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Doenças comuns, alegação de dispensa discriminatória e reintegração

Agenda 09/11/2024 às 11:03

O que ocorre quando, por doenças comuns, sem relação com o trabalho, o empregado falta muito? Pode ser demitido?

Multiplicam-se as demandas na esfera trabalhista em que se postula o reconhecimento de doenças alegadamente profissionais que, não raro, não guardam qualquer relação com as atividades funcionais, mas que, a despeito disto, de forma temerária, se pretende imputar as consequências ao empregador, o que se faz quase sempre mediante a invocação de disposições contidas na Lei n.º 9.029/1995 onde se proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros.

O exame da Lei n.º 9.029/1995 indica ter ela por escopo fundamental obstar situações em que se venha a promover a dispensa do trabalhador quando acometido de doença grave que, conforme registra-se, possa suscitar estigma ou preconceito, o que implica, caso isto se venha a constatar, na invalidação do desligamento com a consequente reintegração do empregado e a concessão das verbas que tenha deixado de auferir entre a data da dispensa e o momento de retorno às suas atividades funcionais, a exemplo da situação enfocada no v. aresto a seguir transcrito:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO E PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DEVIDOS. Constatada a dispensa discriminatória, impõe-se a reintegração da trabalhadora e o pagamento dos salários do período, nos termos do artigo 4º, I, da Lei n. 9.029/1995. Recurso da reclamante ao qual se dá provimento, no particular.

(TRT-2 10003532320215020255 SP, Relator: SERGIO ROBERTO RODRIGUES, 11ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 25/04/2022). (Grifou-se).

Cuidando especificamente da hipótese de dispensa discriminatória, a jurisprudência firmada pelo Colendo TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST por intermédio da Súmula n.º 443 põe em relevo que:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego." (Destaques nossos).

Em pesquisa jurisprudencial voltada a ilustrar, exemplificativamente, o que se tem admitido nas decisões judiciais acolhendo e reconhecendo a dispensa discriminatória, são identificados casos como aqueles que a seguir vão relacionados:

Ressumbra inequívoco, assim, que se terá a incidência da norma em comento quando se tiver a identificação de doença que, acometendo o empregado, for caracterizada como doença grave que suscite estigma ou preconceito, ensejando conclusão no sentido de que discriminatória terá sido a dispensa com os efeitos disso decorrentes em favor do trabalhador.

Mas não raro constata-se a veiculação de pretensões ajuizadas perante a Justiça do Trabalho invocando as disposições referidas na Lei n.º 9.029/1995 e buscando a incidência do que se acha estabelecido nessa norma para, então, ampliar o rol de situações que se prestariam, em tese, a incluir doenças comuns como hábeis à caracterização de males que poderiam suscitar “estigma ou preconceito” e, em consequência, emprestando descabido fundamento para pleitos de reintegração, além de reparações material e moral.

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Apenas para ilustrar o que ora é enfocado, calha citar caso em que o trabalhador promoveu contra o seu empregador demanda em que argumentou que tendo contraído Chinkungunya, Influenza e Dengue, ter-se-ia que reconhecer que a sua dispensa, quando do retorno ao trabalho, deveria ser reconhecida como discriminatória e, por consequência, ensejaria ou a sua reintegração, ou a aplicação dos efeitos previstos na Lei n.º 9.029/1995, mesmo se tendo a concessão de benefícios previdenciários deferidos e enquadrados pelo INSS na espécie B31 (sem relação com as atividades funcionais) e não B91 (acidente do trabalho/doença profissional).

A eventual propositura de demanda em tais condições, presta-se apenas a evidenciar uma posição temerária e ofensiva ao sistema normativo vigorante, além de desprestigiar a credibilidade que se deve ter sempre no sistema judiciário, porquanto acredita-se, falaciosamente, que este sistema poderá, no caso de doenças reconhecidamente comuns, permitir a construção de tese temerária que permitiria, de algum modo, imputar ao empregador a responsabilidade pelos afastamentos deferidos ao empregado sem qualquer relação com as atribuições funcionais e sem que se possa enquadrar o mal sofrido nas hipóteses referidas na Lei n.º 9.029/1995.

Tal sustentação, ao ser veiculada e admitida, presta-se a afetar gravemente a esperada segurança jurídica agredindo e atropelando todo um sistema de proteção que deve prevalecer de lado a lado. Mas não só isto. Restaria evidenciada a construção e a aceitação de uma tese temerária, apta a caracterizar indiscutível litigância de má-fé, conforme previsão inscrita nos arts. 793-B, da CLT, e art. 80 do Código de Processo Civil.

Na situação anteriormente citada e referida como exemplo, ao se dar o desligamento do obreiro atendeu-se atentamente às rotinas e os procedimentos previstos e nada se poderia afirmar no sentido de que tenha a empregadora incorrido em conduta irregular ao dispensá-lo após avaliação médica que, confirmando o que já havia sido afirmado pelo INSS, indicou estar ele APTO ao desempenho de suas atividades funcionais, nada se indicando que pudesse obstar a dispensa.

Forçoso reconhecer que a empregadora, no legítimo exercício de direito potestativo e discricionário em lei previsto, jamais poderia ter incorrido na prática de qualquer ato irregular, os quais estariam alegadamente previstos no bojo da Lei n.º 9.029/1995, porquanto o desligamento do trabalhador teria ocorrido de modo regular e sem qualquer conteúdo discriminatório.

Atestando-se estar o trabalhador hábil ao desempenho de suas atividades funcionais e tendo ele sido afastado por doenças sem qualquer relação com o trabalho, nada obstaria o seu desligamento e não se poderia impingir ao empregador uma responsabilidade sem qualquer base legal e que se referiria à demonstração dos fundamentos do desligamento.

