RESUMO: A luta feminina no Brasil por direitos civis e políticos – embora fosse realidade desde os tempos do império, ganhou forças a partir do início do século XX. O movimento sufragista presente na Europa e nos Estados Unidos da América alcançaram terras brasileiras, onde muitas mulheres e outros grupos excluídos se uniram com um único propósito: ter seus direitos de cidadania reconhecidos, a começar pelo direito ao voto. Diante disso, esse estudo buscou por meio de pesquisa bibliográfica exploratória apresentar o processo de evolução da participação feminina no contingente político brasileiro no decorrer das últimas décadas. A pesquisa evidenciou que, até 1932, o movimento feminino ou as sufragistas brasileiras validaram alianças, trabalharam articulações e eclodiram manifestações para que elas pudessem também exercer o direito do voto. Com a promulgação da Constituição de 1934 as mulheres – embora com algumas exclusões – passaram a ter o direito à cidadania assegurado pela constituição brasileira, o que abriu precedentes para outras conquistas como: direito ao trabalho, direito à educação e também, direito a se candidatar a cargos públicos eletivos chegando a eleger a primeira deputada do país em 1933 e décadas depois, elegendo uma mulher como presidenta da República no ano de 2010. É fato que a análise dos números de mulheres na política brasileira– especialmente das negras – ainda deixa muito a desejar e implica que muitas batalhas ainda terão que ser travadas ao longo dos próximos anos para que as mulheres – brancas, pardas ou negras – ocupem o espaço que lhes garantam proporcional representatividade. Todavia, é inegável que as mulheres brasileiras evoluíram e muito no contexto político nacional ao longo das últimas décadas.
Palavras-chave: Mulheres na política, sufrágio feminino, representatividade política.
INTRODUÇÃO
De acordo com Murça (2020) a luta pública das mulheres por igualdade nos direitos e por uma vida com mais acesso a oportunidades e liberdade começou ainda no século XIX, tornando-se mais expressivo nas demandas por direito ao voto e por condições igualitárias de trabalho em várias partes do mundo. Para a autora (2020), no Brasil os movimentos feministas ganharam força a partir do ano de 1920. Sendo influenciado pelos feitos de militantes como a educadora Nísia Floresta, o movimento feminista brasileiro lutava pelo direito ao voto e a educação e também, pela liberdade feminina.
Na luta pelo direito ao voto, também denominado sufrágio feminino, Karawejczyk (2019) esclarece que, o sufrágio surgiu no Brasil como um meio de confrontar a exclusão sofrida pelas mulheres no âmbito político. A luta ganhou forças à medida em que as mulheres perceberam que, muitas das demais desigualdades por elas sofridas tinham origem na política de modo que, passou a ficar claro que, desigualdades sofridas nas esferas legal, econômica e da educação só seriam corrigidas se elas alcançassem o direito político e diante dessa perspectiva, mulheres de todas as partes do país se uniram – independente de raça, cor, condição social e religião – com um único propósito: ter reconhecidos os seus direitos políticos; a começar, pelo direito ao voto.
Segundo Tosi (2019), até o ano de 1932 no Brasil, o voto era um direito exclusivo dos homens, especialmente dos homens ricos ou nobres. De forma que, embora, muito reivindicado, esse direito foi negado durante muitos séculos às mulheres brasileiras, tornando-se uma realidade apenas com a instituição do Decreto 21.076 que passou a integrar o Código Eleitoral no Brasil, sendo posteriormente consolidado com a promulgação da Constituição Federal de 1934.
Embora o direito ao voto tenha se concretizado apenas após a constituição da República Brasileira, Karawejczyk (2019) explica que a luta feminina por igualdade política começou ainda nos tempos do império. No entanto, a diminuição da figura feminina frente aos homens, foi sempre o argumento mais utilizado para manter a mulher sob o domínio masculino:
“Desde antes da implantação da República, mulheres apareceram contestando o seu lugar no mundo público, sofrendo as mais variadas críticas e admoestações. A permanência e a insistência de um tipo de argumento baseado na incapacidade feminina para lidar com o mundo público e político é encontrado em vários momentos da nossa
história. Piadas, charges e zombarias das mais diversas eram utilizadas como uma forma de inibir/desacreditar/humilhar as mulheres que procuravam se inserir no espaço público” (KARAWEJCZYK, 2019, P. 11).
De acordo com Nadal (2018), dentre as conquistas que resultaram dos movimentos feministas ao redor do mundo, está o dia internacional da mulher que acaba por registrar o avanço das conquistas feministas resultantes dos diversos movimentos de igualdade de gênero propostos ao longo do século XX. Entretanto, embora tenham avançado e muito na conquista por muitos dos seus direitos, Vieira (2019) explica que, os progressos vivenciados pelas mulheres ainda estão longe de alcançar a equidade, ou seja, por mais que tenham evoluído – se compararmos com outros períodos da história – as mulheres ainda não vivenciam igualdade ou paridade frente ao universo masculino, especialmente quando se trata de representatividade no mundo político ou na esfera do poder público. Essa disparidade cresce ainda mais quando os números relatam a representatividade das mulheres negras.
Tendo em vista os avanços oriundos das lutas das mulheres por igualdade ao longo dos séculos, bem como a existência de desafios ainda a serem superados, esse estudo visa compreender a evolução da participação feminina no cenário político Brasileiro principalmente a partir dos anos de 1988, com a instituição da Constituição da República Federativa do Brasil, e para tanto, pretende responder a seguinte questão:
- Como tem se dado a evolução da participação das mulheres na política brasileira a partir de 1988?
Justificativa
De acordo com Birolli (2018), mesmo sendo mais de 50% da população brasileira, as mulheres são sub representadas no âmbito do poder público, haja vista que, os percentuais de mulheres presentes nas esferas de governo são drasticamente menores que o número real da população. Embora participem muito ativamente da vida pública, o número de mulheres em cargos elegidos por voto popular, deixa evidente que as mesmas ainda sofrem exclusão no contexto da política no Brasil:
“Quando falamos em participação, no entanto, há algo mais do que o voto em jogo. O direito a votar pode ser definido como uma forma relativamente fraca de igualdade política se não é acompanhado por chances reais de se eleger. É que o voto corresponde à escolha, por um eleitorado amplo, de quem vai atuar politicamente nos espaços de tomada de decisão, enquanto a baixa aleatoriedade de gênero no acesso a cargos significa que as mulheres são excluídas sistematicamente de tomar parte no grupo dos que decidem efetivamente quais serão as leis e políticas vigentes no país” (BIROLLI, 2018, S/P).
