“(...) combater crimes não é estampar armas pelo corpo afora achando que símbolos da arrogância e da tirania podem mudar o curso da história. Como bem nos ensina o poeta mineiro: não se deixe intimidar pela violência. O poder da sua mente é toda sua fortaleza. Pouco importa esse aparato bélico universal. Toda força bruta representa nada mais do que um sintoma de fraqueza1. Digo que o primeiro passo para se alcançar o espírito nobre de grandeza, é sentir-se pequeno para ser grande; sentir as mazelas circundantes que causam feridas sociais; abraçar os feridos que estão nas trincheiras do abandono; estender as mãos para levantar os combalidos, fomentar justiça social, caminhar todos juntos no mesmo sentido, fazer assepsia social, proteger os menos favorecidos, os vulneráveis, fazer prevenção primária para curar a patologia da ignorância(...)”
RESUMO. O presente ensaio jurídico tem por fim colimado apresentar breves estudos sobre a evolução histórico-normativa brasileira acerca da disciplina e enfrentamento ao crime organizado, que desafia os órgãos de persecução penal, o sistema de justiça, e tanto mal tem causado à sociedade brasileira.
Palavras-chaves. Crime; organizado; normativa; evolução; desafios.
INTRODUÇAO
O crime organizado tem crescido de forma assustadora no país, atingindo pequenas cidades, municípios com pouco mais de dois mil habitantes, conflitos bélicos, divisão de territórios, símbolos de facções criminosas estampados em muros, postes, ameaças diretas; criminosos usando fardas da polícia, coletes balísticos, portando radiotransmissores, utilizando o código fonético da polícia, subterfúgios para adentrar em comunidades dominadas por facções adversárias, tática usada para assassinar rivais, tudo isso gravado por câmeras particulares, ações que ganham dimensões transnacionais com larga expansão para outros países.
Suas ações vão desde infiltrações de agentes no setor público, até ações desafiadoras como a que ocorreu com a execução de um empresário no aeroporto de Guarulhos, morto com vários disparos de fuzis em plena movimentação do dia, cenas inacreditáveis, morte de inocente, imagens que correm no mundo, uma demonstração de ousadia, de agressões e desafios ao sistema de persecução penal. Raízes do crime organizado têm sido infiltradas com grande velocidade no sistema de justiça, na polícia, nas práticas esportivas, nos aglomerados, e sobretudo, no financiamento de políticos nas eleições.
A primeira medida de eficácia no seu enfrentamento, a meu sentir é a paridade de armas; de nada adianta as grandes organizações criminosas estarem usando fuzis e metralhadores, armas de calibres de alto poder de destruição, AK-47, munição 7,62, código de ética, regulamentos próprios, por exemplo, se as forças de segurança continuam exangues, usando armas de menores calibres, às vezes utilizando coletes vencidos, salários defasados, a tropa doente, massacrada, sem assistência psicológica, com grande índice de violência autoprovocada. Sem dúvidas, trabalhar nesse cenário desolador, sem condições mínimas humanas, sofrer opressão social, não ser reconhecido pelos governos que odeiam servidores públicos, viver sem lenços e sem documentos, tudo isso, é morrer pela Pátria e viver sem razão, como expressou Vandré.2
De nada adianta um país que não dispõe de um forte aparato legal, de leis austeras, além de tudo isso, um modelo de justiça que deve obediência a Súmulas Vinculantes protetoras, permissivas, como acontecem em especial com as Súmulas 56 e 59, que determinam regimes benevolentes e regime inicial aberto para traficantes de drogas. Nesse sentido, pretende-se abordar o cardápio legal de luta contra o crime organizado no Brasil, desde o vetusto crime de quadrilha ou bando até a organização criminosa criada pelo artigo 2º da Lei nº 12.850, de 2013, que mudou o nome do crime quadrilha ou bando para associação criminosa do artigo 288 do CP.
Nessa mesma linha de raciocínio, incursões serão realizadas nos crimes de constituição de milícia privada e associação para o tráfico de drogas, tudo isso quando se aproxima dos 84 anos do aniversário do Código penal do Brasil, que ocorrerá dia 07 de dezembro de 2024.
O CRIME ORGANIZADO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
O código criminal de 1830, definia as sociedades secretas no artigo 282; assim, a reunião de mais de dez pessoas em uma casa em certos, e determinados dias, somente se julgará criminosa, quando for para fim, de que se exija segredo dos associados, e quando neste último caso não se comunicar em forma legal ao Juiz de Paz do distrito, em que se fizer a reunião; a pena era por cinco a quinze dias ao chefe, dono, morador, ou administrador da casa; e pelo dobro, em caso de reincidência.
