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A inconstitucionalidade da cobrança de ISS pelos municípios sobre serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais

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Agenda 19/02/2008 às 00:00

Sumário: 1 Introdução. 2. Aposição de alguns itens que extrapolam o conceito de serviços. 3. Pontos flagrantes de inconstitucionalidade. 4. Serviços cartorários, notariais e de registros. 5. Taxação por alíquotas fixas. 6. Conclusão.


1. Introdução

Não há laivos de dúvidas de que a novel lei que rege o Imposto sobre Serviços - ISS, portanto, a Lei Complementar n.º 116/2003, sucedânea da LC n.º 56/1987, trouxe vários pontos que causam ingente disceptação por parte dos operadores do Direito. E, neste diapasão, longe está de haver consenso na doutrina e na jurisprudência, o que enseja, em todo o País, uma gama enorme de ações contra o Fisco Municipal.

Diante de tais circunstâncias, é necessário que o Contribuinte esteja atento para que o seu direito não seja tomado de assalto, e, para isso, tem de realizar, em sua empresa, o chamado planejamento tributário e manter-se atualizado no tocante à legislação tributária que transmuda a cada dia, principalmente com a edição de medidas provisórias, as quais são aprovadas ao alvedrio de grupos assentados no Parlamento Federal, cuja filosofia dominante é o fiscalismo, em detrimento das normas constitucionais que disciplinam o Sistema Tributário Nacional.

Vale dizer que a LC n.º 116/1003 é apenas um exemplo das inúmeras leis editadas no Brasil que trazem no seu bojo alguns preceptivos viciados de inconstitucionalidade, o que dá azo aos contribuintes ingressarem em juízo a fim de assegurarem seus direitos e prerrogativas postos na Carta Magna vigente.

Neste trabalho será tratada a questão da cobrança de ISS pelos Municípios sobre os serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais, enfatizando a autorização contemplada no item 21 da LC n.º 116/03. Com supedâneo no arcabouço da Carta Política vigente, questionar-se-á se é ou não constitucional tal exigência tributária dos referidos serviços cartorários.


2. Aposição de alguns itens que extrapolam o conceito de serviços.

Como é consabido, não pode existir, em hipótese alguma, a liberdade arbitrária do legislador complementar de demudar em serviço aquilo que, efetivamente, não o é, nem poderá ser. Releva aduzir que, desde a primeira lista engendrada pelo diploma legal pretérito, os vários itens de serviços vêm sendo elaborados de forma fortuita, sem quaisquer pressupostos jurígenos. Quer dizer, o legislador não levou em consideração os arquétipos do tributo (2004, p. 460).

À guisa de ilustração são esclarecedores as lições do Prof. HARADA (2005), que sobre o assunto assim se manifesta:

[...] Ora, para elaborar a lista de serviços é preciso, antes de tudo, conceituar o que é serviço. Se a Constituição Federal utilizou a expressão ´´serviços de qualquer natureza´´ para fixar a competência impositiva municipal, sem dizer o que é, obviamente, o conceito dado pelo direito privado é vinculante, não podendo o legislador tributário alterar esse conceito. Isso está expresso no art. 110 do CTN.

Como se vislumbra do texto suso, e ainda sob a égide das lições de HARADA (2005) é mister que se teça a conceituação do verbete "serviço", o que o eminente mestre o fez muito bem, daí ser imperioso trasladá-lo. Ei-lo:

[...] serviço significa um bem econômico imaterial, fruto de esforço humano aplicado à produção. ´´É produto da atividade humana destinado à satisfação de uma necessidade (transporte, espetáculo, consulta médica), mas que não se apresenta sob forma de bem material (Cf. Grande Enciclopédia Delta Larousse. Rio de Janeiro : Editora Delta S ª, 1970, vocábulo serviço).

Destarte, tem-se que prestar serviço significa servir, i.e., ato ou efeito de servir. Noutras palavras: é o mesmo que prestar trabalho ou atividade a terceiro, mediante pagamento. O ISS recai sobre circulação de bem imaterial (serviço). Resulta, pois, da obrigação de fazer. O ICMS recai sobre circulação de bem material (mercadoria). Resulta da obrigação de dar. Estas as diferenças basilares.