Nesse ínterim, Gaspar (2020) elucida que, embora as mulheres representam 51% de toda a população brasileira, elas ocupam apenas 12% dos cargos políticos disponíveis no país. Dentre os muitos desafios enfrentados pelas mulheres que decidem seguir a carreira política estão: menor visibilidade pública, quantidade menor de espaço na TV e de recursos financeiros, discriminação dentro dos próprios partidos, além de assédios de cunho moral e dificuldades para acessar os recursos disponibilizados pelo fundo eleitoral. Não obstante todos esses entraves, a mulher que almeja enveredar por caminhos políticos no Brasil ainda precisa lidar com o preconceito de serem vistas como figuras não respeitáveis no cenário político, haja vista que, em nossa sociedade patriarcal ainda impera o pensamento de que política não é lugar para mulheres.
Vale mencionar também, que segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 54% da população brasileira é constituída por pessoas negras e 27% das mulheres brasileiras se declaram negras. No entanto, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), no contexto político nacional mulheres negras são apenas 2% do Congresso Nacional e ocupam espaço menor que 1% na Câmara dos Deputados.
Birolli (2018) defende que, bem mais do que hastear bandeiras de igualdade, eleger mulheres para cargos políticos está diretamente ligada à manutenção da democracia, de maneira que, ao buscar a sua representatividade no espaço político, as mulheres estão também buscando construir uma sociedade mais justa e igualitária:
“Ao mesmo tempo, em uma sociedade na qual altíssimos níveis de desigualdade – que não se limitam ao gênero, mas explicitam o racismo, as hierarquias de classe e a homofobia, limitam as garantias mais básicas de vida e bem-estar, a eleição de mulheres não é, como tal, suficiente se for descompromissada com a construção de uma sociedade mais justa. Chamo a atenção, no entanto, para o fato de que sua exclusão é, em si, uma injustiça e um déficit democrático. O cenário de profunda sub-representação das mulheres na política, que temos tido dificuldade para superar, reduz a possibilidade de que mais da metade da população tenha sua experiência e seus interesses levados em conta no âmbito estatal. É um quadro que contradiz qualquer movimento para a construção de uma sociedade justa e democrática” (BIROLLI, 2018, S/P).
Tendo em vista o contexto apresentado, fica evidente que debater o assunto e expor os fatos tais como acontecem constituem passos elementares para que a cultura do machismo na política seja superado, bem como, para a construção de uma sociedade de fato igualitária e democrática. Sendo assim, a elaboração dessa pesquisa se justifica em razão da real necessidade de mudança no contexto de sub-representação das mulheres brasileiras no ambiente político, de forma que, a conscientização da sociedade e a identificação das barreiras às serem superadas, são imprescindíveis para a efetiva evolução das mulheres na esfera da política nacional.
A realização desse estudo se justifica ainda, por tratar-se de tema que deve ser ocupação e interesse de todos. E para tanto, esse estudo é relevante para todos aqueles que tenham por objetivo aprofundar seus conhecimentos sobre o tema aqui abordado, seja para ampliação de conhecimentos pessoais ou para desenvolvimento dos mesmos em contexto social.
Por fim, do ponto de vista acadêmico este estudo é justificável, pois representa componente obrigatório parcial para habilitação no projeto de extensão ministrado aos alunos do curso de Direito do Centro Universitário Una em sua unidade Linha Verde.
Objetivos
No intuito de estabelecer satisfatoriamente o alcance da meta proposta para a pesquisa, este estudo adotou como objetivo geral a seguinte temática:
- Apresentar a evolução da participação feminina no cenário político nacional.
Objetivo Geral
No intuito de estabelecer satisfatoriamente o alcance da meta proposta para a pesquisa, este estudo adotou como objetivo geral a seguinte temática:
- Apresentar a evolução da participação feminina no cenário político nacional.
Objetivos Específicos
Para o direcionamento do trabalho e melhor atingimento da perspectiva abordada pelo estudo, enumerou-se os seguintes objetivos específicos:
Introduzir contexto histórico de mulheres na política;
Investigar a importância da participação feminina no cenário político brasileiro;
Pesquisar os índices de mulheres negras que ocupam cargos políticos;
Apresentar a evolução da representatividade feminina na política.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Com o propósito de atribuir credibilidade e embasamento aos resultados apresentados por este trabalho, fez-se necessário levantamento e estudo bibliográfico de modo a fundamentar as perspectivas estabelecidas. Para tanto, constam nos tópicos que seguem o referencial fundamentador dessa pesquisa.
A luta feminina por igualdade: breve contexto no Brasil
De acordo com Lobato (2018), a luta das mulheres por igualdade começou na segunda metade do século XIX e as principais reivindicações diziam respeito ao acesso a melhores condições de trabalho, além de direitos de cunho social e político. Iniciado nos países europeus, os movimentos femininos surgiram de revoluções operárias, rompeu as barreiras continentais e chegou à América. No Brasil a luta resultante desses movimentos perduraram até o final do século XX.
Segundo Tosi (2019), o século XIX foi marcado pelas batalhas por direitos. No período em que os homens brancos e bem abastados eram os únicos que possuíam direitos nos âmbitos civil, social e político; o sufrágio mundial – também denominado universal – preconiza a luta que reivindica o acesso aos direitos civis, sociais e políticos para todos, haja vista que, cada indivíduo constitui um cidadão máxima negligenciada durante muitos séculos.
Nadal (2018) explica que, no Brasil os movimentos que buscavam a conquista de direitos às mulheres ganharam força nos primeiros anos do século XX; assim como em outras partes do mundo, as principais reivindicações giravam em torno de condições mais dignas no ambiente de trabalho e por mais qualidade de vida em geral. A partir dos anos de 1920 a 1930, o sufrágio feminino reforçou a luta feminina no país e trouxe como fruto o decreto que permitia às mulheres exercerem a sua cidadania através do voto.
