Estatui o art. 268 do Código de Processo Penal que "em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31" (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão).
O assistente, quando admitido, coadjuvará a atuação do Ministério Público auxiliando-o na condução do processo sempre com o escopo de alcançar a plena aplicação da norma penal. Tem ela, no entanto, fundamento principal no interesse que possui o ofendido de ver reparado civilmente o dano resultante do ato imputado ao agente.
Poderá o ofendido pleitear a sua admissão como assistente após o recebimento da denúncia e até o trânsito em julgado da sentença (CPP: art. 269), não cabendo falar em assistência durante o inquérito policial e na fase de execução da pena. Desnecessário dizer que a assistência não será admitida na ação privada, onde o sujeito passivo do delito é a parte principal e não possuiria interesse e motivação aceitável para requerer a sua inclusão em processo do qual já participa. De igual modo não se cogita a possibilidade dessa intervenção em processo que se destine a apurar infração capitulada como contravenção penal, onde o bem jurídico que a lei visa a proteger é a paz social e não um direito subjetivo específico, mostrando-se até mesmo rara a existência de um ofendido.
Certo, entretanto, que o assistente receberá o processo no estado em que ele se encontrar, sendo-lhe permitido propor (e não requerer) meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio (CPP: art. 271).
Abordando especificamente o tema ora cuidado e referindo-se ao rol de atribuições cometido ao assistente, E. MAGALHÃES NORONHA (in, "Curso de Direito Processual Penal" - São Paulo: Saraiva, 1994 - 24ª ed. - pág. 146), com a sabedoria que lhe é peculiar, explicita de modo claro e induvidoso, que o assistente "intervindo na ação pode praticar os atos mencionados no art. 271. Sua intervenção é de assistência, auxílio ou reforço ao Ministério Público, mas a verdade é que ele goza de faculdades bem amplas. Nos termos desse dispositivo, pode propor meios de prova - arrolar testemunhas, reperguntar as de acusação e defesa, oferecer documentos, formular quesitos nos exames periciais etc.; arrazoar afinal, depois da promotoria; aditar o libelo, articulando agravantes e pedindo pena maior; participar dos debates orais, falando depois do Promotor, e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele mesmo ...".
Formulado o pedido de assistência, e possuindo esta natureza auxiliar do Ministério Público, será este previamente ouvido sobre o pedido (CPP: art. 272), podendo impugná-lo se ilegítima for a parte, ou, ainda, quando vierem a ser constatadas irregularidades ou omissões na documentação que instruir o pedido.
Contra o despacho que admitir ou não o pedido de assistência não caberá recurso, conforme dispõe o art. 273 do CPP. Vê-se na doutrina e na jurisprudência, no entanto, orientação no sentido de caber mandado de segurança contra a decisão que nega o ingresso do assistente. Tal seria admissível, com bem asseverado por VICENTE GRECO FILHO (in, "Manual de Processo Penal" - São Paulo: Saraiva, 1993 - p. 224), face ao fato de possuir o requerente o direito líquido e certo de participar do processo nos casos legais, representando afronta a esse direito o indeferimento. Decisões no mesmo sentido em RT 150/524 e 577/386.
Admitido o assistente, será ele intimado de todos os atos do processo, por intermédio de seu procurador. Na hipótese de não comparecer, sem motivo de força maior devidamente comprovado, o processo prosseguirá, a partir de então independentemente de nova intimação (CPP: art. 271, § 2º).
Estas são, portanto, as normas contidas na Lei Adjetiva
Penal acerca da assistência.
A ASSISTÊNCIA NO PROCESSO PENAL
Realizada uma avaliação preliminar do instituto da assistência no Processo Penal, observa-se constituir em faculdade posta à disposição, privativamente, do ofendido pelo ato delituoso. É possibilidade que a Lei Adjetiva Penal oferece à vítima, permitindo que se posicione ao lado do Ministério Público, auxiliando-o ou suplementando a sua atividade na condução da demanda que também é de seu interesse.
Avaliando tais características do instituto, de se indagar se cabível admitir-se a prestação desse auxílio processual ao representante do Ministério Público quando se tenha, na condição de lesado, entes de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações públicas).
Abordando o tema em questão, TEREZA N. R. DÓRIO (in, "Manual Prático de Processo Penal" - Campinas-SP: Copola Livros, 1994 - pág. 234), transcreve julgado ementado nos seguintes termos: "Assistente de acusação - Intervenção como tal do Poder Público - Admissibilidade - Hipótese de crime contra a Administração Pública em que o Estado, além de sujeito passivo constante, é também sujeito passivo eventual ou material, ferindo seus interesses diretos - Aplicação do artigo 268 do CPP - Voto vencido (TJPR) - RT 649/298."
