Resumo: O presente artigo tem por finalidade realizar uma reflexão sobre a Justiça Restaurativa e sua inserção no âmbito do ordenamento jurídico penal brasileiro, apresentando-se como uma temática inovadora e controversa no território nacional. Ainda que em fase de construção enquanto política pública, essas temáticas vêm ganhando notoriedade, assumindo posicionamento líder como objetos de investigação, instrução e extensão, demonstrando meios alternativos para a resolução de conflitos no âmbito do Direito Penal Brasileiro. Neste diapasão, é importante salientar que o sistema carcerário brasileiro está sempre extrapolando a capacidade máxima, e o sistema judiciário não consegue dar vazão, tornando-se uma justiça estagnada e socialmente desgastada. Assim, para evitar a sobrecarga judicial, surge a mediação e conciliação como uma forma alternativa de compreender e resolver conflitos para poder produzir graus diversos de satisfação nas partes envolvidas, evitando a demanda desnecessária ao Poder Judiciário.
Palavras-chave: Meios Alternativos. Solução de Conflitos. Ressocialização.
Sumário: Introdução. O conceito, alcances e características da Justiça Restaurativa. A percepção do instituto da mediação e sua evolução através da visão doutrinária. A Justiça mediadora no conceito penal. A mediação penal nos JEC’s como auxílio da Justiça Restaurativa. A conciliação como possibilidade de pacificação de conflitos na esfera penal. A composição civil dos danos e transação na conciliação penal. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente artigo objetiva discutir a implementação dos sistemas alternativos de resolução de conflitos criminais: mediação e conciliação.
A promulgação da Lei n.º 13.140/2015, denominada como a legislação de mediação e conciliação, consolida essas instituições no âmbito do Direito Penal Brasileiro. Nesse contexto, ao abordar a questão da equidade, emergem os direitos e obrigações inerentes à pessoa humana, indivíduo que detém uma conduta singular de significativa relevância para a convivência em sociedade. No âmbito constitucional, esses indivíduos têm como cláusula imutável a salvaguarda de seus direitos e garantias, os quais são insuscetíveis de serem suprimidos ou restringidos.
Neste trabalho, será tratado a aplicação da lei no caso concreto, cuja aplicação das normas infraconstitucionais e legais está a cargo do Poder Judiciário. Contudo, este sistema de normas encontra-se desequilibrado, o que inviabiliza a melhor aplicação das normas jurídicas, neutralizando ou negando os preceitos constitucionais e legais garantidos. No entanto, é importante salientar que este sistema normativo e legislativo atual está sobrecarregado, impossibilitando a aplicação das normas jurídicas da melhor forma possível a cada caso e anulando ou negando princípios constitucionais e jurídicos garantidos. Assim, falar de justiça remete à ideia de reparação, que percorre um longo percurso dentro dessa estrutura, pois o sistema está pautado por excessos de prazos o que faz com que balança da justiça esteja totalmente desequilibrada.
A expansão do âmbito jurídico-penal no Brasil, por meio da contínua promulgação de legislações e da introdução de novas tipificações delitivas, conjugada ao aumento das penalidades aplicadas aos delitos como resposta ao aumento da atividade criminosa e à demanda social por sua contenção, culmina no excessivo acúmulo de processos penais em tramitação no Poder Judiciário. Tal situação resulta em uma crescente morosidade e ineficácia no sistema de justiça penal. Por conta deste sobrecarregamento da justiça, é preciso falar sobre os princípios orientadores da inovação por meios alternativos que conduzam a uma melhor aplicação das normas no domínio do crime.
Nesse contexto, destacaram os autores a importância de se conceber vários meios de administração de conflitos além dos mecanismos processuais tradicionais. A mais recente onda renovatória, conforme proposto por Cappelletti & Garth (1988), entra em consonância com a crescente tendência em prol dos chamados meios alternativos de resolução de disputas, expressão derivada do inglês: “Alternative Dispute Resolutions” (ADR) que contempla uma variedade de métodos de solução de conflitos distintos e substitutivos à sentença proferida em processo judicial, tais como a arbitragem, a mediação, a conciliação e a negociação. (Silva, 2013, p. 02)
Portanto, esta pesquisa visa desenvolver concepções no contexto da criminalidade brasileira, explorando e discutindo alternativas à mediação de conflitos como uma resposta para requisitos essenciais que abrangem tanto a execução de decisões judiciais quanto a implementação do Direito Penal. A oferta de medidas substitutivas que buscam a solução rápida e eficiente de conflitos na esfera administrativa, sem a necessidade de litígios, tornou-se uma realidade em nosso sistema jurídico, estabelecida pelo novo Código de Processo Civil de 2015, e deve ser mais detalhadamente explorada no âmbito do Direito Penal.