Karawejczyk (2018) defende que, a luta por direito ao voto foi apenas um meio para que a classe feminina tivesse acesso aos direitos inerentes da cidadania, de forma que, as reivindicações por direito a votar foram apenas precursoras para que as mulheres – excluídas durante muitos anos – tivessem reconhecida a sua plena cidadania:
“A conquista do voto era percebida por essas mulheres como um meio para atingir outros fins e não como um fim em si. Nesse sentido, o movimento sufragista brasileiro fez parte de um interesse específico das mulheres que, como um grupo organizado, tinham uma demanda em especial: o reconhecimento da sua cidadania através do direito de votar e serem votadas. Em 1910, foi formada, na capital federal, a primeira associação feminina no Brasil com este intuito
– liderada pela professora e indigenista Leolinda de Figueiredo Daltro – o Partido Republicano Feminino” (KARAWEJCZYK, 2018, P.11).
Para Madrigal (2016), no Brasil assim como em todas as partes do mundo, a classe feminina esteve sempre em segundo plano, de modo que, os seus direitos e necessidades nunca se mostraram prioridades dentre as muitas esferas que constituem as sociedades. De sorte que os direitos conquistados até aqui, tais como: direito ao voto, direito à educação, direito de trabalhar fora, direito ao controle da natalidade, emancipação civil, dia internacional da mulher dentre outros direitos, foram resultados de muitas batalhas travadas ao longo dos séculos.
Tosi (2019) esclarece que, atualmente, as mulheres passaram a ocupar posição diferente daquela exercida até o início do século XX, de modo que, nos dias de hoje não resta a mulher apenas o papel de “esposa, mãe e dona de casa” como lhe foi atribuído outrora. Os movimentos de luta pelos direitos femininos ampliaram de maneira significativa o papel exercido pelas mulheres nas sociedades. Entretanto, mesmo passando a exercer papel de protagonismo, as mulheres ainda lutam para superar a discriminação e para terem assegurados os direitos que lhes são assegurados pela legislação brasileira e com certeza, a maior batalha que as mulheres ainda enfrentam nos dias atuais, diz respeito ao preenchimento de espaços nas esferas de poder.
O Direito ao voto feminino no Brasil
Tal como apresentado anteriormente, o direito ao voto feminino no Brasil só se tornou realidade em 1932 com a promulgação da Constituição de 1934. No entanto, a luta feminina por esse direito começou ainda nos tempos do Império. Sendo assim, Karawejczyk (2019) afirma que, já no ano de 1917 circulavam pelo Parlamento Nacional projetos de lei e propostas de emendas à Constituição que defendiam os direitos políticos para as mulheres. Contudo, mesmo diante dessas perspectivas as mulheres continuaram a ter seus direitos ignorados.
Carvalho (2014) elucida que, com a independência de Portugal, a Constituição de 1824 regulava os direitos políticos no Brasil, de maneira que, segundo a constituição, só tinham direito ao voto ou a serem votados homens com idade igual ou superior a 24 anos e que possuem renda de no mínimo 100 mil réis. Todos os homens que cumpriam esses requisitos eram obrigados a votar. As mulheres por sua vez, não podiam exercer tal papel, bem como os escravos que de fato, não recebiam o título de cidadão.
Diante de tal perspectiva, Santos & Santos (2016) apontam que, como meio para defesa das reivindicações femininas, foi fundada em 1922 – pela ativista Bertha Lutz – a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). A FBPF tinha por objetivo reunir mulheres na luta por direitos básicos que lhes eram negados. Outros grupos como a Aliança Nacional das Mulheres (ANM) se destacaram na luta enfática para que as mulheres tivessem direito à cidadania no Brasil a começar pelo exercício irrestrito do voto.
Karawejczyk (2018) aponta que, um dos avanços mais significativos na luta pelo direito ao voto feminino no Brasil se deu no ano de 1927 com a aceitação do alistamento feminino no estado do Rio Grande Norte, o que por consequência, implica no direito feminino ao voto. Tal aceitação, impulsionou os movimentos reivindicatórios, de maneira que, pressionou o parlamento brasileiro a analisar os projetos de lei e emendas que previam tal direito às mulheres.
Santos & Santos (2016) também defendem a importância do ato do Senador Juvenal Lamartine, então senador do Rio Grande do Norte, que em 1927 teve a sua solicitação de inserção das mulheres no cenário político do estado atendida através da lei n° 660/27 elevando a reivindicação para o âmbito nacional:
“A inserção das mulheres como eleitoras no estado do Rio Grande do Norte, teve como consequência colocar em pauta, a nível nacional e internacional o voto feminino. O debate chegou na Comissão de Justiça do Senado, onde obteve parecer favorável de Aristides Rocha, porém, deparou-se com uma medida protelatória do Senador Thomás Rodrigues, contrário ao voto feminino. Este foi o caminho encontrado pelos opositores ao sufrágio feminino: usar de todas as medidas, que pudessem inibir e retardar a conquista de tal direito as mulheres” (SANTOS & SANTOS, 2016, P. 17).
De acordo com Alves (1980), em 1928 o estado do Rio Grande do Norte teve sua primeira prefeita eleita no município de Lajes. No mesmo pleito, a ampla participação feminina contribuiu para a eleição de um Senador Federal o que resultou em uma discussão em âmbito federal sobre a validade dos votos femininos. Tendo em vista que o direito ao voto feminino se limitava ao estado potiguar e o cargo de senador abrange a esfera federal, tal debate foi encaminhado para a Comissão de Poderes.
Diante disso, Santos & Santos (2016) esclarecem que, tal discussão tornou o momento oportuno para as feministas estabelecerem maiores articulações. Dessa forma, o movimento sufragista passou a mobilizar personalidades da época para que pudessem defender a causa feminina. Alves (1980, p. 120) evidencia que, dentre as iniciativas, o movimento pró voto feminino tratou de divulgar opiniões favoráveis ao movimento em que os juristas do Senado evidenciaram que a anulação dos votos femininos constituía um ataque às funções do poder judiciário. Além disso, “distribuíram material de propaganda, cartões postais com citações de juristas famosos, folhetos com discurso de parlamentares, mapa-múndi indicando os países onde existia o voto”. De outro modo, “compareciam às discussões, conversando e argumentando com os parlamentares”. Em síntese, o movimento tratava de manter a “pressão sobre o congresso”.
Carvalho (2014) esclarece que, os anos de 1930 foram marcados por uma reviravolta política no cenário nacional e em 1932, o Brasil passava por um período de transição e como resultados das muitas inquietações da população quanto a situação política – oriunda da ruptura entre Minas Gerais e São Paulo - para que fosse possível a governabilidade o cenário exigia a junção de alianças.