Basta proceder a uma análise perfunctória da lista posta na lei para detectar subitens que contemplam como serviços tributáveis os que não poderiam, em nenhum momento, ser assim considerados.


3. Pontos flagrantes de Inconstitucionalidade

É fato incontroverso que há itens constantes da lista anexa à LC n.º 116/03 que são de inconstitucionalidade flagrante, por violação da conceituação do que seja ´´serviços de qualquer natureza´´, utilizada pela Constituição Federal para definição de competência impositiva municipal.

Tal fato pode ser constatado nos subitens do item 3, que alude a ´´serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres´´; já no subitem 15.09 há referência a ´´arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações´´; o subitem 25.01, por sua vez considera fornecimento de ´´caixão, urna ou esquifes´´, de ´´flores, coroas e outros paramentos´´, ´´aluguel de capela´´ etc. Resta se tentar adivinhar o seja " congêneres"!

Ora, em todos os casos supracitados, há uma mixórdia generalizada entre prestação de serviços e locação de bens móveis, regida pelo Código Civil, ou, ainda, entre prestação de serviços e fornecimento de bens materiais. Essa exegese é cômpar nos ilustres juristas CHIESA (2004, p.57-73) e HARADA.

Para o mestre CHIESA o problema da interpretação das leis reside no fato de que o hermeneuta deve optar em analisar o caso sob duas perspectivas, ou seja, do ponto de vista constitucional e do ângulo da lei infraconstitucional. Assim, se optar pela interpretação constitucional há de repelir os preceitos da lei complementar, já que tudo repousa na materialidade. Assim sendo, tudo o que está aposto na Constituição Federal, em matéria tributária, já se encontra predefinido. Então, indaga-se: a LC não deve disciplinar o que é ou não serviço?

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A expressão ´´locação de bens móveis´´ constante do item 79 da lista anexa à LC n.º 56/87 já foi declarada inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE n.º 116.121-03-SP, Rel. Min. Octávio Gallotti, Trib. Pleno, decisão não-unânime. DJ de 25-05-2001). Por isso, o subitem 3.01 da nova lei complementar foi vetado. Outros itens deveriam ter sido vetados pela mesma razão, pois o fundamento da inconstitucionalidade proclamada pelo Supremo Tribunal Federal não se restringe à locação de bens móveis como se divisa na ementa infradeclinada:

TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos.

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional."

(Relator Min. Octavio Gallotti - Relator p/ o acórdão Min. Marco Aurélio - Tribunal Pleno - j. 11.10.2000).

Diante disso, a ilação que se deve tirar é de que onde não houver envolvimento da força humana, aplicada à produção, não há que se falar em prestação de serviço.


4. Serviços cartorários, notariais e de registros

Na mesma trilha do entendimento esposado supra, convém trazer à tona que outros itens de serviços existem cuja inconstitucionalidade não é explícita. Dependem, portanto, de exame denso de cada caso, sob a égide da ordem jurídica geral. É o caso, verbi gratia, do item 21 e do respectivo subitem 21.01, pertinente aos serviços cartorários e notariais, bem como os de registros públicos em geral, que se passa a examinar a seguir.

Não há, ainda, uma posição doutrinária a respeito, nem jurisprudência firmada sobre tal tema. Não há, no subitem 21.01, vício transparente como nas hipóteses anteriormente indigitadas. Sua eventual inconstitucionalidade deve ser demonstrada com riqueza de minudências, o que não é uma tarefa muito simples, tendo em vista a ambigüidade da redação do art. 236 da CF que assim preceitua:

Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

A redação do caput, ao indicar que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, possibilitaria o entendimento de que esses prestadores de serviços seriam particulares e não agentes públicos. Poder-se-ia entender, pois, como concessionários de serviços públicos, isto é, particulares que executam serviços públicos, por delegação do Poder Público competente, submetendo-se ao regime tarifário para percepção do preço do serviço prestado. Mas a questão não se nos afigura tão simples, senão vejamos:

Importante salientar que não pairam dúvidas de que concessionários de serviços públicos podem ser sujeitos passivos de tributos, dependendo a exoneração do encargo tributário da legislação específica de cada ente político. Porém, no que concerne à concessão de serviço público, impõe-se a licitação ex vi do disposto no art. 175, da CF/88.

