INTRODUÇÃO
O presente artigo se dirige a examinar a relação entre a obrigação de resultado do contratado e o dever de colaboração do contratante em relação ao serviço de desenvolvimento e implementação de software.
Para melhor compreensão do tema, convém adentrar, inicialmente, na avaliação da natureza da obrigação do contratado em ajustes dessa natureza. Em seguida, cabe avaliar algumas peculiaridades da relação contratual de desenvolvimento e implementação de software, especialmente quanto ao dever de colaboração do contratante. E, por derradeiro, cumpre abordar a relação entre a obrigação de resultado do contratado e o dever de colaboração do contratante.
1. NATUREZA DA OBRIGAÇÃO DO CONTRATADO EM CONTRATO DE DESENVOLVIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE SOFTWARE
Dentre diversas outras classificações, a doutrina distingue as obrigações de meio e as obrigações de resultado. Nas primeiras, o objeto da contratação são serviços para alcançar um resultado desejado, porém não garantido pelo contrato, como, por exemplo, a contratação de um advogado para a elaboração de defesa em um processo judicial contencioso, no qual não é garantido o êxito no julgamento. Já nas outras, o objeto da contratação é um bem ou serviço determinado, ou seja, um resultado específico, sem o qual resta caracterizado o inadimplemento contratual.
Nesse contexto, quando uma empresa contrata um serviço de desenvolvimento e implementação de software espera um produto eficiente, capaz de executar a sua finalidade específica. Neste caso, não se contrata a promessa de esforço e comprometimento para talvez alcançar um produto tecnológico funcional, mas, sim, a entrega efetiva do produto capaz de alcançar seu objetivo, isto é, um software que contemple as funcionalidades pactuadas.
Não por acaso, o Superior Tribunal de Justiça compreende que o serviço de desenvolvimento e implementação de software contempla obrigação de resultado. Assim, “se o novo sistema não cumpre sua finalidade específica, fica configurado verdadeiro inadimplemento da obrigação, e não cumprimento parcial, o que enseja o desfazimento do negócio jurídico”. 1
2. DEVER DE COLABORAÇÃO DO CONTRATANTE DE SERVIÇO DE DESENVOLVIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE SOFTWARE
Roger S. Pressman e Bruce R. Maxim2 ensinam que a criação de um software, assim como de qualquer outro produto bem-sucedido, depende da aplicação de um processo adaptável e ágil capaz de conduzir a um resultado de alta qualidade.
Os autores ainda recordam que uma metodologia de processo genérica para engenharia de software abrange cinco atividades, a saber: comunicação, planejamento, modelagem, construção e entrega.
A comunicação, como primeira etapa, representa a atividade de colheita de informações para o conhecimento da atuação e necessidade do contratante, inclusive com vistas a reunir requisitos para definir os recursos e funcionalidades do software. O planejamento envolve a concepção de uma espécie de mapa para o projeto do software, com a descrição de tarefas técnicas, previsão de possíveis riscos, além de projeção de recursos e produtos resultantes, inseridos, ainda, em um cronograma de trabalho. Já a modelagem representa a fase de criação de modelos para melhor compreender as necessidades do software e o seu projeto. A construção, como não poderia ser diferente, refere-se ao desenvolvimento do software, com a geração de códigos e a realização de testes dessa codificação. Por derradeiro, a entrega representa o momento de recebimento do produto pelo contratante.
Durante todo esse processo de planejamento, desenvolvimento e implementação do software o contratado depende da colaboração do contratante, sob pena de não se alcançar um resultado satisfatório.
Assim, embora o contratado seja, em regra, responsável pelo acompanhamento e gerenciamento do projeto de desenvolvimento e implementação do software 3, o sucesso desse processo demanda a atuação do contratante sob diversos aspectos, como, por exemplo, a explicação do negócio, a exposição das necessidades a serem atendidas pelo software e a indicação das funcionalidades que precisam estar contempladas no software.
Para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, “existem peculiaridades na prestação de serviços de implantação de software empresarial que precisam ser observadas por ambas as partes contratantes”. Significa dizer, “a empresa contratante do software precisa disponibilizar funcionários aptos a indicarem as necessidades da empresa, a fim de que os programas informatizados sejam ajustados às suas demandas”. E, por outro lado, “a fornecedora do software precisa adequar seus programas às necessidades da contratante – customização - e disponibilizar técnicos para efetuar os ajustes e o treinamento necessário da equipe”. 4
A respeito, Izabelly Soares de Morais e Aline Zanin5 pontuam que apesar de aparentemente ser fácil definir o que um sistema irá fazer, não é, pois depende diretamente do contratante. É preciso “extrair do cliente tudo que ele precisa, ou seja, os requisitos do software”. E ainda alertam que “nem sempre o cliente compreende o que é desenvolver um software, dessa forma, provavelmente ele não terá noção de como deve expor suas ideias, de forma organizada e coerente”.