Santos & Santos (2016) avaliam que, após a ascensão do governo provisório no Brasil, foi reacendido no âmago das feministas a possibilidade de se redigir uma nova Constituição e para tanto, Getúlio Vargas incumbiu o jurista Carlos Maximiano para comandar a comissão que estudaria a reforma eleitoral. Contudo, o presidente da comissão mostrava-se contrário à ideia do voto feminino. Mesmo com a contrariedade de Maximiano, após articulações entre seus aliados, foi promulgado em 1932 o Código Eleitoral que concebia o voto secreto bem como, assegurava o direito ao voto às mulheres.
De acordo com Álvares (2014), o Código Eleitoral de 1932 além de resguardar o direito feminino ao voto e também, deu origem ao direito eleitoral no Brasil:
“O Código Eleitoral de 1932 foi o primeiro vigente no país, surgindo com ele o direito eleitoral brasileiro. Até então, o sistema regido por Leis e Decretos que criaram modificações substantivas nas normas eleitorais. No novo estatuto legal, as mais importantes características foram a instituição do voto feminino e a adoção do voto universal direto e secreto. O artigo 2º caracteriza o eleitor pela idade (maior de 21 anos) e desconsidera o vínculo de cidadão neutro. A ênfase à qualificação do eleitor sem distinção de sexo concedia a mulher o voto que lhe fora negado, sem que estivesse em lei a sua exclusão em qualquer matéria constitucional” (ÁLVARES,2014, p.32).
Santos & Santos (2016) contam que, o código de 1932 em seu capítulo segundo elucidava que eram considerados cidadãos brasileiros toda pessoa com idade superior a 21 anos, ou seja, homens e mulheres agora detinham o título de cidadão independente do sexo. Dessa forma, a mulher passou a ser reconhecida como pessoa autônoma com cidadania e com liberdade para participar da vida política no Brasil, vale ressaltar, porém, que o código de 1932 embora fosse uma grande conquista, restringia o voto às mulheres casadas desde que autorizada pelos maridos ou viúvas e solteiras que possuíam renda própria. Sendo assim, as mulheres negras e pobres – em sua maioria - permaneciam excluídas dos direitos políticos, uma vez que, para essa população o acesso a fontes de renda era ainda demasiadamente restrito.
A conquista de 1932 passou a marcar o calendário oficial brasileiro a partir de 2015. No dia 8 de janeiro de 2015, a então presidenta Dilma Rousseff – primeira e única mulher a ocupar o cargo no Brasil – sancionou a lei nº 13.086. Em razão da lei, passou a ser comemorado anualmente o dia da conquista do voto feminino: “Art. 1º É instituído, no Calendário Oficial do Governo Federal, o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil, a ser comemorado, anualmente, no dia 24 de fevereiro”.
No contexto mundial, Tosi (2019) elucida que, a Nova Zelândia foi o primeiro país a reconhecer a cidadania feminina ao reconhecer o direito ao voto feminino em 1893, seguido pela Finlândia em 1906, os Estados Unidos da América legitimaram o direito da mulher ao voto em 1919. Na América Latina, o Equador encabeçou a lista dos países a reconhecer a cidadania feminina no ano de 1929. De maneira geral, entre os anos de 1890 e 1994, a maior parte dos
países ao redor do mundo permitiram que as mulheres assumissem o direito ao voto e também, que pudessem concorrer a cargos públicos eletivos. Na África do Sul esse direito foi adquirido em 1993 enquanto que na Arábia Saudita as mulheres só tiveram garantido o direito ao voto recentemente em 2011.
Mulheres na política: A evolução no cenário brasileiro
De acordo com Birolli (2018), o debate da sub-representação das mulheres na política só ganhou espaço a partir do ano de 1980 em face da transição para a Democracia. Contudo, muitas décadas depois – embora tenha evoluído significativamente, a diferença da participação de mulheres nas esferas dos poderes governamentais, se comparado aos homens, ainda é muito grande, chegando a ser discrepante em alguns casos.
Para Noremberg & Antonello (2016), homem e mulher sempre dividiram o mesmo espaço físico, compartilhando interações e com o mesmo propósito que é a sobrevivência. Contudo, desde os primórdios, o homem foi sempre responsável por dirigir as interações nos âmbitos cultural, social e político. Desse modo, a mulher sempre representou uma figura de segundo plano sendo diretamente impactada pelas decisões dos homens. Contudo, essa condição de submissão passou a ser contestada ao longo dos anos, uma vez que, as mulheres buscam cada vez mais exercer com protagonismo o seu papel na sociedade.
Segundo Barsted (2011), o reconhecimento dos direitos humanos relativo às mulheres passou por grandes mudanças ao longo dos séculos. Tal evolução ou mudanças resultaram de uma amplitude de articulações de cunho político e de movimentos ditos feministas em várias partes do mundo, nos quais foram denunciados sociedade e poder público por violarem os direitos das mulheres. O autor destaca que, muito mais do que reverter os direitos violados, as lutas e movimentos feministas no Brasil e no mundo buscaram, sobretudo, ampliar a definição do termo cidadania propriamente dito.
Sob essa perspectiva, Noremberg & Antonello (2016) explicam que, a partir de 1988 com a promulgação da Constituição da República de 1988, o Brasil passou a tratar – ao menos em tese – os seus cidadãos de maneira igualitária independentemente de raça, gênero ou crença. Tal condição está descrita no art. 5º da CRFB/88: “ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
De acordo com Landerdahl e Roso (2013, p. 1), a contribuição feminina é muito relevante, especialmente nas últimas décadas. Os movimentos oriundos da luta feminina por representatividade e igualdade, tem permitido muitos avanços no país. Tais discussões “têm possibilitado avanços nos debates que tentam superar desigualdades históricas que ainda delimitam espaços e formas de manifestação desse grupo social. ”
Apesar dos muitos desafios que as mulheres ainda precisam superar nas esferas social e política, Noremberg & Antonello (2016) indicam que, com a CRFB de 1988 muitos direitos foram conquistados e a trajetória das mulheres na política ganharam capítulos promissores. Dentre as primeiras mulheres brasileiras a ganharem destaque no cenário político no Brasil é possível citar: Alzira Soriano, Carlota Pereira de Queirós, Antonieta de Barros, Eunice Michiles, Esther de Figueiredo Ferraz, Roseana Sarney, Maria Pio de Abreu e Dilma Rousseff.