Ora, inexiste o certame licitatório na hipótese sob apreciação. Ao revés, o § 3º do art. 236 da Superlei prevê a realização do concurso público de provas e títulos para ingresso na atividade notarial e de registro. Antes, como é cediço, tal serviço era de caráter hereditário, passando de pai para filho o tabelionado.

Por outro lado, o § 1º dispõe que a lei disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, bem como, definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Alfim, o § 2º prescreve que a lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. No âmbito infraconstitucional, o caput está regulado pela Lei n. º 8.935/94, alterada pela Lei n. º 10.506/02. E o § 2. º encontra-se disciplinado pela Lei n. º 10.169/00.

As atividades de notários e de oficiais de registro são exercidas por delegação do Poder Público, em caráter privado como diz o texto constitucional, porém, submetidas aos rígidos princípios do direito público. São exercidas por titulares de cargos preenchidos por concurso público de títulos e provas e sujeitas à fiscalização do órgão estatal.

Vale dizer, o segmento notarial e de registro possui um status de ingente relevância no mundo jurídico pátrio. Não se refere apenas à autenticidade e segurança dos documentos, adentrando nas áreas probatória e de eficácia dos atos jurídicos, eis que assim é o comando do art. 1.º da Lei n.º 8.935/94: Art. 1º - Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Por esta razão é que a doutrina sói afirmar que os notários e registradores exercem duas funções básicas distintas e que se aperfeiçoam: a de certificação, atribuindo fé pública, e a de adequação, ou seja, de integração do escopo prático, exteriorizado pelas partes, às normas legais. Desta última função decorre o poder de controle da legalidade dos atos praticados pelas partes, evidentemente, dentro dos lindes compatíveis ao exercício dessa atividade.

Destarte, por exemplo, o tabelião pode deixar de lavrar a escritura de compra e venda de bem imóvel, caso o outorgante seja um menor púbere, sem assistência dos pais; ou, pode deixar de lavrar, também, um testamento em desacordo com a lei civil. Contudo, não pode deixar de lavrar a escritura de compra e venda de bem imóvel, sob a evasiva de que as partes não trouxeram a prova do pagamento do ITBI, porquanto tal fato representaria um abuso e um ato ilegal, porquanto a ocorrência do fato gerador desse imposto só se daria por ocasião do registro da escritura, pois o notário é o responsável pelo envio das Declarações de Operações Imobiliárias (DOIs) à Receita Federal e ao Fisco nas três esferas: federal, estadual e municipal, exemplo fornecido por HARADA (2005).

Isto posto, os notários e registradores são considerados servidores públicos em sentido lato, prova inconteste é que seus atos estão sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, e percebem remuneração à conta de receita pública derivada, emolumentos fixados por lei. Nesse sentido, já se pronunciou o STF (RE n.º 178.236, RTJ-162/772).

Igualmente, não há mais equívoco de que esses emolumentos configuram taxas de serviços, a partir do pronunciamento do Pretório Excelso, que proclamou sua natureza tributária, ainda, na vigência da ordem constitucional anterior (RE n.º 116.208, RTJ-132/867).

Aduza-se que o serviço notarial, bem como o de registro são específicos e divisíveis, têm, desse modo, sua matriz no § 2.º do art. 145 da CF/88 e preenchem os requisitos dos artigos 77 e 79 do Código Tributário Nacional – CTN.

Assim sendo, divisa-se, desde logo, que esses serviços públicos, não são passíveis de imposição tributária por meio de impostos. Não obstante a LC n.º 116/03, na definição do fato gerador do ISS (art. 1.º), não mais faça referência à prestação, por empreitada ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviços constantes da lista anexa, consoante preceituava o art. 8.º do Decreto-lei n.º 406/68, não resta dúvida de que esse imposto manteve sua característica mercantil.