Como consequência dessa assertiva, almeja-se conferir ao instituto uma abordagem concisa no âmbito do crime, com o propósito de uma resolução mais expedita, e possivelmente, da reabilitação desse infrator, além de visar ao interesse comum da sociedade brasileira. Portanto, esses institutos tornam o procedimento mais informal e acessível, aproximando grupos historicamente excluídos do sistema formal de justiça, a condução de conflitos por meio de ADR (Métodos Alternativos de Resolução de Disputas) pode ser identificada como um método facilitador do acesso à justiça (Asperti; Souza, 2018; Dakolias, 1995).
Assim, em maio de 2016 o Conselho Nacional de Justiça1 promulga a resolução 225 que dispõe sobre a política nacional de justiça restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, estabelecendo marco fundamental para a implantação da justiça restaurativa como política pública de tratamento penal.
2. O conceito, alcances e características da Justiça Restaurativa.
A justiça restaurativa se mostra como um método independente de administração de desacordos e situações conflituosas, sendo uma opção à crise do atual sistema punitivo e prisional do Estado. Com essa abordagem alternativa, além de desaprovar e combater as infrações, reforça a relevância da subjetividade humana ao resolver as divergências de maneira consensual, considerando as necessidades individuais de cada uma das partes envolvidas, fundamentando-se em um procedimento de consenso.
Para (Pinto, 2005), Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator”. (p. 20)
“Trata-se de uma abordagem do delito que envolve a vítima, o delinquente e a comunidade – sociedade – visando estabelecer relações sadias e restruturação da paz social, além de reparar os danos materiais e imateriais causados pela transgressão”. (Bianchini, 2012, p. 99)
Outro elemento da teoria da justiça restaurativa é denominado "atribuições das partes envolvidas", atuando com três perspectivas: da vítima, do transgressor e da comunidade, estabelecendo uma correlação entre o dano causado e as necessidades específicas de cada parte, assim como as medidas restaurativas essenciais para satisfazer as demandas de ambas. Essa estrutura diferencia os interesses das partes envolvidas principais, ou seja, as pessoas mais impactadas por uma infração específica, das pessoas indiretamente afetadas.
Nesse contexto, as partes interessadas primárias compreendem predominantemente as vítimas e os infratores, considerando que são os mais impactados pela ruptura na relação social. Contudo, aqueles indivíduos que mantêm laços afetivos com a vítima ou o infrator, como pais, cônjuges, irmãos e amigos, também estão abrangidos pela perspectiva restaurativa, uma vez que são afetados e constituem as comunidades de apoio das vítimas ou infratores.
As partes interessadas secundárias referem-se às pessoas que não possuem vínculos emocionais com o ofendido e o infrator, e, por conseguinte, carecem de legitimidade para intervir no processo de reconciliação. O papel das partes secundárias consistiria, efetivamente, em apoiar e facilitar os procedimentos que conduzam ao resultado acordado de maneira consensual pelas partes interessadas primárias. Essa colaboração fortalece a sociedade civil, promovendo a coesão social e capacitando os cidadãos na resolução autônoma de seus próprios conflitos.
Para Azevedo, (2005) a justiça restaurativa como uma proposição metodológica por intermédio da qual se busca, por adequadas intervenções técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio de comunicações efetivas entre vítimas, ofensores e representantes da comunidade voltadas a estimular: i) a adequada responsabilização por atos lesivos; ii) a assistência material e moral de vítimas; iii) a inclusão de ofensores na comunidade; iv) o empoderamento das partes; v) a humanização das relações processuais em lides penais; e viii) a manutenção ou restauração das relações sociais subjacentes eventualmente preexistentes ao conflito. (p. 140)
Evidencia-se que a restauração do dano causado requer a participação não apenas das partes envolvidas diretamente no conflito, mas também da sociedade em geral. Tal participação visa proporcionar uma rede de apoio e acolhimento para ambos os envolvidos, possibilitando a reconstrução das relações sociais rompidas. O consenso, a confidencialidade e a voluntariedade dos envolvidos no processo são os pilares da justiça restaurativa.
Assim, ressalta (Pinto, 2005) que o “modelo restaurativo baseia-se em valores, procedimentos e resultados definidos, mas pressupõe a concordância de ambas as partes (réu e vítima), concordância essa que pode ser revogada unilateralmente, sendo que os acordos devem ser razoáveis e as obrigações propostas devem atender ao princípio da proporcionalidade. A aceitação do programa não deve, em nenhuma hipótese, ser usada como indício ou prova no processo penal, seja o original seja em um outro. (p. 22).
