IV) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se uma divergência na doutrina acerca da responsabilidade extracontratual do Estado. Não nos parece, no entanto, que a divergência seja de monta a desnaturar a unidade de entendimento em torno da idéia de que se trata de responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco.
Parte da confusão, ao que nos parece e lembrando Weida Zancaner Brunini, deve-se a que alguns autores traçam teorias diferentes para tentar explicar coisas aparentemente iguais; ou utilizam o mesmo rótulo para referir coisas diferentes.
Frisamos, entretanto, que parecem concordar que atualmente vige, como regra geral nas relações com os administrados, a responsabilidade objetiva do Estado, embora não se entendam quanto à qualificação desta mesma responsabilidade objetiva.
As decisões nos casos concretos de pedidos de indenização pela morte de presos por suicídio, no entanto, são bastante divergentes e até um tanto confusas, diríamos.
Quase todas invocam a responsabilidade objetiva do Estado. Algumas fundamentam-se na culpa in vigilando ou no dever legal de manter a incolumidade física e psíquica do preso, conforme determina a Constituição da República.
Outras misturam fundamentos de responsabilidade objetiva e de culpa administrativa, dando a impressão de que a vontade de tomar uma decisão justa (no sentido de obrigar o Estado – grande omisso na área penitenciária – a responder patrimonialmente pelo trágico evento), permite ao julgador certa "flexibilidade" na fundamentação.
Deveras, como concluímos neste trabalho, a responsabilização do Estado por suicídio de presos sob sua custódia somente poderá se efetivar com base na responsabilidade subjetiva, pois, como visto, embora a regra geral seja a responsabilidade objetiva, em casos que tais é necessário provar a omissão do Estado. Ora, omissão, quando se impõe o dever de agir, caracteriza a negligência, que é modalidade de culpa.
E aí reside o problema: responsabilidade subjetiva exige, por parte do lesado, ou seus sucessores, a prova da culpa da Administração. Mas, pensando o problema em termos práticos, como provar que a administração penitenciária foi omissa? Como provar que as atitudes do preso exigiam um acompanhamento mais próximo, talvez até por um especialista?
Se entre particulares já é bastante difícil comprovar a culpa do causador do dano, que dirá contra a administração de um sistema prisional, ou contra a autoridade policial? Daí o nosso desejo de ressaltar, nestas linhas finais, o quanto saímos engrandecidos desta pesquisa. A busca de uma fundamentação técnica para as conclusões a que chegamos foi árdua, mas penso que conseguimos criar um quadro bastante lógico e plausível acerca da responsabilidade do Estado no direito brasileiro, e a sua aplicabilidade aos casos de suicídio de presos. Entretanto, quando tentamos transplantar nossos estudos para a prática, deparamo-nos com decisões que parecem, a nosso ver, contrariar ou passar ao largo da melhor doutrina a respeito do assunto.
Fica patente, então, que fatores de ordem outra que não estritamente jurídica influenciam as decisões. A comoção da mídia, a família pobre deixada ao abandono, a degradação humana e social que se transformou nosso sistema prisional etc., todos são fatores que flexibilizam, na mente do julgador, os critérios formais e rígidos necessários para caracterizar a "falta do serviço".
V) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1994.
BRUNINI, Weida Zancaner. Da responsabilidade extracontratual da administração pública. São Paulo: RT, 1981.
CAHALI, Yussef Said (coord.). Responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
________________. Responsabilidade civil do Estado. 2ª ed. rev., ampl. e at. São Paulo: Malheiros, 1995.
CARVALHO FILHO - Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 2000. Ed. Lumen Juris, 6ª Edição.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 4ª ed. rev., ampl. e at. Rio de Janeiro: Forense, 1975.
________________. Tratado de direito administrativo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1970, 8v.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995.
JURISPRUDÊNCIA CATARINENSE. Santa Catarina: TJSC, 1996, nº 76, trimestral.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19ª ed. at. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1994.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 10ª ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 1997.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Responsabilidade civil. 9ª ed. rev. e at., volume 5. São Paulo: Saraiva, 1985, 7v.
STERMAN. Sonia. Responsabilidade do Estado. Movimentos multitudinários: saques, depredações, fatos de guerra, revoluções, atos terroristas. São Paulo: RT, 1992.
Notas
01Tratado de Direito Administrativo, v.VIII, p.276.
02 Cahali, Yussef Said; Responsabilidade Civil do Estado, p.28.
03 Mencionados por Meirelles, Hely Lopes; Direito Administrativo Brasileiro, p.559.
04Direito Administrativo, p. 414.
05Curso de Direito Administrativo, p. 190.
06Curso de Direito Administrativo, p. 639.
07 TJSP: RDA 49/198, 63/168, 211/189, 255/328, 259/148, 297/301; RT 54/336, 275/319. Mencionados pelo autor, obra citada, p.562, notas 21-22.
08Responsabilidade do Estado. Movimentos multitudinários: saques, depredações, fatos de guerra, revoluções, atos terroristas., p.91.
09 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, pág. 397.
10 Mello, Celso Antônio Bandeira de; obra citada, p.628-629.
11 RT 682/71.
12 RT 445/84.
13 Jurisprudência Catarinense 76/334.