VI. A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 3º, § 2º, I, DA LEI 9.718/98: O PREÇO COBRADO DA VENDA DE MERCADORIAS E SERVIÇOS
87.O STF conceitua o faturamento como a receita bruta operacional da venda de mercadorias ou da prestação de serviços oriunda da atividade empresarial típica constante no objeto social da pessoa jurídica.
88.Esse faturamento é obtido mediante os ingressos advindos dos "preços cobrados" das vendas de mercadorias ou das prestações de serviços. Esse "valor" é "pago" pelos adquirentes dessas mercadorias ou pelos destinatários dos serviços prestados. Eis a questão central da presente controvérsia: o preço (valor) cobrado.
89.Ou seja, o valor cobrado do adquirente da mercadoria ou do serviço prestado integra a receita bruta operacional sobre a qual incidirão a COFINS e o PIS. Nesse preço (valor) pago à pessoa jurídica contribuinte das referidas contribuições sociais está contida uma múltipla variedade de custos, inclusive o valor da parcela do ICMS, assim como de outros tributos e de outros "encargos" empresariais. Todos esses valores farão parte do "faturamento" (receita bruta operacional) da pessoa jurídica.
90.A pretensão de escoimar os valores que, em tese, serão destinados ao recolhimento do ICMS, sob o argumento de que pertencem aos Estados federados, não é adequada. Esvaziaria o mandamento constitucional que determina que a COFINS e o PIS devam incidir sobre o "faturamento" (receita bruta operacional), em vez de ser sobre a "receita líquida".
91.A prevalecer a tese de que os tributos (COFINS e PIS, nesta presente situação) devem recair sobre as "vantagens" econômicas dos contribuintes, em vez de ser sobre as várias – e distintas - "grandezas" econômicas estabelecidas no texto constitucional (faturamento, lucro, propriedade territorial, importação ou exportação de produtos, operação de crédito, câmbio e seguro etc.), estar-se-á a enfraquecer os mandamentos constitucionais que visavam apanhar a maior quantidade possível de "realidades" "grandezas" e "agentes" econômicos sujeitos à tributação.
92.Todos devem contribuir com o financiamento estatal e da seguridade social. A exoneração tributária, seja a do agente ou a da grandeza econômica, é excepcional.
93.Não sem razão que o legislador constituinte derivado, em pelo menos três oportunidades (na Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 01.03.1994, e nas Emendas Constitucionais ns. 10, de 04.03.1996, e 17, de 22.11.1997), reconheceu a validade jurídica do significado de "receita bruta operacional" estabelecido na legislação do imposto de renda para efeitos da incidência do PIS das instituições financeiras e das companhias de seguro.
94.Eis os mencionados dispositivos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT:
ECR n. 1/1994:
"Art. 72. Integram o Fundo Social de Emergência:
......
V - a parcela do produto da arrecadação da contribuição de que trata a Lei Complementar n.º 7, de 7 de setembro de 1970, devida pelas pessoas jurídicas a que se refere o inciso III deste artigo, a qual será calculada, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, mediante a aplicação da alíquota de setenta e cinco centésimos por cento sobre a receita bruta operacional, como definida na legislação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza;.... "
EC n. 10/96:
"Art. 72. Integram o Fundo Social de Emergência:
......
V - a parcela do produto da arrecadação da contribuição de que trata a Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, devida pelas pessoas jurídicas a que se refere o inciso III deste artigo, a qual será calculada, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, bem assim no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997, mediante a aplicação da alíquota de setenta e cinco centésimos por cento, sujeita a alteração por lei ordinária, sobre a receita bruta operacional, como definida na legislação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza;..."
EC n. 17/97:
" Art. 2º. O inciso V do art. 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação:
"V - a parcela do produto da arrecadação da contribuição de que trata a Lei Complemetar nº 7, de 7 de setembro de 1970, devida pelas pessoas jurídicas a que se refere o inciso III deste artigo, a qual será calculada, nos exercícios financeiros de 1994 a 1995, bem assim nos períodos de 1ºde janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997 e de 1º de julho de 1997 a 31 de dezembro de 1999, mediante a aplicação da alíquota de setenta e cinco centésimos por cento, sujeita a alteração por lei ordinária posterior, sobre a receita bruta operacional, como definida na legislação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza."
95.Naquela época, o Regulamento do Imposto de Renda – RIR 1994 continha o seguinte enunciado normativo:
"Art. 226. A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados (Decreto-Lei n° 1.598/77, art. 12).
§ 1° Integra a receita bruta o resultado auferido nas operações de conta alheia (Lei n° 4.506/64, art. 44).
