Resumo: O presente artigo tem por objetivo abordar a questão da aplicação do princípio da insignificância a réus reincidentes, explorando os desafios e dilemas associados a essa situação. Serão examinados alguns critérios para acentuar pontos favoráveis a essa aplicação, considerando a gravidade do novo delito e o histórico criminal do réu. O texto busca um equilíbrio entre a utilização do princípio da insignificância e a necessidade de proteger a sociedade diante da reincidência, ponderando princípios como proporcionalidade e ressocialização. O debate destaca a complexidade jurídica envolvida na tomada de decisões relacionadas a réus reincidentes e a aplicação desse princípio específico.
Palavras-chave: Princípio, Insignificância, Penal, Aplicação, Reincidência.
Sumário: 1. Introdução; 2. Do princípio da insignificância; 3. Requisitos para a aplicação do princípio da insignificância; 4. Da reincidência; 5. Reincidência usada como fator determinante na aplicação nos tribunais; 6. Da celeridade processual: aplicação do Princípio da Insignificância pelo Delegado de Polícia; 7. Conclusão; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico contemporâneo enfrenta desafios complexos na adequação da justiça penal aos casos concretos, especialmente quando se depara com casos envolvendo réus reincidentes, cujo histórico criminal sugere uma propensão à prática de delitos.
Nesse contexto, é preciso analisar os dez axiomas do direito penal, delineados pela doutrina como princípios basilares que norteiam a construção de um sistema penal justo e equânime, que fornecem um arcabouço teórico essencial para a compreensão dessa problemática. Desde a dignidade da pessoa humana até a necessidade de individualização da pena, esses axiomas moldam a arquitetura do direito penal moderno, demandando uma análise cuidadosa sobre sua aplicabilidade em casos nos quais a insignificância do fato delituoso colide com a reincidência do agente. Nessas circunstâncias, o Princípio da Insignificância emerge como uma ferramenta jurídica de relevância, capaz de suscitar debates e questionamentos sobre sua aplicação quando confrontado com a reincidência criminal.
Também é preciso compreender, com base nos princípios do jurista italiano Luigi Ferrajoli, que segue a linha de pensamento de Beccaria, um filósofo notável na busca por uma legislação penal mais compassiva, o Garantismo, como conceito normativo em Estados Democráticos de Direito, que visa restringir a função punitiva do Estado para reduzir a violência e ampliar a liberdade. Essa abordagem se apoia em valores iluministas e liberais da tradição jurídica. O Garantismo penal é caracterizado por certos requisitos fundamentais típicos de Estados onde os direitos fundamentais são considerados supremos. Esses requisitos são chamados de axiomas por Ferrajoli, que os descreve como proposições normativas que estabelecem condições para um sistema penal adequado. Dos axiomas garantistas derivam princípios cruciais para o Direito penal substantivo e processual, visando principalmente limitar o poder punitivo do Estado.
O Princípio da Insignificância, desenvolvido pela doutrina e jurisprudência, busca direcionar a atuação do sistema penal para situações em que a lesão ao bem jurídico tutelado é mínima ou irrelevante. Contudo, quando confrontado com réus reincidentes, surgem questionamentos éticos e pragmáticos sobre a eficácia desse princípio e sua adequação diante de históricos criminais prévios. Diante desse cenário, torna-se imperativo examinar até que ponto a reincidência deve influenciar a aplicação do Princípio da Insignificância, considerando tanto a proporcionalidade das sanções quanto a busca por uma justiça efetiva e equitativa.
Vale ressaltar, ainda, que o Direito Penal foi criado como um ramo do Direito para tutelar bens jurídicos relevantes, sendo possível extrair que tal principio mencionado seria uma forma de resguardar a ultima ratio do direito, muito além de condições subjetivas do agente ou da vítima, sem exaltar a moral de cada um.
Assim, este artigo propõe-se a explorar a interseção entre o Princípio da Insignificância e a condição de reincidente, analisando como esses elementos coexistem no cenário jurídico e influenciam as decisões judiciais. Serão abordadas análises doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais, com o intuito de fornecer uma visão abrangente sobre a aplicação desse Princípio em casos de reincidência. A complexidade desse tema demanda uma reflexão aprofundada sobre a harmonização de princípios fundamentais do Direito Penal, como a proporcionalidade, a individualização da pena e a ressocialização do condenado.
DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, é um conceito jurídico que tem como base a ideia de que o sistema penal não deve se dedicar a condutas que apresentem mínima relevância ou causem danos insignificantes.