Conforme Coimbra (2011), os movimentos encabeçados pelas mulheres no século XX, resultaram em grandes avanços na participação feminina no cenário político brasileiro e embora ainda haja um grande espaço para crescimento, é possível perceber a evolução na participação das mulheres na ocupação de cargos políticos legislativos e executivos no Brasil tal como apresentado na tabela 1:
Ano/Personagem |
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1917 - Leolinda Daltro |
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brasileira |
Carlota Pereira de Queirós, primeira constituinte brasileira |
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professora |
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1975 |
I Conferencia Mundial da Mulher, promovida pela Organização das Nações Unidas – ONU |
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1975 |
comemora-se o Ano Internacional da Mulher em todo o mundo |
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1975 |
Brasileira. |
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1979 - Eunice Michiles |
tornou-se a primeira senadora do Brasil |
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Entre 24 de agosto de 1982 e 15 março de 1985 - Esther Figueiredo Ferraz |
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O Brasil teve a primeira mulher ministra. Foi ocupando a pasta da Educação e Cultura. |
1985 - |
Ocorre a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. |
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1989 |
Ocorre a primeira candidatura de uma mulher para a presidência da República. A candidata era Maria Pio de Abreu, do PN (Partido Nacional) |
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1994 - Roseana Sarney |
Maranhão |
1995 - lei 9.100/95 |
previa que cada partido ou coligação deveria reservar uma cota mínima de 20% das vagas para a candidatura de mulheres |
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1997 - lei 9.504/97 |
que em seu art. 10, § 3º passou a obrigar que cada partido ou coligação reservasse o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo a cargos legislativos, a fim de aumentar a presença feminina no cenário político brasileiro |
2002 |
criação da Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher |
2003 |
transformada em Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) |
2011 - Dilma Rousseff |
Foi eleita a primeira mulher presidente do Brasil |
2011 - (Rose de Freitas, do Espírito Santo) e do Senado (Marta Suplicy, de São Paulo) |
no Parlamento, foram eleitas as primeiras vice- presidentes da Câmara dos Deputado e do Senado |
Tabela 1 – Evolução das mulheres na política brasileira
Fonte: Coimbra (2011); Santos (2012); SINTECT-SP (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares de São Paulo, 2013).
Analisando a tabela acima, fica evidente que, embora dos muitos desafios que as mulheres ainda precisam enfrentar para assumirem efetivamente o espaço que lhes cabe na política, as mulheres brasileiras têm chegado muito longe ocupando – ainda que como minoria - postos nas várias esferas dos poderes legislativo e também executivo.
Segundo informações divulgadas pelo Instituto Alziras (2020), 649 dos 5.570 prefeitos eleitos em 2016 eram mulheres. No entanto, desse número apenas 3% das prefeitas são negras. A pesquisa do Instituto demonstra ainda, que a maioria das mulheres eleitas atuam em prefeituras do norte e nordeste e que no sul do país, o número de mulheres à frente do poder executivo corresponde a apenas 7% do total de prefeitas brasileiras. Acompanhe o gráfico 1 abaixo:
Gráfico 1 – Prefeitas pelo Brasil Fonte: Instituto Alziras (2020).
O estudo divulgado pelo Instituo Alziras deixa claro a importância da representatividade feminina nos espaços de poder ao apontar que, em 69% das prefeituras comandadas por mulheres existem projetos e ações especificas que visam atender as necessidades das mulheres. Sendo assim, quanto mais mulheres no poder, mais reconhecimento de suas necessidades e particularidades haverá nas ações e políticas públicas promovidas pelo Estado, seja nas suas esferas municipais, estaduais ou federal.
Os desafios para as mulheres na política brasileira
Analisando os dados apresentados, fica nítido que a lutas das mulheres por igualdade ao longo dos séculos resultaram em muitos progressos para a mulher do século XXI, no entanto, reconhecer tais avanços não significa ignorar os muitos desafios que elas ainda precisam superar na luta por equidade. Dessa forma, Noremberg & Antonello (2016) salientam que:
“Embora essa luta venha de muito tempo atrás, ainda há muito que ser conquistado, por mais significativo seja a busca de identidade feminina, as diferenças são atenuantes na diferença salarial para com o homem, no assédio sexual, na distinção racial, da econômica e mesmo na situação política. A mulher por mais que deseje se impor frente à sociedade, passa por diversas barreiras. Ela é fraca, ela é pobre, ela é negra” (NOREMBERG & ANTONELLO, 2016, P. 4).
De acordo com dados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2019, apesar de representarem mais de 52% do eleitorado no Brasil, apenas 31,6% das 77 milhões de eleitoras brasileiras concorreram a cargos políticos no pleito geral de 2018. Das mais de 9.204 mulheres que se candidataram em 2018, ao todo 290 candidatas foram eleitas, um progresso de 52,6% se comparado aos resultados de 2014.
Ainda segundo o TSE (2019), no total foram eleitas 77 mulheres para a Câmara dos Deputados, 161 para as assembleias legislativas; esse número representa um aumento superior a 41%, haja vista que, em 2014 o número de deputadas estaduais eleitas somava 114 mulheres. Já no Senado Federal, 7 candidatas conseguiram eleger-se senadoras, o que em percentuais equivale a 13% do total dos senadores que integram o parlamento brasileiro.
Os números apurados pelo TSE deixam evidente o crescimento das mulheres nas esferas legislativas no Brasil, no entanto, se compararmos o número de mulheres eleitas frente ao número de parlamentares do sexo masculino, a diferença a ser superada ainda é gigantesca. Observe a tabela 2 formulada a partir dos dados fornecidos pelo TSE e EBC (Empresa Brasil de Comunicação) como resultado do pleito de 2018.
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Tabela 2 – A diferença entre homens e mulheres eleitos Fonte: Desenvolvido pelos autores com dados do TSE e EBC (2020).
Em se tratando de governadores eleitos em 2018, considerando os 27 entes da federação Brasileira, apenas uma mulher foi eleita chefe de seu estado1. A governadora Fátima Bezerra (PT) foi eleita pelo estado do Rio Grande do Norte para comandar o poder executivo. O que demonstra que nas vagas do executivo a eleição de mulheres em 2018 foi ínfima frente ao número de homens eleitos.
