isso se evidencia quando se verifica que mulheres negras são mais frequentemente retratadas nos vídeos pornôs em situações de servidão, submissão, de sujeição a atos de agressão e mostradas de joelhos fazendo sexo oral, do que as mulheres brancas.70

3.2. As correntes feministas e a indústria pornográfica

Em breve síntese, o feminismo é entendido como um movimento social, filosófico e político, que objetiva eliminar as desigualdades de gênero, pautando-se no questionamento da opressão coletiva que é sofrida por todas as mulheres, buscando alternativas que poderiam reverter o cenário atual e, consequentemente, levar à emancipação feminina e o fim do patriarcado.71 De acordo com Bell Hooks, o feminismo é um movimento determinado a erradicar o sexismo, a exploração e a opressão. Importante ressaltar que se trata de um movimento plural, tendo inúmeras faces, como por exemplo, os feminismos ditos radicais, interseccional, negro, asiático, entre outros, que naturalmente possuem pontos de convergência e de conflito entre si.72

Atualmente, temos duas vertentes feministas principais que tratam da polêmica que gira em torno da pornografia. De um lado, encontra-se o posicionamento das feministas tidas como radicais, chamadas de “RadFem”, que reúnem pessoas contra os vídeos pornôs por entenderem que é somente mais uma forma de submissão da mulher perante uma sociedade patriarcal, que erotiza e objetifica os corpos femininos. Do outro, temos as intituladas liberais, chamadas de “LibFem”, que são a favor da indústria e acreditam que a liberdade feminina deve ser expressada de todas as maneiras, incluindo a exposição de seus corpos, mesmo que para a obtenção do prazer alheio, visto que as mulheres são livres para fazerem com eles o que quiserem.73

O feminismo liberal, desenvolvido por Betty Friedan, entre outras feministas, costuma atrair características relacionadas ao liberalismo clássico, por ter uma pretensão de universalidade e dar demasiada importância à meritocracia, por exemplo. Seu objetivo principal é permitir a entrada das mulheres na vida pública, na política, comércio, educação e em empresas, visto que acredita que, caso as oportunidades para homens e mulheres na sociedade forem genuinamente iguais, não haveria diferenças nas taxas de desemprego e de pobreza ou na ocupação de cargos considerados mais prestigiosos.74

As críticas mais importantes dirigidas a essa vertente feminista são a ausência de uma análise do patriarcado, assim como a não diferenciação deste do capitalismo. Também, a falta de entendimento de que a demanda por igualdade feita pelas mulheres é muito mais ampla do que somente a igualdade de oportunidades, a qual é de extrema importância, mas não se pode excluir a presença de enormes desigualdades também na esfera privada e doméstica.75

Já o feminismo radical foi desenvolvido por Kate Millet e Shulamith Firestone, entre outras ativistas, e surgiu nos Estados Unidos da América, ganhando força nos anos 1970. Essas feministas reconhecem a presença de mecanismos de opressão nas relações sexuais, na família, na sociedade e na política. Assim, enxergam a intencionalidade opressora da divisão sexual dos diferentes papéis a serem desempenhados por homens e mulheres, tanto na esfera pública, como na privada. Elas procuraram ressaltar o fato de que mulheres são coibidas simplesmente por serem mulheres.76

O RadFem tem como pensamento crucial o patriarcado como sistema de opressão e dominação, que perpetua o poder masculino sobre o feminino em todas as áreas da sociedade, apesar de se originar dentro de um contexto familiar tradicional, onde exerce sua maior força através da divisão de tarefas, estas designadas de acordo com o gênero.77

Analisa-se, primeiramente, o ponto de vista atrelado às feministas liberais: um argumento levantado é a liberdade de expressão, princípio constitucional extremamente importante para a democracia, sendo a proibição da pornografia tida como uma mera reedição moralista e antiliberal da censura.78 Sustentam que o ato de assistir vídeos pornôs é uma escolha individual, na qual o Estado não deve interferir de forma alguma.79

Outro ponto abordado é a possível ressignificação da pornografia, que visa uma inclusão ativa de mulheres dentro da indústria. Com isso, surgiu a chamada pornografia feminista, que substitui corpos esculturais, trazendo realismo para as cenas, focando no protagonismo feminino. Também, é produzida por uma equipe composta inteiramente por mulheres e não traz a mulher como obrigatoriamente submissa, a não ser que ela queira.80 Esse subgênero pornográfico traria a possibilidade de mulheres conservadoras e doutrinadas pelo patriarcado terem a liberdade de repensarem seus desejos sexuais, quebrando os paradigmas que foram socialmente criados.81

Também defendem que a atuação na pornografia deveria ser tratada como uma profissão como qualquer outra, tendo uma regulamentação estatal enquanto trabalho,82 que poderia evitar as violências no meio.

