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Desvelar o luto, demissão humanizada!

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Agenda 15/09/2024 às 16:20

Serei desligado, o que fazer?

É imperioso jamais trazer para si a culpa pela demissão e não querer abafar o caso. Não se deve ter o sentimento da autodepreciação e uma baixa autoestima, e é de suma importância traçar objetivos claros, ter um plano nítido, reformular e manter o networking. Vale muito manter boas relações públicas, notadamente com ex-colegas, clientes e até antigos superiores — o que abunda não prejudica.

Estas boas práticas de inter-relações são de extrema validade: participar de quaisquer eventos de entidades de classe, cursos e workshops, inclusive procurando outros tipos de mentees. Mesmo em esferas não relacionadas, é necessário expandir o seu núcleo de contatos. Não espere que algo caia do céu. De onde menos se espera, pode vir uma boa e encorajadora indicação.

Dê tempo ao tempo, não se culpe e não lamente por algo que poderia ter sido díspar. Ao contrário, faça um bom planejamento: o seu desligamento propicia uma conveniência para um repensar fora da caixa na direção do reequilíbrio da sua função. Procure o autodesenvolvimento e o autoconhecimento.


O mentor também me fez refletir sobre o exemplo dos animais, com o livro How Animals Grieve (Como os Animais Ficam de Luto, sem versão em português).

[...] Descobriu que um sistema emocional complexo e profundo, ainda não totalmente compreendido pelos cientistas, integra a personalidade de vários animais, indo muito além dos primatas, elefantes e golfinhos — as estrelas da inteligência entre os bichos. "Cavalos, coelhos e pássaros são muito interessantes. Dependendo da personalidade do indivíduo e do estímulo que eles recebem, podem desenvolver um grau maior de empatia por seres semelhantes", afirma a pesquisadora. Essa empatia, que pode ser vista na tristeza demonstrada após a morte, está vinculada também à necessidade de alianças dentro de um bando. "Indivíduos dominantes sofrem mais com a morte de outro animal do grupo do que os submissos", diz o zootecnista e especialista em comportamento animal Alexandre Rossi, apresentador do programa Missão Pet, do canal National Geographic.

[...] Entre animais selvagens, as cenas de luto e tristeza vão desde chimpanzés que observam em silêncio o companheiro morto até elefantes que estendem as trombas a um filhote moribundo. No caso de animais domésticos, as ligações são ainda mais fortes. A empresária Mariana Delbue, de São Paulo, passou por dificuldades com a labrador Luna quando a cadela perdeu a mãe, que sucumbiu a um câncer em fevereiro. "Ela ficou uma semana sem comer direito, quase não bebia água e ficava entrando e saindo da casinha, chorando", diz. Para ajudar a cadela a superar o luto, a família a deixou dormir dentro de casa e a submeteu a um tratamento com antidepressivos. "Ela parou de chorar e voltou a comer, mas virou a minha sombra, ficou superapegada a mim", diz Mariana. “O luto deles é diferente do nosso. Pessoas sofrem por estranhos e conseguem canalizar esse sentimento de várias formas". No entanto, a comprovação de que alguns bichos sentem a perda de seus semelhantes mostra que as emoções não são, definitivamente, exclusividade do ser humano [...] — grifos meus.


Numa das minhas indagações, contei a história de um antigo gestor que tinha atuado em megaempreendimentos acima de dois mil funcionários diretos.

Numa determinada época, ele exigiu que apenas atuasse em projetos que distassem num raio de até trezentos quilômetros de sua residência.

O tempo passou-se e infelizmente não surgiu nenhum novo contrato que atendesse ao seu desejo. Inevitavelmente, ele foi adquirindo moléstias psíquicas e melancolias, que se agravaram, fazendo com que passasse a viver em um estado vegetativo constante. Por outro lado, sua esposa, que sempre se mantivera ativa, participava de inúmeros afazeres comunitários e interagia com diversos ambientes, permanece com boa forma física, mental e espiritual, muito conservada para a sua idade.

Diante desse meu relato, o mestre disse que uma pessoa que passa um longo período interagindo, tendo contato e relações diversas numa esfera de atuação, quando se aposenta ou é demitida, imperiosamente terá a necessidade de arrumar uma outra forma de ter esse mesmo quantitativo de interações, voltando a estudar, fazendo cursos, participando da igreja, das associações de bairro e de tantos outros eventos que geralmente necessitam de voluntários.


Saindo dos ensinamentos teóricos, meu mestre passou para o lado prático de desvelar o luto. Embora eu ainda continuasse empregado, ele determinou-me que relacionasse os diversos itens que me ligavam ao meu antigo ofício. O primeiro ritual de desapego foi fazer uma pira, queimando todos os meus cartões de visita corporativo, e depois ele exigiu que eu devolvesse o notebook e o telefone celular corporativo.

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Aproveitando os meus MBAs da FGV, ele determinou que eu elaborasse um rigoroso plano de negócios, marketing e finanças, criando a minha própria logomarca e indicando um cronograma de entregas até a conclusão da mentoria. Em cada etapa de entregas, fazíamos as conferências e nos certificávamos de que elas tinham lastro e eram compatíveis com a minha expertise e formação intelectual.

Gradativamente fui concluindo as entregas até o dia em que ele me fez passar por um ritual novo, dessa vez de apego ao meu próprio cartão de visitas e ao novo número do celular. Agora, todas as entregas deveriam estar interrelacionadas com o crivo da minha esposa e do meu filho, que deveriam dar feedbacks por escrito, dirigidos ao mestre, sem que eu tivesse qualquer influência nos respectivos retornos positivos ou negativos.

O meu plano de negócios foi elaborado com uma meta tangível para dois anos de sobrevivência, caso viesse a demissão com o possível recebimento das verbas rescisórias. Finalizei o programa de mentoria recebendo um CD com os relatórios finais:

Por fim, na quinzena seguinte ao recebimento do meu certificado, inesperadamente recebi uma ligação, determinando que eu voltasse ao presencial, desmistificando todas aquelas agruras e possíveis neuroses do enxugamento da máquina.

Assim, felizmente acabei por não ter a necessidade de utilizar esses planos engendrados pelo meu brilhante guru, e ficaram apenas as lições aprendidas, as quais me sinto na obrigação de tentar multiplicá-las repassando esse interessantíssimo conhecimento adquirido.

— Salvo um melhor juízo.

Sobre o autor
Paulo César Dula

Advogado, pós graduado em direito e processo do trabalho, com MBA/FGV em: GE - Estratégia; Gestão de Projetos e também foi especialista em gestão de talentos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DULA, Paulo César. Desvelar o luto, demissão humanizada!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7746, 15 set. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110889. Acesso em: 22 dez. 2024.

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