5. A mediação penal nos Juizados Especiais Criminais como auxílio da Justiça Restaurativa.
A Mediação Penal é, essencialmente, uma eficaz estratégia de harmonização de conflitos. Através deste método autocompositivo no contexto penal, propicia-se um encontro entre a vítima, o transgressor e a comunidade. Adicionalmente, aponta para a abordagem mais apropriada na resolução de dissensões latentes, pois viabiliza a exposição de questões de outras esferas, fomentando, dessa forma, a cultura da paz nas relações sociais.
A interpretação equivocada da responsabilidade exclusiva do Estado em um sistema punitivo-retributivo vem aos poucos sendo reconsiderada. Nordenstahl1, em suas dissertações, assevera que "o Estado criou uma máquina para reproduzir o sofrimento moral e físico em relação ao condenado e à própria vítima.” Nesse contexto, pode-se afirmar que o quadro mais desfavorável é agregar aflição e sofrimento à vítima no âmbito judicial, que, por vezes, enfrenta novos traumas, prejuízos sociais, psicológicos e econômicos, somados aos já causados pelo próprio delito.
A revitimização é comum no processo penal tradicional em suas várias fases, entretanto, é algo que necessita ser reavaliado. O sucesso da mediação penal ocorre quando há uma legítima preocupação com o bem-estar dos envolvidos, convidando-os à reflexão, promovendo a responsabilização por parte do transgressor e a reparação pelos danos causados à vítima.
Neste sentido, Roxin (2002), afirma que “a importância da reparação do dano está na consideração dos interesses do ofendido, pois somente assim as necessidades da vítima seriam atendidas de forma satisfatória e não, somente, com a simples imposição de uma pena que, na vida prática do agredido, não traz qualquer consequência imediata. Sendo assim, Roxin, propõe a terceira via, que busca um modelo que vá além da aplicação de punições formais, enfatizando a reparação e a atenção aos interesses da vítima como parte integrante do processo penal. Essa abordagem procura equilibrar a responsabilidade do ofensor com a necessidade de restaurar os danos causados à vítima, minimizando as consequências práticas do crime”. (p.08)
Dentro do Código Processual Penal Brasileiro, a resposta do Estado ao delito se propõe uma solução para o infrator e uma resposta à sociedade, com o intuito de evitar que esta, insatisfeita, busque vingança privada. A função da pena é compreendida principalmente de maneira retributiva, deixando a vítima completamente desconsiderada, em um processo conhecido como neutralização da vítima.
Neuman (1994), caminha no mesmo sentido, e afirma que: “o Estado centra as suas atividades na materialidade do delito e na busca da verdade objetiva, interessando-se muito mais pelo delito e pela chamada segurança social - que muitos juízes afirmam por ela direcionar-se – em vez de se preocuparem com os atores do drama penal, a vítima e o infrator.” (p.24)
Para tentar minimizar esse drama penal, parte-se do pressuposto de que é necessária uma mudança de cultura para poder ocorrer a evolução no processo penal:
Conforme elucida Cica (2007) “Não é possível progredir em direção a uma justiça penal mais humanizada, mais legitimada e mais democrática enquanto o atual modelo permanecer inalterado em seus aspectos mais distintivos: o processo penal visto como expressão de autoridade, o direito penal como exercício de domínio. Tudo isso respaldado por pretextos considerados “nobres”, como a prevenção geral, a reintegração social ou, agora com maior ênfase, a segurança pública e a tranquilidade dos "cidadãos de bem". (p. 119)
Porém, dentro da proposta de justiça restaurativa, alguns países latinos já têm avançado neste sentido de colocarem as vítimas como protagonistas.
No presente momento, evidenciamos diversas legislações que incluíram em seus dispositivos normativos medidas voltadas para a resguarda dos direitos das vítimas de transgressões. Nesse cenário, Fernandes (1995) ressalta que:
Recentes normativas na Argentina têm sublinhado a necessidade de conferir à vítima um tratamento mais humanizado, através do Código de Tucuman, Córdoba e da Nação, para isso, estipulam direitos e preveem providências: informação sobre as faculdades que pode exercer no processo e, ainda, ciência das resoluções a respeito da situação do imputado; necessidade de acompanhamento de vítimas menores e incapazes por pessoas de sua confiança durante os atos processuais [...] (p.222).
Sobre a vítima no processo penal da Bolivia, Caballero (2003) retrata: [...] “la víctima podrá intervir em el processo penal conforme a lo establecido en este Código, tendrá derecho a ser escuchada antes de cada decisión que implique la extinción o suspensión de la acción penal y, em su caso, a impugnarla”. [...] (p.118)
No Brasil, sem dúvida, os direitos da vítima foram reconhecidos no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal brasileira, sendo a dignidade da pessoa humana um dos seus fundamentos. Assim, quando a nossa Carta Magna incluiu a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, fez no sentido de que as demais normas do direito interno com ele fossem congruentes.