Em contraposição, tem-se a visão das feministas radicais: estas defendem que a indústria pornográfica produz conteúdo misógino, além de ser uma ameaça à igualdade sociopolítica entre homens e mulheres, visto que ela modifica como as mulheres são percebidas pelo público, sendo assim um problema de ordem político-igualitária.83 Além disso, enxergam a sexualidade como o centro da desigualdade de gênero, e a pornografia permite uma apropriação da sexualidade alheia, transformando a mulher meramente em um instrumento de prazer, fazendo-a perder sua identidade social e pessoal.84

Acerca do pornô criado a partir de uma perspectiva feminina, acreditam que somente gera uma nova variedade de fetiches que, novamente, volta-se a agradar o público masculino. Ele acaba retornando ao pornô tradicional, visto que voltam a determinar regras sobre o que seria certo dentro do sexo, já que existem padrões criados e impostos majoritariamente por homens héteros e brancos que devem ser seguidos para uma convivência em sociedade. Por mais que o pornô feminista tenha o objetivo de gerar inclusão das mulheres, ele não muda o fato de que continua comercializando corpos femininos, perpetuando a utilização destes para gerar a satisfação masculina.85

Ademais, é nítida a diferença de tratamento direcionada a atrizes pornôs e atores pornôs fora da indústria: enquanto mulheres que já atuaram no ramo são constantemente difamadas e rebaixadas intelectualmente por já terem trabalhado em filmes pornôs, homens não tem seu antigo trabalho usado contra ele de forma a prejudicar seu estigma social.86 Exemplo claro e atual disso é o ex-ator pornô Alexandre Frota, que foi eleito deputado federal do Estado de São Paulo em 2018 pelo PSL, atualmente filiado ao PSDB, enquanto a ex-atriz pornô Mia Khalifa relatou em entrevista à BBC News, que já perdeu vagas de emprego por conta de seus passado na indústria.87

Também são contra a regulamentação da pornografia como profissão. Primeiramente, tem-se a reflexão de que em um sistema político dominado pelo patriarcado, nunca surgiu uma instituição de erotização e capitalização de corpos masculinos, como o que ocorre com os corpos femininos. Além disso, não se pode ignorar que a desigualdade econômica atua como uma força que coage mulheres a venderem seus corpos. Esta venda não tem origem no esforço físico ou intelectual da trabalhadora, como ocorre normalmente nas demais profissões, mas sim em uma mercadoria que é a própria carne de quem labora.88

O que ocorre na pornografia é uma delegação ao pornógrafo da decisão do que a atriz deve ou não aguentar no seu corpo, o que muitas vezes gera esgotamento físico, mental e psicológico da mulher que atua na indústria. Sem contar com o fato de que é um meio que comercializa o abuso e retira de suas atrizes qualquer poder que poderiam ter sobre a circulação de seus vídeos.89

Heleieth Saffioti destaca que a discriminação das mulheres nessa indústria é ainda mais evidente no Brasil, que é um país de semiperiferia do capitalismo. Isto facilita o direcionamento delas para dentro desse meio, visto que recrutadores se utilizam do poder do dinheiro para atraí-las.

Continua alegando que, uma vez dentro da indústria, dificilmente essas mulheres conseguem sair da situação de violência que se encontram. Dessa forma, mesmo que a pornografia se configure como uma escolha, não se pode rejeitar que é fruto de uma opressão econômica, mas não só, realizada pela supremacia masculina.

Divergindo desse cenário, analisa-se o “Putafeminismo” abordado por Monique Prada, trabalhadora sexual. É um movimento que parte da visão de que prostitutas e feminismo não são conceitos excludentes. Elas também lutam por direitos, sem ter a obrigação de interromperem o seu trabalho para isso, e combatem todo o estereótipo criado em cima de mulheres que participam do ramo.90

Elas defendem que a prostituição, algo presente há séculos na sociedade e majoritariamente exercida por mulheres, deve ser considerada como um trabalho possível, em contraposição com feministas que a enxergam como só mais um tipo de violência de gênero.91

Nesse cenário, o Radfem vitimiza as trabalhadoras, que muitas vezes são de origem humilde, com pouca escolaridade e sem formação profissional. Assim, elas são colocadas em uma posição de salvação obrigatória, negando a autonomia e capacidade de escolha que elas têm e, por isso, abominando qualquer relação com aquelas que não desejam ser resgatadas por esse feminismo que as exclui.92 Dessa forma, acabam ignorando que a prostituição pode ser uma solução de trabalho prático, que não exige formação, para quem está passando por problemas financeiros - fatores estes também, frequentemente, relacionados a uma certa curiosidade.93

O problema disso é que reduzir o trabalho sexual simplesmente a algo abusivo e violento só prejudica as mulheres que atuam na indústria, tornando extremamente difícil a realização de denúncias das violências que podem vir a ocorrer. Isso inclui a propagação da ideia de que tal trabalho equivale a um “estupro pago”, fato que também prejudica as mulheres a denunciarem, as quais ficam expostas a todo e qualquer tipo de violência - máxima de que trabalhadoras sexuais sabem que seu trabalho envolve estupor, então não devem reclamar.94

Por isso, essas feministas buscam enfatizar bem o ponto de que dentro da prostituição, por exemplo, todas as práticas que serão realizadas no atendimento são devidamente estabelecidas antes de sua consumação. Assim, o trabalho sexual deve ser identificado como um trabalho em si, não o comparando com crimes como estupro, tráfico de pessoas e exploração sexual.95 O ponto principal é tratar o trabalho sexual sob uma visão feminista e não vitimista, moralista e punitiva.

Diante do exposto acima, é nítido que existem diversos pensamentos e entendimentos sobre qual lugar a pornografia deveria ocupar na sociedade - ou se não deveria ocupar nenhum. Os diferentes feminismos vão divergir em vários aspectos, mas é possível observar um ponto em comum: todos, de alguma forma, defendem uma modificação da pornografia atual, seja para extinguir, seja para regulamentar, seja para alterar seu conteúdo.

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