4. INCISO I DO ART. 19. DA EC 103/19: REQUISITO ETÁRIO
O que tínhamos no ordenamento jurídico era a chamada aposentadoria especial “pura”, aquela devida apenas até 13.11.2019, após 15, 20 ou 25 anos de exercício de trabalho prejudicial à saúde ou à integridade física. Após essa data, os novos ingressos na previdência social, além do tempo mínimo exigido de efetivo labor nocente, também precisam atingir uma idade mínima.
Enquanto não surgir no ordenamento jurídico uma lei complementar que estabeleça idade e tempo, o benefício da aposentadoria especial deve ser concedido apenas quando os seguintes requisitos, conforme o tipo de aposentadoria especial, forem cumpridos:
Aos 55 anos de idade e 15 anos de exercício de atividade especial;
Aos 58 anos de idade e 20 anos de trabalho especial ou
Aos 60 anos de idade e 25 anos de labor nocente.
Exigir que o segurado aguarde alcançar o requisito etário em trabalho penoso, insalubre e perigoso, exposto ao risco, viola o art. 7º, XXII, da Constituição Federal.
Conforme exposto na ADI nº 6309:
“É dever do Estado evitar que o trabalhador continue, deliberadamente, prejudicando a sua saúde e integridade física após o cumprimento do tempo mínimo de contribuição exigido para aposentaria especial, nos termos do art. 7º, XXII, da CF/88. A exigência do requisito etário para o segurado destinatário da aposentadoria especial viola também o princípio da dignidade humana (art. 1, III, da CF/88) que busca assegurar condições justas e adequadas para a vida do segurado e sua família.” Pág 12.
Com efeito, enquanto não for publicada a lei complementar prevista na redação atual do § 1º do artigo 201 da Constituição da República, o segurado filiado ao RGPS após 13.11.2019 e que desempenha seu ofício em minas subterrâneas, atuando na frente de produção, deverá comprovar pelo menos 15 anos de efetivo exercício dessa atividade, além de contar com, no mínimo, 55 anos de idade. (Carlos “Cacá” Domingos, 2020)
A fixação de idade mínima para fins de concessão de aposentadoria especial é incompatível com a natureza deste benefício. O benefício inicialmente, quando da sua criação em 26 de agosto de 1960, com a edição da lei nº 3.807, exigia essa condição etária no seu art. 31, que era, na época, de 50 anos de idade, e foi extirpada do ordenamento jurídico pela lei n. 5.440-A, de 23 de maio de 1968, portanto, há quase 52 anos.
Dessa forma, a manipulação política na aprovação da citada emenda retrocedeu as conquistas sociais alcançadas a duras penas.
O PAPEL DECISIVO DO JUDICIÁRIO DIANTE DO §2º ART. 25. EC. 103/19
De acordo com os fundamentos expostos no curso do presente trabalho, resta evidenciada a intenção inicial da proteção ao trabalhador em atividade especial.
Pode-se afirmar que a reforma promovida causou um sério desajuste na proteção previdenciária que estava em vigor, em virtude da precarização das regras de concessão, de cálculo e de manutenção dos benefícios do RGPS.
Tem-se vinculado na mídia brasileira um colapso sistêmico da previdência social, e de fato a economia brasileira vem passando por diversos reajustes financeiros; entretanto, não podemos aceitar passivamente que apenas com as mudanças nas regras na previdência social irá sanar o déficit financeiro das contas dos cofres públicos. A má gestão de recursos da administração pública tem sido enraizada na gestão pública brasileira há anos. Os recursos da previdência social serviram para subsidiar obras públicas como Brasília e recentemente estádios para a Copa do Mundo, afetando assim a sobrevivência do sistema previdenciário.
Ajustes das regras ao longo do tempo são necessários e salutares para a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial, mas não na forma como foram efetivados pelo Congresso Nacional. Em vez de buscar, primeiro, maior eficiência na cobrança dos créditos da seguridade social e redução das imunidades e isenções fiscais, parte-se para o caminho mais indesejado e cruel com a sociedade, que é a redução da proteção social.
Pode-se dizer que o Brasil, aos poucos, está se afastando do modelo de “Estado de bem-estar social” idealizado por Otto von Bismarck e presente na Constituição Federal de 1988, sob o argumento da insuficiência de recursos para a manutenção do equilíbrio das contas públicas.
