4. O DIREITO TEM RESPOSTAS PARA A CRISE DA PESQUISA JURÍDICA?
Ao longo do artigo, foram citados trabalhos de outros pesquisadores que tentam abordar por diferentes abordagens o problema da crise/estagnação da pesquisa jurídica no Brasil. Razões deste problema que envolvessem falta de investimento/estrutura não foram considerados neste trabalho por serem mais conhecidos e consensuais, não só no ambiente dos cursos jurídicos, mas na educação brasileira como um todo. Mesmo dentro de um enfoque no problema epistemológico, existem várias abordagens possíveis, e, portanto, diferentes respostas para um mesmo problema.
Entre as respostas possíveis está a ideia da interdisciplinaridade como elemento essencial para reformulação da pesquisa jurídica, porém tal é vista com desconfiança não só por setores conservadores do Direito, mas mesmo setores progressistas que se preocupam com a autonomia da disciplina. Quando Orlando Villas Boas Filho fala em usar a interdisciplinaridade dentro de uma categoria chamada “vigilância epistemológica”28 está denotando que a atividade do pesquisador em Direito deve continuar, e mesmo trabalhando com outras disciplinas, o papel destas deve guardar um distanciamento para fins de controle e estabilização dos resultados encontrados, algo que a disciplina jurídica já faz dentro da sua própria matéria.
Dentro da ideia de metodologia, já se falou em diversas possibilidades de métodos existentes, constituídos ao longo da história não do Direito, mas das Ciências Humanas. Sem se perguntar a respeito da adequação destes métodos formulados em outro contexto à realidade da pesquisa jurídica, muitos elegem aquele que lhe parece ser o melhor método para se trabalhar, como, por exemplo, ocorre quando utilizam o espaço de um artigo para tratar exclusivamente das contribuições de um único autor, mesmo para fins que não se sabe ao certo foram pretendidos por este.
Talvez isso se distinga de debates semelhantes em outras searas do Direito como na Hermenêutica em que se fala de “panprincipiologismo”29 ou de um “sincretismo metodológico”30 dos quais o intérprete pode prescindir conforme a sua necessidade. Às vezes como diria o senso comum, é melhor tomar uma posição do que não tomar posição nenhuma. A questão é que mesmo que fosse legítimo utilizar métodos pensados para a Filosofia ou para outras Ciências Humanas, elas não parecem ser garantia de que respostas aos problemas jurídicos serão encontradas.
É evidente que o paradigma juspositivista deve ser questionado, e se for possível superado, como já tentaram fazer há mais de 40 anos com as ondas do neoconstitucionalismo e do pós positivismo.31 Mas para que sua superação aconteça é preciso atingir seu núcleo intocável, suas estruturas fundamentais, produzindo conhecimento sobre estas, restringindo-as, complementando-as, descartando-as, além de trabalhar com estas para a resolução dos problemas jurídicos advindos dos demais ramos do Direito.
Ainda no sentido da interdisciplinaridade, não é possível descartar o papel das propedêuticas jurídicas para contribuir inclusive com o aperfeiçoamento das categorias dogmáticas. Em tempos de avanço da tecnologia e dos sistemas de inteligência artificial, há uma tendência a diminuir ou até eliminar a contribuição dessas disciplinas fundamentais, para dar lugar às necessidades do tempo presente.
O que pesquisadores, doutrinadores e pensadores do Direito têm em comum é não saber como dizer algo que precisa ser dito, e se souber, não se sabe como sustentar. Essa dificuldade pode aparecer por repressões advindas da própria disciplina jurídica, mas também da concepção de pesquisa acadêmica de muitos, a qual não necessariamente se relaciona com a concepção de ciência de cada um.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste artigo embora possam ser limitados diante dos recursos existentes à academia jurídica na atualidade, tentam partir daquilo que se fala quando o assunto se dá sobre “pesquisa jurídica no Brasil” na perspectiva dos últimos anos. Partir de uma análise da comunicação entre pesquisadores, ou seja, dos debates travados por estes, pode servir ao propósito de elucidar o que se passa na realidade jurídica do país.
O artigo científico parte também de uma premissa comunicativa pela sua agilidade e pelo despojamento de procedimentos rebuscados e burocráticos, prevalecendo a mensagem emitida entre o emissor e aqueles que interagem com este, seja através da leitura ou do debate oral. O propósito deste trabalho não foi derrubar a perspectiva de outros pesquisadores, mas um convite a que eles respondam aos questionamentos apresentados, e se estes já foram respondidos, que o sejam de forma melhor, mais aprofundada, mais detalhada.
Pode-se destacar entre as conclusões obtidas pelo trabalho é que um problema epistemológico está muito mais próximo de um debate sobre a formação adequada dos estudantes, ou, ainda assim, dos pesquisadores de Direito. Um exemplo claro dessa necessidade, é que enquanto os manuais de Metodologia Científica abordarem métodos em resumos, ou explicando-os através de raciocínios silogísticos, muito provavelmente não se dominará os métodos.32 É preciso aprofundar o que se sabe sobre os métodos, e se possível ir às fontes para que estas dialoguem com os problemas da realidade jurídica.
Por outro lado, se o paradigma juspositivista atuar como estatuto repressor da pesquisa jurídica, e portanto, da expansão de uma ciência jurídica, é preciso lembrar que existem várias concepções possíveis de Direito. Porém, para fins dogmáticos, mesmo concepções alternativas precisam dialogar com o núcleo das disciplinas dogmáticas e não se colocarem de forma antagonista ou complementar, sob pena de serem descartadas e esquecidas pelas instituições e pelos agentes que dominam a reprodução do conhecimento jurídico.
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