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Terceiro setor e arquitetura jurídica das entidades religiosas:

organização religiosa e/ou associação

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Agenda 16/10/2024 às 11:04

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ANEXO – ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA OU ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA: ARGUMENTAÇÃO EM FACE DE DECISÃO RESTRITIVA DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Assunto: Argumentação / Fundamentação inicial (esboço, que necessita de aprofundamento) de parecer/estudo técnico-legal, que tem como foco "combater" a argumentação da sentença/decisão em recurso da Corregedoria Geral da Justiça / TJSP (processo nº 2013/00147741 – processo origem nº 15547-23/13 ou 0015547-23.2013.8.0100) sobre o seguinte assunto:

I – DECISÕES / SENTENÇAS COMBATIDAS

SENTENÇA PROCESSO DE ORIGEM de 22 de julho de 2013 (15547-23/13 ou 0015547-23.2013.8.01) em anexo.

EMENTA: Registro civil de pessoas jurídicas – pedido de providências – averbação de reforma de estatuto – pessoa jurídica de vocação religiosa que não se dedica somente ao culto, mas também a atividades educacionais – correta classificação como sociedade, associação ou fundação religiosa (CC02, art. 44, I-III), e não como organização religiosa, que é a de finalidade unicamente espiritual – pedido indeferido.

SENTENÇA EM RECURSO (EXTRAJUDICIAL) de 21 de janeiro de 2014 (processo nº 2013/00147741 – Corregedoria Geral de Justiça do TJSP) em anexo.

EMENTA: RECURSO – AVERBAÇÃO DE ATA DE ASSEMBLÉIA – ASSOCIAÇÃO – ALTERAÇÃO PARA ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA – NÃO DEDICAÇÃO EXCLUSIVA AO CULTO E À LITURGIA – AUSÊNCIA DO ORIGINAL TÍTULO – RECURSO NÃO CONHECIDO.

DETALHAMENTO: RECURSO ADMINISTRATIVO – REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS OBJETIVANDO AVERBAÇÃO, JUNTO AO 1º OFICIAL DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA CAPITAL, ATA DE ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA – REFORMA DE ESTATUTO – QUALIFICAÇÃO COMO ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA E NÃO MAIS COMO ASSOCIAÇÃO CIVIL – A INTERESSADA, PORÉM, DEDICA-SE, TAMBÉM, A ATIVIDADES EDUCACIONAIS – RECUSA MANTIDA – PEDIDO INDEFERIDO – PROCESSO 0015547.

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II – FUNDAMENTOS / ARGUMETAÇÃO

1) Confusão na argumentação da sentença/decisão em recurso a ser combatida, que ao misturar e confundir a personalidade jurídica da organização com suas finalidades, interpreta equivocadamente o Acordo entre Brasil e Santa Sé (Decreto nº 7.107/10), ao não considerar que as instituições eclesiásticas (art. 3º do Acordo), com natureza jurídica de organizações religiosas a partir do Código Civil (CC) de 2002 com a inclusão deste tipo de personalidade jurídica, podem ter finalidades mistas (tanto religiosas quanto de assistência e solidariedade social - educação, saúde, assistência social) e gozarem de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios concedidos às entidades com fins de natureza semelhante (educação, saúde, assistência social etc.) no ordenamento jurídico brasileiro (art. 5º do Acordo).

Também essa "mistura" induz a confusão no tocante a imunidade de impostos das pessoas jurídicas eclesiásticas decorrentes das finalidades e atividades religiosas (art. 15 caput, do Acordo) e no tocante ao mesmo tratamento e benefícios tributários outorgados às entidades filantrópica e decorrentes de suas finalidades e atividades social e educacional sem fins lucrativos (educação, saúde e assistência social) (art 15, parágrafo primeiro, do Acordo).

2) Confusão na argumentação da sentença/decisão em recurso a ser combatida, que ao misturar e confundir a personalidade jurídica da organização com suas finalidades (confundindo as normas legais / artigos do Acordo), também não considera as questões histórico-jurídicas sobre a inexistência, até a inclusão ao CC de 2002, de personalidade jurídica própria e específica para as entidades religiosas, que em vez de se constituírem sob a forma de "organização religiosa" eram obrigadas, por falta de opção, a se constituírem sob a forma de "sociedade religiosa" ou "associação religiosa", muitas delas (por exemplo as congregações religiosas) com finalidades mistas "de apostolado, de formação e ação religiosa, social e de educação".

Neste sentido, também não considera ser um avanço (antes existia uma lacuna) a inclusão no CC de 2002 da personalidade jurídica "organização religiosa", pois quer reduzir, de forma contrária à realidade social e as normas do Acordo, este tipo de personalidade jurídica a entidades exclusivamente com finalidades religiosas.

Destacamos, que a decisão em recurso da Corregedoria chega simplesmente a afirmar, sem fundamentação, que a expressão "instituições eclesiástica" não é sinônimo da expressão "organizações religiosas" e que o Acordo não define "organização religiosa".

Ora, "instituições eclesiásticas" são instituições / organizações com personalidade jurídica de direito canônico (religioso), criadas, modificadas e extintas livremente pela Igreja Católica (pela Igreja) e cuja personalidade jurídica civil deve ser reconhecida pelo Brasil por meio do registro dos atos de criação e averbação das alterações (art. 3º e parágrafos do Acordo).