Logo, só é passível de tributação, pelo ISS, o serviço prestado sob o regime de direito privado, norteado pelos princípios da autonomia da vontade e da licitude ampla, em contraposição ao rígido princípio da estrita legalidade, que rege as relações de direito público.

E mais: se são serviços públicos, tanto é que sua execução é delegada pelo Poder Público, a pretendida tributação pelo ISS iria de encontro à proibição constitucional do art. 150, VI, a da Lei das Leis, que instituiu a chamada imunidade recíproca em matéria de impostos.


5. Taxação por alíquotas fixas

Com a edição da LC n.º 116/03, cujo artigo 10 listou os dispositivos legais revogados, incluindo aqueles não passíveis de revogação, logo surgiu estranho posicionamento doutrinário advogando a tese do desaparecimento da tributação fixa das sociedades de profissionais liberais, apesar de não ter sido revogado o § 3.º do art. 9º do DL n.º 406/68, único artigo, no entanto, mantido pela nova lei do ISS.

Desde o início vários juristas se posicionaram pela preservação da chamada tributação fixa, porque os dispositivos revogados - art. 3.º, V do Decreto-Lei n.º 834/69 e art. 2.º da LC n.º 56/87 - haviam se limitado a conferir nova redação ao § 3º do art. 9º do DL n.º 406/68, isto é, eram normas de efeito concreto, de caráter imediato.

Quando do seu empeço no mundo jurídico cumpriram a sua singular função de ab-rogar a redação anterior, substituindo-a pela nova, tornando-se, por isso, imune à derrogação. Uma coisa é revogar a norma que recebeu nova redação, possível a qualquer tempo, respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; outra coisa bem diferente é revogar a norma que alterou a redação original, juridicamente impossível!

Acrescente-se, por oportuno, que o certo seria revogar o art. 9.º do Decreto-Lei n.º 406/68 e acrescentar parágrafos ao art. 7.º da LC n.º 116/03, a fim de prescrever a tributação fixa dos serviços prestados por profissionais autônomos e pelas sociedades de profissionais liberais. Tal fato se deu com a aprovação pelo Senado Federal, em 10 de dezembro de 2003, do projeto de lei de n.º 70/02, que alterou a lista de serviços.

Conforme a dicção do § 7.º do art. 7.º da LC n.º 116/03 os serviços beneficiados pela tributação fixa, quando prestados por sociedades de profissionais, são os dos itens 4.01, 4.02, 4.06, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.16, 5, 7.01, 10.03, 17.14, 17.16, 17.19 e 17.20. O art. 3.º da propositura legislativa aprovada pelo Senado Federal, por sua vez, revoga o art. 9.º do Decreto-lei n.º 406/68, único dispositivo concernente ao ISS, então mantido pela LC n.º 116/03.

Uma questão que se nos apresenta bastante curiosa é com relação ao Decreto-Lei n.º 406/68, item 71, da lista apensa a este a qual versa sobre a prestação de serviço de recauchutagem ou regeneração de pneus. Em Artigo, o jurista CLÉLIO CHIESA faz uma singular exegese sobre o tema. Ei-lo:

[...] Somente poderia ser submetida à tributação por meio de ISS caso a prestação fosse destinada a usuário final. A Lei Complementar n.º 116/03 contemplou essa prestação de serviço como passível de ser tributada por meio de ISS ( subitem 14.04), mas suprimiu a expressão "para o usuário final.

De igual sorte, nos casos de prestações de serviços de recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, previstas no item 72, da lista anexa ao Decreto-Lei n.º 406/68, somente poderiam submetidos à tributação por meio do ISS caso os objetos não fossem destinados à industrialização ou à comercialização. Isto é, o ISS somente poderia incidir nas hipóteses em que os objetos submetidos aos procedimentos previstos no item 72 do referido decreto fossem destinados a consumidor final [...]