Uma das características no processo da Justiça Restaurativa é a voluntariedade, que marca a expressa concordância dos interessados. Ele é um princípio essencial para a efetivação da prática restaurativa, podendo tal anuência ser revogada a qualquer momento durante o procedimento de mediação.
Pinto (2005), define que: “este processo é totalmente voluntário e realizada em ambientes mais informais, sem o peso ritualístico do tribunal, intervindo um ou mais mediadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator”. (p. 20).
Em relação ao consenso, para alcançar o propósito almejado pelo sistema restaurativo, é imperativo que as partes estejam ajustadas, plenamente conscientes e em acordo com seus direitos e deveres. Quanto à confidencialidade, assegura-se o sigilo absoluto de todas as situações vivenciadas durante o processo, vedando-se, inclusive, o uso dessas informações como evidências em procedimentos judiciais.
Como outra opção, a abordagem restaurativa não só crítica e pune crimes, mas também destaca como é importante entender a perspectiva das pessoas envolvidas para resolver os conflitos de maneira que atenda às necessidades de cada um.
Assim, “a denominada Justiça Restaurativa aos poucos ingressa no sistema jurídico brasileiro, essencialmente no processo penal, iniciando pelas mudanças de enfoques e com a relativização dos interesses, transformando-os em individuais típicos, logo, disponíveis, garantindo assim a possibilidade de uma conciliação do agressor com o agredido, e possivelmente até o perdão, garantindo assim a restauração da paz sem a necessidade do instrumento penal coercitivo e utilizado pelo Estado”. (Nucci, 2013, p.232).
3. A percepção do instituto da mediação e sua evolução através da visão doutrinária
Em primeiro lugar, é importante conceituar mediação:
A Lei 13.140/2015 descreve em seu texto original o conceito de mediação como sendo uma “técnica de negociação na qual um terceiro, indicado ou aceito pelas partes, as ajuda a encontrar uma solução que atenda a ambos os lados”. (República Federativa do Brasil, 2015).
Pode-se considerar que a mediação consiste em um procedimento cooperativo, em que a aparente oposição de interesses deve ser trabalhada de modo a alcançar um objetivo comum, como se fosse um mecanismo para a obtenção da autocomposição, caracterizado pela participação de um terceiro imparcial e neutro, sem qualquer poder de decisão.
“A mediação é a inclusão informal ou formal de terceiro imparcial na negociação, ou na disputa, dá-se o nome mediação, que é, pois, um mecanismo para a obtenção da autocomposição caracterizado pela participação de terceiro imparcial que auxilia, facilita e incentiva os envolvidos. Em outras palavras, mediação é a intervenção de um terceiro imparcial e neutro, sem qualquer poder de decisão, para ajudar os envolvidos em um conflito a alcançar voluntariamente uma solução mutuamente aceitável. A mediação se faz mediante um procedimento voluntário e confidencial, estabelecido em método próprio, informal, porém coordenado. (Calmon, 2008, p.119).
Para Souza (2009), é “um processo em que cada uma das partes tem oportunidade de expor seus interesses e necessidades e descobrir assim um caminho que atenda, tanto quanto possível, aos legítimos interesses e necessidades de ambas” (p.70)
A origem da mediação através da sociedade, desde o início da vida já existiam conflitos por demarcação de território, pela alimentação, dentre outras, onde a forma predominante de resolução destes conflitos era a luta física, guerra, ou qualquer outro meio pudesse contemplar a vitória à aquele litígio, conforme ensina Faleck & Tartuce (2014 apud Kovack, 2004, p.28).
Através da evolução histórica, pode-se perceber que à medida que a sociedade se formava, foram criando as figuras representativas da comunidade ao qual era incumbido de solucionar qualquer problema ou conflito, dando-se o nome desta figura de mediador.
A mediação é a essência humana, pois o homem é um ser social por natureza. Muito embora alguns pareçam que adoram um conflito, é notório também que há pessoas que gozam desta qualidade aperfeiçoada, sendo mais hábeis como mediadores.
Na sociedade oriental, a mediação vem de uma tradição milenar entre os povos originários. A mediação é intrínseca nos costumes e a figura do mediador alcança poderes institucionais decorrente de uma hierarquia organizada no exercício da cidadania, instrumentalizando assim o poder mediador.
