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Reprovação no exame de ordem.

Enfim, a justiça!

Agenda 02/04/2008 às 00:00

Exame de Ordem 01/2005 da Ordem dos Advogados do Brasil. Entre vários outros abusos cometidos na correção das provas, a banca examinadora e corretora deixa de atribuir grau a questão que fora respondida com integral acerto pela examinanda. Interposto o regulamentar recurso administrativo, este foi indeferido porque, em síntese, não cabia pedido de revisão de nota. Revisão de nota??

Bem, se falha a via administrativa, segue-se para a via judicial, investida dos poderes necessários para corrigir tais disparates. Surpreende o juízo singular quando afirma não haver prejuízo à parte autora, devendo ser aguardada a decisão final do mandado de segurança impetrado [01]. Estranho que um juiz afirme "não haver prejuízo" a um indivíduo que está injustamente impedido de exercitar o ofício que é seu modo de sustento, sua maneira de sobrevivência.

Ao final, esse mesmo juiz denega a segurança pretendida [02]. Essa desastrosa decisão é levada ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que após analisar criteriosamente o caso, decidiu pela reforma da decisão por entender ser, sim, papel do juiz interferir quando uma ilegalidade é verificada [03] em concurso público, seja ele de que natureza for. É papel do juiz dizer o direito quando este está posto a prova. Porque, em suma, se o juiz não puder fazer, ninguém mais poderá.

Nesse Processo, em que a absurda decisão singular foi reformada pelo órgão colegiado, a parte vencida, inconformada, propõe Recurso Especial. Os requisitos para a interposição do recurso estão claramente dispostos no Código de Processo Civil e na Constituição Federal. A despeito disso, ignorando completamente os textos legislativos, inicia sua explanação justificando a interposição do recurso no fato de que o acórdão recorrido dava "interpretação divergente a lei federal, ao conceder a anulação de questões de prova em Exame de Ordem, fundada em ilegalidade inexistente". Seguindo o (ir)raciocínio, aduziu estar ferida a autonomia da banca examinadora do concurso.

Já nesse intróito, cabem alguns questionamentos. O primeiro deles é: onde está a questão anulada, se não houve questão corrigida? Esclareça-se, novamente, que a decisão não foi pela anulação da questão. Foi, isso sim, pela atribuição do grau condizente à resposta apresentada, já que a banca examinadora, mesmo depois de requerida a tanto, se negou a atribuir o grau devido! Não obstante, onde está a "interpretação divergente" desse ato??

Prosseguindo seu (des)arrazoado, a OAB/RS pede, em negrito (talvez para tornar patente o disparatado pedido): "requer sejam estas razões recebidas no duplo efeito". Permissa maxima venia!! Duplo efeito em Recurso Especial?? E o que fazermos, então, com texto do § 2º do art. 542 do CPC que ensina, claramente, que "os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo"?

Em suas razões, propriamente ditas, contra acórdão que, por reconhecer a falha da falta de correção (arbitrariedade da administração, portanto), determinou a atribuição de grau à questão que não fora corrigida, a entidade recorrente inicia dizendo ter havido negativa de vigência à lei federal, porquanto estava a matéria abordada na questão incluída no rol apresentado no edital do certame. Implicitamente, suscitou a realização de perícia técnica para avaliar a possibilidade de modificação da nota [04].

Não referiu, em momento algum, onde a interferência nos critérios de correção. Deixou de referir, também, que nota deveria ou não ser alterada (talvez porque não houve qualquer nota atribuída). Por oportuno, gize-se que, independente de seu cabimento ou não, perícia é prova técnica, não merecendo análise nesse momento contencioso, porque em muito já superada a fase de instrução processual e, não obstante, por não ter sido tratada no acórdão vergastado.

Deve-se ter em conta, ainda, o fato de que foram juntadas aos autos desse processo, ora em comento, razões de feito diverso, ou então, razões genéricas para o assunto "Exame de Ordem". Isso porque, não obstante não ser a ação monitória tema vertido em qualquer fase dos autos, o relatório não foi elaborado por uma "Douta Relatora", como lá está referido: todos os componentes da turma julgadora eram do sexo masculino! Dois desembargadores e um juiz convocado para o TRF-4!

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Recurso manifestamente procrastinatório, portanto. Tão pervertido e perverso quanto toda a atuação da OAB/RS até então. Elaborado sem que se soubesse a quem referir e, tampouco, sobre qual assunto tratar. Verdadeiro achincalhe às normas que rezam pelos deveres de partes e procuradores em sua atuação processual [05]. A esse motejo foi negado seguimento pelo TRF-4, por óbice encontrado na Súmula nº 83 do STJ [06]. Ainda insatisfeita, interpôs a OAB gaúcha agravo de instrumento, que foi conhecido e provido pelo Ministro relator da 1ª Turma do STJ "para melhor exame da matéria".