VICENTE GRECO FILHO (in, "Manual de Processo Penal" - São Paulo: Saraiva, 1993 - p. 224) referindo-se ao mesmo assunto informa haver "... divergência quanto aos crimes contra a administração pública. Poderia a Fazenda, em crime, por exemplo, de peculato, ingressar como assistente? Entendemos que sim, porque o interesse patrimonial e a qualidade de ofendido da Fazenda não se confundem com a função institucional do Ministério Público de titular da ação penal. O Ministério Público não representa a Administração, logo não se esgota nele o interesse de intervir para preservar a reparação civil e colaborar na aplicação da lei penal."
Em sentido diverso, consigna ainda o autor anteriormente citado que "há decisões de tribunais, porém, impedindo a intervenção da Fazenda como assistente porque o Ministério Público absorveria todos os interesses públicos envolvidos na ação penal".
Esse, aliás, o posicionamento externado por JULIO FABBRINI MIRABETE (in, "Processo Penal" - São Paulo: Atlas, 1993 - 2ª ed. - pág. 332) ao afirmar que "O Poder Público não pode intervir como assistente uma vez que o Ministério Público, parte acusadora, atua sempre em seu nome, sendo a ingerência da Administração uma superafetação prejudicial à defesa". Essa tese vem sustentada em arestos diversos apontados pelo autor, veiculados em RT .
Entendo, com as vênias devidas, que a orientação traçada por JULIO F. MIRABETE não constitui o melhor posicionamento acerca da questão versada, até porque impedir os entes de Direito Público de atuarem na defesa de seus interesses na condição de assistentes significaria, de logo, afrontar o princípio constitucional da isonomia.
Necessário considerar, outrossim, que tais argumentos se mostrariam até certo ponto acolhíveis no sistema vigente em momento anterior à Constituição Federal de 1988, quando reunia e acumulava o Ministério Público as funções institucionais que lhe são próprias - dentre elas a de promover privativamente a ação penal pública - com aquela alusiva à representação judicial de determinados entes de Direito Público.
Nesse contexto, estando reunidas no órgão ministerial as funções básicas de titular da ação penal pública e de representante judicial do ente estatal, tornar-se-ia até mesmo desnecessária a pretensão de assistência, já que, em tese, haveria ela de ser exercitada pelo mesmo órgão.
Uma avaliação atual dessa questão, exige, necessariamente, que se considere o fato de estarem deslocadas da esfera de competência do Ministério Público as atribuições alusivas à representação judicial dos entes de Direito Público que, com a promulgação da Carta Federal de 1988, se viu transferida, no âmbito federal, para a esfera da Advocacia-Geral da União (art. 133).
Esse órgão passou a ter, portanto, por intermédio de quadro próprio, de forma independente e dissociada da atuação do Ministério Público, a função institucional de representante judicial da União, diretamente ou através de órgão vinculado.
Ao Ministério Público, como órgão independente e instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, reserva-se o exercício de atribuições que lhe são próprias (CF: art. 129), não mais fazendo parte desse rol de atividades aquela alusiva à representação judicial de tais entes.
Não cabem, assim, no contexto legal atualmente vigorante, posicionamentos que defendam a impossibilidade jurídica do exercício da assistência no processo penal por entes de Direito Público.
A atuação do ente estatal ao lado do Ministério Público, especialmente em casos mais complexos geradores de danos de grande monta ao Erário, mostra-se extremamente oportuna e indispensável, até por que enseja de forma extremamente positiva a colaboração com a Justiça Pública, fundamento este de evidente e inafastável interesse público.
A despeito da respeitabilidade de que desfrutam as opiniões
e decisões em contrário, não se pode, maxima
data venia, concordar com orientações que, ante
a normativa atualmente em vigor, entendam de negar o acesso, na
condição de assistente, a entes de Direito Público.
AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO
As autarquias, tidas como o "... serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizados" (Decreto-lei nº 200/67: art. 5º, I), são também entes de direito público.