A palavra mediação evoca a significância de centro, meio, equilíbrio, formando a concepção de um terceiro elemento que se encontra entre as duas partes, não acima delas, mas entre elas.
Nesse contexto, Haynes (1993), explica que a mediação é considerada como “um procedimento em decorrência do qual um terceiro (o mediador) auxilia os participantes em uma situação conflituosa a abordá-la, resultando em uma solução aceitável e estruturada de modo a possibilitar a continuidade das relações entre as pessoas envolvidas no conflito”. (p.114)
Isso constitui uma administração ativa de conflitos por meio da catalisação de um terceiro, mediante uma técnica na qual são as próprias partes imersas no conflito que buscam alcançar um acordo com a assistência do mediador, um terceiro imparcial desprovido de prerrogativas decisórias.
Assim, Junior (2009) destaca que é: “através da mediação, que desenvolvem-se a autonomia, a comunicação e a cooperação entre os atores, configurando um instrumento eficaz para resolução de conflitos intersubjetivos, especialmente daqueles cujos protagonistas apresentem percepções diferentes quanto à mais justa decisão para o caso”. (p. 533)
4. A Justiça Mediadora no Contexto Penal
A introdução de um sistema de justiça mediadora no contexto penal representa, de fato, uma inovação de grande relevância para a reformulação do sistema penal brasileiro. No entanto, essa abordagem inovadora pode suscitar preocupações quanto à sua viabilidade em um ambiente de aceitação e adoção da ideia. Essa questão não está tão distante da realidade observada em Portugal, onde a mediação penal foi estabelecida ao nível nacional por meio da Lei n.º 21/2007. Ao longo de sua implementação, demonstrou eficácia ao apresentar dados sobre casos submetidos à mediação penal. No entanto, enfrentou considerável resistência por parte do Ministério Público e do Ministério da Justiça em relação à aplicação efetiva dessa lei, resultando em uma tentativa de retroceder nas inovações do sistema penal. Essas resistências dificultaram o trabalho dos mediadores penais, levando ao abandono gradual desse instituto, com sua utilização encerrada em 2017, sem esclarecimentos sobre os motivos, pois não foram divulgados. (Silva & Verzelloni, 2020, p. 81-104).
O fenômeno de descentralização da execução do poder jurisdicional, no âmbito do processo penal no Brasil, é normatizado pela Lei n.º 9.099/1995, a qual trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sem prejuízo das legislações pertinentes ao âmbito cível.
Sica (2007) apresenta um cenário de implementação da mediação penal como ferramenta de administração de conflitos em diversas situações, tais como em casos envolvendo vizinhança/bairro (violência, vandalismo, perturbação de sossego); justiça/criminalidade (conflitos em prisões, atividades policiais); confrontos étnico-raciais (disputas entre neonazistas e judeus, combate à segregação racial), entre outros. (p.233)
A finalidade da mediação penal é "instaurar a comunicação entre as partes, com foco na restauração da vítima e na aceitação da responsabilidade pelo infrator". Além disso, permite que este "narre as circunstâncias e consequências do delito sob sua perspectiva, assim como na reparação das perdas morais, patrimoniais e afetivas".
No paradigma convencional adotado pelo sistema judiciário, a vítima e o infrator não participam do próprio julgamento, resultando frequentemente em uma insatisfação mútuo envolvidas com o desfecho do processo. A ausência de pacificação social impede a abordagem das necessidades relacionadas à punição, proteção e reeducação, as quais, de certa forma, poderiam contribuir de maneira significativa para uma sociedade mais equilibrada e pacífica. “Os conflitos direcionados para a mediação penal podem resultar num acordo, porém seus objetivos principais são a restauração do diálogo e o desenvolvimento da empatia, evitando a reincidência do crime” (Spengler, 2010, p. 65).
O método restaurativo para imputação penal é um procedimento voluntário, informal e caracterizado pela celebração de acordos. A voluntariedade é absoluta, uma vez que os membros da comunidade desempenham um papel central nesse modelo alternativo de justiça, fazendo escolhas livremente para democratizar a resolução de conflitos. Nesse contexto, abrangem-se inclusive situações envolvendo delitos mais complexos, pois após sua ocorrência, torna-se essencial alcançar um desfecho positivo em relação aos eventos na vida tanto do ofendido quanto do infrator.
Assim como explicita Tiago: A mediação penal conta com a “participação direta dos principais envolvidos no ato ofensivo, a restauração da vítima e/ou comunidade vitimada”; objetiva a “responsabilização direta do ofensor pelo dano causado e o envolvimento de toda a comunidade na restauração tanto da vítima quanto do ofensor, suprindo algumas falhas do processo judicial e complementando o sistema de justiça criminal” (Tiago, 2007, p. 210).
