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Laicismo antimetafísico e o colapso do Ocidente.

Tréplica ao artigo de Lucas Camarotti de Barros

Agenda 08/03/2008 às 00:00

1.À vista do texto de Lucas Camarotti de Barros "Estado laico e Estado ateu: uma resposta e uma proposta. Breve discurso sobre ateísmo, democracia e metafísica", (Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1691, 17 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10941>. Acesso em: 26 fev. 2008.), oferecido ao meu artigo "Estado laico e Estado ateu" (Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1678, 4 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10911> Acesso em: 04 fev. 2008), senti a necessidade de oferecer ao leitor alguns esclarecimentos adicionais sobre o meu ponto de vista, demonstrando como aquela resposta é inconsistente e confirma o entendimento por mim defendido.

2.Em primeiro lugar, há que desfazer um equívoco do meu adversário de idéias. Não tenho objeções a um Estado verdadeiramente laico. Apenas não creio que deva ser imposta sub-repticiamente à Nação brasileira, cuja população, em sua maioria esmagadora, e cujas raízes são cristãs [01], o conceito de laicidade ateu [02] e materialista. Tal conceito, além de insustentável do ponto de vista lógico, é propugnado por uma fragorosa minoria, ainda que influente na sociedade. Nele, vislumbra-se a aversão às religiões positivas e a aversão à metafísica, tão cara aos grandes filósofos gregos. Por melhor que seja Richard Rorty, estou certo de que, diante de Aristóteles, que tanto se preocupou com a "filosofia primeira", posteriormente denominada "metafísica", ele é um menino de colo.

3.A "laicidade" construída pelo ateísmo, pelo agnosticismo preconizado pelo meu opositor e pelo deísmo precursor do ateísmo moderno é laicismo: é proscrição de toda a intervenção do elemento religioso no debate e na vida democrática. Um exemplo de laicismo são as tentativas de retiradas dos crucifixos de lugares públicos, caso evidente de intolerância para com os símbolos religiosos caros à população brasileira, cuja esmagadora maioria, cujas raízes e identidade são cristãs. Ao contrário do que pretende o Dr. Lucas, não me parece adequado implantar cotas para símbolos religiosos discriminados em edifícios públicos. A exteriorização da religiosidade popular dá-se de modo natural, não sendo razoável o Estado intervir nessa matéria, favorecendo esta ou inibindo aquela forma de culto.

4.Outro exemplo de laicismo: a pressão que os grupos de defesa da "emancipação homossexual" fazem para a aprovação da lei da mordaça gay, o Projeto de Lei da Câmara 122/2006, em trâmite no Senado, que proíbe qualquer manifestação de oposição ao homossexualismo, ainda que de ordem religiosa ou filosófica. Além desses, a tentativa de desqualificar a opinião de autoridades religiosas em matéria de preservativos, de controle da natalidade ou de aborto, atribuindo-lhe a pecha de opinião "religiosa", sem reconhecer-lhe os fundamentos éticos e científicos. Temendo o debate racional e o enfrentamento honesto das idéias, certos argumentos, inclusive de autoridades públicas, beiram o golpismo e o estelionato intelectual. Por que se teme tanto a Igreja Católica como adversário? Será porque ela, que fundou as universidades, sempre prezou o discurso racional?

5.Ora, a vertente filosófica pela qual se bate o Dr. Lucas Camarotti de Barros, hostil à metafísica, é absolutamente materialista, visto que se opõe à investigação racional das causas primeiras dos fenômenos, não-físicas (objeto daquela). É tendenciosa e contraditória a tese do Dr. Lucas de que a metafísica ateísta, que no fim das contas é a dele – isto é, qualquer coisa, menos metafísica –, consiste também em uma metafísica de presença: a presença da ausência. Poucas vezes li uma contradição lógica dessa magnitude. Nada surpreendente para quem se deixa guiar por Jacques Derrida, o pai do desconstrucionismo. Como, diabos, algo que está ausente está presente, se a ausência é justamente a carência ou privação de presença? Somente indivíduos para os quais a linguagem não possui qualquer vínculo com o real podem afirmar o que quiserem e ficar impunes.