Desse melhor exame é que sobreveio a decisão hoje comemorada, negando seguimento ao recurso interposto. Assim decidiu o relator, Ministro Francisco Falcão [07]:

[...] Relatados. Decido. Primeiramente, quanto a alegada violação ao artigo 8º, § 1º da Lei nº 8.906/94 verifico que o recorrente não apontou de que forma teria havido o malferimento, afirmando simplesmente e, genericamente, que o Tribunal a quo teria ofendido o referido dispositivo legal. Tal procedimento não cumpre o que dispõe o artigo 541 do CPC. Incide na hipótese a súmula 284/STF.

Quanto à análise do recurso com fulcro na alínea "c", do art. 105, III, da CF, resta prejudicada, uma vez que não houve a demonstração analítica do dissídio, nos moldes do disposto no art. 255 do RISTJ e 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, porquanto a questão acerca do judiciário não poder substituir-se à banca examinadora do concurso público não foi objeto de debate no acórdão recorrido, que se limitou a afirmar, adotando trecho do Parecer do Ministério Público Federal, que "...não se cogita, na espécie, de intromissão judicial nos critérios de correção, mas sim de atuação do Judiciário para determinar a obrigatória correção de questão que foi completamente ignorada pela Comissão examinadora, não adentrando, portanto, no mérito do ato administrativo, mas sim, na sua legalidade.". Nesse panorama, não restou caracterizada a alegada divergência jurisprudencial, uma vez que a matéria em foco não foi debatida no voto condutor do acórdão recorrido. Em razão do exposto, com base no artigo 557 do CPC, c/c o art. 34, XVIII, do RISTJ, NEGO SEGUIMENTO ao presente Recurso Especial.(grifos nossos)

Enfim, fim! Fim do descrédito, espera-se. Fim ao longo período de olhares tortos, de conselhos que incentivaram sempre a desistência, a mudança de objetivos. Fim da agonia e da incerteza da justa vitória. Um longo e dolorido tratamento para depressão. A extração de uma pedra [08] atravessada na garganta que quase custou uma vida. Diversos outros problemas de saúde. Quem terá coragem de dizer que não são resultado da somatização do desespero imposto pela situação vivida? A ciência já comprovou que isso é fato: nosso corpo fala, exterioriza tudo aquilo que nossas palavras não conseguem expressar. Isso sem falar no abismo financeiro de quem sempre honrou seus compromissos. Quem paga por tudo isso?? Que preço paga tudo isso??

Contar com o apoio dos colegas que auxiliaram na elaboração e assinaram as petições foi fundamental. Com os amigos sempre presentes, imprescindível. Com a sensatez e o comprometimento profissional da procuradora federal que lavrou o parecer ministerial no segundo grau, e do desembargador federal que proferiu o voto-vista, que trouxeram à luz as patentes ilegalidades noticiadas desde a peça vestibular da ação mandamental. Com o bom senso do Ministro do STJ que, após ter dado provimento ao agravo de instrumento (por cautela), reconheceu a manifesta improcedência das razões recursais apresentadas pela OAB e negou seguimento ao recurso. A comprovação da seriedade de suas atuações comprovam também a existência de justiça em um país cada vez mais sufocado por tantos escândalos sociais e políticos.

A esse ponto, vale trazer o disposto no artigo 31 do Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906/94:

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.(grifo nosso)

Por acreditar que esse texto não é letra morta de lei, é que trazidos à luz os fatos noticiados neste e nos artigos anteriores [09]. Por acreditar nisso, e por não ter o processo tramitado em segredo de justiça, é que citados, sem medo de censuras, tantos e tão importantes detalhes desse feito. O processo é público, não havendo, portanto, qualquer justificativa para assim não proceder. Tanto os fatos, como os nomes dos profissionais que atuaram na demanda, serão conhecidos por todos aqueles que acessarem os autos. Por acreditar que há, sim, muita verdade no dispositivo mencionado, que ele não é uma utopia, tampouco uma falácia, é que traz-se à baila, novamente, esse grave episódio: para que fatos como esse não se repitam, porque denigrem toda a classe advocatícia, ocasionando a desonra de uma instituição que tem tamanha responsabilidade social, como a Ordem dos Advogados do Brasil.

Às demais autoridades que atuaram no feito, em especial o procurador que proferiu o parecer ministerial em 1º grau, opinando pela denegação da segurança, e ao juiz que prolatou a sentença, fica o sincero desejo de que lamentável deslize como esse não ocorra novamente em suas carreiras. Que elas sejam tão profícuas e vitoriosas quanto a que, finalmente, se inicia de forma plena.

