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O conselho de segurança da ONU frente às necessidades do mundo atual

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Agenda 20/03/2008 às 00:00

3 Necessidade de Reforma no Conselho de Segurança

A Organização das Nações Unidas foi criada com o objetivo principal de manter a segurança e a paz mundial. Nesse cenário pós-Segunda Guerra, o medo de uma nova ascensão dos países derrotados fez com que a sistematização do Conselho de Segurança se desse de forma a assegurar poder aos cinco membros permanentes, através do veto.

Além disso, a Carta das Nações Unidas fixa que todos os membros aceitarão e cumprirão as decisões do Conselho de Segurança, ou seja, é o único órgão capaz de obrigar os estados membros, pois os demais órgãos das ONU fazem apenas recomendações.

De qualquer maneira, até meados de 2000, com a globalização, a ONU ainda era altamente respeitada, pelo seu caráter transnacional e supranacional que poderia se de grande valia na nova tendência mundial de buscar maior envolvimento no âmbito internacional.

Contudo, os repetidos ataques terroristas a vários países africanos e europeus, além do colapso das Torres Gêmeas, culminando na Guerra no Iraque, que ocorreu sem a aprovação da ONU, despertaram dúvidas sobre a real eficácia do órgão, que nada fez para punir nem os terroristas, nem os Estados Unidos.

Essa impotência pode ser explicada pelo sistema adotado no Conselho de Segurança da ONU. Como temos os cinco membros permanentes com poder de veto, acordos políticos são feitos de modo que ao menos um deles vota negativamente, impedindo qualquer ação por parte do órgão.

Entretanto, fica clara a necessidade por reformas, pois o modelo adotado no pós-Segunda Guerra não atende mais aos anseios do mundo atual, globalizado e antenado a cada acontecimento político, econômico e social. Além disso, como houve a proibição, pela ONU, dos Estados Unidos invadirem o Iraque, o país rechaçado quer enfraquecer cada vez mais o órgão, que não atende mais às suas intenções.

Quando foi criada, a ONU seguia praticamente os interesses dos Estados Unidos, seu maior contribuinte, mas com o passar dos anos, a entidade foi ficando mais autônoma e equilibrada com a entrada de outros países que possuíam objetivos antagônicos, além dos acontecimentos mundiais terem modificado muitas das intenções de alguns dos membros permanentes.

No quadro das cinco maiores contribuições à ONU em 2006, vemos a liderança dos Estados Unidos, demonstrando sua influência até mesmo econômica, bilhões à frente dos outros colocados, que curiosamente são Japão e Alemanha, os mais interessados em novas cadeiras permanentes:

. 1º - EUA: 22%;

. 2º - Japão: 20,51%;

. 3º - Alemanha: 18,76%;

. 4º - China: 16,46%;

. 5º - França: 13,65%. [38]

Realmente, parece lógico concluir que os Estados Unidos exerce forte influência sobre a ONU, pois esta depende diretamente dele para sobreviver:

"Como um pretendente recusado, o presidente americano planeja uma revanche rancorosa contra a organização que expôs publicamente o isolamento de seu governo, deixando claro que estava pronta para lhe negar o aval para o ataque a Bagdá. O sonho de Bush é torná-la cada vez menos relevante nos assuntos de Estado, até que se transforme numa espécie de Cruz Vermelha gigante, dedicada somente a ajudar carentes e refugiados. Com seu emprego em risco, Kofi Annan, um burocrata eficiente, com respeitável talento político, iniciou uma campanha para tentar salvar a entidade no pós-guerra, orçada em U$ 2 bilhões. O difícil será levantar isso sem a ajuda dos EUA. Bush deixou evidente que seu orçamento para reconstruir o Iraque não passa pela ONU. Cerca de U$ 1,5 bilhão vão para empresas privadas americanas, como empreiteiras e companhias de energia, e menos de U$ 100 milhões serão divididos entre as instituições humanitárias." (BERNARDES, 2003, p. 60).

Contudo, a guinada da ONU em não permitir a invasão do Iraque pelos Estados Unidos demonstrou uma organização mais imparcial e disposta a enfrentar até mesmo seu maior contribuinte, em prol da paz mundial, mas também a urgente necessidade de mudanças. Segundo o Embaixador Celso Amorim:

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"O Conselho de Segurança precisa ser reformado. Não podemos ter um Conselho de Segurança que basicamente, fora a adição de uns poucos membros não permanentes, é exatamente o mesmo Conselho de Segurança de 1945. O mundo mudou de maneira formidável, radical. O número de países se multiplicou por quatro. Continentes inteiros passaram a ter representação nas Nações Unidas. A atenção que o mundo presta hoje aos eventos é de outra natureza. Não é possível mais ter, hoje, o Conselho de Segurança com a estrutura de 1945. E há dois aspectos fundamentais que têm a ver com a reformas: um é o funcionamento e o outro é a questão da composição". [39]

Assim, uma reforma ampla e imparcial responderia à nova correlação de forças que vem surgindo nesse novo mundo multipolar propiciado pela globalização, quebrando antigos moldes e modernizando a organização.