Aliás, a participação ou colaboração efetiva do contratante no processo de desenvolvimento e implementação do software é ainda mais relevante diante da realidade atual. Sheila Reinehr6 ressalta que o surgimento de novas tecnologias a cada dia e ambientes de negócios cada vez mais sofisticados e complexos trazem novos desafios para o desenvolvimento de software.
Além disso, cabe destacar que o dever de colaboração do contratante se estende até mesmo após a entrega do software, pois é na etapa da manutenção, que ocorre após o início da utilização do software, que os funcionários do contratante, como usuários do sistema, identificam possíveis bugs e a necessidade de eventuais aperfeiçoamentos, devendo, assim, contribuir, sobretudo, com informações adequadas e suficientes aos técnicos do contratado.
Com efeito, o serviço de desenvolvimento e implementação de software possui peculiaridades que exigem a participação do contratante, que, como destinatário e usuário do produto, deve fornecer especialmente informações ao contratado para a satisfatória execução do serviço.
3. A RELAÇÃO ENTRE A OBRIGAÇÃO DE RESULTADO DO CONTRATADO E O DEVER DE COLABORAÇÃO DO CONTRATANTE DE SERVIÇO DE DESENVOLVIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE SOFTWARE
Como exposto, embora o contrato de serviço de desenvolvimento e implementação de software enseje obrigação de resultado ao contratado, compete ao contratante colaborar especialmente com informações adequadas e suficientes durante todo o processo.
Destarte, como qualquer contrato bilateral, o contrato de serviço de desenvolvimento e implementação de software contempla obrigações recíprocas7. Todavia, ao contratante não competente apenas a obrigação de promover o pagamento ou remuneração ao contratado, mas, também, fornecer subsídios informativos essenciais à própria execução do objeto pelo contratado.
Nesse cenário, a responsabilidade do contratado pode ser mitigada ou até mesmo afastada, caso o software não seja entregue ou seja entregue com defeito por razão de falha no dever de informação ou colaboração pelo contratante. 8
Do mesmo modo, não se reconhece a responsabilidade civil do contratado na situação de mau uso do software pelo contratante. 9
CONCLUSÃO
Em suma, no contrato de serviço de desenvolvimento e implementação de software, o descumprimento do dever de colaboração ou a prestação insuficiente ou incorreta de informações pelo contratante pode afastar a obrigação de resultado do contratado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 1731193/SP. Rel. Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Data do julgamento 22/09/2020. DJe 25/09/2020.
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Apelação Cível n. 20090110631048. Rel. Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito. Sexta Turma Cível. Data do julgamento 30/10/2013.
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Apelação Cível n. 1.0000.20.037784-4/001. Rel. Desembargador Roberto Vasconcellos. 17ª Câmara Cível. Data de julgamento 11/09/2020. Data de publicação 14/09/2020.
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Apelação Cível n. 1.0024.08.273871-7/001. Rel. Desembargadora Mônica Libânio. Data do Julgamento 10/09/2020. Data da publicação 18/12/2020.
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação Cível n. 1020247-46.2014.8.26.0405. Rel. Desembargador Neto Barbosa Ferreira. 29ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento 24/08/2020.
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Apelação Cível n. 0017253-31.2020.8.16.0017. Rel. Desembargador Antonio Carlos Ribeiro Martins. 20ª Câmara Cível. Data do julgamento 20/11/2023)
DE MORAES, Izabelly Soares e ZANIN, Aline. Engenharia de software. Porto Alegre: SAGAH, 2017.
PRESSMAN, Roger S. e AXIM, Bruce R. Maxim. Engenharia de software: uma abordagem profissional. 8. ed. São Paulo: AMGH Editora Ltda., 2016, p. 14-18.
REINEHR, Sheila Engenharia de software. Porto Alegre: SAGAH, 2020.
Notas
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STJ. Recurso Especial n. 1731193/SP. Rel. Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Data do julgamento 22/09/2020. DJe 25/09/2020.
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PRESSMAN, Roger S. e AXIM, Bruce R. Maxim. Engenharia de software: uma abordagem profissional. 8. ed. São Paulo: AMGH Editora Ltda., 2016, p. 14-18.
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Para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “... Além disso, o perito observou a existência de falhas ligadas ao adequado levantamento dos requisitos e necessidade do contratante e falta do cumprimento do prazo contratual e de um adequado acompanhamento e gerenciamento do projeto. Tais fatores, comprometeram a qualidade e correta consecução não só do projeto, como também de sua implementação e operacionalização. ... (TJSP. Apelação Cível n. 1020247-46.2014.8.26.0405. Rel. Desembargador Neto Barbosa Ferreira. 29ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento 24/08/2020)
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DE MORAES, Izabelly Soares e ZANIN, Aline. Engenharia de software. Porto Alegre: SAGAH, 2017.