Ficou a certeza de que temos, sim, um Poder Judiciário forte e atuante, que não se corrompe e nem se intimida diante das pressões de grandes instituições. Ficou a certeza de que, conforme preconiza o art. 133 da Constituição Federal [10], "o advogado é indispensável à administração da justiça", e não deve esmorecer diante dos desafios, sempre que convicto da veracidade – e legalidade – de suas alegações. Valeu a pena. A luta, afinal, não foi em vão. Demorou, mas, enfim, a verdade foi reconhecida e trazida à tona. E fez-se Justiça.


Notas

01 Despacho proferido na fl. 105 dos autos do processo nº 2005.71.00.030097-6, da 2ª Vara Federal de Porto Alegre/ RS: "Não vislumbro, no caso, risco de perecimento de direito caso seja ouvida a autoridade impetrada antes da apreciação do pedido de liminar. [...] Isso posto, determino a notificação da autoridade impetrada para prestar informações sobre o caso, bem como para manifestar-se sobre o pedido de liminar, tudo em dez dias."

02 Sentença em duas laudas (em razão da formatação do texto), sem maiores especificações em um processo que contou com farta produção de prova documental: "[...] Tudo bem visto e examinado, passo a decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO. O controle dos atos da Administração Pública, reservado pela Constituição Federal ao Poder Judiciário, cinge-se ao exame da legalidade, não podendo invadir o campo discricionário da atividade administrativa. No tema específico do controle judicial de provas e concursos públicos e exames de proficiência, como é o caso do Exame de ordem, assentou o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, estes dois entendimentos, aplicáveis ao caso: [...] Não houve, portanto, ofensa ao princípio da legalidade. 3. DISPOSITIVO. Ante o exposto, denego o mandado de segurança. [...]"

03 Apelação em Mandado de Segurança nº 2007.71.00.030097-6. Relator Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior. Julgamento iniciado na sessão de 06/06/2006, quando pediu vista o Des. Luiz Carlos de Castro Lugon. Após apresentação e discussão do voto-vista, em 27/06/2006, o relator e o juiz convocado retificaram seus votos e foi dado parcial provimento ao recurso.

04 Referiu, em suas razões, que: "O acórdão recorrido age em substituição à Banca, adentrando no mérito administrativo (critérios de correção) do ato. Não há flagrante equívoco na questão atacada e, ademais, por se tratar de área de conhecimento dos julgadores (DIREITO), ao fazer a análise da questão, o Tribunal, não fazendo uso de perícia (até porque esta não tem lugar em sede de mandado de segurança), diretamente age em substituição à Banca Examinadora. Porém, não cabe ao Poder Judiciário alterar ou anular resposta atribuída a questão de concurso sempre que a questão estiver de acordo com o ramo de conhecimento avaliado. Em tais casos, para possibilitar a discussão, imperiosa se faz a realização de perícia técnica. A divergência doutrinária ou jurisprudencial sobre determinado assunto não autoriza a interferência através do controle judicial. [...]".

05 Do Código de processo Civil: "Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I. expor os fatos em juízo conforme a verdade;/ II. Proceder com lealdade e boa-fé;/ III. Não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;/ não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; [...]; Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I. deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; [...] V. proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI. Provocar incidentes manifestamente infundados; VII. Interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Do Estatuto da Advocacia: "Capítulo IX – Das infrações e sanções disciplinares, Art. 34: Constitui infração disciplinar: [...] IX. Prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio; XXIV. Incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional";

06 É trecho do voto do Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, que inadmitiu o Recurso Especial: "[...] DECIDO. O recurso encontra óbice de admissibilidade na Súmula 83 do STJ, na medida em que resta pacífico o entendimento no sentido de que não invade o mérito administrativo, restrito à banca examinadora, decisão que anula questão em face de inobservância das normas editalícias. [...] Ante o exposto, não admito o recurso especial. Intimem-se."

07 Recurso Especial nº 1002079/RS, decisão que negou seguimento ao recurso proferida em 19/02/2008, publicada em 25/02/2008 e transitada em julgado em 11/03/2008.

08 Cálculo, tal qual um cálculo renal, de aproximadamente 1,5 cm, surgido repentinamente e extraído em 26/04/2006, em delicado e emergencial procedimento cirúrgico.

09 "Reprovação no exame de ordem: de quem é a falha?", publicado no site Espaço Vital de 24/10/2005 – disponível em http://www.espacovital.com.br/novo/noticia_imprimir.php?idnoticia=1778; "Reprovação no exame de ordem: o papel fundamental do judiciário na coibição das arbitrariedades", publicado na Revista Justilex – edição nº 54, de junho de 2006; "Exame de ordem, admissibilidade de recursos excepcionais e a incidência (ou não) de súmula às decisões", publicado no site Jus Navigandi de 08/12/2007 – disponível em http://jus.com.br/artigos/10736.

10 Art. 133. "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

Sobre a autora
Fabiana Bica Machado

Advogada em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Fabiana Bica. Reprovação no exame de ordem.: Enfim, a justiça!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1736, 2 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11109. Acesso em: 5 nov. 2024.

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