Esse princípio tem sua origem na proporcionalidade das penas, buscando garantir que o Direito Penal seja aplicado de maneira justa e equilibrada. Ele aduz que, em situações em que o dano é mínimo e não há risco significativo para a sociedade, a aplicação de sanções penais seria desproporcional.
A importância do princípio da insignificância está relacionada à eficiência e à justiça do sistema penal. Ao filtrar casos de menor gravidade, permite que o sistema judiciário concentre seus recursos em situações mais significativas e que representem ameaças efetivas à segurança e à ordem pública. Além disso, contribui para evitar a sobrecarga do sistema carcerário com indivíduos que cometeram delitos considerados de pouca relevância.
No entanto, é importante notar que a sua aplicação deve ser cuidadosa e baseada em critérios bem definidos. A interpretação e o alcance do princípio podem variar em diferentes sistemas jurídicos, e sua aplicação muitas vezes envolve uma análise detalhada das circunstâncias específicas de cada caso.
A lógica por trás desse princípio é que, ao não criminalizar ou ao aplicar penas mais leves em casos de baixa gravidade, evita-se a inclusão de indivíduos de menor periculosidade no sistema prisional. Dessa forma, a população carcerária tende a ser composta por pessoas que cometeram crimes mais sérios, representando uma ameaça mais substancial para a sociedade.
Inicialmente, na época da vingança privada, a sociedade apresentava uma reação eminentemente coletiva e orientada contra o membro que havia transgredido a convivência social, levando em conta princípios morais e éticos e, é nesse cenário que o Direito Penal surge, quando o Estado vence a atuação familiar e impõe sua autoridade para suprimir a vingança privada e implementar critérios de justiça.
Por conseguinte, o processo penal, por exemplo, torna-se uma das ferramentas do poder punitivo sendo um caminho legítimo. Porém, há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade e, por ser o ramo do Direito mais gravoso, tem caráter fracionário, visto que, se comporta como a ultima ratio do sistema para a proteção daqueles bens e interesses de maior importância para o indivíduo e a sociedade a qual pertence.
Nesse sentido, o Direito conceituou crime, dentro da teoria de mesmo nome, como fato típico, ilícito e culpável e, inserido nessa tipicidade, trouxe o princípio da insignificância como forma, inclusive, de assegurar a ultima ratio, visto que, a tipicidade requer uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses se enquadraria apta há compor o injusto típico. Segundo esse princípio, que Tiedemann (2021) chamou de princípio de bagatela, é categórico que haja uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a extravagância punitiva da intervenção estatal.
Dessa forma, como qualquer outro ramo do Direito, o Direito Penal também apresenta fragilidades, que se dão principalmente por sua natureza gravosa. Sua atuação é delimitada pela necessidade de preservar bens jurídicos de extrema importância, exigindo uma cuidadosa ponderação entre a gravidade da conduta e a intervenção estatal para buscar uma justiça penal que considere a relevância real das condutas no contexto social.
Todavia, existe uma complexidade da relação entre a reação social e o surgimento do Direito penal, evidenciando a importância de compreensão dessa dinâmica, o que contribui para uma reflexão crítica sobre a função e limitações na busca pela justiça e equidade na sociedade.
Frise-se que esse princípio tem como base parâmetros objetivos que, segundo o ministro Gilmar Mendes em sua decisão proferida no RHC 210198, devem ser os únicos, de fato, a serem analisados para a aplicação ou não no caso concreto.
Ainda sobre a insignificância, entende o Supremo Tribunal Federal que este princípio fragmenta a tipicidade em tipicidade formal e tipicidade material, fazendo com que a norma penal em abstrato sofra dois tipos de adequação típica. A primeira adequação seria correspondente ao direito positivado, ou seja, se determinada conduta praticada se acomodaria no tipo penal, na lei, e a segunda seria, estabelecer um juízo valorativo, observando se tal conduta lesaria o bem jurídico passível de ser penalmente tutelado.
Nesse sentido a tipicidade, por sua vez, divide-se em subjetiva e objetiva, senão vejamos a análise de Guilherme de Souza Nucci (2023):
A O primeiro é a parte do tipo penal referente unicamente aos elementos objetivos, aqueles que não dizem respeito à vontade do agente (exemplo: art. 155, subtrair coisa alheia móvel). Como diz Carnelutti, não há necessidade de definir a circunstância objetiva. São todas as circunstâncias que não são subjetivas (não há necessidade de dar mais que esta noção negativa).[9]
O segundo é constituído da parte do tipo ligada à vontade do sujeito, podendo ela estar implícita, como ocorre com o dolo, bem como explícita, quando houver expressa menção no tipo penal a respeito de finalidade (exemplo: no caso do furto, pode-se dizer que o tipo subjetivo é o dolo e também a específica finalidade para si ou para outrem). - destaquei. (NUCCI, 2023).
