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Município: princípio da unicidade orgânica da advocacia pública

Agenda 18/09/2024 às 13:00

A carreira de procuradoria autárquica nos estados e municípios encontra-se em vias de extinção, salvo nos casos das universidades e das empresas estatais.

Até 19 de agosto de 2024 o Supremo Tribunal Federal entendia que o princípio da unicidade da representação judicial era aplicável somente aos Estados, já que a União possui a Advocacia da União, a Procuradoria da Fazenda Nacional e as Procuradorias Federais.

Nada obstante, a despeito da ausência de previsão de criação obrigatória na Constituição Federal de 1988, a Suprema Corte passou a decidir no sentido do reconhecimento e valorização da Advocacia Pública Municipal com o seguinte julgado, verbis:

DIREITO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL ACERCA DO TETO APLICÁVEL AOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO. SUBSÍDIO DO DESEMBARGADOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, E NÃO DO PREFEITO. FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. Tese: A expressão "Procuradores", contida na parte final do inciso XI do art. 37. da Constituição da República, compreende os Procuradores Municipais, uma vez que estes se inserem nas funções essenciais à Justiça, estando, portanto, submetidos ao teto de noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

(RE n. 663.696-MG, tema 510)

Portanto, conclui-se que a Constituição da República utilizou a expressão “Procuradores” de forma abrangente, sem se referir a uma esfera federativa específica.

Sem embargo, ainda no corrente ano, o STF decidiu que a Constituição do Estado não pode impor a obrigatoriedade de instituição da Procuradoria-Geral do Município, o que enfraquece o controle interno de legalidade nas urbes, conforme julgado que segue:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONVERSÃO DA APRECIAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR EM JULGAMENTO DEFINITIVO DE MÉRITO. ART. 81-A DA CARTA ESTADUAL PERNAMBUCANA. INTERPRETAÇÃO QUE PERMITE OBRIGATORIEDADE DE INSTITUIÇÃO DE PROCURADORIA NOS MUNICÍPIOS. OFENSA À AUTONOMIA MUNICIPAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. NORMA QUE PERMITE A CONTRATAÇÃO DE ADVOGADOS PARTICULARES PARA A EXECUÇÃO DE ATRIBUIÇÕES DO ÓRGÃO DE ADVOCACIA PÚBLICA. EXCEPCIONALIDADE. VIOLAÇÃO À REGRA CONSTITUCIONAL DO CONCURSO PÚBLICO. ARTS. 37, CAPUT E INCISO II, 131 E 132 DA CRFB/88. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE PROCEDENTE.

(ADI n. 6.331-PE)

Nesse ponto, sempre defendemos que a Constituição Estadual poderia impor essa vinculação aos entes locais, sob pena de redução do poder constituinte estadual sobre os seus limites territoriais.

Além disso, a advocacia pública integra o sistema de controle interno do ente público, de implantação cogente, conforme determina o artigo 74 da Constituição Cidadã.

Outrossim, ainda no ano de 2024, o Tribunal Constitucional reafirmou a regra da unicidade orgânica da procuradoria pública estadual com a seguinte decisão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RONDÔNIA DECLARADO INCONSTITUCIONAL NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 1000/2018. RESTRUTURAÇÃO DA ADVOCACIA PÚBLICA NA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. MANUTENÇÃO DE PROCURADORIAS AUTÁRQUICAS COM ATRIBUIÇÕES DE REPRESENTAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL DAS RESPECTIVAS ENTIDADES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE ORGÂNICA DA ADVOCACIA PÚBLICA. ART. 132. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVISÃO DE EXERCÍCIO DE CHEFIA DE NATUREZA JURÍDICA NO ÂMBITO DE PROCURADORIAS AUTÁRQUICAS POR PROCURADORES AUTÁRQUICOS. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. NECESSIDADE DE CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO A DISPOSITIVO DA LEI PARA DECLARAR QUE A SUBORDINAÇÃO TÉCNICA DOS PROCURADORES AUTÁRQUICOS À À PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO LIMITA-SE ÀS ATIVIDADES DE ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICAS E SE ESTENDE ATÉ A EXTINÇÃO TOTAL DOS CARGOS DE PROCURADORES AUTÁRQUICOS. AÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E JULGADA PROCEDENTE COM MODULAÇÃO DOS EFEITOS.

(ADI n. 7.422-RO)

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Nesse particular, além de reiterar sua jurisprudência, o STF afirmou que os cargos de Procuradores Autárquicos somente persistirão até a sua extinção total, provavelmente com a aposentadoria dos atuais ocupantes.