6.De fato, a Constituição de 1988 é laica. Laicistas – e não laicas! – são algumas iniciativas com ela incompatíveis, tais como a tentativa de afastar os que possuem convicções religiosas do debate sobre a legalização do aborto e a manipulação de embriões, tachando argumentos científicos e racionais de religiosos ou metafísicos (atribuindo à metafísica errôneo sentido pejorativo). Por certo que crentes e não-crentes são influenciados pelas suas convicções, o que por si só, não é bom nem mau. O que causa perplexidade é a apresentação de teses materialistas, de fundo ateísta, agnóstico ou deísta, cujos efeitos práticos são os mesmos, como "neutras", "científicas", "racionais", ao passo que a defesa da metafísica seria "parcial", "acientífica" e "irracional". No mínimo, os materialistas padecem do vício do orgulho [03] antidemocrático: julgam-se senhores da verdade (que nem sequer julgam existir) e colocam-se acima de qualquer crítica. Na verdade, fogem do debate, porquanto não têm como demonstrar o acerto das suas teses [04].

7.Parece que o Dr. Lucas Camarotti não entendeu a distinção entre "racional" e "racionalista", entre "racionalidade" e "racionalismo". "Racionalismo" é o agigantamento desequilibrado, desproporcionado, do exercício da razão. Trata-se do emprego da razão fora do ambiente que lhe é próprio (a razão humana não é a medida de todas as coisas nem é capaz de explicar tudo). Assim como o "laicismo" é a deturpação, o exagero, a desproporção na "laicidade". Laicidade não é a exclusão das confissões religiosas do debate democrático.

8.Com efeito, o meu insigne debatedor limita-se a atacar a metafísica, dizendo ter sido ela abandonada pelos filósofos contemporâneos. E daí? Logo os filósofos modernos e contemporâneos que, em seu relativismo, negam existir verdade – exceto esta de que não existe verdade! –, os mesmos que renegam o objeto próprio da filosofia que é a verdade, com o argumento antifilosófico de que o que é novo é melhor?! Logo as correntes de pensamento modernas que, com os seus conceitos formais, plásticos, sem conteúdo valorativo intrínseco, deram suporte ideológico ao nazismo e ao comunismo, pretendem abandonar a metafísica?! Não são suficientes o argumento da "novidade" e a crítica fácil à Inquisição, sem o cuidado de aprofundar em imparcial investigação histórica, para a qual tomo a liberdade de recomendar a leitura do livro "A Inquisição em seu Mundo", de João Bernardino Gonzaga. É necessário demonstrar a imprestabilidade intrínseca da metafísica.

9.Por certo, o abandono da metafísica é diretamente responsável pela decadência moral e intelectual do Ocidente. Ora, o racionalismo, ao pretender que a razão humana fosse a medida de todas as coisas, recusou validade e verdade a tudo aquilo que a razão humana não pudesse explicar imediatamente ou que não fosse diretamente percebido pelos sentidos. Com isso, as questões essenciais da filosofia primeira ficaram para segundo plano ou plano nenhum. E dessa forma, os pensamentos moderno e contemporâneo procuraram tratar apenas de veleidades, de experiências diretamente apreendidas pelos sentidos, numa perspectiva materialista, sem cuidar das questões essenciais: que é o homem (sem corar, os filósofos contemporâneos dizem que não sabem!)? De onde ele veio? Para onde ele vai? Qual é a finalidade da existência? Deus existe? Se Deus existe, como Ele atua no mundo material? Existe alma? Esta alma é espiritual? É racional? Existe algo imaterial que distinga os homens dos outros animais? Existe uma lei natural válida para todos os seres humanos, que daria base aos "direitos humanos" [05], inatos?

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10.Percebe-se, portanto, que, sem tratar das questões primeiras, cruciais, as filosofias moderna e contemporânea pretenderam tratar das questões secundárias, privilegiando o empirismo, a experiência. Ocorre que não é possível tratar adequadamente das questões secundárias se não se dá resposta adequada às questões primeiras, das quais as questões segundas dependem.

11.Nesse sentido, a morte da metafísica é a morte do Ocidente e da própria filosofia, que passou a ocupar-se de bagatelas sem sentido (ou, por outra, que passou a ocupar-se, sem rumo e sem sentido, de bagatelas). A morte da metafísica é a morte do homem interior, a que eu me referi no primeiro texto. Eliminada ou deixada de lado a metafísica, com as suas questões ou causas primeiras, só resta o material. Surgem, então, o materialismo ateu (Deus não existe), agnóstico (é impossível saber se Deus existe) ou deísta (Deus só se explica pela razão. Se não se consegue explicá-lo, é porque não existe), e o homem exterior, regido pelos dogmas do contratualismo, do pragmatismo (espécie de utilitarismo liberal), do consenso, como critérios do bem e da justiça. A matéria passa a ser a medida de todas as coisas.