Já o código penal Republicando de 1890 tratava crimes e contravenções no mesmo estatuto normativo; no livro III, eram previstas as contravenções em espécie; especificamente no art. 382 era prevista a conduta das sociedades secretas. Assim, considera-se sociedade secreta a reunião, em dias certos e determinado lugar, de mais de sete pessoas que, sob juramento ou sem ele, se impuserem a obrigação de ocultar à autoridade pública o objeto da reunião, sua organização interna, e o pessoal de sua administração. Aos chefes ou diretores da reunião, ao dono ou administrador da casa onde ela se celebrar, havia previsão de pena de prisão celular por cinco a quinze dias.
Por sua vez, o Código Penal atual preste a comemorar seus 84 anos de aniversário, sempre tratou o crime organizado no artigo 288 com o nome de quadrilha ou bando e também o tráfico de drogas no seu artigo 281. A conduta de quadrilha ou bando era descrita como associação de mais de três pessoas, em quadrilha ou banco, para o fim de cometer crimes. A pena era de reclusão, de um a três anos. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. Nesse sentido, vale lembrar que o referido crime tem sua objetividade jurídica destinada à proteção da paz pública e da tranquilidade social.
O arrigo 281 do CP, foi revogado pela Lei 6.368 de 1976, ocasião em que foi criado o artigo 14 que previa a associação para o tráfico de drogas, in verbis:
Art. 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa
A lei nº 6.368 de 1976 acabou sendo derrogada pela Lei nº 10.409 de 2002, foi sancionada a parte destinada aos procedimentos penais, tendo sido revogada a parte o Capítulo III, que definia os crimes e as penas. O crime de grupo, organização e associação de 3 ou mais pessoas para a tráfico de drogas era previsto no artigo 15, assim, definido:
Art. 15. Promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de 3 (três) ou mais pessoas que, atuando em conjunto, pratiquem, reiteradamente ou não, algum dos crimes previstos nos arts. 14 a 18 desta Lei:
Pena: reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, e multa.
Na tentativa de aprimorar a legislação anticrime organizado, em 1995, foi publicada a Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995, dispondo sobre a utilização de meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, prevendo que a lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. O artigo 2º, agora com redação da Lei nº 10.217, de 2001, previa que em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:
I - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;
II - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.
III – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;
IV – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial
Nesse sentido, no intervalo entre 2002 e 2006, o Brasil teve que conviver com duas normas de enfrentamento à associação para o tráfico de drogas. O artigo 14 da Lei nº 6.368, de 76 e a parte de procedimento penal da Lei nº 10.409 de 2002.
Para encerrar essa situação difícil do sistema jurídico do Brasil, a Lei nº 11.343, de 2006, revogou as duas leis em epígrafe, sepultando de vez, essa situação vexatória no país.
A atual lei sobre drogas trata do delito de associação para o crime de tráfico de drogas no artigo 35, senão vejamos:
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei
No processo evolutivo de enfrentamento ao crime organizado, agora com ênfase nas ações desencadeadas por criminosos nas comunidades do Rio de Janeiro, foi criado o crime de constituição de milícia privada, por meio da Lei nº 12.7720, de 2012, no capítulo do CP destinado aos crimes contra a paz pública.
Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.
Até mesmo a Lei das Contravenções penais, que na verdade é o Decreto-Lei nº 3.688, de 1941, tipificava uma conduta contravencional de associação criminosa, no artigo 39, no capítulo referente às contravenções contra a paz pública, consistente em participar de associação de mais de cinco pessoas, que se reúnam periodicamente, sob compromisso de ocultar à autoridade a existência, objetivo, organização ou administração da associação; pena de prisão simples, de um a seis meses, ou multa, de trezentos mil réis a três contos de réis. Nas mesmas penas incorria o proprietário ou ocupante de prédio que o cede, no todo ou em parte, para reunião de associação que saiba ser de caráter secreto. A conduta penal acabou sendo revogada expressamente pela Lei nº 14.197 de 2021, que criou no CP, os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Importante instrumento internacional contra a criminalidade transnacional, foi a Convenção de Palermo. Assim, em 15 de novembro de 2000, foi celebrada a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York. No Brasil, o texto entrou em vigor por intermédio do Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004.