Interessante nesse julgado que a Lei Estadual combatida previa procuradorias paralelas no Departamento de Estradas de Rodagem e Transportes, na Junta Comercial, no Departamento Estadual de Trânsito e na Agência de Defesa Sanitária.

Assim, podemos afirmar que a carreira de Procuradoria Autárquica nos Estados e municípios encontra-se em vias de extinção, salvo nos casos das Universidades, em face do princípio da autonomia universitária e das Empresas Estatais1.

Avançando no tema, e são tantas as decisões referentes à Advocacia de Estado, na mais recente a Corte Constitucional reafirmou a autonomia municipal na criação do seu órgão de representação judicial e extrajudicial. No entanto, se a opção for pela consolidação, deverá ser observado do princípio da unidade orgânica ou institucional. Eis o respectivo acordão:

Arguição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Art. 43, V, §§ 4º e 5º, da Lei Complementar 136/2020, do Município de Macapá/AP. 3. Municípios não são obrigados a instituir Advocacia Pública Municipal. Liberdade de conformação. 4. Criada Procuradoria Municipal, há de observar-se a unicidade institucional. Exclusividade do exercício das funções de assessoramento e consultoria jurídica, bem assim de representação judicial e extrajudicial. Ressalvadas as hipóteses excepcionais, conforme a jurisprudência do STF. 5. Impossibilidade de ocupantes de cargos em comissão, estranhos ao quadro da Procuradoria- Geral do Município, exercerem as funções próprias dos Procuradores Municipais. 6. Parcial procedência do pedido.

(ADPF n. 1.037-AP)

O primeiro aspecto a se considerar é que o assunto foi definido em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Ora, é consabido que não cabe ação direta de inconstitucionalidade em face de lei municipal perante o Supremo Tribunal, mas somente no Tribunal de Justiça com parâmetro na respectiva Carta. É a inteligência da Súmula n. 642. do STF2.

Entretanto, a Lei Federal n. 9.882. de 1999 admite a ADPF quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo municipal, conforme o lacônico permissivo constitucional do artigo 102, § 1º.

De outro vértice, o julgado assevera que, caso a Procuradoria-Geral do Município seja criada, deverá abranger todas as entidades locais, ressalvadas hipóteses excepcionais, que é exatamente a das Universidades Públicas, como a Unital (Universidade de Taubaté) e a FURB (Universidade de Blumenau), e das empresas estatais, que são pessoas jurídicas de direito privado, como a EMDEC (Empresa de Desenvolvimento de Campinas) e a EMDURB (Empresa de Desenvolvimento Urbano de Ubatuba), apenas para citar alguns exemplos.

Dessa forma, Procuradorias como as do Departamento de Água e Esgoto (DAE ou SAAE), das Escolas Técnicas como a Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (FITO) e a Fundação Instituto de Educação de Barueri (FIEB), deverão permanecer como funções em extinção, até a sua integral incorporação as PGM’s.

Com isso, as políticas municipais tendem a sofrer uma uniformização, haja vista que agora sua defesa judicial e extrajudicial será exercida por apenas um órgão, vinculado ao Alcaide.

Desafortunamente, o guardião da Constituição perdeu mais uma oportunidade de determinar a confecção das Procurarias nos municípios, o que contradiz a sua conclusão no RE n. 663.696-MG no sentido de serem “funções essenciais à justiça”. Ora, se são fundamentais, não deveriam existir?

Malgrado, segue o apelo à Corte Máxima, enquanto as urbes que instituírem seu órgão de advocacia pública ficam vinculadas ao princípio da unicidade da representação.


Notas

1 Ação direta de inconstitucionalidade. Leis do Estado da Paraíba referentes ao quadro de pessoal de autarquias e fundações no âmbito estadual. Previsão de cargos de advogado (procurador) para viabilizar a criação (ou a manutenção) de órgãos de assessoramento jurídico. Atribuição de atividades de consultoria jurídica e de representação judicial, privativas dos procuradores de estado, a servidores comissionados ou a servidores efetivos admitidos mediante concurso público específico distinto do de procurador de estado. Alegação de violação do art. 132. da CF. Princípio da unicidade orgânica da advocacia pública estadual. Permissão constitucional para a excepcional manutenção de consultorias jurídicas preexistentes à Constituição (art. 69. do ADCT). Interpretação restritiva. Distinção entre “consultoria jurídica” e “procuradoria jurídica”. Autonomia das universidades estaduais (art. 207. da CF/88). Procedência parcial do pedido. Modulação dos efeitos.

2 Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal.

Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno Abdalla. Município: princípio da unicidade orgânica da advocacia pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7749, 18 set. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110920. Acesso em: 22 dez. 2024.

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