3.1 Quanto aos membros participantes

O Conselho de Segurança possui cinco membros permanentes com direito e veto, além de dez membros rotativos eleitos pela Assembléia Geral pelo período de dois anos. Entretanto, o desequilíbrio de forças pede por uma modificação drástica nessa sistematização.

Além disso, culpa-se o Conselho de Segurança por toda a descrença lançada à ONU após a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, pois o veto proibiu a Guerra, mas também impediu uma punição aos Estados Unidos por desobedecê-la, demonstrando que os países membros permanentes não estão dando o respaldo político necessário a democratização do órgão.

A África, a América Latina e os países em desenvolvimento da Ásia (com exceção da China, que é um caso isolado) não possuem representação entre os membros permanentes, embora muitos tenham se tornado poderosos e influentes no mundo globalizado. Nesse cenário, vários países iniciam sua corrida em busca da cadeira permanente, primando claramente por uma expansão no número de membros permanentes do Conselho de Segurança.

Em julho de 2005, o Brasil, juntamente com inúmeros outros países, apresentou à Assembléia Geral o projeto de resolução A/59/L.64 [40], visando aumentar a composição do Conselho de Segurança, para equilibrar as forças, representar todos os Estados membros e aprimorar os métodos de trabalho do órgão.

O projeto estabelece os meios empregados para se alcançar o resultado esperado e conta com participação de todos os grupos regionais, além de abarcar países ricos e pobres, grandes e pequenos, na intenção de se conseguir uma reforma significativa e radical. Segundo o projeto, há uma necessidade de preservar e fortalecer a ONU, pois é o único órgão capaz de resolver as mais complexas crises mundiais.

Contudo, as críticas já nasceram com o projeto, pois vários países defenderam a expansão somente à categoria de membros não-permanentes ou exigiram que qualquer modificação fosse feita por unanimidade, o que inviabiliza totalmente o projeto, posto que é impossível a aceitação total dos membros.

A Cúpula da União Africana e da Caricom [41] também se reuniram e pretendem discutir uma ação conjunta para reformar o Conselho de Segurança de forma a colocar algum país Africano e Caribenho dentre os novos membros permanentes.

O Japão, além de já ter participado do G4, juntamente com o Brasil pela modificação do Conselho, pleiteia um lugar como membro permanente e é o único país com apoio dos Estados Unidos, pois a Secretária de Estado Norte-Americana Condollezza Rice disse que não há mais motivos para seguir penalizando as potências perdedoras da Guerra, principalmente no patamar em que se encontra o Japão, uma potência em segundo lugar na economia mundial. [42]

Entretanto, com uma política externa fragmentada, sem definir interesses, a não ser apoiar os Estados Unidos, aliada a estagnação econômica e diminuição populacional, o Japão possui raras chances de sucesso no Conselho, não bastasse a falta de apoio de países como a China.

Portanto, a ampliação do Conselho de Segurança poderia ser a resposta para garantir maior imparcialidade ao órgão, ao inserir membros permanentes variados, como os representantes regionais, Brasil, Índia, África do Sul, Japão e Alemanha, dentre outros.

A França e o Reino Unido já apóiam a idéia, porém é necessário muito mais para fazer valer a verdadeira opinião da comunidade internacional. Como já dito anteriormente, existem interesses pessoais em jogo, além de rusgas não esquecidas do passado, de países membros que certamente votarão contra a inclusão de determinado país.

A extinção dos chamados membros permanentes é uma sugestão óbvia, contudo ineficaz. Seria ideal que o Conselho tivesse participação de todos os estados membros da ONU, com igualdade total de participação entre as nações, mas os países mais poderosos e influentes, a maioria deles já permanente, se oporiam completamente ao projeto, influindo na decisão de outros países dependentes ou aliados, que também votariam contra.

Outra saída, talvez a melhor, seria colocar novos membros permanentes, mas com possibilidade de modificação futura inclusive dos membros já componentes, pois os acontecimentos mundiais podem reverter a situação atual, como aconteceu desde a Segunda Guerra. Assim, teríamos mais representatividade, mas sem a rigidez do sistema atual que não atende ao quadro globalizado em que o mundo está inserido. Essa maleabilidade também ajudaria no apoio de alguns países neutros ou levemente contrários, pois haveria a possibilidade de mudança de acordo com as exigências mundiais.

3.2 Quanto ao veto

De acordo com o sistema organizacional da ONU, todos os países membros permanentes devem, obrigatoriamente, aceitar todas as resoluções, ou as mesmas quedam-se desaprovadas. Assim, os cinco países possuem grande poder, pois podem vetar todos aqueles assuntos que possam vir de encontro a seus interesses particulares.

O veto, tal como a determinação de membros permanentes, também foi criado para impedir que os países derrotados na Guerra se reerguessem e intentassem novos conflitos, mas hoje, mais de 60 anos depois, o instituto é utilizado de maneira deturpada e politizada, para atender as necessidades de seus poucos usufruentes.