Nessas circunstâncias, atualmente, adotamos a teoria de um tipo penal complexo, com parte objetiva e subjetiva, a qual se denomina conglobante. Nesse modelo, o juízo de tipicidade comporta, assim, análise objetiva e subjetiva, ou seja, avalia-se o aspecto interno do sujeito, tal como, vontade, objetivos e, a parte externa, como, resultado naturalístico. Assim, algo pode preencher o tipo legal, mas, avaliando-se a conduta a partir do viés conglobante, isto é, com as demais regras do ordenamento jurídico, constata-se que o bem jurídico protegido não foi de fato afetado.
Para mais, visualiza-se cotidianamente que o princípio da insignificância é aplicado de forma acrítica, principalmente porque em se tratando de crimes tributários federais quando há débito tributário, a sua aplicação é pautada apenas em critérios objetivos, estabelecendo não ultrapassar o limite de R$ 20 mil a teor do disposto no artigo 20 da Lei 10.522/2002. No entanto, em crimes de cunho patrimonial são levados em consideração questões subjetivas do agente. Logo, nota-se uma discrepância para a aplicação da bagatela, o que aflora o questionamento de porquê então nesta situação jurídica do crime tributário, cometido por uma parcela social, é aplicada insignificância e quando o contexto social muda são acrescentadas barreiras para aplicação objetiva?
Por fim, é possível notar que a principal critica a esse principio se norteia por questões morais como a teoria das janelas quebradas, visto que, a teoria assevera que a punição a pequenas infrações impede que estas se tornem maiores futuramente. Contudo, essa tese cai por terra, com exemplo prático no Brasil, em que a média de reincidência no primeiro ano após reclusão é em torno de 21%, progredindo até uma taxa de 38,9% após 5 anos, o que, por si só, demonstra que agravar pequenas punições não tem tido resultados práticos.
REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Desde que o princípio da insignificância surgiu em nosso ordenamento jurídico, junto a ele, alavancaram-se diversas discussões sobre como ele deveria ser aplicado, principalmente pela sua falta de previsão legal, o que gera receio quanto a sua aplicabilidade. Nesse sentido, no Brasil ele passou a ser utilizado como um critério que visa excluir a tipicidade penal de condutas de mínima relevância, embasado por diferentes critérios que orientam a sua aplicação.
Assim, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento no sentido de que, para a sua efetiva aplicação, é preciso analisar: a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica.
Portanto, em 2004, através do julgamento do HC 84.412, que teve como relator Ministro Celso de Mello, ocorreu a fixação de certos parâmetros para aplicação do princípio da insignificância no Supremo Tribunal Federal. Vejamos:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGINTIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQUENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – “RES FURTIVA” NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TRONO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL – O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal -tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoio-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DEMINIMIS, NON CURAT PRAETOR”. O sistema jurídico há de se considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Todavia, mesmo diante dessa decisão, existem membros do judiciário que insistem em salientar que tal princípio peca pela falta de critérios e de positividade no ordenamento jurídico, a exemplo da seguinte decisão:
APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO SIMPLES - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INVIABILIDADE - COROLÁRIO QUE NÃO FOI RECEPCIONADO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO - ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO DEFENSOR DATIVO - NECESSIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Impossível acolher a pretensão defensiva de aplicação do princípio da insignificância, pois o referido corolário não foi recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro, constituindo inovação que se sobrepõe ao texto legal e que desconsidera a ofensividade que a ação delitiva, por si só, traz consigo, sobretudo quando praticada por réu reincidente em crime doloso anterior.
Por se tratar de direito subjetivo do causídico, devem ser fixados honorários advocatórios em favor do Defensor Dativo oficiante, de acordo com os termos das teses fixadas no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n. 1.0000.16.032808-4/002, cuja eficácia vinculante orienta a estabilidade, integralidade e coerência do tema no âmbito desta Corte. INÍCIO IMEDIATO DA EXECUÇÃO DA PENA DIANTE DA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA PELO ÓRGÃO COLEGIADO - IMPOSSIBILIDADE - JULGAMENTO DAS ADC nº 43, 44 E 54 PELO STF - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 283. DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Conforme determinação do Supremo Tribunal Federal no recente julgamento das ADC nº 43, 44 e 54, não mais se mostra possível a execução provisória da pena, diante do reconhecimento da constitucionalidade do art. 283. do Código de Processo Penal. v.v.p. FURTO SIMPLES - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO - INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO - REINCIDÊNCIA - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. Princípio da Insignificância (bagatela) é aplicável no ordenamento jurídico brasileiro, conforme entendimento dos Tribunais Superiores. Tratando-se de réu reincidente não se faz cabível a aplicação do princípio da insignificância. (Des. Bruno Terra Dias).