De acordo com o Instituto Alziras (2020), nas eleições municipais de 2016 foram eleitas 649 prefeitas em todo território nacional, no entanto, os municípios com mulheres no executivo correspondem a apenas 7% de toda a população brasileira. Mesmo representando mais da metade da população brasileira, ao todo as mulheres ocupam apenas 12% das prefeituras no Brasil e em 91% dos casos, são prefeitas de cidades com até 50 mil habitantes. De modo geral, embora tenham mais estudo e já tenham experiência em algum cargo público, as prefeitas no Brasil com mandatos vigentes de 2017 a 2020 comandam prefeituras de municípios pequenos e que enfrentam escassez de recursos financeiros.
De acordo com o Senado Federal (2020), a cada dez candidaturas a prefeituras no Brasil apenas uma é de mulheres, já para os cargos de vereadoras, esse número aumenta consideravelmente, sendo que esse percentual sobe para 34%. No entanto, esse número ainda está longe do ideal em uma população majoritariamente feminina.
Para Boldrini (2019), a baixa representatividade das mulheres é ainda mais chocante quando os comparativos são feitos entre brancas e negras. De modo geral, apenas 122 deputados federais se declaram pretos ou pardas, o que significa apenas 24% de toda a Câmara dos Deputados, no Senado, são 16 senadores autodeclarados pretos ou pardos, sendo que apenas 3 se dizem pretos, mas esses números ficam ainda mais alarmantes quando o contingente são mulheres: apenas 2,5% das vagas na Câmara dos Deputados é formada por mulheres pretas ou pardas; já no Senado, a representatividade das negras é de apenas 1,2% com apenas uma senadora que se autodeclara parda, logo, não há nenhuma mulher negra compondo o senado federal brasileiro atualmente.
No que tange a representatividade feminina nas esferas do poder público, o TSE divulgou em 2019 que, desde o ano de 1997 a Lei nº 9.504 passou a tratar da reserva de vagas para participação das mulheres. Em 2009, a Lei nº 12.034 – também denominada a primeira minirreforma eleitoral – definiu que, ao menos 30% das vagas para candidaturas de cargos como deputado federal e estadual e vereadores fossem, obrigatoriamente preenchidas por mulheres.
Em razão da cota estabelecida para as mulheres, o TSE determinou através da Resolução TSE 23.553 de 2017, que os partidos deveriam direcionar para investimento nas campanhas de suas candidatas ao menos 30% de todos os recursos do Fundo Partidário seja utilizado para realização das campanhas eleitorais.
Em se tratando de política mundial, o Brasil – segundo o TSE – considerando ranking2 elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2017, coloca o país na 154º posição em uma lista de 174 países quando o assunto trata de representatividade da mulher na política. Em um comparativo realizado entre os 33 países que integram a América Latina e o Caribe, o Brasil ocupa o 32º lugar quando a questão trata da presença de mulheres nos parlamentos nacionais; ganhando apenas de Belize onde a representatividade feminina no parlamento é pouco superior a 3%. Nos demais países avaliados, a média de presença feminina nas câmaras de deputados ou câmaras únicas supera os 28%.
Madrigal (2016) explica que, a participação das mulheres no campo político tem aumentado cada vez mais, entretanto, se comparado ao tamanho do eleitorado feminino no Brasil e às medidas adotadas para garantir a candidatura de mulheres a cargos públicos, essa expansão é ainda muito pequena e isso se justifica – principalmente, pelas fraudes no registro das candidaturas e também, porque a política no Brasil é dominada de maneira quase absoluta por homens:
“Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral ter criado lei, em que cada partido deve manter uma proporção mínima de mulheres disputando eleições, esses partidos conseguem encontrar maneiras de burlar a lei, completando suas listas com falsas candidatas que, na verdade, não fazem campanhas. A eleição em 2010, de Dilma Rousseff foi com toda certeza um fato marcante na história tanto do Brasil, como da mulher na política. Entretanto a política ainda é um campo bastante fechado para mulheres, já que é controlado em sua maioria por homens” (MADRIGAL, 2016, P. 17).
De acordo com Birolli (2018), existem uma série de fatores que se colocam como impedimentos à vida pública das mulheres a começar pela distância entre o exercício do voto e a efetiva atuação no processo de tomada de decisões. De outra forma, as dificuldades enfrentadas por homens e mulheres se diferem em vários aspectos de maneira que, os desafios impostos as mulheres são inegavelmente maiores:
“Há, ainda, um acúmulo de pesquisas, mundo afora, mostrando que, além das barreiras que encontram nos partidos, encontram dificuldades para conciliar a vida política com as expectativas ainda existentes quanto ao papel das mulheres na sociedade – a divisão sexual do trabalho lhes retira tempo e recursos e tem uma dimensão moral que explica porque ainda há estereótipos negativos relacionados a sua participação política. Outro ponto importante, também crescente no debate internacional, é que assédio e outros tipos de violência simbólica e física as atingem quando “ousam” participar da vida pública. A violência contra as mulheres na política é, hoje, um tema que desponta na análise das reações à ampliação do equilíbrio de gênero na política. Trata-se de uma reação que procura manter a política como um refúgio masculino” (BIROLLI, 2018, S/P).
Segundo informações divulgadas pelo TSE após as eleições municipais de 2016, um total de 16.1313 candidatos encerram o período eleitoral sem receber um único voto. O que intriga, é o fato de que em todo o país 14.417 candidatas não receberam nem o próprio voto, enquanto que, homens na mesma situação somavam 1.714 candidatos que mesmo estando com a candidatura regularmente registrado não foram informados nas urnas eleitorais em nenhum momento.
Nesse contexto de diferenças tão pungentes, Madrigal (2016) defende que, este é o retrato da política no Brasil, que permeada por diretrizes intrínsecas acabam por dificultar ou barrar a participação das mulheres em cargos públicos institucionais e, portanto, o país tem a urgente necessidade de avançar rumo a uma democracia participativa, haja vista que, o papel das mulheres em muitos casos tem acontecido apenas de forma representativa. Diante disso, assim como aconteceu em tempos passados, as mulheres precisam agir de maneira ativa para resguardar os seus direitos e garantir o espaço que lhes cabe na política brasileira.