O artigo 2º do instrumento em epígrafe, define importantes terminologias a parte do "Grupo criminoso organizado", como sendo grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Fornece também importantes conceitos de infração grave, grupo estruturado, bens, produto do crime, confisco, infração principal, entrega vigiada, organização regional de integração econômica e grupo criminoso estruturado, a saber:
I - "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;
II - "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;
III - "Bens" - os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos;
IV - "Produto do crime" - os bens de qualquer tipo, provenientes, direta ou indiretamente, da prática de um crime;
V - "Bloqueio" ou "apreensão" - a proibição temporária de transferir, converter, dispor ou movimentar bens, ou a custódia ou controle temporário de bens, por decisão de um tribunal ou de outra autoridade competente;
VI -"Confisco" - a privação com caráter definitivo de bens, por decisão de um tribunal ou outra autoridade competente;
VII - "Infração principal" - qualquer infração de que derive um produto que possa passar a constituir objeto de uma infração definida no Artigo 6 da presente Convenção;
VIII - "Entrega vigiada" - a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática;
IX - "Organização regional de integração econômica" - uma organização constituída por Estados soberanos de uma região determinada, para a qual estes Estados tenham transferido competências nas questões reguladas pela presente Convenção e que tenha sido devidamente mandatada, em conformidade com os seus procedimentos internos, para assinar, ratificar, aceitar ou aprovar a Convenção ou a ela aderir; as referências aos "Estados Partes" constantes da presente Convenção são aplicáveis a estas organizações, nos limites das suas competências.
X - "Grupo criminoso organizado" como sendo o grupo estruturado de 3 ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Para a norma, "Infração grave" é o “ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior”; e "Grupo estruturado" é aquele “formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada
A PRIMEIRA LEI DE CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO BRASIL
A última tentativa de enfrentamento ao crime organizado no Brasil foi a atual Lei nº 12.850, de 2013, já modificada recentemente na tentativa de ajustar as normas à evolução da técnica do crime organizado no território brasileiro.
Destarte, a lei em apreço define o crime de organização criminosa, cria instrumentos processuais na esfera probatória contra o crime organizado, a exemplo da colaboração premiada, muda o nome do crime de quadrilha ou bando do art. 288 do CP, para associação criminosa, com mudanças também na sua estrutura típica, revoga a Lei nº 9.034, de 95, além de outras mudanças significativas.
Assim, a começar para mudança na própria formulação criminosa, a Lei do Crime Organizado inova ao primeiro definir o conceito autêntico contextual de organização criminosa, para depois definir a conduta criminosa. Desta feita, o art. 1º, § 1º da Lei em comento, seguindo orientação da Convenção de Palermo, considera organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Depois de considerar o conceito de organização criminosa, o legislador previa a conduta criminosa em seu artigo 2º, a saber:
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
Nos desdobramentos da figura típica, a citada lei informa que nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. Institui uma causa de aumento de pena no § 2º, prevendo que as penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo. A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. E no § 4º, estabelece uma causa de aumento de pena. Destarte, a pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I - se há participação de criança ou adolescente;
II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
Medida importante foi a adotada no § 5º da Lei em testilha. Nessa toada, se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
Por sua vez, após a sua modificação o novo crime de associação criminosa do artigo 288 do CP, ficou assim redigido:
Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
OS BENEFÍCIOS PROCESSUAIS PARA AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
O primeiro benefício processual se refere aos estudos do crime de associação criminosa, artigo 288 do CP, que prevê pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Antes de falar sobre os benefícios, difícil é formar o conjunto probatório para provar o crime, que existe elementos de prova quando a estabilidade do grupo, permanência, liame subjetivo entre os associados. Provado tudo isso, sendo caso de prisão em flagrante, logo na delegacia de polícia, o delegado de polícia poderá arbitrar fiança. Na fase seguinte, incidirá a suspensão condicional do processo, e assim, por esse delito, dificilmente algum associado vai para a cadeia.
Num segundo caso, analisa-se o caso crime de associação para o tráfico de drogas, art. 35 da Lei nº 11.343, de 2006, aqui com semelhantes dificuldades no campo probatório. Neste caso a pena é bem maior, reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Neste caso, numa condenação a pena não superior a 04 anos de prisão, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por pena restritiva de direitos. Talvez a maior repercussão neste crime seja a pena de multa. Neste caso, ainda persiste em favor do delinquente o acordo de não persecução criminal, a teor do artigo 28-A, do CPP; quer dizer, vai prestar serviço comunitário com pena diminuída do mínimo em abstrato de 1/3 a 2/3 terços.
