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Eleição na Venezuela. Soberania e conflitos

Agenda 05/08/2024 às 11:36

Quando se fala em soberania, sem os atuais mecanismos jurídicos do Direito Internacional Público (DIP), pensamos na capacidade de um Estado criar e determinar suas normas. Tal fato é reconhecido, por exemplo, na Segunda Guerra Mundial, para ser mais exato, na Alemanha Nazista. Por mais que se queira afastar do Direito atual as influências da Segunda Guerra Mundial, não é possível. Se afastado, poderemos retornar ao direito puramente positivo.

Após a Segunda Guerra Mundial, com novos entendimentos sobre o Direito e, principalmente, a dignidade humana, as normas passaram por reformulações, ou seja, não bastava tão somente existirem e serem consideradas válidas pelo processo de criação das normas, como são elaboradas pelo Poder Legislativo. O Poder Executivo, como ocorreu no Brasil, na Era Vargas (1937–1945), mais precisamente no Estado Novo, e na Ditadura Militar (1964 a 1985), usurpou poderes do Poder Legislativo e até do Poder Judiciário, tudo em nome da “segurança nacional”. Quando “nada está bom”, a aplicação da “segurança nacional” é invocada como restituidora da paz social e da proteção do Estado.

A Lei de Segurança Nacional poderia ser aplicada tanto para os subversivos nacionais quanto aos estrangeiros. O uso das Forças Militares se justificavam para defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais, os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e manutenção da lei e da ordem.

Nos últimos anos, os direitos humanos enfrentam tentativas maquiavélicas de enfraquecer, ou mesmo destruir, os avanços dos direitos humanos. Neonazismo, fascismo, extrema-direita e extrema-esquerda são fenômenos considerados “backlash”. De forma genérica, o “backlash” é o retorno aos “bons tempos” em várias áreas: política; Direito; entretenimento; dogmas religiosos etc. Para o Direito, sendo o interesse, “backlash” é a tentativa de reverter decisões das Cortes Superiores do Poder Judiciário. Ocorre, o “backlash”, em vários Estados. O Direito não é uma ciência exata, também inexiste única ideologia (política, filosófica, econômica, crença religiosa etc.) no arcabouço do Direito.

Pensar, atualmente, em Direito deve englobar economia, política, crença religiosa, cultura e, o principal, a dignidade humana. Como bem disse Ricardo Lewandowski, ex-ministro do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, “Estamos defendendo um valor cristão” ao se referir ao veto do Governo Federal sobre o trecho do “PL das saidinhas” que impedia os presos, do regime semiaberto, de visitarem as famílias. Sim, apesar de o Estado ser laico, há valores cristãos. Ocorre, como é natural, que não é sempre que o Direito tenha para si alguns dos valores cristãos, por exemplo, sobre a regulamentação da comercialização de cigarros de tabaco. Certo? Engano!. Há, sim, os valores cristãos de condenar qualquer droga que cause dependência física, psíquica. No entanto, os valores cristãos deixam claro sobre a existência do “livre arbítrio”. No primeiro momento soa como “tudo liberado e cada qual faz como quiser”. Não! Qualquer religião tem o entendimento de que o esclarecimento, e não a simples proibição, permite que cada pessoa escolha o próprio destino. E construir o próprio destino preceitua “responsabilidade pessoal”.

Ao verificarmos, por exemplo, a CRFB de 1988, temos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

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Algumas transcrições.

Mas, qual a ligação entre Deus, Venezuela, política, soberania, Direito Internacional Público?

Como dito, o fenômeno “backlash”. Todavia, por mais que se analise um saudosismo dos “bons tempos”, de ordem, de moralidade etc., temos que nos aprofundar ainda mais. Questões geopolíticas, econômicas. E seguramente, a econômica é a que mais interfere nas relações internacionais. No site da BBC Brasil: “Os argumentos dos EUA ao reconhecer Edmundo González como vencedor da eleição na Venezuela”.

Historicamente, as soberanias existiram nas palavras nas letras. Impérios se formaram; impérios ruíram. Colonizadores e colonizados; fins do colonialismo. Guerra Fria, entre dois países: uma democracia, os EUA; outro comunista, a ex-URSS. A ideia de democracia, fundamental para a compreensão do Direito contemporâneo, transmite ideia de liberdade individual contra toda forma de opressão, seja por grupos, por comunidades ou mesmo pelo Estado. Para pessoas sem qualquer conhecimento sobre Direito, Estado é uma organização que governa um país. Ele é responsável por criar e fazer cumprir as leis, proteger os cidadãos e administrar os recursos públicos. Os três elementos principais são:

Quando alguma pessoa, leiga, lê “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, pode pensar “E quem cria tais leis? Quem deu poderes para alguns criarem-nas? Por que devo obedecê-las?”. Essas perguntas pessoais são possíveis pela ruptura de conceitos existenciais. Sim, conceitos nos Estados absolutistas. O Iluminismo rompeu, com argumentações convincentes, de que cada ser humano é livre para determinar o próximo destino. Sendo assim, podemos considerar “Meu direito começa quando o seu termina”. E não “Eu tenho mais direitos do que você”.