12.Ora, o texto do Dr. Lucas Camarotti de Barros deixa claro, embora ele se esforce por negá-lo (para tanto o autor procura retificar o próprio Rorty, que me dá razão), que ele segue na linha do pensamento materialista moderno, de fundo ateísta e agnóstico. Notem que o racionalismo é preconceituoso para com a própria razão: embora a razão seja vista como o critério decisivo para tudo, sente-se ela incapaz de investigar os problemas mais elevados, tais como o da existência de Deus. Do racionalismo advém uma razão rastejante, incapaz de olhar para o alto e que se contenta em comer pó O empirismo é incapaz de do particular abstrair, deduzir o geral, o universal, a essência. É incapaz de da análise do que é percebido pelos sentidos, por exemplo, da análise de Pedro, deduzir o que nele é acidente (ser careca, gordo, alto ou baixo) e distinguir o que é a essência, a natureza humana, universal, da qual todos os outros seres humanos participam. Trata-se de dificuldade oriunda do nominalismo, surgido com a escolástica decadente de Guilherme de Ockham, segundo o qual só existe o particular, o que é universal carece de existência (do que é universal só existem os nomes. Eis a gênese de Jacques Derrida e do próprio Rorty).

13.No que se refere à existência de Deus, ela é plenamente demonstrável do ponto de vista filosófico. Santo Tomás, com as suas cinco vias, evidenciou-a de maneira irrefutável, não obstante o conhecimento filosófico sempre possa progredir e comprová-la de modo ainda mais claro e eficiente (certo é que as próprias cinco vias mereceram ajustes posteriores, que não as invalidaram). Trata-se do que a razão pode efetuar sem o recurso à revelação, nos estudos de teologia natural. Peço licença ao leitor para transcrever as cinco vias de Santo Tomás, embora para compreendê-las seja necessário um domínio mínimo dos conceitos metafísicos, como o de movimento (passagem da potência ao ato) e participação (o que não "é" e "existe" por si mesmo participa do "ser" e da "existência" do que "é" e "existe" por si mesmo):

"RESPONDO. Pode-se provar a existência de Deus, por cinco vias.

A primeira, e a mais clara, parte do movimento. Nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo algumas coisas se movem. Ora, tudo o que se move é movido por outro. Nada se move que não esteja em potência em relação ao termo de seu movimento; ao contrário, o que move o faz enquanto se encontra em ato. Mover nada mais é, portanto, do que levar algo da potência ao ato, e nada pode ser levado ao ato senão por um ente em ato. Como algo quente em ato, por exemplo o fogo, torna a madeira que está em potência para o calor, quente em ato, e assim a move e altera. Ora, não é possível que a mesma coisa, considerada sob o mesmo aspecto, esteja simultaneamente em ato e em potência, a não ser sob aspectos diversos: por exemplo, o que está quente em ato não pode estar simultaneamente quente em potência, mas está frio em potência. É impossível que sob o mesmo aspecto e do mesmo modo algo seja motor e movido, ou que mova a si próprio. É preciso que tudo o que se move seja movido por outro. Assim, se o que move é também movido, o é necessariamente por outro, e este por outro ainda. Ora, não se pode continuar até o infinito, pois neste caso não haveria um primeiro motor, por conseguinte, tampouco outros motores, pois os motores segundos só se movem pela moção do primeiro motor, como o bastão, que só se move movido pela mão. É então necessário chegar a um primeiro motor, não movido por nenhum outro, e este, todos entendem: é Deus.

A segunda via parte da razão de causa eficiente. Encontramos nas realidades sensíveis a existência de uma ordem entre as causas eficientes; mas não se encontra, nem é possível, algo que seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si próprio: o que é impossível. Ora, tampouco é possível, entre as causas eficientes, continuar até o infinito, porque entre todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa das intermediárias e as intermediárias são a causa da última, sejam elas numerosas ou apenas uma. Por outro lado, supressa a causa, suprime-se também o efeito. Portanto, se não existisse a primeira entre as causas eficientes, não haveria a última nem a intermediária. Mas se tivéssemos de continuar até o infinito na série das causas eficientes, não haveria causa primeira; assim sendo, não haveria efeito último, nem causa eficiente intermediária, o que evidentemente é falso. Logo, é necessário afirmar uma causa eficiente primeira, a que todos chamam Deus.