No que se refere a baixa representatividade das mulheres negras, o ex-ministro Orlando Silva enfatiza que, por se tratar de um racismo estrutural, é preciso a adoção de medidas de afirmação para que seja possível maior igualdade no contexto político brasileiro: “Há um déficit na luta institucional. Nós ainda estamos na fase da luta por direitos, mas nós temos de compreender que lutar pelo poder político é parte decisiva de alcançar esses direitos”.4
2020: um ano politicamente marcante
Segundo dados do TSE divulgados pelo Senado Notícias (2020), o número de prefeitas eleitas em 2020 corresponde a 12,2% de todos os prefeitos do país, um aumento ainda tímido, mas que não pode ser ignorado, haja vista que, ao todo as candidatas femininas representaram 33,6% de todas as candidaturas registradas na justiça eleitoral com um total de mais 557.380 mulheres concorrendo a vagas de vereadoras e prefeitas. Nas capitais, uma prefeita (Palmas/TO) foi eleita ainda em primeiro turno em outras capitais haverá mulheres disputando o segundo turno, além de candidata Patrícia Ferraz que ainda concorrerá em primeiro turno a disputa em Macapá (AP).
No que tange ao universo dos vereadores, Sales & Gomes (2020) destacam que, o número de mulheres eleitas para os mandatos de vereadoras no país passou de 11,9% em 2016 para 16% do total de vagas em 2020. Para ocupar as vagas no legislativo municipal, 45% dos vereadores e vereadoras eleitos no Brasil se declaram pretos ou pardas, o que também é considerado um avanço significativo para as minorias políticas no país.
De acordo o Senado Notícias (2020), o número de vereadoras eleitas também foi histórico. Cabe destaque aos estados de Florianópolis que ao longo de toda a história havia elegido apenas 7 mulheres, contudo, apenas no pleito de 2020 5 mulheres foram eleitas incluindo negras e indígena. Em Campina Grande, na Paraíba, sete mulheres alcançaram vagas na câmara municipal em 2016, apenas uma mulher havia sido eleita. Cuiabá, que não elegeu nenhuma mulher em 2016, terá duas representantes femininas ao longo do próximo mandato. Belo Horizonte, também mereceu destaque quanto a participação feminina no poder legislativo, o número de mulheres na câmara municipal quase triplicou foram 4 em 2016 e agora será de 11. Em Curitiba, a terceira candidata mais votada na capital paranaense é também, a primeira vereadora negra eleita da história. A maior metrópole da América Latina – São Paulo – elegeu a primeira mulher trans da história, com mais 50 mil votos, Erika Hilton foi a mulher mais votada na capital paulista.
Segundo o portal de notícias G1, o número de transexuais cresceu quase 300% nas eleições de 2020, enquanto em 2016 os candidatos eleitos que se declararam travestis ou transexuais eram apenas 8, em 2020 foram 30 eleitos em todo o país. Dentre os quais, está a professora Duda Salabert que se tornou a primeira mulher transexual a ocupar uma cadeira na câmara municipal de Belo Horizonte, além desse feito, Salabert é também, dentre todos os candidatos da história do legislativo da capital mineira, a única a receber 37.613 votos. Já São Paulo, elegeu Thammy Miranda, o primeiro homem transexual a ser eleito vereador no Brasil.
De acordo com Vilela (2020), a diversidade ganhou um espaço nunca presenciado nas esferas dos poderes públicos brasileiros. No pleito de 2020 foram eleitos trans, negras, quilombolas e indígenas. Em Porto Alegre (RS) a vereadora mais votada foi Karen Santos, além dela, outras 3 mulheres negras vão compor o legislativo da capital gaúcha. Recife também elegeu uma vereadora negra, Dani Portela com mais de 14 mil votos sendo essa a mais votada na capital pernambucana. Em Niterói, os cariocas elegeram Benny Briolly mulher negra e transexual. No Espírito Santo, dentre as dez vereadoras mais votadas no estado, duas são negras, sendo a segunda e a sétima vereadoras mais votadas. No Rio de Janeiro, foi eleita Tainá de Paula, negra e também uma das mais votadas na capital fluminense. No norte do Brasil, Belém elegeu a candidata negra Vivi Reis, a quinta vereadora mais votada na capital paraense.
Conforme divulgou o site Jornal Contábil (2020), o número de vereadoras eleitas em 2020 foi de 9 mil mulheres o que representa 16% de todos cargos disponibilizados no Brasil. Em 2016, foram eleitas 7,8 mil mulheres eleitas, o que representa um crescimento de 1.200 vereadoras. Ainda no pleito de 15 de novembro, informações divulgadas dão conta que, 6,3% dos vereadores eleitos são mulheres negras. Capitais como Curitiba, Espírito Santo e Goiânia elegeram as primeiras vereadoras negras de sua história política. O pleito de 2020 elegeu representantes femininas em todas as capitais brasileiras, em 2016 Cuiabá elegeu representantes apenas do sexo masculino. Outro fato relevante, é que a capital Porto Alegre – será dentre todas as capitais brasileiras – aquela com maior representatividade feminina; das 36 cadeiras do legislativo municipal, 11 serão ocupadas por mulheres, o que significa dizer que 30,5% da câmara do município é formada por mulheres.
O avanço da participação feminina frente a participação masculina nos últimos pleitos municipais, pode ser observado no gráfico 2 apresentado a seguir:
Gráfico 2 – Aumento do número de vereadoras eleitas no Brasil.
Fonte: Agência Câmara (2020).
Para finalizar os relatos percebidos nos pleitos realizados em 2020, vale ressaltar as eleições presidenciais realizadas nos Estados Unidos da América. De acordo com o site Infomoney (2020), ao eleger o democrata Joe Biden como novo presidente, os americanos elegeram também Kamala Devi Harris. Com descendência indiana e jamaicana, Kamala foi a primeira procuradora e também a primeira procuradora geral negra da história do estado da
Califórnia, Kamala foi também a segunda senadora negra a compor o senado norte-americano sendo a primeira de origem indiana a ocupar tal posto. Como resultado da corrida presidencial norte-americana em 2020, Kamala Harris escreve seu nome na história da democracia ao se tornar a primeira vice-presidente mulher - e também negra – dos Estados Unidos.
METODOLOGIA
Barros & Lehfeld (2010) afirmam que a metodologia cientifica pode ser definida como o método ou conjunto de ações que compõem o estudo para se identificar a melhor ou mais adequada maneira de abordagem de alguns temas, assuntos ou mesmo de determinados problemas existentes no campo de nossos saberes. Ela não é responsável por encontrar soluções, mas sim por escolher os meios de como encontrá-la, de modo que integra o seu conhecimento sobre os métodos que precisam ser utilizados nas diversas áreas do conhecimento seja cientifico ou filosófico.