§ 2° Não integram a receita bruta os impostos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante, dos quais o vendedor dos bens ou prestador dos serviços seja mero depositário."
96.Ou seja, o PIS (assim como a COFINS) tinha – e ainda tem – a receita bruta (faturamento) como hipótese de incidência. Essa receita bruta era – e continua a ser – entendida como o produto da venda de mercadorias ou da prestação de serviços oriundo da atividade empresarial típica constante no objeto social da pessoa jurídica, como chancelado pela recente jurisprudência assentada pelo STF.
97.Nela – receita bruta/faturamento – estão contidos vários elementos econômicos, inclusive os valores que não deverão ser reconhecidos como seus componentes. Entretanto, naquela legislação, como na atual, os valores do ICMS compunham a receita bruta das pessoas jurídicas. Ou seja, o legislador constituinte derivado reconheceu a validade normativa do conceito jurídico de receita bruta e os seus elementos integrantes.
98.Por isso que o combatido dispositivo legal (art. 3º, § 2º, I, Lei 9.718/98) está em plena harmonia com o mandamento constitucional que determina a incidência da COFINS e do PIS sobre o "faturamento" (receita bruta) das pessoas jurídicas, visto que é da essência desse instituto (receita bruta/faturamento) a inclusão do valor do ICMS em sua composição.
99.Daí porque falsa, concessa venia, a premissa de que a COFINS e o PIS estão a incidir sobre o ICMS pertencente aos Estados federados. Essas cogitadas contribuições sociais não têm o ICMS como base de cálculo, mas o faturamento das pessoas jurídicas. Se "dentro" desse faturamento há valores que serão destinados ao recolhimento do aludido imposto estadual não implica, em hipótese alguma, na incidência de contribuição sobre imposto. E, ainda que implicasse, não há norma constitucional que proíba essa suposta incidência, como mencionou o Ministro Ilmar Galvão em seu voto no recordado RE 212.209.
100.E, reforce-se, no preço a ser pago pelo adquirente do produto ou do serviço está contido o valor que eventualmente deverá ser destinado a título de ICMS. Esses valores ingressam o patrimônio da pessoa jurídica, mediante a cobrança do aludido preço.
101.Nessa senda, certeiro o entendimento de Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (A inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, www.jus.com.br) ao dizer que:
"O ponto central do entendimento favorável ao contribuinte da COFINS é o de que o ICMS ‘cobrado’ do comprador pelo alienante não ingressa no patrimônio do segundo; ter-se-ia, tão-só, um repasse de ônus, o qual não representaria circulação de riqueza.
Esse fundamento central pode ser derrubado pela verificação de que o ICMS, como tributo indireto, integra o preço do produto e, se este é pago pelo adquirente ao alienante, ele (o preço) ingressa totalmente no patrimônio do vendedor, inclusive a parcela correspondente ao ônus tributário.
E acrescentamos outro decorrente: é prova de que o ICMS incorporado ao preço ingressa no patrimônio do vendedor o fato de que, ainda que este não pague esse imposto, terá o comprador arcado com o ônus tributário. Vale dizer, nesse caso de não-pagamento do tributo, o patrimônio do alienante terá, de fato e de direito, sido majorado, enriquecido pelo repasse dum custo tributário que ainda não foi suportado.
Deve-se, ainda, salientar que o raciocínio aqui desenvolvido é válido ainda que o ICMS seja destacado no documento fiscal. Em verdade, o destaque na nota fiscal destina-se tão-só a permitir a apuração do ICMS a ser creditado e o valor a ser pago na próxima operação, servindo à concretização do princípio da não-cumulatividade, como bem observam Hiromi Higuchi, Fábio Higuchi e Celso Higuchi.
Enfim, acolhendo a assertiva de que a pessoa jurídica empresarial alienante é contribuinte de direito do ICMS, os custos com o pagamento desse tributo são custos seus e não custos de terceiros, sendo certo que somente estes – os custos de terceiros – podem ser excluídos do faturamento da empresa."
102.Eis a razão da validade do art. 3º, § 2º, I, Lei 9.718/98. Porque no conceito de receita bruta/faturamento estão os valores que ingressam no patrimônio da empresa mediante a cobrança de preços e porque inexistente vedação constitucional quanto à inclusão do ICMS na composição desse faturamento/receita bruta, base de cálculo do PIS e da COFINS.
VII. A CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR NA ADC 18
103.Como já mencionado, na petição inicial da ADC 18 há requerimento de concessão de medida cautelar, nos termos do art. 21 da Lei n. 9.868, de 10.11.1999, que tem o seguinte enunciado:
"O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até o seu julgamento definitivo".