A terceira via é tomada do possível e do necessário. Ei-la. Encontramos, entre as coisas, as que podem ser ou não ser, uma vez que algumas se encontram que nascem e perecem. Conseqüentemente, podem ser e não ser. Mas é impossível ser para sempre o que é de tal natureza, pois o que pode não ser não é em algum momento. Se tudo pode não ser, houve um momento em que nada havia. Ora, se isso é verdadeiro, ainda agora nada existira; pois o que não é só passa a ser por intermédio de algo que já é. Por conseguinte, se não houve ente algum, foi impossível que algo começasse a ser; logo, hoje, nada existira: o que é falso. Assim, nem todos os entes são possíveis, mas é preciso que algo seja necessário entre as coisas. Ora, tudo o que é necessário tem, ou não, a causa de sua necessidade de um outro. Aqui também não é possível continuar até o infinito na série das coisas necessárias que têm uma causa da própria necessidade, assim como entre as causas eficientes, como se provou. Portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros: o que todos chamam Deus.

A quarta via se toma dos graus que se encontram nas coisas. Encontra-se nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre etc. Ora, mais e menos se dizem de coisas diversas conforme elas se aproximam diferentemente daquilo que é em si o máximo. Assim, mais quente é o que mais se aproxima do que é sumamente quente. Existe em grau supremo algo verdadeiro, bom, nobre e, conseqüentemente o ente em grau supremo, pois, como se mostra no livro II da Metafísica, o que é em sumo grau verdadeiro, é ente em sumo grau. Por outro lado, o que se encontra no mais alto grau em determinado gênero é causa de tudo que é desse gênero: assim o fogo, que é quente, no mais alto grau, é causa do calor de todo e qualquer corpo aquecido, como é explicado no mesmo livro. Existe então algo que é, para todos os outros entes, causa de ser, bondade e de toda a perfeição: nós o chamamos Deus.

A quinta via é tomada do governo das coisas. Com efeito, vemos que algumas coisas que carecem de conhecimento, como os corpos físicos, agem em vista de um fim, o que se manifesta pelo fato de que, sempre ou na maioria das vezes, agem da mesma maneira, a fim de alcançarem o que é ótimo. Fica claro que não é por acaso, mas em virtude de uma intenção, que alcançam o fim. Ora, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo arqueiro. Logo, existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos Deus." [06]

14.Quanto aos autores citados por Lucas Camarotti de Barros são todos eles materialistas e relativistas. Jacques Derrida, por exemplo, criador do "desconstrucionismo", nega qualquer verdade objetiva e, propugna, nos dizeres de Olavo de Carvalho, o "primado da ficção militante". Como, para Derrida, a linguagem não tem qualquer correspondência com a realidade, não existe verdadeiro nem falso. Assim, o discurso não é representação da realidade, mas expressão da "vontade de poder", no que se filia a Nietzsche, ateu inveterado. O meu adversário de idéias entrega-se desde o princípio aludindo a uma "utopia" democrática, no que demonstra a fragilidade das suas convicções. Para Rorty, não existe solidariedade no sentido em que a intuímos ou conhecemos, pois a intuição e o conhecimento não têm qualquer valor objetivo para ele. O seu conceito de solidariedade seria aquele que construirmos, aquilo sobre quê há um consenso, aquilo que é "inculcado gradualmente", sub-repticiamente. Trata-se de um conceito formal, plástico e movediço, nada realista, puramente ideal, adaptável a quaisquer circunstâncias e que, levado às últimas conseqüências, não quer dizer nada.

15.Aliás, o desconstrucionismo, o relativismo do significado da linguagem de Derrida, presta-se bem aos propósitos autoritários denunciados por George Orwell, mediante o uso da Novilíngua, no seu famoso 1984. Desconstruindo o liame da linguagem com a realidade, destruindo o seu sentido original, pode-se-lhe atribuir qualquer novo significado, desde que mais conveniente ao grupo mais influente na sociedade, sobretudo aquele que conta com o apoio da mídia e com o patrocínio de fundações bilionárias: é o que se dá com a desconstrução do conceito de "família" (denominada tradicional) e com a construção ideológica do novo conceito de "famílias", para incluir neste a artificiosa aberração jurídica da união homossexual. O método passa despercebido pela maior parte das pessoas. O fato é que, desprendendo-se a linguagem do mundo real, não há limite para a construção de ficções absurdas que o violentam