A aprovação da EC 103/2019 decorreu especialmente da alternância de poder ocorrida no Brasil nas eleições presidenciais de 2018, fundada nos pressupostos da reação conservadora e em projetos neoliberais, que acabaram por enfraquecer sindicatos e os movimentos sociais que defendem uma previdência pública e solidária; tudo isso aliado à utilização de argumentos falaciosos de que a aprovação da PEC 06/2019 significava a adoção de uma “Nova Previdência” voltada a “cortar privilégios”. Com o apoio incondicional dos meios de comunicação, que divulgaram apenas notícias e opiniões favoráveis ao novo modelo de previdência, e de parlamentares sensíveis às benesses oferecidas pelo Executivo em prol da aprovação do texto elaborado pela equipe econômica, o resultado colhido pode ser considerado desastroso para os segurados do RGPS.
A desconstitucionalização dos parâmetros previdenciários cria insegurança jurídica e incertezas para os segurados com relação ao preenchimento futuro dos requisitos de elegibilidade dos benefícios, afastando expectativas e prejudicando o planejamento de projetos pessoais.
A conversão do tempo especial em comum é uma prerrogativa. O índice matemático que converte em tempo comum existe através do pagamento de carga tributária maior do que a de um trabalhador comum, e em nada se confunde com o tempo ficto.
Ceifar do trabalhador que laborou sobre atividade especial a conversão do tempo é o mesmo que retirar o direito.
A dignidade da pessoa humana, inclusive ao postular o direito a uma velhice digna, abrange a proteção à legislação previdenciária. É dever do Estado assegurar o bem-estar dos indivíduos. O ambiente laboral agressivo e o organismo humano não mudaram, continuam idênticos.
O direito à previdência social é uma garantia fundamental contida no art. 6º da Constituição Federal de 1988, e o princípio básico e essencial da seguridade social é a universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I). O direito à previdência social goza do status de garantia fundamental, vez que inserido no Título II da CRF/88 – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
A análise e aplicação da norma, qual seja o art. 25§2º da EC. nº 103/19, devem ser interpretadas em conjunto com todo o normativo constitucional e os princípios, em destaque os direitos e garantias fundamentais, os arrimos e as finalidades da República Federativa do Brasil, presentes no Estado Democrático de Direito.
A extinção da conversão de períodos não encaixa quando estudados com o texto constitucional, pois fere os fundamentos e os objetivos da República.
Impedir ao trabalhador a conversão do tempo especial em comum pelo desgaste de sua saúde, impedindo assim o acesso a uma aposentadoria mais cedo preservando o que lhe resta de condição física (higidez), choca com o respeito à dignidade da pessoa humana.
O fim da conversão de tempo é um retrocesso social. Por mais que as reformas previdenciárias estejam presentes no mundo inteiro, o Brasil ainda é um país subdesenvolvido com realidades periféricas muito enraizadas, pela desigualdade social e pobreza. Impor ao trabalhador a retirada do mínimo de isonomia, que é a conversão do tempo especial em comum, é o mesmo que retirar-lhe o direito. Grandes alterações como a EC 103/19, principalmente no que toca a aposentadoria especial, criam um grande obstáculo ao beneficiário que vai requerer o direito que lhe assiste. A atividade que foi considerada especial há 10 (dez) anos não é mais hoje, e poderá voltar a ser amanhã.
Portanto, exigir do trabalhador permanecer muito mais tempo submisso a condições nocivas ao trabalho, através da extinção da conversão, reflete o sério atentado ao maior bem jurídico tutelado pelo direito à vida, o que não pode ser aceitado em nenhuma esfera do direito.
Exigir do trabalhador, nos termos do inciso I do art. 19 da EC 103/19, que sejam alcançados requisitos etários para a implantação daaposentadoria especial, é onerar demasiadamente o contribuinte e retroceder à época da escravidão.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6309 provocou a corte superior para corrigir a catástrofe legal. Espera-se que o texto seja dada nova interpretação jurídica, objetivando o fim social para o qual foi criada a aposentadoria especial, resgatando assim o contexto histórico-social que a duras penas foi conquistado.
REFERÊNCIAS
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