Mas ainda assim existem decisões que respeitam os critérios basilares, como a do Ministro Gilmar Mendes no RHC 210.198:
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus com pedido de medida liminar, interposto por Eduardo Gomes Messias, contra acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento ao Agravo Regimental no HC 552.039 – DF.
Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática do delito descrito no art. 155, caput, do Código Penal (furto de uma peça de picanha, avaliada em R$ 52,00), à pena de 1 ano de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto.
Sobreveio apelação criminal, que manteve a sentença por seus próprios fundamentos.
Daí a impetração de habeas corpus no STJ postulando, em suma, a aplicação do princípio da insignificância.
A ordem foi denegada.
DA REINCIDÊNCIA
O conceito de reincidência encontra-se definido no artigo 63 do Código Penal, sendo classificada como uma agravante genérica, conforme estabelecido no artigo 61, inciso I, do mesmo diploma legal.
Nesse sentido, os elevados índices de reincidência têm sido consistentemente apontados como um dos principais indicativos do fracasso efetivo da pena privativa de liberdade, apesar da suposição de que os reclusos passem por um processo ressocializador durante a reclusão.
A reincidência, apesar dos efeitos criminógenos associados à prisão, tem sido utilizada como justificativa para agravar penas, recusar benefícios penitenciários, impedir a concessão de recursos em liberdade, determinar regimes mais rigorosos de cumprimento de pena, vetar a substituição da prisão por penas alternativas ou negar a aplicação do sursis.
Percebe-se, portanto, que a configuração da reincidência requer como condição que o indivíduo tenha sido sentenciado anteriormente em um veredicto que já tenha se tornado definitivo, ou seja, já tenha transitado em julgado. Não se considera reincidente o sujeito que comete outros delitos ao longo do processo.
Posto isso, conforme a doutrina é possivel identificar duas espécies de reincidência, a real que ocorre quando o agente comete um crime e cumpre toda pena imposta para só assim cometer um novo crime, e a reincidência ficta, quando o agente pratica um novo crime antes de cumprir totalmente pena do crime anterior, ocorrendo apenas o trânsito em julgado. A segunda foi adotada por nossa legislação.
Para mais, fazendo um resgate da introdução deste artigo, desde os primórdios até a Antiguidade desconheceu-se a privação de liberdade, por mais que possam ser encontrados resquícios de pena privativa de liberdade, as penas em sua maioria eram físicas, no intuito de punir e coibir a população ou até mesmo como vingança. Contudo, a prisão evoluiu e passou a ser a principal resposta penológica, sendo um meio adequado para conseguir a reforma do transgressor.
Por isso, durante muito tempo acreditou-se que as prisões eram um ambiente otimista, um instrumento idôneo para realizar todas as finalidades da pena e possivelmente reabilitar o delinquente. No entanto, a deficiência das condições penitenciárias existentes na maior parte dos países de todo o mundo se tornou e se torna cada vez mais evidente, como o resultado de uma negligência da sociedade e, principalmente, dos governantes que têm ignorado o problema penitenciário, depreciando um ambiente que a princípio deveria converter à pena privativa de liberdade em um meio efetivamente reabilitador.
Nesse sentido, Bittencourt (2018) em seu livro faz uma critica a reincidência pontuando:
A prisão, em vez de conter a delinquência, tem-lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações. A literatura especializada é rica em exemplos dos efeitos criminógenos da prisão. Enfim, a maioria dos fatores que domina a vida carcerária imprime a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica, as condições materiais e humanas podem exercer efeitos nefastos na personalidade dos reclusos. Mas, apesar dessas condições altamente criminógenas das prisões clássicas, tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente, a culpa pela eventual reincidência, ignorando-se que é impossível alguém ingressar no sistema penitenciário e não sair de lá pior do que entrou.
Ultrapassada a reincidência, examina-se agora a sua conexão com o princípio da insignificância, analisando se é minimamente crível avaliar a agravante no contexto do denominado delito de bagatela.