No que diz respeito a abordagem no tratamento de dados, são utilizados atualmente, dois tipos distintos de pesquisa, sendo nesse quesito tratadas as pesquisas como qualitativas ou quantitativas. Segundo definição de Kauark et. al. (2010), a pesquisa qualitativa parte do pressuposto que existe uma relação de interação entre o mundo real e o sujeito nele inserido, isto é, existe um elo que não pode ser desfeito ou rompido entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito ou individualidade de cada um, particularidade esta, que não pode ser tratada em base numérica, pois trata-se da qualidade (subjetividade) de algo ou alguém.
Marconi & Lakatos (2003) defendem que, a pesquisa pode receber classificações diferentes e que essa classificação, tem relação direta com os fins ou objetivos estabelecidos pelo estudo proposto. As pesquisas quanto a seu fim podem ser: explicativa, exploratória, descritiva ou aplicada. Tendo em vista, portanto, os fins dessa pesquisa, convém a melhor definição da classificação exploratória.
Para Gil (1991 apud Kuark et. al. 2010, p.28), a “pesquisa exploratória objetiva a maior familiaridade com o problema, tornando-o explícito, ou à construção de hipóteses. Envolve levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências; análise de exemplos que estimulem a compreensão”. A pesquisa bibliográfica por sua vez, segundo definição de Koche (2012, p.122), “é a que se desenvolve tentando explicar um problema, utilizando o conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou congêneres”.
Tendo em vista os conceitos apresentados, essa pesquisa adotou modelo qualitativo, uma vez que, não objetivou expor dados de maneira numérica ou mensurar resultados de maneira quantificada. Para a coleta de dados, utilizou-se de – dada impossibilidade de trabalho de campo em razão da pandemia – pesquisa bibliográfica com caráter exploratório, dado que, esse estudo buscou obter informações relevantes para o entendimento do tema e do modo como se desenvolveu a participação das mulheres na política brasileira, bem como, a participação que coube às mulheres negras nesse processo.
CONCLUSÃO
A luta feminina por igualdade vem se desenhando ao longo dos séculos e após inúmeras batalhas, elas marcaram a história das sociedades com diversas conquistas e acesso a muitos direitos que lhes foram negados durante longos períodos. A busca feminina por igualdade de direitos ganhou força a partir das revoluções industriais originadas na Europa e dentro de alguns anos de luta acirrada e reivindicações declaradas, marcaram seu espaço no mundo inteiro.
Dentre os movimentos femininos mais expressivos na história recente da humanidade está o sufrágio universal ou sufrágio feminino. A manifestação incisiva por direito ao voto na verdade, funcionou como válvula propulsora na busca por tantos outros direitos que as mulheres não possuíam, mas passaram a reconhecer ter direito. A luta por reconhecimento de suas cidadanias, por meio do acesso ao voto, foi apenas um reflexo dos anos de insignificância que lhes foram imputados ao longo de tanto tempo.
Com a promulgação do código de 1932, as mulheres virão surgir em suas vidas novas perspectivas e puderam ver-lhes abertos caminhos outrora inimagináveis e inacessíveis. Após a conquista do voto feminino, as mulheres passaram a reivindicar outros direitos que eram inerentes ao seu agora estado de cidadã brasileira. Ao longo de décadas, as mulheres se uniram na busca por direitos iguais. Dentre as bandeiras hasteadas pelos movimentos femininos – além do sufrágio universal – estavam direito à educação, direito ao trabalho em condições dignas, bem como o exercício de direitos civis, tais como, controle de natalidade e liberdade civil.
Mas muito mais que acesso aos direitos que lhes foram ocultados durante várias gerações, as mulheres decidiram que, muito mais que, permitir que lhes ditassem o futuro a ser esperado, elas queriam tomar as rédeas de suas próprias vidas e assumirem papel de protagonistas de suas próprias histórias e de suas nações também. Dessa forma, as mulheres passaram a se ocupar não apenas em cederem seus votos a candidatos masculinos, mas também começaram a perseguir a carreira política em cargos legislativos e executivos, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988.
Analisando os contextos e números que trouxeram as mulheres até aqui, fica muito evidente que a luta por elas travada ao longo dos últimos séculos é apenas uma parte pequena de um grande caminho ainda a ser percorrido. O número de mulheres ocupando cargos políticos no Brasil ainda é proporcionalmente muito menor do que deveria se considerarmos que as mulheres sozinhas correspondem a mais de 52% de todo o eleitorado brasileiro. Essa desproporcionalidade fica ainda maior, se nos atentarmos ao fato de que 27% desse eleitorado é composto por mulheres negras e que elas representam uma parcela ínfima dos ocupantes de cargos públicos eletivos no Brasil.
Os desafios das mulheres brasileiras para se desenvolver na política são ainda enormes, na legislatura que se inicia em 2021, apenas 16% dos cargos de vereadores serão ocupados por mulheres e desse 16%, pouco mais que 6% serão destinados a mulheres negras. De modo geral, no congresso nacional apenas 2,5% dos deputados são mulheres e apenas 1,2% participam do senado. Dentre os muitos desafios a serem rompidos estão o preconceito estrutural, a crença equivocada de que política é um espaço masculino e também, a falta de recursos e apoio partidário para que as candidatas se tornem eleitas efetivamente.
Sendo assim é possível afirmar que as mulheres ainda precisarão travar muitas batalhas nos dias atuais e em tempos vindouros para que consiga ocupar de maneira representativa o espaço proporcionalmente correto nos poderes executivos e legislativos no Brasil, principalmente, por que ocupar cargos públicos muitos mais que um número em si, significa que, somente com mulheres no poder a classe feminina poderá contar com políticas públicas e ações efetivas que contemplem as suas necessidades e particularidades, ou seja, ter representatividade nas esferas do poder público implica também em ter quem lute – especificamente – por suas demandas e anseios, seja no âmbito econômico, cultural ou social.
Resgatar a luta feminina e compreender os grandes desafios ainda a serem superados pela classe feminina, não implica na anulação dos feitos conquistados por elas até aqui. Ao longo das lutas políticas e de reconhecimento de direitos civis, as mulheres angariaram diversas conquistas. Mesmo que ainda sejam sub-representação nas câmaras, prefeituras, assembleias e senado, não se pode negar que a mulher brasileira evoluiu de maneira muito significativa desde a declaração de Estado Democrático no Brasil, chegamos inclusive – como em poucas nações ao redor do mundo – eleger uma mulher para ocupar o posto máximo em um Estado de Direito Democrático Republicano.