A Guerra no Iraque é um nítido exemplo do uso do veto para atender aos próprios interesses. A invasão dos Estados Unidos ao Iraque foi vetada por França, Rússia e China (países com interesses opostos aos norte-americanos), mas a proibição foi desrespeitada e o conflito ocorreu de qualquer maneira. Depois, na tentativa de punir os Estados Unidos, houve o veto da Inglaterra e França, agora acuada pela influência estadunidense, impedindo qualquer sanção ao país invasor.

A solução perfeita, porém idealista, seria abolir o veto, de maneira que os membros permanentes não pudessem impedir qualquer resolução, retirando do artigo 27 da Carta das Nações Unidas a exigência de voto afirmativo de todos os membros permanentes. Entretanto, todos sabemos que as nações participantes não abrirão mão dessa regalia, nem os países que querem se tornar permanentes gostariam de perder esse "poder".

Citando o Embaixador Celso Amorim:

"Na questão do funcionamento, o problema central é o problema do veto. Ele não vai ser resolvido rapidamente, ele não vai ser resolvido nesta década. Não sei quando será resolvido, mas ele não pode ser abandonado. Não que se deseje, a curto prazo, terminar com o veto, porque é irrealista". [43]

Uma pequena reforma no modo de interpretar a Carta também poderia ser utilizado. Ao invés de haver o veto automático quando o membro permanente der seu voto negativo, deve-se exigir um ato adicional expresso, pois um país pode não aceitar certa resolução, mas também não ter intenção de vetar. Isso é possível, pois já foi feito quando se permitiu a abstenção, não prevista na Carta.

De qualquer maneira, a questão do veto não pode deixar de ser discutida, mesmo na perspectiva de modificação gradual. O veto já foi utilizado de maneiras escusas, para assegurar interesses particulares, muitas vezes em questões que mero caráter declaratório, o que deve cessar.

3.3 Comissão sobre Ameaças, Desafios e Mudança

Os acontecimentos após a queda das Torres Gêmeas causaram profundas divergências aos membros da ONU, deixando transparecer a inoperância administrativa do organismo. Por essa razão, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, [44] nomeou em 2003 uma comissão de alto nível para propor medidas que adequassem a ONU à atualidade. [45]

O Grupo era presidido pelo ex-primeiro-ministro da Tailândia, Anand Panyarachun, e composto por mais 15 membros, como o embaixador brasileiro João Clemente Baena Soares, além de representantes árabe, russo, chinês, britânico, estadunidense, dentre outros.

A Comissão sobre Ameaças, Desafios e Mudança elaborou um projeto, entregue em dezembro de 2004, com 101 recomendações sobre todas as vertentes do órgão. São sugestões para alterar a Assembléia Geral, a Comissão de Direitos Humanos, o Conselho Econômico e Social, mas principalmente, o Conselho de Segurança, único órgão que vincula os membros à obediência de suas resoluções.

Este último foi o único ponto em que não houve acordo entre os componentes da Comissão, expondo a dificuldade de se reformar um sistema tão enraizado quanto o do Conselho de Segurança.

Assim, duas alternativas foram apresentadas para aprimorar o órgão e tentar legitimar as Nações Unidas como instituição mundial e não apropriação de alguns países.

A primeira seria aumentar para 24 o número de membros permanentes, de modo a termos mais equidade e diversidade, acrescentando dois membros da Ásia, dois da África, um da Europa e um das Américas, além de mais três membros com mandatos renováveis de dois anos.

A segunda opção seria instituir um terceiro nível, com 8 membros semi-permanentes que teriam mandato renovável de quatro anos, a serem escolhidos de maneira regional (países representantes regionais que tenham maior contribuição financeira, militar e diplomática aos objetivos da ONU), podendo agregar uma cadeira adicional de dois anos às já existentes.

Nenhuma recomendação foi dada com relação ao veto, pois o Grupo considera que apenas os cinco membros permanentes originais devem continuar com o poder de veto, ou seja, os novos membros, permanentes ou não, estariam impedidos de utilizar dessa benesse.

Essa opinião estreita as intenções de alterações drásticas, pois mesmo adotando quaisquer das sugestões, ainda sim teríamos os mesmos cinco membros permanentes que não representam o mundo atual com poder de vetar as deliberações do Conselho.

Apesar de louvável atuação da Comissão, não se espera que alguma decisão sobre o Conselho de Segurança seja tomada tão cedo, pois qualquer emenda à Carta das Nações Unidas deve ser aprovada em Assembléia Geral por dois terços dos países membros, além de exigir aceitação unânime dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

Como Estados Unidos e Reino Unido já se posicionaram publicamente contra qualquer reforma no órgão, é quase impossível adotar qualquer medida proposta, principalmente se isso representar maior participação de países com influência regional que tenham interesses contrários aos membros permanentes.

Sobre a autora
Vanessa Dias Lemos

Advogada da Paniago Advogados Associados de Uberlândia (MG). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Vanessa Dias. O conselho de segurança da ONU frente às necessidades do mundo atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1723, 20 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11080. Acesso em: 23 dez. 2024.

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