Confira-se, a respeito, orientação jurisprudencial que se colhe em casos onde se tem a indicação de haver o afastamento ocorrido em face de ter sido o trabalhador acometido de doenças comuns e onde externa-se conclusão no sentido de que não restando caracterizada a dispensa discriminatória e, ainda, não tendo produzido o trabalhador provas no sentido da prática irregular, não se teria como sustentar os pleitos veiculados com o escopo de alcançar a sua reintegração ou mesmo de eventuais reparações. Confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Segundo o quadro fático trazido pelo Regional, as provas existentes nos autos não indicam que a dispensa do reclamante tenha ocorrido em virtude do seu quadro de saúde. Desse modo, concluiu a Corte a quo que a dispensa não foi discriminatória. A decisão recorrida está fundamentada no exame da prova produzida, cuja reapreciação é obstada nesta instância extraordinária, e pela qual não foi constatada a dispensa discriminatória. Incidência da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido.

(TST - AIRR: 101918120165030084, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 07/11/2018, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/11/2018).

DANO MORAL - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO - Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação. (TRT-1 - RO: 01010964620175010281 RJ, Relator: CESAR MARQUES CARVALHO, Data de Julgamento: 24/07/2018, Quarta Turma, Data de Publicação: 31/07/2018)

DANO MORAL - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO - Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação.

(TRT-1 - RO: 01010964620175010281 RJ, Relator: CESAR MARQUES CARVALHO, Data de Julgamento: 24/07/2018, Quarta Turma, Data de Publicação: 31/07/2018)

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO . Caso em que não se verifica abuso do direito potestativo do empregador de rescindir sem justa causa o contrato de trabalho, na medida em que a parte reclamante foi acometida de moléstia que não se caracteriza como "doença grave que suscite estigma ou preconceito" (Súmula 443 do TST), o que afasta a presunção relativa de despedida discriminatória.

(TRT-4 - ROT: 00201190720235040012, Relator: SIMONE MARIA NUNES, Data de Julgamento: 20/07/2023, 6ª Turma)

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO CARACTERIZADA. Não há qualquer indício nos autos comprovando que a dispensa do reclamante ocorreu por motivo de doença grave e de forma discriminatória, o que afasta, portanto, a indenização prevista no artigo 4º, da Lei n. 9.029/95, bem como na Súmula 443, do C. TST. Recurso ordinário do reclamante a que se nega provimento.

(TRT-2 10010906320205020060 SP, Relator: SONIA MARIA FORSTER DO AMARAL, 2ª Turma - Cadeira 3, Data de Publicação: 01/12/2021)

DANOS MORAIS POR DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Sobre a dispensa discriminatória, é preciso que haja ato claro do empregador que indique que a rescisão se deu por um motivo não razoável, em decorrência de uma evidente distinção injustificável pela condição pessoal permanente ou temporária do trabalhador. No caso, a doença do autor não atuou como um motivo de discriminação no ambiente da empresa, não configurando dispensa discriminatória. Ademais, ainda que a prova oral tenha indicado que o autor informou à empresa sobre sua patologia e a necessidade de cirurgia, os depoimentos, por si só, não demonstram que, na época da dispensa, a empregadora tivesse ciência de que o procedimento cirúrgico estava, efetivamente, agendado e que ocorreria em alguns dias. Sentença confirmada, no aspecto.

(TRT-2 10008971020215020611 SP, Relator: MOISES DOS SANTOS HEITOR, 1ª Turma - Cadeira 3, Data de Publicação: 24/11/2021)

DANO MORAL - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NÃO COMPROVADA PELO EMPREGADO - Não havendo prova inequívoca da conduta discriminatória da empregadora, ônus que incumbe ao empregado, tem-se que a dispensa sem justa causa é direito potestativo do empregador, não ensejando, por si só, dano moral, passível de reparação.

(TRT-1 - RO: 01010964620175010281 RJ, Relator: CESAR MARQUES CARVALHO, Data de Julgamento: 24/07/2018, Quarta Turma, Data de Publicação: 31/07/2018) (Destaques nossos).

Em suma, cumpre enfatizar que se firma acertadamente a jurisprudência no sentido de não entender como discriminatória a dispensa que, sem justa causa, é praticada pelo empregador no exercício do direito potestativo que lhe é assegurado quando não são demonstradas as hipóteses referidas na Lei n.º 9.029/95, mas quando se tem a clara indicação de que os afastamentos do trabalhador decorreram de ter ele sido acometido por doenças comuns, sem relação, portanto, com suas atividades funcionais.

Ademais, ressalta evidente que a conduta que se reputa discriminatória deve ser provada pelo empregado e não pelo empregador, descabendo falar em presunção em favor do trabalhador, mesmo porque se assim não fosse, estar-se-ia construindo tese que implicaria na clara e indesejável subversão da ordem jurídica.

Não é demais, para finalizar o presente trabalho, fazer referência a fundamentos bem expostos em v. acórdão proferido pelo Colendo TRT da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins) e onde se tem conclusões bem lançadas no sentido de que afastado o trabalhador em face de problemas de saúde que não se encaixam na diretriz jurisprudencial contida na Súmula nº 443/TST, descabido pretender-se que isto se transforme em eterna inviabilidade ao exercício pleno do poder diretivo do empregador (Proc. n.º 0000262-10.2023.5.10.0011 - ACÓRDÃO 1ª Turma).

Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Doenças comuns, alegação de dispensa discriminatória e reintegração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7801, 9 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110214. Acesso em: 21 nov. 2024.

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