No terceiro caso, agora estuda-se a repercussão do crime de constituição de milícia privada, art. 288-A do CP. Aqui também a dificuldade de caracterizar as elementares do tipo; o que é grupo, organização paramilitar, milícia particular ou esquadrão? E quantos membros são necessários para configurar o referido delito? Aqui nem isso o legislador foi capaz de prever. Quer dizer. Criou um crime para não pegar. Numa hipótese de conseguir configurar o delito, se a condenação foi a uma pena não superior a 04 anos, poderá também pintar uma conversão da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
Mas agora vem a lei da Organização criminosa, lei nº 12.850, de 2023. Agora o bicho vai pegar. Neste caso, o primeiro desafio é provar a estruturação ordenada, depois a divisão de tarefas, mesmo que informalmente. Depois de muito fôlego investigativo, provado o crime em inquérito policial, agora é hora de oferecer o benefício do acordo de não persecução criminal, artigo 28-A do CP, criação do Pacote Anticrime, mas com previsão bem antes por meio da Resolução 181, de 2017 do CNMP. Neste caso, mais uma vez, o membro da organização criminosa poderá cumprir penas de prestação de serviços à comunidade, art. 28-A, inciso III, do CPP.
REFLEXÕES FINAIS
"O direito e a justiça só prosperam num país, quando o juiz está todos os dias preparado no tribunal e quando a polícia vela por meio dos seus agentes, mas cada um deve contribuir pela sua parte para essa obra". (Rudolf Von Ihering)
É preciso ter muita parcimônia para concluir os estudos em torno da evolução histórica de enfrentamento ao crime organizado no Brasil. De início é preciso afirmar que o crime de quadrilha ou bando permaneceu em vigor no Brasil durante 73 anos para ser modificado pela Lei nº 12.850, de 2013, mudando o nome para associação criminosa. Quando em vigor era tarefa difícil definir o que era quadrilha e o que bando.
Entre nós, há quem faça distinção entre quadrilha e bando. Ribeiro Pontes, em seu Código Penal Brasileiro, assinala: “A lei, criando a distinção entre quadrilha e bando, parece ter em vista distinguir, não a quantidade de crimes, mas o local de atuação das duas de associação de malfeitores. Assim, quadrilha é a associação de mais de três pessoas, para o fim de cometer crimes nas cidades. Bando é a associação de malfeitores, volante, que opera, em geral, nos aglomerados humanos, disseminados pelo interior do país. Considera-se quadrilha a horda de salteadores que obedientes a um chefe, praticam roubos e homicídios. Considera-se bando a associação de malfeitores, sem organização interna e com um chefe eventual” (II/204)3
Nelson Hungria define-a como reunião estável ou permanente (que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes (Comentários ao Código penal, 9/178)4
Mesmo depois de revogado expressamente, o famigerado crime de quadrilha ou bando ainda continua previsto na Lei nº 7.960, de 89, que define a prisão temporária, art. 1º, alínea l) e também no art. 8º, parágrafo único da Lei dos Crimes Hediondos.
O crime de associação ao tráfico de drogas, art. 35 da Lei 11.343, de 2006, é hipótese de cabimento de acordo de não persecução criminal, sem muita efetividade na proteção da sociedade.
No delito de constituição de milícia privada, art. 288-A do CP, além de todas as falhas técnicas na construção do tipo penal, criado em especial para combater os crimes nos aglomerados do Rio de Janeiro, pouco ou nada tem contribuído para a proteção da sociedade, mormente, quem vive nos aglomerados do Rio de Janeiro.
E finalmente, a inédita lei que definiu no Brasil o crime de organização criminosa, Lei nº 12.850, de 2013, criada com objetivo de combater as grandes organizações criminosas de tráfico de drogas e armas nas fronteiras, se armando com medidas probatórias importantes como a colaboração premiada, mas que acabou pegando políticos corruptos na esfera da operação Lava-Jato.
Por serem crimes de concurso necessário, plurissubjetivo, de conduta paralela e auxílio mútuo, a exigir participação coletiva no enredo criminoso, é preciso bastante técnica investigativa para reunir num consistente caderno probatório o liame subjetivo dos quadrilheiros e sua relevância comportamental para o contexto criminoso. Não se trata de tarefa tão simples. A investigação deve ser do tipo empresarial, com a participação de policiais especializados, de refinado conhecimento jurídico e técnico dado a complexidade que envolve esse tipo de apuração.
O combate efetivo das organizações criminosas somente ocorrerá quando o legislador tiver a mesma volúpia proativa que teve ao definir os crimes contra o Estado democrático de Direito e suas penas. Assim, propõe-se a reforma a Lei nº 12.850, de 2013, para criar tipos penais claros e certos, com previsão de penas de 40 anos de prisão, com causas de aumento de penas para uso de armas de uso proibido ou restritivo das forças de segurança, limitações da liberdade de ir e vir das vítimas, se praticados contra crianças, adolescentes, pessoas idosas, pessoas portadoras de deficiência, e prisão obrigatoriamente em presídios federais, imposição de regime disciplinar diferenciado, proibição de livramento condicional, além de outros benefícios compatíveis com a Carta Magna.