No território brasileiro, mediante a promulgação da Lei 9099/95, conhecida como Lei dos Juizados Especiais Criminais, a figura da vítima foi reconhecida no âmbito do procedimento criminal por meio da disposição legal que prevê sua participação na relação processual. Embora de maneira incipiente, o legislador ordinário anteviu a imperatividade de sua inclusão no processo de resolução de conflitos.
Streck (1999) é taxativo quando diz que: “Com o advento da Lei 9.099/95, o Estado “lava as mãos” para os conflitos reputados de menor potencial ofensivo. Seria o neoliberalismo do Direito, e isto, sem dúvidas, atrapalha a defesa dos interesses da vítima” p.20)
Para quem entende que os interesses da vítima obtiveram maior consideração, o art. 74 (composição civil dos danos) é a chance que a vítima tem de ver restituído o prejuízo sofrido, além da possibilidade de uma indenização.
É imperativo destacar que os princípios fundamentais que norteiam o início do procedimento da Mediação Penal incluem o "princípio da autonomia das partes". A neutralidade do mediador é de suma importância, sendo sua ausência prejudicial ao processo, uma vez que é essencial para estabelecer um ambiente de confiança, especialmente em situações mais delicadas.
Nesse sentido, é crucial atentar para o ambiente dentro do Juizado Especial Criminal, pois ambientes formais e burocráticos nos tribunais não favorecem o diálogo. Assim, o mediador deve desempenhar um papel essencial na facilitação da comunicação entre as partes envolvidas no conflito, e o ambiente também deve ser configurado de maneira a contribuir para o bem-estar, diálogo, conciliação, acolhimento e resolução de conflitos.
A implementação da Mediação Penal como parte da Justiça Restaurativa inicia-se efetivamente quando o caso é encaminhado ao núcleo responsável. Após a avaliação de sua adequação para a mediação, a vítima é contatada, seguida pelo contato com o infrator. Caso todas as condições e pressupostos necessários estejam presentes para um encontro construtivo, a pré-conciliação é agendada, visando, assim, explorar alternativas em busca de uma efetiva administração da justiça.
O êxito da mediação criminal é notório, uma vez que representa uma das principais ferramentas de resolução alternativa de disputas no contexto penal, empregada pela Justiça Restaurativa para implementação de suas práticas restauradoras. Tal abordagem proporciona ao sistema jurídico penal a oportunidade de adotar maior celeridade, compaixão, personalização e informalidade, resultando, por conseguinte, em uma redução significativa da burocracia.
Ressalta-se a importância de relatar neste contexto o que transcreve Umbreit (2007):
“Vítimas e ofensores frequentemente falam da sua participação em um diálogo mediado como uma experiência poderosa e transformadora que os ajudou no seu processo de recuperação. Pais de crianças mortas expressaram seus sentimentos de alívio após encontrarem o ofensor/presidiário e dividirem sua dor. Eles também puderam reconstruir o que aconteceu e o porquê. Uma mãe cujo filho foi assassinado declarou: “ Eu apenas precisava deixá-lo ver a dor que ele causou na minha vida e descobrir por que ele puxou o gatilho.” Um professor que foi atacado e quase morto comentou, após encontrar com o jovem criminoso na cadeia: “Ajudou-me a acabar com esse ordálio...fez muita diferença na minha vida, apesar desse tipo de encontro não ser para todo mundo.” Um ofensor/presidiário que encontrou com a mãe do homem que havia matado declarou: “ Foi bom poder trazer algum alívio para ela e expressar o meu remorso.” Um médico na Califórnia cuja irmã foi morta por um motorista bêbado estava muito cético inicialmente quanto a encontrar com o ofensor. Após a sessão de mediação, ele declarou: “Eu não pude começar a me recuperar até que deixasse o ódio passar...após a sessão de mediação, eu sentei um grande alívio...eu agora estava pronto a encontrar alegria na vida novamente. Principal instrumento de solução alternativa de conflitos, no âmbito penal, usado pela Justiça restaurativa, para efetivação de suas práticas restauradoras, oferecendo ao ordenamento jurídico penal a oportunidade de revestir-se de mais celeridade, humanidade, individualidade e informalidade, gerando, em contrapartida, menos burocracia. p. 78)
A conscientização, oriunda desse encontro, proporciona a oportunidade de edificação, responsabilização e restauração. Da mesma forma, a compreensão de que a mera integração em uma comunidade sujeita o indivíduo à possibilidade de se envolver em conflitos, traz consigo a empatia, humanização e sensibilidade para a gestão dos litígios.