A informalidade implica que o procedimento adotado deve se desvincular do formalismo típico do processo penal, considerando que, no sistema judiciário tradicional, o Estado impõe a vontade da lei e cria um distanciamento dos envolvidos na disputa legal, renegando-lhes apenas um papel secundário.
No Código de Processo Penal brasileiro, essa lacuna é evidente, dado que a vítima recebe um tratamento secundário no desenrolar do processo. Neste processo, o Estado tornou-se o principal ofendido, relegando à vítima um papel de simples observadora, ou de testemunha cuja responsabilidade é narrar os acontecimentos. Saliba bem pontua com maestria este aspecto: “O papel da vítima é relegado a segundo plano ou terceiro plano, não mais interferindo no procedimento do sistema penal. Há positivação da vontade da vítima, ou seja: a lei supre a manifestação de vontade, presumindo-a quando necessário. Seu interesse não mais é seu e, mesmo que seja contrária ao caminho ou desfecho tomado, nada pode fazer. Até mesmo interesses estritamente pessoais e patrimoniais, disponíveis e transacionáveis, foram esbulhados pelo Estado.”
No entanto, no método restaurativo, a vítima assume um papel de destaque, onde é facultado conceder perdão ou participar de um diálogo elucidativo sobre os motivos e circunstâncias dos atos criminosos, contudo, mediante autorização legal e análise do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Para Sica (2008): […] “no âmbito penal, a mediação deverá ser submetida a controle jurisdicional, seja na decisão de enviar o caso à mediação, seja na aceitação de seu resultado como forma de exclusão da intervenção penal. Assim, é necessário definir parâmetros de regulação legal, para que não se torne um procedimento privado de garantias ou uma forma de privatização do conflito, cuja gerência seria conferida ao Estado, como espécie de “administração pública de interesses privados. Pelo contrário, o controle jurisdicional preserva o caráter público da demanda, reconhecendo, apenas, a possibilidade de intervenção direta das partes em sua solução e, ainda, garante o envolvimento comunitário, ao qual já se fez várias referências, pois é, justamente, o elemento que diferencia a mediação penal de outras mediações”.(p.30)
Quanto à metodologia adotada para haver a mediação, de acordo com Sica (2007), há quatro fases. Na primeira fase, a autoridade, juiz, promotor ou polícia encaminha o caso para a sessão de mediação. A segunda fase é preparatória, onde os mediadores entram em contato com as partes envolvidas no conflito, colhendo informações necessárias, questionando em relação à participação, com base no princípio da voluntariedade. A terceira fase é a sessão de mediação em si, sua prática. E, na quarta fase, ocorre o monitoramento, onde se observa o êxito ou não quanto ao acordado na mediação, para posterior reenvio à autoridade que solicitou o desenvolvimento do procedimento. Ao adotar esta metodologia, a mediação penal ainda pode ocorrer de forma direta ou indireta. (p.58)
Esta definição é dada pela vítima, pois deve ser respeitado o receio em estar com o ofensor no mesmo ambiente. Na mediação indireta, as sessões ocorrem de forma isolada e cabe ao mediador transmitir as impressões e pretensões dos envolvidos. Mesmo não sendo o ideal, ainda é possível bons resultados adotando esta técnica. Já a mediação direta, se mostra mais adequada e produtiva, podendo ser desenvolvida em seis etapas: exposição introdutória realizada pelo mediador; narrativa pela vítima da experiência vivida, assim como a reconstrução do fato pelo autor; esclarecimento dos fatos ocorridos e incentivo à adoção da técnica inversão de papéis, visando compreender as emoções provocadas pela ação criminosa; percepção dos danos sofridos pela vítima; desenvolvimento de um acordo escrito; e por fim as considerações finais do mediador em relação à sessão de mediação. Haja vista, a mediação independe da técnica a ser adotada, pois como se vê, ela é um instrumento importante para auxiliar a justiça, ampliar o espaço de democracia e de interação social, para que assim, prevaleça a paz e a harmonia entre os indivíduos em onde precise haver justiça. A mediação penal tem sua contribuição relevante na busca por uma solução autocompositiva dos conflitos, ainda que no âmbito da esfera criminal.
Assim, a legislação referente ao processo penal deve estabelecer os parâmetros para sua implementação, levando em conta que, ao término do processo, caso as partes concordem com a alternativa de resolução, esta deve estar conforme a normativa legal do ordenamento jurídico.