Definir tipos penais sem elementos normativos, sem lacunas para interpretações maliciosas, evitando construções como aquela estipulada no § 2º do artigo 1º da Lei nº 12.850, de 2013, quando descreve que nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. De qualquer forma? Quem vai analisar essa expressão de qualquer forma?
Além das medidas penais severas, faz-se imperiosa a adoção de medidas extrapenais, decretadas cautelarmente, e com efeitos automáticos da sentença penal condenatória, como obstrução do fluxo financeiro, rigoroso rastreio do dinheiro sujo, indisponibilidade de bens e de ativos, despersonalização da pessoa jurídica, extinção de empresas usadas pelas organizações criminosas, além do confisco alargado, com remodelagem para estancar as ações criminosas, impondo perdimento de todo e qualquer bem de titularidade ou sob o domínio do condenado, que ultrapasse a capacidade do seu rendimento lícito, independentemente da pena prevista em abstrato, a requerimento do Ministério Público, eis que a descapitalização do crime organizado é medida que se impõe como proteção da sociedade.
Depois que forem realizados os ajustes na instrumentalização das normas, será hora de mexer com os atores que têm a incumbência de combater o crime organizado. A sociedade precisa de homens comprometidos com o sistema de justiça social. Proteger a sociedade não é fazer justiça a qualquer preço. Militância, extremismo e fundamentalismo são amas da prepotência e dos calos homiziados nas chagas da alma humana. O sistema de defesa social precisa de profissionais capacitados. Segurança Pública não é lugar para narcisistas e gente aparecida que vive o tempo todo em busca de holofotes, gente que acha que detém o monopólio da sabedoria; combater a criminalidade exige conhecimento dos fenômenos sociais, gostar do povo, gostar de gente; exige compromisso ético e inexorável dedicação em prol da defesa social; combater crimes não é tatuar armas pelo corpo afora achando que símbolos da arrogância e da tirania podem mudar o curso da história. Como bem nos ensina o poeta mineiro: não se deixe intimidar pela violência. O poder da sua mente é toda sua fortaleza. Pouco importa esse aparato bélico universal. Toda força bruta representa nada mais do que um sintoma de fraqueza5. Digo que o primeiro passo para se alcançar o espírito nobre de grandeza, é sentir-se pequeno para ser grande; sentir as mazelas circundantes que causam feridas sociais; abraçar os feridos que estão nas trincheiras do abandono; estender as mãos para levantar os combalidos, fomentar justiça social, caminhar todos juntos no mesmo sentido, fazer assepsia social, proteger os menos favorecidos, os vulneráveis, fazer prevenção primária para curar a patologia da ignorância.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em DEL2848compilado. Acesso em 09 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei nº 9.034, de 1995. Disponível em L9034. Acesso em 09 de novembro de 2024.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3688, de 1941. Disponível em DEL3688. Acesso em 09 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei nº 12.850, de 2013. Disponível em L12850. Acesso em 09 de novembro de 2024.
BRASIL. Convenção de Palermo. Disponível em D5015. Acesso em 09 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei Sobre Drogas. Disponível em Lei nº 11.343. Acesso em 09 de novembro de 2024.
FRANCO. Alberto Silva; JÚNIOR. José Silva; BETANHO. Luiz Carlos. STOCO. Rui; FELTRIN. Sebastião Oscar; GUASTINI. Vicente Celso Rocha; NINNO. Wilson. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Página 1512. Editora Revista dos Tribunais. 1993.
Zé Geraldo. Como diria Dylan. Disponível em Como Diria Dylan - Zé Geraldo - LETRAS.MUS.BR︎
VANDRÉ. Geraldo. Pra não dizer que não falei das Flores. Cantor; compositor; advogado; poeta.︎
FRANCO. Alberto Silva; JÚNIOR. José Silva; BETANHO. Luiz Carlos. STOCO. Rui; FELTRIN. Sebastião Oscar; GUASTINI. Vicente Celso Rocha; NINNO. Wilson. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Página 1512. Editora Revista dos Tribunais. 1993.︎
FRANCO (1993)︎
Zé Geraldo. Como diria Dylan. Disponível em Como Diria Dylan - Zé Geraldo - LETRAS.MUS.BR︎