104.A jurisprudência do STF admite a concessão de medida cautelar quando demonstrada a presença do "fumus boni juris", a revelar que a norma objurgada goza de uma "forte" presunção de validade constitucional, e do "periculum in mora", no sentido de que as decisões contrárias a essa mencionada presunção de constitucionalidade causam situações de insegurança e de incerteza jurídicas.
105.No julgamento da Medida Cautelar na ADC n. 4 (Relator Ministro Sydney Sanches, J. 11.02.1998, DJ. 21.05.1999) o Tribunal concedeu a cautelar requestada forte na tese de que a norma atacada (art. 1º da Lei 9.494, de 10.09.1997) mantinha a presunção de constitucionalidade e que as várias decisões judiciais contrárias a essa mencionada presunção provocavam situações de insegurança e de incerteza jurídicas, inclusive a forçar a Administração Pública a uma substantiva perda de "caixa", a potencializar danos à administração financeira estatal. Eis a ementa do referido acórdão:
"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI N 9.494, DE 10.09.1997, QUE DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR: CABIMENTO E ESPÉCIE, NA A.D.C. REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO.
1. Dispõe o art. 1º da Lei nº 9.494, da 10.09.1997: "Art. 1º . Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos arts 5º e seu parágrafo único e art. 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992."
2. Algumas instâncias ordinárias da Justiça Federal têm deferido tutela antecipada contra a Fazenda Pública, argumentando com a inconstitucionalidade de tal norma. Outras instâncias igualmente ordinárias e até uma Superior - o S.T.J. - a têm indeferido, reputando constitucional o dispositivo em questão.
3. Diante desse quadro, é admissível Ação Direta de Constitucionalidade, de que trata a 2ª parte do inciso I do art. 102 da C.F., para que o Supremo Tribunal Federal dirima a controvérsia sobre a questão prejudicial constitucional. Precedente: A.D.C. n 1. Art. 265, IV, do Código de Processo Civil.
4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102, § 2º, da C.F.
5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na A.D.C., pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar. Precedente do S.T.F.: RTJ-76/342.
6. Há plausibilidade jurídica na argüição de constitucionalidade, constante da inicial ("fumus boni iuris"). Precedente: ADIMC - 1.576-1.
7. Está igualmente atendido o requisito do "periculum in mora", em face da alta conveniência da Administração Pública, pressionada por liminares que, apesar do disposto na norma impugnada, determinam a incorporação imediata de acréscimos de vencimentos, na folha de pagamento de grande número de servidores e até o pagamento imediato de diferenças atrasadas. E tudo sem o precatório exigido pelo art. 100 da Constituição Federal, e, ainda, sob as ameaças noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram.
8. Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex nunc", e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de 10.09.97, sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já proferidas, nesse sentido." – negritamos.
106.A presente situação jurídica assemelha-se bastante àquela recordada na ADC n. 4, porquanto tem havido uma imensa quantidade de decisões judiciais divergentes sobre um tema (a inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS) que era motivo de jurisprudência pacificada, tanto no STF, quanto no STJ (e extinto TFR) e nos demais Tribunais Regionais Federais.
107.A despeito do RE 240.785, no qual já foram externados 6 (seis) votos contrários a essa pacífica jurisprudência, convém recordar que esse julgamento ainda não terminou, sendo possível a modificação dos votos já prolatados. Portanto, ainda não houve a revisão da jurisprudência quanto a esse tema já assentado na jurisprudência nacional. Isso significa que até o presente prevalece o entendimento de que é válida a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.
108.Induvidosamente, foi o início do julgamento do aludido RE 240.785 que provocou a ressurreição dessa matéria outrora sepultada no STF e no STJ e nas instâncias ordinárias. Relembre-se, todavia, que o referido RE 240.785 cuida tão somente da COFINS e sob a égide da LC 70/91. Não trata nem do PIS nem da Lei 9.718/98, tampouco terá o alcance da ADC 18.
109.Uma vez demonstrada a existência dos pressupostos autorizadores da concessão da medida cautelar requestada, em homenagem à segurança jurídica e aos precedentes do STF, do STJ, do TFR e de todos TRFs que em jurisprudência vetusta assentavam a validade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS, da COFINS (e do FINSOCIAL), e para resguardar a conveniência e o planejamento da administração tributária, convém sobrestar todos os efeitos que versem sobre o tema cogitado e suspender todas as decisões de decisões contrárias à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, até o pronunciamento definitivo do STF na ADC 18.