A disputa entre Elon Musk e o Ministro Alexandre de Moraes pode ser considerada uma típica “pissing contest”, ou seja, a competition between rivals to determine superiority, predominance, or leadership. called also pissing match (uma competição entre rivais para determinar superioridade, predominância ou liderança, também chamada disputa de mijada).
Todavia, ela é muito mais do que isso. O que está em jogo não são os egos dos envolvidos e sim um princípio: o Estado brasileiro (ou qualquer outro Estado) tem o poder de dobrar o dono de uma Big Tech norte-americana?
Nos EUA, a legislação permite aos empresários fazer quase tudo que eles desejam. Eles não precisam tratar os empregados de maneira isonômica e podem fixar seus próprios salários com total liberdade. As distorções salariais nos EUA são abissais. CEOs como Elon Musk podem ganhar 350 vezes mais do que seus empregados, algo que certamente faz alguns deles imaginar que são príncipes feudais totalmente acima da Lei.
Elon Musk é uma figura caricata. Ele já foi filmado fumando maconha e dizendo que dá golpe de estado onde quiser. Ele chegou a desafiar a Federação Russa durante a Guerra da Ucrânia ao afirmar que disponibilizaria seus satélites para o regime de Kiev. Ele voltou atrás, porque deve ter percebido que o Kremlin tem mais poder de fogo do que as empresas dele.
O sistema de internet sem fio dele foi largamente utilizado por quadrilhas de garimpeiros que invadiram territórios indígenas no Brasil. Apesar disso, ele continua comercializando o Star Link em nosso país e quase abocanhou um contrato suculento com o Ministério da Educação. Isso para não mencionar a interrupção dos negócios lucrativos da Starlink na região amazônica.
Ao desafiar o STF, ele demonstra sua vocação para provocateur. É difícil dizer se as autoridades diplomáticas dos EUA arrumarão encrenca com o Brasil por causa de um cidadão sul-africano naturalizado norte-americano O mais provável é que isso não aconteça. Apesar da fortuna de Elon Musk (189,2 bilhões de dólares) ser mais de 100 vezes maior do que os investimentos norte-americanos no Brasil (1,7 bilhão de dólares), as relações entre Estados são qualitativamente diferentes das entre os cidadãos de um deles e as autoridades do outro. Além disso, as pessoas morrem mas os Estados não deixam de existir quando um bilionário vira comida de vermes.
A ignorância de Elon Musk sobre o Brasil me parece evidente. Antes de provocar nosso país ele deveria estudar um pouco as relações entre o nosso país e os EUA. Recomendo a ele três livros seminais de Luiz Alberto Moniz Bandeira: Presença dos Estados Unidos no Brasil, Brasil-Estados Unidos: A Rivalidade Emergente e As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos. Todavia, não acredito que ele tenha realmente paciência para estudar o que quer que seja.
Acostumado a ser paparicado pela imprensa, o dono da SpaceX, Tesla, etc… criou seu próprio mito. Nele, Elon Musk é o eleito por deus, pela natureza, pela IA ou qualquer outra divindade, para salvar a humanidade da extinção mediante a colonização de Marte. Qualquer pessoa que se coloque no seu caminho é irrelevante pode e deve ser esmagada como se fosse um inseto. O fato da fortuna pessoal dele ser maior que o PIB de vários países contribui muito para Elon Musk acreditar ser mais poderoso do que os governantes locais de países pequenos ricos ou de países grandes pobres.
O STF faz bem em não se ajoelhar no altar desse ogro neoliberal. Todavia, e isso precisa ser dito aqui, não basta incluir Elon Musk no Inquérito das Fake News. Ele precisa começar a sofrer prejuízos maiores no Brasil, inclusive e principalmente porque vendeu Starlink para bandos de garimpeiros criminosos. Além disso, as empresas desse megaempresário também são suspeitas de receptar indiretamente ouro extraído criminosamente de territórios indígenas brasileiros.
A Justiça brasileira pode e deve mijar em Elon Musk. O Brasil (PIB de 1,9 trilhão de dólares) é muito maior do que qualquer bilionário norte-americano.