A Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispõe que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.
Na Justiça do Trabalho, existe discussão acerca da aplicabilidade ou não do referido entendimento quando da alienação de bens do devedor em demanda trabalhista.
Isso porque o artigo 889 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe que:
Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.
Destaca-se a seguir julgado que sintetiza a controvérsia:
FRAUDE À EXECUÇÃO TRABALHISTA. APLICAÇÃO DO MICROSSISTEMA DE EXECUÇÕES FISCAIS. ART. 185. DO CTN. ENUNCIADO 74 DO FNPT. INSCRIÇÃO NO BNDT. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. No Processo do Trabalho, na fase de execução, é aplicável o microssistema de execução fiscal tal como previsto no art. 889. da CLT. Significa dizer que o entendimento contido na Súmula 375 do C. STJ, no sentido de que "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente", resta afastado, porque ao caso incide o disposto no art. 185. do CTN, por meio do qual "Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa". A presunção absoluta de fraude à execução fiscal que daí decorre se dá em razão da publicidade da dívida, por meio de sua inscrição na dívida ativa, mas também por conta da proteção que o crédito tributário goza, em vistas à tutela de um interesse público contra atos de dilapidação patrimonial por parte do devedor. De igual modo, o crédito trabalhista merece proteção contra atos de dilapidação do patrimônio pelo executado, de tal sorte que sobre a alienação do imóvel a terceiro adquirente recai a presunção absoluta de fraude à execução nos casos em que foi dada publicidade da dívida trabalhista, anterior à venda do imóvel, por meio da inscrição do devedor no BNDT, sem perder de vista a natureza privilegiada de que gozam os créditos trabalhistas. Agravo de Petição a que se dá provimento para declarar ineficaz a alienação do imóvel, pois feita em fraude à execução.
(TRT-2 00594001720025020317 SP, Relator: MARCIO MENDES GRANCONATO, 16ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 19/10/2020)
Observa-se do julgado o fundamento de que se aplica nas execuções trabalhistas o Código Tributário Nacional (CTN) por força do supracitado artigo 889 da CLT.
O artigo 185 do CTN prevê a presunção absoluta de fraude na alienação de bens do sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública e o artigo 186 estabelece a prevalência do crédito trabalhista sobre qualquer outro.
Do inteiro teor da decisão, extrai-se, ainda, como fundamento o julgamento do Recurso Especial n.º 1.141.990-PR pelo STJ, que decidiu pela não aplicação da Súmula 375 nas execuções fiscais, que teve, entre outros fundamentos, o seguinte:
[...] A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.
(STJ – RE: 1.141.990-PR, Relator Luiz Fux, Data do julgamento: 10/11/2010, DJe: 19/11/2010) (Grifou-se)
Observa-se que o fundamento para a diferença de tratamento entre fraude civil e fiscal está no interesse público, o que não é o caso do crédito perseguido na execução trabalhista, que apesar de se tratar de verba salarial, não serve à satisfação das necessidades coletivas.
Observa-se, ainda, sobre o artigo 186 do CTN, que a preferência lá prevista para os créditos trabalhistas, se aplica para definição da ordem de pagamento quando há uma concorrência de variados credores e créditos, como ocorre na falência. Não é razoável, no entanto, que tal preferência se sobreponha ao direito de propriedade do adquirente de boa-fé, que não possui qualquer relação com a dívida perseguida na execução.
O entendimento majoritário na Justiça do Trabalho é de aplicação da Súmula 375 do STJ para dirimir controvérsias envolvendo a configuração ou não de fraude à execução na seara trabalhista1.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é no sentido de que o reconhecimento da fraude à execução e a constrição de bem independentemente de existir comprovação da má-fé e registro da penhora à época da alienação, enseja em afronta ao direito de propriedade do terceiro adquirente2.
Recentemente entrou em vigor a Lei n.º 14.825/2024, acrescendo o inciso V ao artigo 54 da Lei n.º 13.097/2015, que prevê:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
[...]
V - averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária.
Observa-se que a lei prevê a garantia de eficácia dos negócios jurídicos envolvendo imóveis que não possuem em suas matrículas averbação de qualquer tipo de constrição judicial.
A nova lei poderá ser utilizada como fundamento para defender o direito de propriedade de terceiros embargantes de boa-fé na seara trabalhista, reforçando a segurança jurídica obtida com a Súmula 375 do STJ e com a jurisprudência do TST e afastando o entendimento minoritário de presunção absoluta de fraude com base no CTN.
Notas
1 Conforme julgamento do RR: 1000569-14.2020.5.02.0321, Relator: Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, Data de Julgamento: 06/12/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2023.
2 Conforme julgamento do RR: 1000569-14.2020.5.02.0321, Relator: Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, Data de Julgamento: 06/12/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2023.