Da inadimplência dos empregadores
Outro relevante agente do déficit previdenciário reside na figura dos próprios empregadores. A dívida ativa do RGPS, de acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ultrapassa R$ 712 bilhões. Desse montante, o passivo dos 500 maiores devedores representa R$ 153 bilhões – fatia significativa do débito total (MING, 2024).
O cenário se torna ainda mais crítico ao tomarmos conhecimento de que a maioria dos créditos é irrecuperável, isto é, são dívidas de massas falidas ou de pequenas e médias empresas que já não mais exercem suas atividades econômicas.
Pela análise de Celso Ming, comentarista de Economia, “entre os dez maiores devedores estão quatro empresas falidas, três em recuperação judicial, uma que saiu recentemente de um processo de recuperação judicial e mais uma cuja dívida foi considerada iliquidável pelo Tribunal de Contas da União”.
Destaca-se também outro passivo previdenciário de recuperação improvável: as reservas dos antigos Institutos de Aposentadoria e Pensão – perdidas no tempo e destinadas ao custeio de projetos sociais análogos à Previdência Social.
Das políticas de reajustes do salário mínimo
Por outro sentir, a vinculação do salário mínimo aos benefícios do INSS, juntamente com uma política (justa) de valorização, afeta sobremaneira as despesas públicas, não pelo ajustamento em si, mas pelo fato de ser ele o indexador.
A partir desse cenário surge inevitavelmente o contraponto entre sustentabilidade da Previdência Social e a missão constitucional do salário mínimo em cobrir todas as necessidades do trabalhador e de sua família, sendo reajustado periodicamente para garantir seu poder aquisitivo.
Na leitura de Fábio Giambiagi, economista brasileiro especialista em finanças públicas e previdência social, o aumento do salário mínimo associado ao crescimento do PIB provocará uma alta nas despesas públicas de, aproximadamente, R$ 638 bilhões na próxima década – o que representa em torno de 56% da economia desencadeada pela Reforma da Previdência de 2019 (Emenda Constitucional nº 103).
Conclusão
A análise histórica do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) revela uma trajetória marcada por desafios estruturais que culminaram no acentuado déficit experimentado.
Desde a sua origem com a Lei Eloy Chaves, em 1923, até a sua configuração atual, o RGPS tem enfrentado uma série de problemas relacionados à má gestão dos recursos, principalmente no tocante à capitalização, bem como a interpretação equivocada das normas constitucionais de custeio e a falta de uma abordagem atuarial consistente que assegure a sustentabilidade do sistema.
Além disso, a desvinculação de receitas e o uso indevido das contribuições sociais, especialmente após a implementação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), fragilizaram ainda mais o sistema previdenciário, tornando-o vulnerável a crises fiscais. Essa percepção levou a uma perda de controle social sobre os recursos, comprometendo a capitalização e a eficiência da gestão previdenciária ao longo dos anos.
A falta de equilíbrio financeiro e atuarial, juntamente com a inadimplência de parcela significativa dos empregadores, capitalização originária deficiente e a utilização dos recursos previdenciários para finalidades distintas ao longo dos anos, resultaram em um acúmulo da dívida pública da Previdência Social, que passou a ser diretamente dependente do Tesouro Nacional, afetando sobremaneira a capacidade do RGPS em cumprir suas obrigações perante os segurados. A incapacidade de prever e se adaptar a mudanças demográficas e econômicas, especialmente em um contexto de envelhecimento populacional, exacerbou a situação, tornando cada vez mais difícil o equilíbrio entre receitas e despesas.
Por outro lado, a vinculação dos benefícios do INSS ao salário mínimo, com políticas de reajustes que buscam garantir o poder aquisitivo do trabalhador (missão constitucional), coloca em xeque a sustentabilidade financeira da Previdência Social. A necessidade de se atender às demandas sociais de forma justa, ao mesmo tempo em que se busca a estabilidade fiscal, apresenta um dilema que requer um planejamento estratégico muito bem ajustado.
Portanto, a solução para a Previdência Social é muito mais complexa do que aparenta, sendo necessário transitar em diversas áreas: reformas estruturais, reavaliação das fontes de custeio, transparência na gestão dos recursos, responsabilidade fiscal, a participação ativa da sociedade na fiscalização e no direcionamento das políticas previdenciárias, entre outros mecanismos. Somente assim será possível construir um sistema previdenciário que garanta direitos e que seja financeiramente viável para as futuras gerações, não sendo admissível que os erros do passado se repitam.
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