As fundações de direito público, ou simplesmente fundações públicas, embora definidas no Decreto-lei nº 200/67 (art. 5º, IV), como entes de direito privado, sem fins lucrativos, possuem evidente e induvidosa natureza pública, situação essa, inclusive, já admitida e declarada reiteradamente pela doutrina especializada e confirmada por remansosa jurisprudência da Excelsa Corte que, em decisões envolvendo tais entidades, já proclamou a orientação no sentido de que são elas "espécie do gênero autarquia" (CJ 305-Medida Liminar-DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO, DJU 09.06.89; Recl. 275-6-DF; Rel. Min. SIDNEY SANCHES, DJU 07.04.89; Recl. 294-2-DF, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTI, DJU 31.03.89).
Observe-se que, pondo por terra toda e qualquer discussão a respeito da natureza pública de tais fundações, no plano federal a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1.993, que institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências, ao fixar as atribuições das Procuradorias de autarquias e fundações de Direito Público, colocando tais entes lado-a-lado, deliberadamente informa que ambas possuem idêntica natureza.
E se possuem idêntica natureza, estando enquadradas como entes de direito público, não resta dúvida quanto a estar ultrapassada a definição contida no art. 5º, IV, do Decreto-lei nº 200/67.
Cumpre ver-se que, em conformidade com o estatuído no § 3º, do art. 2º, da Lei Complementar nº 73/93, "as Procuradorias e Departamentos Jurídicos das autarquias e fundações públicas são órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União", e, nessa condição, conforme o contido no art. 17 do mesmo diploma legal, compete-lhes, dentre outras, representar tais entidades, judicial e extrajudicialmente, bem como executar as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos.
Forçoso reconhecer-se, então, que em relação a tais entidades, igualmente enquadráveis como entes de Direito Público, há de se admitir a possibilidade de virem a figurar, em procedimentos criminais que sejam de seu interesse, na condição de assistentes nos moldes delineados no art. 268 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, aliás, oportunas considerações foram formuladas pelo eminente Juiz Federal da 12ª Vara do Distrito Federal, SÍDNEY M. MONTEIRO PERES, em face de pedido formulado no interesse da fundação pública federal, CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO-CNPq (Proc. nº 96.603-2). No despacho em comento, asseverou o ilustre magistrado que:
"...............................................
3. Entendo que a assistência requerida pelo CNPq, que é
uma fundação pública, objetiva coadjuvar
a atuação do Ministério Público Federal,
apenas para auxiliá-lo sobre fatos que possam lhe ser desconhecidos,
sobre o caso deste processo.
Não é o fato de se tratar de uma fundação pública que a assistência deve ser negada. Parece-me que a pessoa jurídica de direito público, como é a natureza jurídica do CNPq, tem interesse não coincidente com o do Estado - jus puniendi -, nada impedindo que seja admitido como assistente.
4. Por outro lado, o pretendente à assistência é sujeito passivo do crime que está sendo apurado na ação penal.
5. Sobre a hipótese, a jurisprudência nos dá as orientações, como inter plures, o aresto:
EMENTA
"Tratando-se de ação penal pública promovida pelo Ministério Público do Estado, sendo lesada a Prefeitura Municipal de São Paulo, é admissível o ingresso desta como assistente. É que o interesse do bem público geral do órgão ministerial não coincide com o interesse secundário da ofendida municipalidade."
(JSTJ 20/224 e RT 667/334).
6. No mesmo sentido: STJ: JSTJ 39/312; RT 688/295; RJTJESP 137/567. Crime de peculato. Caixa Econômica Federal - STF: Admissibilidade de assistência: RTJ 78/923.
7. Isto posto, defiro o pedido de fls. 1239, e admito o CNPq como assistente do Ministério Público Federal nesta ação penal, com apoio no art. 268 do CPP.
..............................................."
(despacho prolatado em 12.abril.96)
Irretocáveis, como visto, os argumentos tecidos pelo ilustre
magistrado, elogiavelmente atento à tendência vigente
no seio da melhor doutrina.
Ante tais considerações, cumpre externar-se a conclusão no sentido de ser perfeitamente possível admitir-se, na condição de assistente no processo penal, as diversas pessoas de Direito Público, alcançando não somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, mas ainda as fundações públicas e as autarquias.
Recomendável, aliás, que sempre que ocorram casos de maior complexidade, dependentes de detalhada apuração de questões fáticas complicadas, que tais entes públicos adotem como regra a de requerer a sua inclusão na relação processual, coadjuvando, a partir do momento em que forem admitidas no processo, a atuação do Parquet.
Estas, em suma, as conclusões que ora se pode externar em relação ao tema proposto.