16.Ademais, de todo oportuno o presente esclarecimento de Victor Frankl, citado por Olavo de Carvalho no seu obrigatório O imbecil coletivo O pensamento antimetafísico modernista nos legou pérolas como o nazismo e o comunismo, fornecendo-lhes sustentação teórica:

"Victor Frankl, por exemplo, o nunca assaz louvado psiquiatra judeu, no inferno dos campos de concentração descobriu que um sentido da vida é mais necessário ao homem do que a liberdade mesma. Frankl disse a um público norte-americano: ''Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Maidanek, Auschwitz, Treblinka: elas foram preparadas nos escritórios e salas de aula de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel. É que, se a vida humana não passa do insignificante produto acidental de umas moléculas de proteína, pouco importa que um psicopata seja eliminado como inútil e que ao psicopata se acrescentem mais uns quantos povos inferiores: tudo isto não é senão raciocínio lógico e conseqüente'' (Sede de sentido, trad. Henrique Elfes, São Paulo, Quadrante, 1989, p. 45)." [07]

17.Sobre Rorty, disponho, outrossim, das seguintes informações. Por rezar na cartilha ideológica politicamente correta da Fundação MacArthur (The John D. and Catherine T. MacArthur Foundation), a que me referi no meu primeiro artigo, a mesma que está ligada à edição do livro "Em defesa dos direitos sexuais", Livraria Editora do Advogado, Organizado por Roger Raupp Rios (os autores do livro, em sua maioria, têm ou tiveram algum vínculo com esta instituição), ganhou um prêmio de U$ 244,000 desta Fundação, em 1981. A propósito, a ANIS, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, uma ONG pró-aborto que pediu para ser admitida na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54 – a que versa sobre o aborto de anencéfalos – e que o foi efetivamente na ADIn 3510 – sobre a Lei de Biossegurança –, na qualidade de amicus curiae, reconhece publicamente que recebe apoio financeiro tanto da Fundação Ford, quanto da Fundação MacArthur (http://www.anis.org.br/parceiro/parceiro.cfm). Tais fundações beneméritas, tão interessadas no controle demográfico dos países em desenvolvimento, trabalham às claras sem que ninguém se insurja contra tal intromissão em assuntos nacionais. Convido o leitor, novamente, a fazer uma breve pesquisa na internet sobre as atividades dessas fundações e a folhear o pré-falado "Em defesa dos direitos sexuais".

18.Noutro giro, dão uma idéia do quilate do pensamento de Rorty as seguintes reflexões de Olavo de Carvalho:

"O sucesso de Richard Rorty no Brasil parece estranho, já que a intelectualidade local é de formação predominantemente marxista e teria tudo para rejeitar o pragmatismo como ideologia capitalista. (...) O repentino interesse dos intelectuais progressistas por filosofias que neguem o sentido da História deriva manifestamente de um sentimento depressivo conseqüente ao fracasso do comunismo internacional. Não conseguindo se ater à visão otimista do comunismo, buscaram refúgio numa ideologia próxima, capaz de dar conta do curso aparentemente absurdo do devir histórico sem os obrigar a uma ruptura com o fundo ateu e materialista do marxismo. (...) Houve primeiro a moda de Charles Sanders Peirce, um filósofo de quinta categoria que em certos meios universitários brasileiros foi erigido em totem. Mas o melhor mesmo veio com Rorty, cujos pontos de semelhança com Gramsci lhe dão atrativos irresistíveis aos olhos da intelectualidade local.

Uma dessas semelhanças, a mais significativa, é a negação do conhecimento objetivo e a conseqüente redução da atividade intelectual à propaganda e à manipulação das consciências. Tanto Gramsci quanto Rorty negam que o conhecimento humano possa descrever o real, e declaram que a única finalidade dos nossos esforços culturais e científicos é expressar desejos coletivos. Para um e para outro, não há conceitos universais, nem juízos universais válidos [dir-se-ia metafísicos], mas pode-se ''criar'' universais pela propaganda, fazendo todas as pessoas compartilharem das mesmas crenças, ou melhor, das mesmas ilusões. A função da intelectualidade é portanto gerar essas ilusões e, como diz Rorty, ‘inculcá-las gradualmente'' na cabeça do povo." [08]

19.Em outro texto, acrescenta Olavo de Carvalho:

"''A linguagem não é uma imagem do real'', assegura o Sr. Rorty, filósofo pragmatista e antiplatônico. Devemos interpretar essa frase no sentido que o Sr. Rorty chama ''platônico'', isto é, como negação de um atributo a uma substância? Seria contraditório: uma linguagem que não é imagem do real não pode nos dar uma imagem real das suas relações com o real. Logo, a sentença deve ser interpretada no sentido pragmatista: nada afirma sobre o que é a linguagem, mas indica apenas a intenção de usá-la de um determinado modo. A tese central do pensamento do Sr. Rorty é uma declaração de intenções. (...) O problema aparece quando ele começa a querer nos induzir a usar a linguagem exatamente como ele." [09]

20.Dessarte, caro leitor, quero agradecer de público ao Dr. Lucas Camarotti de Barros por me fornecer um exemplo concreto de tudo o que afirmei no meu texto precedente. Cumpriria, ainda, advertir o meu adversário de que não procurei tratar das convicções religiosas pessoais das prostitutas, mas da ideologia que inspira iniciativas estatais de legalização da prostituição, com o aval e o financiamento de organizações internacionais bilionárias Será tão difícil compreender a diferença?! As iniciativas legislativas e a moral pública preconizadas pelo Dr. Lucas inspiram-se no ateísmo ou agnosticismo militante. Por último, o próprio pragmatismo, tão avesso a idéias e a dogmas, é ele próprio uma formulação ideal e dogmática, com função utilitarista, mas inaplicável na prática:

"Também é desastroso o resultado a que se chega quando se aplica ao pragmatismo o método pragmatista de definir uma idéia por suas conseqüências práticas. A conseqüência prática fundamental do pragmatismo é a absorção das consciências individuais nulificadas numa onipotente ''comunidade científica'' dotada de poderes trans-humanos e incapaz, por sua vez, de obter a prova de suas crenças senão pelo voto da maioria das sessões acadêmicas. Esta é sua conseqüência lógica, deduzível do seu mero conceito, como foi também sua conseqüência real, historicamente verificada. É o que se vê pelo fato de que Richard Rorty, o último rebento da família peirceana, já reconhece explicitamente como único critério válido do conhecimento a lei do maior número, mostrando assim ao mundo a verdadeira cara do pragmatismo, que nem seu fundador teve a coragem de olhar de frente." [10]


Notas

01 Ou será que as extraordinárias Igrejas do barroco brasileiro não dizem nada sobre a nossa identidade como Nação?

02 Equivalem-se as laicidades ateístas, agnósticas e deístas por carecerem de sustentação racional e filosófica ao negarem realidades espirituais cuja demonstração não requer o concurso da fé. Não pretendemos impor a fé cristã a quem quer que seja. Cabe à metafísica, à filosofia por excelência, que goza de total autonomia perante as denominações religiosas, servir de fundamento à estruturação de uma laicidade teísta, visto que a existência de Deus é um dado objetivo da realidade, que não se pode negar sem drásticas conseqüências, inclusive com o aniquilamento de toda racionalidade.

03 Mas, que importa? Afinal, para eles, isso não tem importância, porque o conceito de "orgulho" não tem nenhum significado real.

04 Pois também elas, as suas teses, para eles próprios, não têm qualquer vinculação com o real.

05 Muitos pensadores contemporâneos sustentam conceitos positivistas ou contratualistas de direitos humanos. Desde que tais direitos sejam positivados ou reconhecidos como válidos pela sociedade ou por organismos internacionais, impõem-se. Se não são positivados ou não são reconhecidos, não se impõem, não existem Essa tese é a própria negação dos direitos humanos, tais como surgiram: como direitos inatos a todo ser humano, independentes do reconhecimento do Estado.

06Suma Teológica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2003. Volume I, Parte I, Questão 2, Artigo 3. pp. 167-69.

07O imbecil coletivo. São Paulo: É Realizações, 2006. p. 75.

08Op. cit., pp. 85-7.

09Op. cit., pp. 71-2.

10Op. cit., p. 84.

Sobre o autor
Paul Medeiros Krause

Procurador do Banco Central em Belo Horizonte (MG), Ex-analista processual na Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRAUSE, Paul Medeiros. Laicismo antimetafísico e o colapso do Ocidente.: Tréplica ao artigo de Lucas Camarotti de Barros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1711, 8 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11031. Acesso em: 5 nov. 2024.

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