Com fulcro no asserto posto no texto supra, pode se dizer que, na prática, antes do advento da LC n.º 116/03, os fatos relacionados acima, quando não destinados a beneficiários finais, estavam sujeitas à tributação por meio do IPI e ICMS. Como é de praxe, as leis estaduais, a rigor, pontificam que, em se tratando de industrialização por terceiro, a remessa para o estabelecimento contratado e o retorno da mercadoria ao estabelecimento contratante não estão sujeitos à tributação por meio do ICMS, hipoteticamente, preterindo a incidência para a fase de saída do produto do estabelecimento contratante. Emprega-se, portanto, o termo hipoteticamente porque nas operações de remessa e de retorno, não há compra e venda de mercadoria passível de ser tributada por meio de ICMS. Diante de tal situação, a verdade é que, nos Estados, o envio e o retorno não sofrem tributação.

Vimos de ver que, com a nova sistemática estabelecida, recrudesce a disceptação das aludidas prestações de serviços, uma vez que a LC n.º 116/03 autoriza a tributação não só das hipóteses em que o contratante é destinatário final, como também em qualquer situação.

Destarte, eis que é forçoso que se perquira se a LC n.º 116/03 teria operado uma invasão na competência da União, no caso IPI e dos Estados e Distrito Federal (ICMS), dando nova dimensão à competência impositiva.

Frente ao quadro exposto acima, urge que se proceda a uma delimitação no campo de atuação do ISS e do ICMS. Ora, o ICMS é um imposto cuja incidência repousa não somente sobre a compra e a venda de mercadorias, mas também sobre prestações de serviços. Tal método de repartição de da tributação de prestação de serviços entre os Estados – e aqui também é contemplado o Distrito Federal – e Municípios tem ocasionado inúmeros conflitos, posto que o legislador constituinte não foi categórico, exato, quando delimitou o âmbito da incidência do ISS e ICMS, senão vejamos.

Inexiste na Lei Maior uma enumeração taxativa do critério adotado para a repartição da competência para tributar as prestações de serviços, ou seja, os serviços de comunicação, apenas a título de exemplificação, são de competência dos Estados ou os serviços estritamente prestados na esfera de um dado município devem ser submetidos à taxação por meio de ISS? A resposta para tal inquirição reside na conceituação de que seja serviço de comunicação, perpassando, ainda, pela ponderação de que todos os serviços de comunicação estão relacionados ao fato comunicativo ou apenas as prestações capazes de viabilizar o transporte de uma mensagem de um ponto a outro ponto.

As respostas para as perquirições acima ventiladas residem, repise-se, na carência de definição sobre a função da lei complementar no sistema tributário pátrio, máxime no que concerne ao ISS. Observe-se, pois, que, embora o constituinte tenha estabelecido no art. 156, III, da Carta Política vigente que a competência de tributar a prestação de serviço de qualquer natureza é do município, condicionou tal prerrogativa ao uma lei complementar. Contudo, a polêmica que se abateu entre os juristas e os operadores do direito em geral, é se saber se a lei complementar tem caráter taxativo ou tão-somente exemplificativo!

Numa análise bastante particular e, levando-se em consideração as limitações do poder de tributar, os arquétipos do tributo e sua materialidade e a supremacia da Constituição Federal, dir-se-ia que o critério constitucional eleito para engendrar a repartição da competência para tributar as prestações de serviços é residuário, mas não no que tange à lista contígua à LC 116/03, e sim aos ditames fincados constitucionalmente.

Com efeito, a própria Superlei delimitou o âmbito de atuação de cada umas das pessoas políticas, d modo que não cabe à lei complementar fazê-lo, embora sob a alegação de editar normas gerais de Direito Tributário [01]. Enfim, não é a lei complementar que vai definir as prestações de serviços que devem ser submetidas ao ISS, mas a própria Carta Política.

Sobre o autor
Jefferson Laborda da Silva

Bacharel em Direito e Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Advogado militante, principalmente no âmbito da Secretaria da Receita Federal e Justiça Federal. Especialista em Direito Tributário pela UFAM. Ex-Chefe de Material e Patrimônio da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas (TJ/AM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Jefferson Laborda. A inconstitucionalidade da cobrança de ISS pelos municípios sobre serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1693, 19 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10965. Acesso em: 5 nov. 2024.

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