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TJDFT. Apelação Cível n. 20090110631048. Rel. Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito. Sexta Turma Cível. Data do julgamento 30/10/2013.
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REINEHR, Sheila Engenharia de software. Porto Alegre: SAGAH, 2020.
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APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES - LICENÇA DE USO, LOCAÇÃO E SUPORTE TÉCNICO DE SOFTWARE - RELAÇÃO DE CONSUMO - DEVERES INERENTES AOS OBJETOS AVENÇADOS INOBSERVÂNCIA CONCOMITANTE E RECÍPROCA DAS CONTRATANTES - VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO- CONCORRÊNCIA DE CULPAS.- A vulnerabilidade técnica do cliente em relação ao fornecedor de serviços caracteriza relação de consumo.- É da natureza dos Contratos bilaterais o dever de cumprimento recíproco das obrigações assumidas, não podendo nenhum dos contraentes reivindicar o implemento da prestação que cabe à contraparte, antes de cumprida a que lhe compete.- A concorrência faltosa das partes, quanto à consecução de providências necessárias à materialização dos objetivos do Pacto celebrado para implantação e funcionamento de software, determina o reconhecimento da culpa recíproca pelo desfazimento do negócio jurídico. (TJMG. Apelação Cível n. 1.0000.20.037784-4/001. Rel. Desembargador Roberto Vasconcellos. 17ª Câmara Cível. Data de julgamento 11/09/2020. Data de publicação 14/09/2020)
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APELAÇÃO CÍVEL - RECURSO PRINCIPAL E ADESIVO - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C REPARAÇÃO DE DANOS PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ADESIVO DESERÇÃO CONFIGURADA - RECOLHIMENTO EXTEMPORÂNEO DO PREPARO - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - FORNECIMENTO DE SOFTWARE - CULPA CONCORRENTE - FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO E DE COOPERAÇÃO - DEVERES ANEXOS À BOA-FÉ OBJETIVA - VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO - CULPA EXCLUSIVA DO ADQUIRENTE OU DE TERCEIRO - NÃO COMPROVADA - ART. 373, II, DO CPC - ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA - DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL. O recolhimento extemporâneo do preparo recursal acarreta a deserção do recurso, diante da natureza peremptória do prazo. As relações contratuais são regidas pelo princípio da boa-fé objetiva, que impõe aos contratantes deveres anexos ou laterais de conduta, dentre os quais se destacam: dever de cuidado, dever de respeito, dever de informação, dever de agir conforme a confiança depositada, dever de lealdade e probidade, dever de cooperação, dentre outros. Incumbe ao réu o ônus de comprovar o alegado fato extintivo do direito do autor, quanto à culpa exclusiva deste ou de terceiro (art. 373, II, CPC). Configurada a sucumbência recíproca, o respectivo ônus deve ser distribuído proporcionalmente entra as partes. (TJMG. Apelação Cível n. 1.0024.08.273871-7/001. Rel. Desembargadora Mônica Libânio. Data do Julgamento 10/09/2020. Data da publicação 18/12/2020
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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. SENTENÇA QUE REJEITOU OS EMBARGOS À MONITÓRIA E JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO MONITÓRIO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA EMBARGANTE/REQUERIDA. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO ORIGINÁRIO. AFIRMAÇÃO DE OMISSÕES DE FUNCIONALIDADES NO SOFTWARE ADQUIRIDO. REJEIÇÃO. FUNCIONALIDADES PLEITEADAS AFERIDAS EM LAUDO PERICIAL. SUPERVENIENTE MODIFICAÇÃO DO PRODUTO PARA INCLUSÃO DE NOVAS FUNCIONALIDADES REQUERIDAS PELA PRÓPRIA PARTE. FUNCIONAMENTO REGULAR DO SOFTWARE ATESTADO PELO LAUDO. MANUSEIO DO PRODUTO E INSERÇÃO DE DADOS SOB A RESPONSABILIDADE DE PREPOSTOS DA EMBARGANTE /REQUERIDA. APARENTE MAU USO/IMPERÍCIA. REQUERIMENTO ALTERNATIVO DE REDIMENSIONAMENTO DA MULTA IMPOSTA. REJEIÇÃO. PLEITO GENÉRICO. DESATENDIMENTO DO ENCARGO PROBATÓRIO PREVISTO NO ART. 413. DO C.C. INCONFORMISMO COM A EXTENSÃO DA PENALIDADE QUE NÃO DÁ AZO À MINORAÇÃO IMEDIATA. MONTANTE QUE NÃO REPRESENTA AMEAÇA AO CAPITAL SOCIAL DA PARTE. SENTENÇA MANTIDA. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL PARA O PATAMAR DE 11%. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR. Apelação Cível n. 0017253-31.2020.8.16.0017. Rel. Desembargador Antonio Carlos Ribeiro Martins. 20ª Câmara Cível. Data do julgamento 20/11/2023)