O debate sobre a jornada de trabalho 6x1 — seis dias de trabalho para um dia de descanso — revela um dilema central da sociedade contemporânea: como equilibrar a produtividade econômica com a dignidade e o bem-estar humano. À luz dos avanços no direito comparado, do movimento mundial pela redução da jornada de trabalho e do contexto histórico que remonta à Revolução Industrial, fica evidente que a manutenção desse regime está em descompasso com os princípios dos direitos humanos e com as tendências globais de sustentabilidade laboral.
Historicamente, a jornada 6x1 tem suas raízes na Revolução Industrial, quando a lógica produtivista transformou homens, mulheres e crianças em peças de uma engrenagem voltada para o lucro. Durante o século XIX, jornadas de 12 a 16 horas diárias, seis dias por semana, eram a norma, frequentemente em condições insalubres. Apenas após intensas lutas dos movimentos operários, direitos como o descanso semanal e a redução da carga horária começaram a ser conquistados.
Esse período histórico nos ensina que o regime 6x1 é um resquício de um modelo ultrapassado, que colocava o lucro acima da vida humana. Hoje, com o avanço tecnológico e o aumento da produtividade por trabalhador, a manutenção desse regime carece de justificativa, perpetuando desigualdades e comprometendo a saúde física e mental dos trabalhadores.
Em diversos países, há um movimento crescente pela redução da jornada de trabalho como forma de melhorar a qualidade de vida e aumentar a eficiência produtiva:
Islândia: Experimentos com semanas de quatro dias demonstraram que uma redução na carga horária semanal não apenas manteve, mas frequentemente aumentou a produtividade. O estudo, amplamente divulgado, apontou melhorias significativas no bem-estar dos trabalhadores.
Suécia: Testes com jornadas diárias de 6 horas mostraram resultados positivos em setores como saúde, com aumento na qualidade do trabalho e redução do absenteísmo.
Alemanha: Com uma das menores cargas horárias semanais do mundo, a Alemanha é um exemplo de como jornadas reduzidas podem coexistir com altos índices de produtividade e crescimento econômico.
Essas experiências reforçam que a redução da jornada de trabalho, incluindo o abandono do modelo 6x1, é uma tendência global baseada em evidências práticas e benefícios coletivos.
No direito comparado, é possível observar legislações que caminham para jornadas mais curtas e descansos mais frequentes:
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União Europeia: A Diretiva sobre Tempo de Trabalho estabelece um limite máximo de 48 horas semanais e assegura 11 horas de descanso entre turnos, além de pelo menos um dia de descanso por semana, preferencialmente aos domingos.
Japão: Após décadas de jornadas extenuantes, o país implementou políticas de redução de horas e “folgas recomendadas” para combater a epidemia de mortes por excesso de trabalho (karoshi).
Estados Unidos: Embora a jornada semanal de 40 horas seja predominante, muitos estados têm flexibilizado escalas, incentivando folgas adicionais para melhorar a produtividade.
Essas medidas indicam que o Brasil está atrasado em abandonar a jornada 6x1 como padrão. Apesar de termos legislações avançadas, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ainda carregamos práticas que perpetuam o desgaste físico e psicológico dos trabalhadores.
A manutenção da jornada 6x1 também precisa ser analisada sob a ótica dos direitos humanos, que garantem a todos o direito a condições dignas de trabalho (art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos). Trabalhar seis dias seguidos com apenas um dia de descanso compromete o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, prejudicando o convívio familiar, o acesso ao lazer e, muitas vezes, a saúde.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) reforça o direito ao descanso, lazer e limitação da jornada como elementos essenciais para a dignidade humana. Nesse contexto, regimes como o 6x1 entram em conflito com esses princípios, especialmente quando aplicados sem flexibilidade ou compensações adequadas.
O Brasil, como signatário de tratados internacionais e protagonista na construção de direitos sociais, tem o dever de avançar nesse debate. Superar o regime 6x1 significa alinhar-se às melhores práticas globais e garantir que o progresso tecnológico beneficie os trabalhadores, em vez de reforçar estruturas ultrapassadas.
Além disso, pesquisas mostram que trabalhadores mais descansados são mais produtivos e menos propensos a erros e acidentes. Implementar jornadas mais curtas e semanas de trabalho mais equilibradas é uma oportunidade para melhorar a competitividade econômica e a qualidade de vida da população.
O fim da jornada 6x1 não é apenas uma demanda trabalhista; é uma questão de evolução social e justiça. A história nos ensina que os direitos trabalhistas avançam quando colocamos o ser humano no centro do debate. O Brasil deve liderar esse movimento, abolindo regimes arcaicos e adotando modelos que promovam dignidade, saúde e produtividade. Afinal, o trabalho deve servir à vida, e não o contrário.
Referências
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