Miguel Reale (REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias. 3ª ed: São Paulo. Saraiva, 2005.) delineou os conflitos ideológicos na democracia. Quando não há democracia, não há conflito, por imperar única ideologia. A isso se dá o nome de ditadura: única ideologia. Ora, somos espécie humana sem sermos iguais em emoções, afetos, desejos, morfologia etc. Cada ser humano busca o seu próprio modo de vida existencial. Adequa-se ao meio social para sobreviver, exceto se seja “um deus ou um animal”, como explicado por Aristóteles em Política. Arrisco-me dizer que cada vez mais, pela tecnologia em geral, o isolamento será um novo modo de vivência. Quando Aristóteles refletiu sobre a existência da espécie humana, não imaginou o futuro tecnológico como automação, robotização e, recentemente, a Inteligência Artificial (IA). O ser humano não é autossuficiente, e quando as “máquinas” construírem outras máquinas para auxiliar o ser humano? Um tema para outro artigo.

Pois bem! Conflitos ideológicos na democracia. Conflito não quer dizer “oportunidade” de expor, muito menos liberdade de se manifestar, pela liberdade de expressão. A isso, logicamente, pelos ocorridos em vários países, a ideia de ditadura e democracia. Se não há oportunidade e liberdade, não há democracia. Venezuela, então, é uma ditadura.

Limitar tal análise é superfinal e perigoso. Alhures, pelos impérios que se formaram, pelas conquistas e dominações de colonizadores, e pela Guerra Fria, países tiveram suas soberanias reduzidas. Não basta somente lei, o uso de armas potentes. Na América Latina, por exemplo, a Operação Condor desestabilizou democracias. CIA. Fundada em 1947, sua missão é coletar, analisar e disseminar informações sobre questões globais para ajudar os formuladores de políticas dos EUA a tomarem decisões de segurança nacional. Mais uma vez a tal da “segurança nacional”. As interferências da CIA na América Latina comprometeram democracia, o mais irônico é pensar que os EUA estava “levando democracia”.

Se existem ditadores, a necessidade de análises. Por mais que se diga que a democracia é liberdade, percebemos, pela História, que a ideia de liberdade é “ideia”. Movimentos sociais, principalmente das “minorias” — etnia negra, mulheres, LGBT+, indígenas, pessoas com necessidades especiais —, foram combatidas em democracias, tudo para se manter única ideologia. Os EUA, no início dos anos de 1950, viveu o “macarthismo”. O termo “macarthismo” deriva das mentiras contadas pelo, na época, senador Joseph McCarthy.

Joseph McCarthy criou o terror psicológico, em plena Guerra Fria. McCarthy afirmava que comunistas estavam infiltrados nos EUA: instituições de ensino. Exército; empresas de entretenimento. Joseph McCarthy teve ajuda de alguns religiosos (1) para aumentar o pânico. Não muito diferente, o Brasil vivenciou um pânico (quase) coletivo da “Ameaça Comunista” em solo pátrio. A lavagem cerebral desencadeou os acontecimentos de 08/01/2023, em Brasília.

É importante frisar que o medo coletivo fora usado na Alemanha Nazista contra os judeus. As leis positivas garantiram o Holocausto. E qualquer Estado, quando não há pluralidade de ideologias, isto é, pluralidade com ação nos poderes da República, não há democracia. Os chamados “fake news” (notícias falsas) não são criações recentes, como podemos perceber de Joseph McCarthy.

Venezuela. Afinal, existe uma “Ameaça Imperialista”, dos EUA contra Maduro? Existe muito petróleo em Venezuela. Fato. Isso, apesar de ser fato, não é conclusivo para Maduro defender a “liberdade da Venezuela”. Fato é, enquanto Estados agirem para interesses pessoais, e não para o interesse da espécie humana, teremos Maduro, Joseph McCarthy e muitos outros “defensores” das “liberdades”.

Se existisse um Tratado Internacional dos Direitos Humanos (TIDH), como seria? Um possível ideia, o mesmo que ocorre com a Organização das Nações Unidas (ONU) e o seu órgão Conselho de Segurança. Temos duas guerras, mais evidenciadas pela mídia: Ucrânia e Rússia; Israel e Hamas. As violações dos direitos humanos, assim como do Direito Internacional Público (DIP). No entanto, mais uma vez, imperam “armas bélicas” e seus poderes nas negociações.

A ironia, aqui no Brasil, é que alguns grupos ideológicos falam muito mal da ditadura de Maduro, enquanto estes mesmos grupos defendem o “patriotismo” dos brasileiros em 08/01/2023.

NOTA:

(1) — Joe McCarthy’s Controversial Catholic Faith. Disponível em: https://www.americamagazine.org/faith/2020/07/07/joe-mccarthy-catholic-faith-communism

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

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