A dicotomia entre o bem e o mal se desenrola no interior de cada ente vivo, demandando ser objeto de trabalho a fim de que as virtudes humanas predominem. A conscientização da sociedade acerca da necessidade de assistência especializada para muitos indivíduos, visto que, isoladamente, sucumbem às adversidades mais nefastas, é crucial.
Os resultados alcançados pelo método da Mediação Penal no contexto da Justiça Restaurativa seriam inatingíveis sem a presença de estrutura e equipe especializada. Portanto, justificam-se investimentos crescentes e a disseminação do conhecimento nesse âmbito.
Por derradeiro, torna-se incognoscível antecipar o desfecho de uma Mediação, contudo, permitir-se experimentar integralmente o procedimento com o desiderato supremo de conceber cada sujeito como integrante do corpo, é apreender que, à semelhança de ser impraticável manter um organismo salutar quando há um membro lesado, a coletividade não pode prosperar se os indivíduos que a integram não estiverem engajados em cooperação, sincronia e harmonia.
6. A possibilidade de conciliação e pacificação de conflitos na esfera penal
O artigo 98, inciso I da Carta Magna estabeleceu que a União e os Estados instituiriam juizados especiais competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de delitos de menor gravidade, através dos métodos oral e sumário. Por eles, são admitidos, nas situações determinadas por lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeira instância.
Desta maneira, no ano de 1995, foi promulgada a Lei n.º 9.099, que versa sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que desempenha um papel crucial na abordagem da resolução benevolente de controvérsias, como evidenciado já em seu artigo 2º ao afirmar que "o processo seguirá os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, visando, sempre que possível, a conciliação ou a transação". (Brasil, 1995)
O Juizado Especial Criminal, composto por magistrados togados ou por uma composição de togados e leigos, detém competência para a realização da conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, observando as normas de conexão e continência.
A conciliação objetiva dirimir as controvérsias penais de forma aceitável para as partes envolvidas, por intermédio de um conciliador que resolverá os conflitos específicos, tais como disputas domésticas, desentendimentos entre vizinhos e questões relacionadas ao consumo, utilizando o senso comum e promovendo a coesão social.
Para os adeptos da legislação, a conciliação representa o momento crucial para a vítima, uma vez que permite que ela seja indenizada pelos prejuízos sofridos. No entanto, os Juizados Especiais Criminais (JECs) possuem jurisdição para intervir em tais circunstâncias específicas, contando ainda com princípios orientadores próprios, estabelecidos no âmbito da Lei 9.099/95, tais como a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de “menor potencial ofensivo, os quais, para os propósitos da mencionada legislação, consideram-se as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa” (artigos 60, caput e 61, ambos da Lei n. 9.099/95) (Brasil, 1995).
O processo perante os JEC’s deve submeter-se à observância de alguns princípios específicos, estampados logo no art. 2º da Lei n. 9.099/95, in verbis:
“O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (Brasil, 1995).
Tais critérios também são citados no art. 62 do diploma legal no capítulo que trata, especificadamente, dos Juizados Especiais Criminais. Destaca-se que a redação do referido dispositivo foi recentemente alterada pela Lei n. 13.603, de 9 de janeiro de 2017, a fim de incluir, ainda, a simplicidade como critério orientador do processo perante os JEC’s. (Brasil, 2018).
Por conta do princípio da oralidade, os atos processuais devem ser praticados, em regra, oralmente, dando-se preferência à palavra falada sobre a escrita.
A observância de tal princípio resulta em alguns efeitos, também chamados de subprincípios, quais sejam: os princípios da concentração, do imediatismo, da irrecorribilidade das decisões interlocutórias e da identidade física do juiz (Lima, 2017, p. 379).
De acordo com Lima (2017), “pelo princípio da concentração, busca-se que os atos do procedimento sejam realizados em uma única audiência, para abreviar o espaço de tempo entre a data do fato e o julgamento e, consequentemente, favorecer o alcance da verdade. De outro lado, o princípio do imediatismo está atrelado à colheita de provas pelo juiz em contato direto com os envolvidos” (p. 379).
Já o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, por sua vez, objetiva que as “decisões tomadas pelo juiz durante o curso do processo, em regra, não sejam impugnadas de imediato, a fim de evitar interrupções causadas pela interposição de recursos. Finalmente, traduz-se o princípio da identidade física do juiz no fato de que deve proferir a sentença o mesmo magistrado que procedeu à colheita de provas no feito e, por conseguinte, teve contato com as partes”. (p. 379).
O objetivo é adequar os princípios para facilitar a comunicação com foco na resolução dos conflitos penais de menor potencial ofensivo.