Nos últimos tempos, muito tem sido discutido sobre o Projeto de Lei 1904/24, que ganhou notoriedade por frases como "a menina que abortar vai ter uma pena maior do que quem a estuprou". Notícias também relataram que "A Câmara aprovou, nesta quarta-feira (12), a urgência para o projeto de lei 1904/24, que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio" (CNN Brasil).
O PL 1904/24 propõe alterações significativas no Código Penal Brasileiro, especificamente nos artigos 124 a 128, que tratam do aborto. A principal mudança é a qualificação do aborto realizado após a 22ª semana de gestação como homicídio, sujeitando os responsáveis a penas de 6 a 20 anos de reclusão, equivalentes às penas previstas para homicídio simples (Art. 121. do Código Penal).
Atualmente, o aborto é considerado um crime contra a vida e, conforme o artigo 74 do Código de Processo Penal ( CPP), é julgado pelo Tribunal do Júri. O PL 1904/24, no entanto, introduz mudanças que afetam profundamente as excludentes de punibilidade previstas no Art. 128. do Código Penal, que atualmente não punem o aborto praticado por médico nos casos de risco à vida da gestante ou de gravidez resultante de estupro.
O aspecto mais controverso e polêmico do PL 1904/24 é a limitação das excludentes de punibilidade. Segundo o projeto, mesmo nos casos de gravidez resultante de estupro, se o aborto for realizado após 22 semanas de gestação, tanto a gestante quanto o médico poderão ser punidos com penas equivalentes às de homicídio.
Essa proposta tem gerado intenso debate. Críticos apontam que crianças e adolescentes vítimas de estupro, já traumatizadas pelo ato de violência, seriam obrigadas a enfrentar consequências legais severas se procurassem o aborto após o prazo estipulado. Menores de 18 anos, apesar de não cometerem crimes segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA), podem ser responsabilizados por atos infracionais, resultando em medidas como prestação de serviços comunitários ou internação (artigos 101, 105 e 112 do ECA).
O projeto ignora as complexidades psicológicas e práticas enfrentadas por vítimas de estupro. Esperar que uma vítima de estupro recupere-se emocionalmente e decida pelo aborto dentro de 22 semanas é insensível à gravidade do trauma. Além disso, há casos documentados de gestações descobertas tardiamente, onde a vítima, muitas vezes uma criança, não tem plena consciência de sua condição até após o prazo proposto.
Enquanto o Brasil propõe medidas restritivas, países como Canadá, Suécia, México, Argentina, Colômbia, Uruguai, Espanha, Portugal, Alemanha, França, Itália, China e Austrália estão ampliando os direitos reprodutivos das mulheres, refletindo uma tendência global de avanço nas liberdades individuais e de saúde.
Diante do alarmante número de estupros no Brasil, uma abordagem mais eficaz poderia ser a investida em projetos de lei que previnam casos de violência sexual e até que aumentem as punições para estupradores, em vez de penalizar ainda mais as vítimas.
Ademais, a convicção religiosa e as crenças pessoais não devem influenciar a legislação de um Estado laico.
Por fim, o PL 1904/24 levanta questões críticas sobre direitos reprodutivos e justiça social. É fundamental um debate amplo e fundamentado, que considere as realidades das vítimas e as tendências globais de direitos humanos. A legislação deve proteger e não punir ainda mais aqueles que já sofreram violência extrema.