Ora, o Código Civil prevê atualmente (a ele compete definir as "espécies" / "tipos" de pessoas jurídicas no âmbito civil) três "espécies" de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou econômicos (arts. 44 combinado especialmente com o 53 e 62), quais sejam: as associações, as fundações e as organizações religiosas (essas últimas para preencher uma lacuna/omissão histórica no direito civil brasileiro).

Ora, dentre as três "espécies" de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, fica evidente que a "espécie" / "tipo" "organização religiosa" é a que foi instituída no direito brasileiro para reconhecer a personalidade jurídica das "instituições eclesiásticas" (instituições religiosas), inclusive porque não existe qualquer vedação no âmbito civil para que as "organizações religiosas" desenvolvam, além de atividades estritamente religiosas, também atividades mistas de assistência e solidariedade social - educação, saúde, assistência social etc.

Ressaltamos, que interpretações reducionistas e em desconformidade com a realidade social e com a sistemática e contexto histórico-jurídico, acabariam por esvaziar por completo a "espécie" civil "organização religiosa" e fazer com que uma única "instituição eclesiástica" (instituição religiosa) para ser reconhecida pelo direito civil brasileiro, seja obrigada a cindir-se (separar suas atividades, dividindo-se em duas ou mais pessoas jurídicas) ou a adotar uma "espécie" de personalidade jurídica (hoje associação, antes do CC de 2002 sociedade) que não representa (não é adequada) sua essência e sua efetiva natureza jurídica (antes tinha que o fazer, pela ausência de personalidade jurídica civil adequada; hoje, quando essa omissão parecia estar superada, por força de interpretações reducionistas equivocadas).

3) Não consideração na argumentação da sentença/decisão em recurso de histórica Jurisprudência do STF que, na apreciação de questões tributárias: inter-relaciona “templos de qualquer culto” e “instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos”, no tocante a imunidade de impostos; reconhecem a natureza mista (religiosa e assistencial/social/filantrópica) das organizações religiosas; ampliam o conceito de “templos de qualquer culto” e o de “finalidades essenciais”.

Como exemplo e referência do argumentado, indicamos as seguintes decisões do STF: RE nºs 221.395-8 ("Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados") e 578.562-9-8 ("Sociedade da Igreja de São Jorge e Cemitério Britânico").

4) Explicitação de que a argumentação acima diz respeito tanto a Igreja Católica quanto às outras tradições religiosas, como também que as normas do Acordo são vetores de interpretação e, desta forma, também aplicáveis as demais tradições religiosas, inclusive porque o texto do acordo lança ao cenário jurídico internacional uma norma que o poder civil brasileiro havia estabelecido na sua Constituição Federal e com abrangência a todas as religiões (liberdade de crença e de exercício de cultos religiosos - art. 5º, VI; vedação de embaraçar o funcionamento de cultos religiosos ou Igrejas - art. 19; imunidade tributária de impostos a "templos de qualquer culto" e imunidade tributária de impostos a instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos - art. 150, VI, "b" e "c"; imunidade de contribuições sociais as entidades beneficentes de assistência social - art. 195, parágrafo 7º).

São Paulo - SP, 17 de agosto de 2016

Rodrigo Mendes Pereira

Data da redação e encaminhamento

por e-mail à colegas da área jurídica.


  1. Alguns elementos deste item foram extraídos de artigo de nossa autoria denominado “Organizações e/ou Associações Religiosas e Beneficentes: arquitetura e aspectos jurídicos”, publicado em 2018 e que está detalhado nas referências bibliográficas

  2. “Art. 46. O registro declarará: I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.”

  3. “Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá: I - a denominação, os fins e a sede da associação; II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III - os direitos e deveres dos associados; IV - as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas”.

  4. Entenda-se “sociedade” como uma modalidade de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos. Em função das disposições do Código Civil de 2002, não existe mais a natureza jurídica de “sociedade sem fins lucrativos” – essa natureza era adotada por muitos Institutos Religiosos (Congregações / Institutos de Vida Consagrada / Sociedades de Vida Apostólica) -, o que fez com que a grande maioria desses Institutos modificassem seus Estatutos Sociais e adotassem a natureza de associações civis. Esclarecemos, que atualmente as pessoas jurídicas de direitos privado sem fins lucrativos devem adotar uma das seguintes naturezas jurídicas: associações civis, fundações privadas ou organizações religiosas

  5. Explicitamos algumas disposições do Acordo entre Brasil e Santa Sé que fundamentam nossa argumentação.

    Artigo 3º. A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. § 1º. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo. § 2º. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato.”

    Artigo 5º. As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do Artigo 3º, que, além de fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade social, desenvolverão a própria atividade e gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira.”

    Artigo 15. Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição brasileira. § 1º. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica que exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção.”

    Artigo 16. Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas instituições: I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica. II - As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira.”

  6. Neste aspecto, esclarecemos que o “Acordo Brasil e Santa Sé” designa as atividades no campo social realizadas pelas instituições eclesiásticas, por meio das seguintes expressões: “fins de assistência e solidariedade social” e “atividade social e educacional sem finalidade lucrativa”.

Sobre o autor
Rodrigo Mendes Pereira

Consultor e advogado graduado em direito pela USP, doutor em serviço social pela PUC-SP, mestre em ciências da religião com ênfase em terceiro setor pela PUC-SP, especialista no MBA Gestão e Empreendedorismo Social pela FIA/USP, com diversos cursos de extensões em terceiro setor, projetos sociais e políticas sociais pela EAESP/FGV, pelo CEDEPE/PUC-SP e por outras instituições.

Informações sobre o texto

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